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Fatores de risco para peritonites e internações

Resumos

INTRODUÇÃO: Investigou-se um universo de 30 crianças e adolescentes portadores de doença renal crônica em tratamento dialítico, assistidos pelo Hospital das Clínicas da UFMG, a fim de determinar fatores de risco para a frequência de peritonites e de internações. MÉTODO: Estudo descritivo em que para a obtenção dos resultados utilizou-se o software SPSS (Statistical Package for Social Science) versão 13.0. Testaram-se as variáveis: baixa escolaridade, baixa renda familiar, nível de informação inadequado, inadequação da antissepsia das mãos para a realização da diálise, ausência de pia no quarto da diálise como fator de risco para maior frequência de peritonites e internações. RESULTADOS: Os valores de Odds Ratio estiveram dentro dos limites dos intervalos de confiança (95%) e em alguns casos foram < 1, indicando a possibilidade de associação negativa entre algumas variáveis independentes e as variáveis pesquisadas, embora sem diferença estatística significativa. CONCLUSÃO: Não foi detectada significância estatística para as variáveis testadas, embora haja uma tendência para a sua ocorrência.

diálise peritoneal; peritonite; fatores de risco; hospitalização


INTRODUCTION: This study assessed 30 children and adolescents with chronic kidney disease on dialysis, cared for at the Hospital das Clínicas of UFMG, aiming at determining the risk factors for the frequency of peritonitis and hospitalizations. METHOD: Descriptive study using the SPSS (Statistical Package for Social Science) software, version 13.0. The following variables were assessed as risk factors for a higher frequency of peritonitis and hospitalizations: low educational level; low family income; inadequate level of information; inadequate hand antisepsis during PD; and lack of a sink in the dialysis room. RESULTS: The odds ratio values were within the 95% confidence intervals, and, in some cases, were smaller than 1, indicating the possibility of a negative association between some independent variables and the variables studied, but with no statistically significant difference. CONCLUSION: No statistical significance was observed for the variables studied, despite the tendency towards that.

peritoneal dialysis; peritonitis; risk factors; hospitalization


ARTIGO ORIGINAL

Fatores de risco para peritonites e internações

Sarah Silva AbrahãoI; Janete RicasII; Darly Fernando AndradeIII; Fátima Chagas PompeuIV; Leila ChamahumV; Tâmara Miguel AraújoVI; José Maria Penido SilvaVII; Cristiane NahasVIII; Eleonora Moreira LimaVII

ICoordenação de Enfermagem do Setor de Sus/Convênios/Particulares do Hospital das Clínicas da UFMG

IIPediatria da Uiversidade Federal de São João del Rey, Assessoria do Reitor na UFSJ

IIIDiretoria da Gaus Estatística e Mercado

IVAssistência Social do Setor de Nefrologia e Hemodiálise do Hospital das Clínicas da UFMG

VSetor de Nefrologia e Hemodiálise do Hospital das Clínicas da UFMG

VICoordenação do Setor de Nefrologia e Hemodiálise do Hospital das Clínicas da UFMG

VIISetor de Nefrologia e Hemodiálise do Hospital das Clínicas da UFMG

VIIISetor de Nefrologia da FHEMIG

Correspondência para Correspondência para: Sarah Silva Abrahão Av. Alfredo Balena, 110, B Santa Efigênia Belo Horizonte - MG CEP: 30130-100 Declaramos a inexistência de conflitos de interesse.

RESUMO

INTRODUÇÃO: Investigou-se um universo de 30 crianças e adolescentes portadores de doença renal crônica em tratamento dialítico, assistidos pelo Hospital das Clínicas da UFMG, a fim de determinar fatores de risco para a frequência de peritonites e de internações.

MÉTODO: Estudo descritivo em que para a obtenção dos resultados utilizou-se o software SPSS (Statistical Package for Social Science) versão 13.0. Testaram-se as variáveis: baixa escolaridade, baixa renda familiar, nível de informação inadequado, inadequação da antissepsia das mãos para a realização da diálise, ausência de pia no quarto da diálise como fator de risco para maior frequência de peritonites e internações.

