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Avaliação das pressões respiratórias máximas em pacientes renais crônicos nos momentos pré e pós-hemodiálise

Resumos

INTRODUÇÃO E OBJETIVO: Medidas da pressão inspiratória máxima (PImáx) e da pressão expiratória máxima (PEmáx) são utilizadas para avaliar a integridade da musculatura respiratória medindo sua força. O objetivo do estudo foi avaliar a influência imediata da hemodiálise (HD) na força desses músculos pelas mensurações de PImáx e PEmáx, investigando a integridade desta musculatura e/ou a presença de fraqueza muscular. MÉTODO: Realizou-se um estudo prospectivo, transversal, numa amostra de conveniência, no qual foram avaliados 35 indivíduos renais crônicos (26 homens e 9 mulheres), com idade média de 51,7 ± 14,7 anos, no serviço de hemodiálise do Hospital Universitário Alzira Vellano (HUAV), em Alfenas-MG. Foram determinadas as medidas das PImáx e PEmáx, na posição sentada (90º), utilizando um manovacuômetro digital (MVD 300®) acoplado a um microcomputador para a leitura e armazenamento dos dados obtidos, antes e após a HD. RESULTADOS: Tanto a PImáx como a PEmáx foram menores que as preditas nos momentos pré e pós-hemodiálise (p < 0,0001). Quando foram comparados os valores pré-hemodiálise e pós-hemodiálise, a PImáx apresentou discreta melhora (p = 0,0420), sendo evidente apenas naqueles pacientes com valores pré-hemodiálise menores que 60 cmH2O (Wilcoxon; p = 0,0480). A PEmáx pós-hemodiálise não foi diferente daquela pré-procedimento (p = 0,4987). CONCLUSÃO: Pacientes apresentaram evidente comprometimento da função muscular respiratória e apenas uma sessão de HD foi insuficiente para melhorar de forma significativa suas pressões respiratórias, exceto por uma discreta melhora na força inspiratória observada naqueles que apresentavam uma PImáx abaixo de 60 cmH2O antes do procedimento.

força muscular; insuficiência renal crônica; diálise renal


INTRODUCTION AND OBJECTIVE: Maximal inspiratory and expiratory pressures (PImax and PEmax) are used to assess the integrity of respiratory muscles by measuring their strength. The aim of this study was to assess the immediate influence of hemodialysis (HD) on respiratory muscle strength by measuring PImax and PEmax, investigating the integrity of that musculature and/or the presence of muscular weakness. METHOD: A prospective, crosssectional study was carried out on a convenience sample of 35 patients with chronic kidney disease (26 men and 9 women; mean age, 51.7 ± 14.7 years) at the Nephrology Division of the Hospital Universitário Alzira Vellano, in the city of Alfenas, in the state of Minas Gerais, Brazil. Patients had their PImax and PEmax taken in the seated position (at 90°) by using a digital manovacuometer (MVD 300®) attached to a notebook for reading and recording data obtained before and after the HD session. RESULTS: Both PImax and PEmax were lower than the values predicted for pre- and post-HD (p < 0.0001). Comparing the values obtained pre-HD and post- HD, PImax showed a slight improvement (p = 0.0420), evidenced only in patients with pre-HD values below 60 cmH2O (Wilcoxon; p = 0.0480). Post-HD PEmax did not differ from the pre-HD measure (p = 0.4987). CONCLUSION: The CKD patients showed a serious impairment of their respiratory muscle function, and only one isolated HD session could not significantly improve their maximum respiratory pressures. A slight improvement in the inspiratory strength was observed in patients whose PImax was lower than 60 cm-H2O before the procedure.

muscular strength; chronic kidney failure; renal dialysis


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação das pressões respiratórias máximas em pacientes renais crônicos nos momentos pré e pós-hemodiálise

Carmélia Bomfim Jacó RochaI; Sebastião AraújoII

IDisciplina de Fisioterapia em Pneumologia e Fisioterapia aplicada à pneumologia da Universidade José do Rosário Vellano (Unifenas)

IIDepartamento de cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas-Unicamp

Correspondência para Correspondência para: Carmélia Bomfim Jacó Rocha Rua José Miguel Vilela, 354 Centro Campo do Meio - MG CEP: 37165-000 Tel: (35) 3857-1094/ (35) 9976-8630

RESUMO

INTRODUÇÃO E OBJETIVO: Medidas da pressão inspiratória máxima (PImáx) e da pressão expiratória máxima (PEmáx) são utilizadas para avaliar a integridade da musculatura respiratória medindo sua força. O objetivo do estudo foi avaliar a influência imediata da hemodiálise (HD) na força desses músculos pelas mensurações de PImáx e PEmáx, investigando a integridade desta musculatura e/ou a presença de fraqueza muscular.