RESULTADOS: Os valores de Odds Ratio estiveram dentro dos limites dos intervalos de confiança (95%) e em alguns casos foram < 1, indicando a possibilidade de associação negativa entre algumas variáveis independentes e as variáveis pesquisadas, embora sem diferença estatística significativa.

CONCLUSÃO: Não foi detectada significância estatística para as variáveis testadas, embora haja uma tendência para a sua ocorrência.

Palavras-chave: diálise peritoneal, peritonite, fatores de risco, hospitalização.

INTRODUÇÃO

A doença renal crônica (DRC) na infância é o caminho final comum de várias doenças sistêmicas ou primariamente renais ou urológicas que podem ser congênitas ou adquiridas e ocorrer precoce ou tardiamente na infância.1 O tratamento é proposto de acordo como estágio da doença do paciente, que geralmente procura um serviço médico-hospitalar em fase avançada, quando, muitas vezes, as técnicas de diálise (diálise peritoneal - DP ou hemodiálise - HD) tornam-se indispensáveis para a manutenção da vida.

A DP é uma das alternativas de tratamento e está indicada por oferecer vantagens ao paciente, especialmente por possibilitar melhor controle bioquímico, da uremia, da anemia e hipertensão arterial, preservar a função renal residual, permitir a nutrição e ingestão de líquidos com menor restrição, demandar menor necessidade de transfusões sanguíneas, manter a criança/adolescente em seu ambiente social e ser mais compatível com a vida na escola.2

Apesar de todas essas vantagens, a DP pode representar riscos para o paciente caso não sejam respeitados alguns requisitos indispensáveis ao sucesso da mesma, como condições minimamente adequadas de moradia, antissepsia do ambiente reservado à DP, motivação e domínio da técnica por parte dos familiares que são responsáveis ou ajudam no processo, dentre outros.

A peritonite tem um significante impacto para os pacientes pediátricos em termos da longevidade da modalidade terapêutica3 e representa a complicação mais frequente da diálise peritoneal ambulatorial contínua (DPAC) ou da diálise peritoneal automatizada (DPA).4,5

Um dos primeiros sinais de peritonite é a alteração da cor e aspecto do líquido drenado, que muda de claro e fluido para turvo e espesso. Além disso, aparecem febre, dor abdominal, mal-estar, enjoos, vômitos e diminuição do apetite. A peritonite tratada precocemente tem boa evolução.

Cerca de 50 a 60% dos episódios de peritonites em crianças são causados por bactérias gram-positivos, e 20 a 30%, por organismos gram-negativos. Fungos causam 2 a 5% das infecções.3

Staphylococcus aureus e Staphylococcus epidermidis são os agentes mais comuns das peritonites. A peritonite é confirmada laboratorialmente por contagem de leucócitos no efluente peritoneal superior a 100 células/mm3 com, no mínimo, 50% de neutrófilos polimorfonucleares. A bolsa de drenagem com líquido turvo deve ser enviada para laboratório para realização de gram, culturas, contagem de leucócitos com contagem diferencial (leucócitos e hemácias), além de pesquisa e cultura para fungos, quando houver suspeita de infecção fúngica.6

A incidência geral de peritonite nos pacientes em DPAC durante os anos de 1980 e o início dos anos de 1990 foi em média de 1,1 a 1,3 episódio por ano nos Estados Unidos. A introdução do sistema de dupla bolsa e do equipo em Y reduziu essa incidência para aproximadamente um episódio a cada 24 meses.7 A taxa de peritonite nos pacientes em DPAC nos Estados Unidos é agora comparável àquela relatada nos pacientes submetidos à DPA.8

O tratamento de peritonites inclui uso de antibióticos por via intraperitoneal em cada troca ou apenas em troca noturna, o que facilita o tratamento e reduz o risco de novas infecções.6

Objetivou-se com este estudo determinar os fatores de risco para a frequência de peritonites e de internações em crianças/adolescentes em DP na Unidade de Nefrologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC/UFMG).

MÉTODO

Foram investigados todas as crianças e adolescentes assistidos no período de maio de 2004 a março de 2006 pela Unidade de Nefrologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC/UFMG) com DRC, que utiliza ou utilizou dentro do período supracitado, a DP como terapia de substituição da função renal.

DEFINIÇÕES

Peritonite

Neste estudo definiu-se um número de peritonites maior ou igual a 2/ano como condição desfavorável, ou seja, frequência alta de peritonites, e peritonites em número menor que 2/ano como condição favorável, isto é, frequência baixa ou aceitável de peritonites. Esta classificação foi baseada no relato do NAPRTCS,9 que reviu dados coletados até janeiro de 2003 e detectou 3.385 episódios de peritonites em 4.395 anos de seguimento, fornecendo uma taxa anual de 0,77 episódios por paciente por ano (uma infecção a cada 15,6 pacientes/mês).

Internação

Definiu-se um número de internações maior ou igual a 3/ano como condição inadequada, ou seja, frequência alta de internações. Para uma condição adequada ou aceitável foram consideradas internações em número menor que 3/ano, isto é, frequência baixa de internações.

Qualidade de aplicação da técnica de DP

Avaliou-se a qualidade da aplicação da técnica de DP, representada pela média das avaliações feitas pela enfermeira pesquisadora e pelas enfermeiras da Unidade de Nefrologia Pediátrica do HC/UFMG, responsáveis pelo treinamento e acompanhamento dos cuidadores e das crianças e adolescentes assistidos, com base em conhecimentos teórico-práticos. A avaliação participativa foi realizada com o intuito de minimizar possíveis interpretações pessoais que poderiam supervalorizar ou diminuir seu valor.

• a qualidade de aplicação da técnica de DP foi considerada adequada ou inadequada. Foi considerada adequada aquela em que o cuidador seguiu corretamente e sem modificações os passos para aplicação da técnica, segundo o treinamento recebido e orientações nas visitas domiciliares regulares de acompanhamento conforme os seguintes critérios:

a) escolha e uso de equipamentos e materiais;

b) antissepsia das mãos;

c) forma de aquecimento do líquido de diálise para infusão;

d) uso de máscara facial no momento da DP;

e) produtos utilizados para a antissepsia do cateter de diálise;

f) destinação do efluente (líquido drenado, produto da diálise).

A coleta de dados foi feita por meio de entrevista do cuidador (representado pela mãe em 80% dos casos) e observação da realização da técnica, ambas durante visita domiciliar realizada pela enfermeira pesquisadora. Utilizou-se para tanto roteiro de visita domiciliar e um questionário contendo questões fechadas e abertas.

As seguintes categorias foram utilizadas para a classificação do grupo estudado:

• Alta e baixa escolaridade, sendo baixa aquela igual ou menor que 4ª série primária;

• Alta ou baixa renda per capita, sendo baixa aquela igual ou menor que um salário mínimo por pessoa, levando-se em consideração o valor do salário mínimo em março de 2006 (R$ 300,00 - Moeda Brasileira);

• A condição do local para realização da diálise foi considerada favorável ou desfavorável, sendo a ausência de pia no quarto da diálise o indicador mais específico de condição desfavorável ao processo;

• Antissepsia adequada ou inadequada das mãos, sendo inadequada quando o tempo e número de vezes necessárias para lavar as mãos à antissepsia estava em desacordo ao preconizado segundo a modalidade dialítica (DPAC ou DPA);

• Avaliação do nível de informação dos cuidadores sobre a técnica dialítica e afins, conforme as questões 1, 2, 3, 4, 5, 6 abaixo expostas:

1 - O que sabe a respeito da diálise peritoneal? Para que serve?

2 - O que lhe foi orientado?

3 - Que cuidados exigem atenção permanente?

4 - Como deve ser o aspecto do líquido drenado?

5 - Quando se deve procurar auxílio médico?

6 - Se você fosse o responsável por orientar outra pessoa, o que você a orientaria? (Descrição detalhada)

Os critérios para a classificação das respostas foram baseados no conhecimento teórico-prático da enfermeira pesquisadora e de especialistas no assunto (orientadoras e enfermeiras do Serviço de Nefrologia Pediátrica do HC/UFMG), a respeito da aplicação da técnica de DP, da DRC e afins, e a partir daquilo que é orientado aos responsáveis pela execução desta. Segundo este indicador, as repostas às questões foram classificadas como: a) insatisfatórias: aquela em que o entrevistado não compreendeu a pergunta, respondeu de forma superficial, errada ou não pertinente à questão colocada; e b) satisfatória: resposta detalhada e explicativa.