MÉTODO: Realizou-se um estudo prospectivo, transversal, numa amostra de conveniência, no qual foram avaliados 35 indivíduos renais crônicos (26 homens e 9 mulheres), com idade média de 51,7 ± 14,7 anos, no serviço de hemodiálise do Hospital Universitário Alzira Vellano (HUAV), em Alfenas-MG. Foram determinadas as medidas das PImáx e PEmáx, na posição sentada (90º), utilizando um manovacuômetro digital (MVD 300®) acoplado a um microcomputador para a leitura e armazenamento dos dados obtidos, antes e após a HD.

RESULTADOS: Tanto a PImáx como a PEmáx foram menores que as preditas nos momentos pré e pós-hemodiálise (p < 0,0001). Quando foram comparados os valores pré-hemodiálise e pós-hemodiálise, a PImáx apresentou discreta melhora (p = 0,0420), sendo evidente apenas naqueles pacientes com valores pré-hemodiálise menores que 60 cmH2O (Wilcoxon; p = 0,0480). A PEmáx pós-hemodiálise não foi diferente daquela pré-procedimento (p = 0,4987).

CONCLUSÃO: Pacientes apresentaram evidente comprometimento da função muscular respiratória e apenas uma sessão de HD foi insuficiente para melhorar de forma significativa suas pressões respiratórias, exceto por uma discreta melhora na força inspiratória observada naqueles que apresentavam uma PImáx abaixo de 60 cmH2O antes do procedimento.

Palavras-chave: força muscular, insuficiência renal crônica, diálise renal.

INTRODUÇÃO

A doença renal crônica (DRC) é atualmente um problema de saúde pública. O aumento de sua incidência vem sendo observado e decorre, principalmente, da maior expectativa de vida e do aumento na prevalência de diabetes mellitus e de hipertensão arterial na população. As estimativas para o ano de 2010 nos Estados Unidos (EUA) alcançam cifras da ordem de 520.000 pacientes em diálise e 178.000 pacientes transplantados, com um aumento na população de pacientes renais crônicos projetado em 4,1% ao ano.1

Dos pacientes com DRC em terapia dialítica, a HD é a modalidade mais empregada (90,7%).2 Essa intervenção é realizada normalmente três vezes por semana, três a quatro horas por sessão. Apesar de os avanços na HD terem melhorado a sobrevida desses pacientes, importantes alterações na qualidade de vida dos mesmos têm sido demonstradas.3,4 A capacidade funcional desses pacientes tem se mostrado reduzida, incluindo diminuição da atividade física, fraqueza muscular, anemia, disfunção ventricular, alterações metabólicas e hormonais diversas.4 Estudos têm revelado que pacientes em HD não possuem condicionamento físico algum.3

O desempenho de qualquer músculo pode ser avaliado por sua força, endurance e resistência à fadiga. A mensuração dessas características permite a obtenção de índices significativos para a avaliação funcional da musculatura respiratória.5

A DRC e seu séquito de alterações metabólicas podem resultar em uma variedade de condições fisiopatológicas que favorecem o desenvolvimento de fraqueza muscular respiratória, entretanto, muito pouco é conhecido sobre o desempenho dos músculos respiratórios e os efeitos agudos da HD neles.