Análise estatística

A partir do banco de dados criado foram construídas tabelas de frequência calculando-se o Odds Ratio para os cruzamentos propostos e o intervalo de confiança para cada um dos valores encontrados, expostos nos resultados. O intervalo de confiança utilizado foi de 95%.

Para a obtenção dos resultados utilizou-se o software SPSS (Statistical Package for Social Science) versão 13.0.

Aspectos éticos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da UFMG e os pais e responsáveis pelas crianças e adolescentes assinaram o termo de consentimento informado.

RESULTADOS

O estudo foi composto por 30 crianças e adolescentes, sendo 15 (50%) do sexo feminino e 15 (50%) do sexo masculino. A idade média foi de 8,2 ± 4 anos (1 a 16,5 anos). Os pacientes estavam em tratamento de substituição da função renal por 2,8 ± 2,2 anos (0,4 a 9,7 anos).

Internações e complicações gerais relacionadas

Houve relato de internações por 23 (77%) dos responsáveis pelos pacientes do estudo. Destes, 12 (40%) foram internados três ou mais vezes/ano e 11 (37%) foram internados apenas uma vez. Somente 7 (23%) não sofreram internação.

As internações foram motivadas, conforme informação dos entrevistados, por complicações diversas ou para troca ou reposicionamento do cateter. A Tabela 1 mostra as complicações que motivaram as internações e sua distribuição de frequência, classificadas por nível de gravidade.

Peritonites

Os agentes causadores de peritonites mais comuns nos pacientes do estudo foram: Staphylococcus aureus e Staphylococcus epidermidis e, em alguns casos, Enterococcus sp. As peritonites foram relatadas por 15 (50%) cuidadores na frequência apresentada na Figura 1.


Associações entre as variáveis pesquisadas no estudo

Com base nos dados coletados e a classificação do universo estudado, buscou-se verificar possíveis associações entre a frequência de peritonites e de internações e as variáveis apresentadas na Tabela 2, usando-se para isso, o cálculo de Odds Ratio. O intervalo de confiança utilizado foi de 95%. Os valores de OR estiveram dentro dos limites dos intervalos de confiança e em alguns casos foram < 1, indicando a possibilidade de associação negativa entre algumas variáveis independentes e as variáveis pesquisadas, embora sem diferença estatística significativa.

Investigou-se igualmente a possibilidade de associação entre qualidade da técnica de diálise versus frequência de peritonites (OR = 1,90 e IC = 0,38 -9,59) e versus frequência de internações (OR = 1,60 e IC = 0,35 -7,30), apresentada na Tabela 3. Embora o OR fosse > 1, indicando a possibilidade de associação positiva entre a variável independente e a variável pesquisada em ambos os casos, não foi detectada diferença estatística significativa.

Os resultados apresentados nas Tabelas 2 e 3 não evidenciaram a presença de fator de risco entre as variáveis testadas.

DISCUSSÃO

Internações e peritonites

Dados da USRDS10 documentaram infecção, primariamente peritonite, como sendo a causa inicial mais frequente de hospitalizações em crianças em DP, enquanto que registros do NAPRTCS11 detectaram peritonite como a causa principal de mudança de técnica dialítica.

Estudos diversos confirmam que a complicação infecciosa mais comum da DP é a peritonite, tanto na DPAC quanto na DPA, sendo também de grande significado para as hospitalizações perda do cateter, má nutrição, falência da membrana peritoneal, mudança de técnica dialítica e ocasionalmente óbito.4,10,12,13,14,15

Outras complicações da diálise como as infecções, sobretudo as infecções de orifício de saída e de túnel do cateter peritoneal, foram relatadas por seis (20%) cuidadores e geralmente estão associadas à má higiene, manipulação pelo paciente e/ou colonização de bactérias da própria pele predispondo à ocorrência de peritonite.