Ademais, pacientes com DRC recebendo tratamento dialítico estão sujeitos a mudanças rápidas no volume e na composição bioquímica dos fluidos corporais, o que pode afetar adversamente a função muscular respiratória.6,7

A PImáx e PEmáx produzidas na boca durante esforços estáticos são consideradas um reflexo da força dos músculos respiratórios. As relações entre essas pressões estáticas máximas com a idade, sexo e desenvolvimento muscular geral foram descritas por autores,8,9 assim como a influência do volume pulmonar em que as medidas foram feitas.10,11,12,13 O teste mais amplamente utilizado para a avaliação da força global dos músculos inspiratórios e expiratórios é o de mensuração das pressões estáticas máximas em nível da boca.14 Esses testes têm a vantagem de não ser invasivos, e valores normais encontram-se bem estabelecidos em adultos.8,15,16,17

Uma PImáx alta (> 80cm H2O) ou uma PEmáx alta (> 90 cmH2O) excluem fraqueza inspiratória ou expiratória clinicamente importante.18

Para determinar se um indivíduo apresenta uma PImáx baixa, esse valor deve estar abaixo de 60% do valor predito, sendo esse baseado em variáveis como sexo e idade,16 peso corporal19 e altura.20

Valores acima de 60 cmH2O excluem clinicamente a fraqueza dos músculos respiratórios,18 e já é consenso que pacientes com PImáx £ 60 cmH2O necessitam de treinamento específico da musculatura respiratória.21

Convencionalmente, a PImáx é medida a partir do volume residual (VR) e a PEmáx, a partir da capacidade pulmonar total (CPT), com o uso de um clipe nasal. A mais alta pressão registrada e mantida por um segundo representa a PImáx ou PEmáx.22

Assim, as medidas das pressões respiratórias máximas (PImáx e PEmáx), realizadas rotineiramente à beira do leito com o auxílio de um manovacuômetro portátil, são procedimentos simples e úteis na avaliação de pacientes graves, podendo ser aplicadas numa ampla gama de situações clínicas, incluindo os pacientes renais crônicos em terapia dialítica.

Os objetivos deste estudo foram mensurar as pressões respiratórias máximas nos pacientes com DRC e submetidos rotineiramente à HD e confrontar os resultados obtidos com os valores preditos a cada um em momentos distintos (pré-hemodiálise e pós-hemodiálise), avaliando a influência imediata do procedimento nesses valores.

PACIENTES E MÉTODOS

Pacientes

Tratou-se de um estudo prospectivo, descritivo, transversal, em uma amostra de conveniência. Foram incluídos 35 pacientes, dos quais 9 eram fumantes e 26 não fumantes, sendo 26 homens (74,3%) e 9 mulheres com DRC secundária a variadas doenças de base, submetidos rotineiramente a sessões de HD no HUAV. Foram incluídos pacientes com idade > 18 anos, com DRC de qualquer etiologia, em terapêutica hemodialítica há mais de um mês, conscientes, colaborativos e que concordaram em assinar o termo de consentimento livre e esclarecido. Foram excluídos pacientes com idade < 18 anos, gestantes ou em lactação, em terapêutica hemodialítica há menos de um mês, pouco colaborativos ou que se recusaram a assinar o termo de consentimento livre e esclarecido. Todos os voluntários receberam informações sobre suas participações no projeto e assinaram um termo de consentimento formal, concordando em se submeter à pesquisa de acordo com a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa envolvendo seres humanos da Universidade de Alfenas - UNIFENAS, parecer n0 106/2005. A coleta de dados foi realizada de agosto a setembro de 2005, no setor de hemodiálise do Hospital em Alfenas - MG.

Foi utilizado um equipamento microprocessado (manovacuômetro digital, modelo MVD300®, fabricado por MDI Produtos e Sistemas Ltda., com número de série 00000043), que possui certificado de calibração número 0016/2005 e tem como características a unidade de medida em cmH2O, com resolução de 1 cmH2O, e capacidade de medição até 500 cmH2O. O padrão utilizado para a calibração estava codificado como MVD300® n/s 14, calibrado em 27/07/2005, com validade até 26/11/2005, certificado DIMCI 1984/2004, expedido pelo INMETRO.

Além da verificação das pressões, o equipamento fornece, por meio de programa específico, gráficos e valores previstos para cada paciente de acordo com o sexo, idade, peso e altura, baseado em artigo científico que avaliou e estabeleceu valores para a população brasileira.16 Esses dados foram visualizados online, lançados no programa do aparelho (software versão 1.4, hardware versão 1.27) e analisados posteriormente.