A peritonite é ainda o grande fator de morbimortalidade de pacientes em DP. A ocorrência de peritonites pode representar falha no procedimento e/ou o não comprometimento dos cuidadores para com o paciente, além de normalmente ser sinônimo de internação e dias longe de casa e da família. Apesar disso, com os avanços nos tratamentos da peritonite ou as mudanças na conduta médica, esses pacientes vêm sendo beneficiados, podendo o tratamento ser feito em casa, com a aplicação de antibióticos nas bolsas de diálise durante o processo.

No presente estudo, dos 23 (77%) relatos de internações, 15 (65%) estavam relacionados à internação para tratamento de peritonite. Embora o número de episódios de peritonite seja elevado, sua incidência vem diminuindo ao longo dos anos na população de pacientes assistidos pelo HC/UFMG, situação que talvez possa ser explicada pela intensificação das visitas domiciliares realizadas pela equipe responsável pelo treinamento para a DP, assim como pela conversão da técnica de DPAC para DPA.

Os relatos de peritonites informados pelos cuidadores correspondiam aos pacientes que estavam no mínimo 1,4 e no máximo 9,7 anos em tratamento dialítico.

É provável que o curto tempo em tratamento dialítico tenha sido o responsável pela ausência de peritonite em seis (40%) pacientes entre os 15 (50%) nesta condição. Estes seis pacientes estavam em tratamento dialítico há pouco mais de três meses. Além disso, é possível que o curto tempo em diálise até uma transferência para outra modalidade terapêutica ou o transplante renal (TxR) tenha contribuído para a ausência de peritonite em nove pacientes. Estes dados sugerem uma associação entre peritonite e tempo em DP.

Discussão dos resultados estatísticos

Buscou-se, por meio das variáveis investigadas, averiguar a existência de associações entre elas, utilizando-se para tanto o cálculo de Odds Ratio e o intervalo de confiança de seus valores, a fim de avaliar a significância estatística das mesmas.

Não se detectou associação entre as variáveis testadas, provavelmente devido ao tamanho do universo estudado (30 pacientes).

Estudos multicêntricos incluindo toda a população pediátrica em DP no estado de Minas Gerais ou mesmo no Brasil poderão ser capazes de confirmar as associações, não só destas mas de outras variáveis relacionadas a este tipo de tratamento para a DRC, podendo assim trazer mais informações para o aprimoramento das terapias de substituição da função renal e consequente melhoria para a qualidade de vida desta população.

Escolaridade do principal cuidador

É importante que o cuidador tenha algum grau de instrução, para minimizar as intercorrências relacionadas ao cuidado com o paciente, assim como melhorar a compreensão das regras e orientações preconizadas, indispensáveis ao tratamento.

Uma baixa escolaridade não interferiu na frequência de peritonites e internações, fato possivelmente explicado pelo tamanho do universo estudado, composto por 30 pacientes.

Renda per capita

A renda per capita das famílias estudadas foi menor que um salário mínimo por pessoa em 28 (93%) casos, apontando um perfil socioeconômico baixo na maioria absoluta dos pacientes assistidos pela Unidade de Nefrologia Pediátrica do HC/UFMG, portadores de DRC em tratamento dialítico.

Em coerência com a baixa renda per capita detectou-se que, das casas visitadas, 13 (43%) estavam em acabamento e/ou construção; as condições dos domicílios são muitas vezes precárias e sem preparo para a inusitada situação de doença do paciente e necessidade de espaço domiciliar para seu tratamento, sendo obrigatória sua adequação.

Presença de pia no quarto da diálise

A ausência de pia no quarto da diálise não constituiu fator de risco para a ocorrência de peritonites e internações. Tal situação talvez possa ser explicada não somente pelo pequeno universo estudado (30 pacientes), mas também pelo reduzido número de quartos de diálise sem pia (3/30 = 10%).

Antissepsia das mãos

Para a realização da DP é indispensável o uso de um produto adequado e suficiente para a antissepsia das mãos e do cateter peritoneal, bem como o tempo e número de vezes apropriado com relação à modalidade terapêutica de diálise que se está utilizando.

O tempo e número de vezes para antissepsia das mãos, segundo o tipo de modalidade dialítica, instruídas durante o treinamento realizado pelas enfermeiras, têm fundamental importância para a aplicação da técnica de diálise, e quando não realizados adequadamente são determinantes de falhas.

Existe uma tendência para a diminuição da frequência de internações quando a antissepsia das mãos é adequada, contudo neste estudo essa variável não favoreceu a redução do número de peritonites, situação provavelmente mascarada por outras formas de contaminação tão importantes ou mais do que esta.

Nível de informação do cuidador

Embora sem significância estatística, observou-se que:

• O nível de informação, avaliado pelas questões 1 e 2 (Tabela 2) como inadequado, tende a ser um fator de risco para uma maior frequência de internações, sugerindo uma provável necessidade de reciclagem dos conhecimentos primários básicos, no intuito de contribuir para a não recorrência dessas internações e possível melhora na execução do procedimento.

• O nível de informação, avaliado pelas questões 2, 3, e 5 (Tabela 2) como inadequado, tende a ser um fator de risco para uma maior frequência de peritonites, ou seja, quando o cuidador não compreendeu a pergunta, não soube ou não se lembrou o que lhe foi orientado, não teve uma noção apropriada de que cuidados exigem atenção permanente com relação ao paciente e à diálise, nem quando devia procurar auxílio médico, há maior possibilidade do aparecimento de problemas tais como a peritonite. Este achado sugere que o cuidador não estava devidamente atento a questões importantes para a minimização do aparecimento de complicações.

• Para o nível de informação avaliado pela questão 4 (tabela 2), todos os 30 cuidadores sabiam como deveria ser o aspecto do líquido drenado, respondendo à questão apropriadamente, talvez por ser esse tema bastante enfatizado pela equipe assistencial, por significar possíveis falhas na execução da técnica de diálise realizada pelo cuidador, além de representar, quando alterado, sinal de peritonite.

• Ao contrário do que se esperava, para o nível de informação avaliado pela questão 6 (Tabela 2), questão que solicitava uma descrição detalhada da técnica de DP, não foi detectada uma associação com peritonites e internações.

Todos esses achados foram possíveis, sobretudo por meio das visitas domiciliares, que devem ser frequentes e representam um dos instrumentos utilizados, não apenas pela atenção básica nos Programas de Saúde da Família, mas pela atenção especializada, aqui representada pelo HC/UFMG.

As visitas domiciliares e o contato com paciente e família inspiram, sem sombra de dúvida, confiança e comprometimento. Boas relações intra e extra-hospitalares são algumas das ferramentas indispensáveis para o cuidado do portador de DRC.

A visita domiciliar é uma porta que se abre para o conhecimento da realidade, da proximidade e pode representar uma forma de convidar o paciente e sua família para trabalhar possibilidades materiais e culturais em favor deles mesmos, melhorando a aderência ao tratamento e reduzindo complicações.

CONCLUSÃO

Apesar da ausência de diferença estatística da análise das variáveis independentes como fator de risco para as variáveis dependentes pesquisadas, acredita-se que as variáveis nível de escolaridade superior a 4ª série primária, renda familiar superior a um salário mínimo (R$ 300,00) por pessoa, ambiente adequado à realização da DP, nível adequado de informação teóricoprática a respeito da DP e da DRC, seguimento rigoroso das instruções dadas sobre a aplicação da técnica, comprometimento e envolvimento por parte da família e sobretudo do cuidador exercem um papel positivo para o sucesso da aplicação da técnica dialítica, podendo ainda contribuir para a redução do número de intercorrências clínicas e consequentes hospitalizações.

Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC/UFMG)

Este artigo foi modificado em 02/07/2010 em função de correções na filiação dos autores, na terminologia, na estética das tabelas e figura.

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  • Correspondência para:

    Sarah Silva Abrahão
    Av. Alfredo Balena, 110, B Santa Efigênia
    Belo Horizonte - MG CEP: 30130-100
    Declaramos a inexistência de conflitos de interesse.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      Mar 2010
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