O computador ao qual foi acoplado o MVD300® foi um notebook Toshiba, Pentium 1.6 GHz, com tecnologia Intel-Centrino.

Metodologia

Os voluntários foram primeiramente orientados sobre os procedimentos do estudo, sendo-lhes explicada minuciosamente a técnica a ser utilizada, salientando seu caráter não invasivo e a virtual ausência de contraindicações.

Todos os sujeitos, ainda em jejum, foram pesados, medidos, tiveram seus dados vitais aferidos e posteriormente foram submetidos a avaliações das pressões respiratórias máximas, procedimentos que, dependendo da compreensão e cooperação dos mesmos, tiveram duração média em torno de 15 minutos. Após as medições, os pacientes foram direcionados ao refeitório para receber alimentação e, logo em seguida, foram colocados na máquina de hemodiálise. O tempo total entre a pesagem e o início da hemodiálise ficou estimado em trinta minutos. Ao término da sessão hemodialítica, logo após sua desconexão da máquina, os pacientes foram imediatamente pesados e novamente submetidos às aferições das pressões respiratórias máximas e coleta dos dados vitais, sendo logo após reencaminhados ao refeitório.

Os sujeitos foram orientados a realizar respirações conectados ao MVD300® por meio de uma linha de pressão e de um bocal individual. O material, além de ser individualizado, foi todo submetido à esterilização com óxido de etileno pelo serviço do HUAV.

Não houve contato prévio do examinador com os pacientes antes do dia do exame, a técnica foi não invasiva e somente foram explicados aos sujeitos os padrões respiratórios necessários para cada medida específica, sendo feito um breve ensaio antes que as medidas válidas fossem registradas, para que os pacientes se familiarizassem com a técnica.

Para medir a PImáx, um clipe nasal foi posicionado e o sujeito foi orientado a colocar o bocal de conexão ao manovacuômetro. Em seguida, era-lhe solicitado que esvaziasse os pulmões, assoprando o máximo possível, em nível de VR, e realizasse, então, uma inspiração máxima até o nível de CPT, mantendo-a por um segundo. Essa manobra foi repetida três vezes e teve seus valores registrados pelo equipamento. O maior valor registrado foi aquele utilizado para a análise.

Para medir a PEmáx, solicitou-se ao sujeito que enchesse os pulmões de ar o máximo possível, até o nível de CPT, fazendo uma inspiração forçada, e depois, com o clipe nasal e o bocal de conexão ao manovacuômetro corretamente posicionados, que realizasse uma expiração máxima até o nível de VR, mantida por um segundo. Essa manobra também foi realizada três vezes e seus valores foram registrados pelo equipamento. O maior valor registrado foi aquele utilizado para a análise.

Em seguida, foi analisado o histórico do paciente com os valores obtidos pelos testes e os valores de referências previstos para cada sujeito.

Estatística

A avaliação da normalidade de distribuição dos dados foi avaliada pelo teste de Shapiro-Wilk. Para a comparação das pressões preditas inspiratórias e expiratórias nos momentos pré e pós-hemodiálise foram utilizados o teste t de Student pareado e o teste de Wilcoxon. O coeficiente de Spearman foi utilizado para verificar a existência ou não de correlação entre as diferenças de pressões inspiratórias e expiratórias com as diferenças de peso pré e pós-hemodiálise. Os resultados foram considerados estatisticamente significativos quando p < 0,05.

RESULTADOS

Com relação a algumas características descritivas da população estudada, observou-se uma idade média de 51,7 anos, peso médio pré-hemodiálise de 62,0 Kg e pós-hemodiálise de 60,0 Kg e um tempo médio em tratamento hemodialítico até a data do exame de 654,0 dias.

Dentre os pacientes, 74,3% eram homens, e das doenças de base que levaram à DRC, o diabetes mellitus foi a principal causa, estando presente em 40,0% deles.

Os valores da PImáx e da PEmáx, tanto os preditos como os registrados pré-hemodiálise e pós-hemodiálise, assim como suas diferenças nos dois períodos de mensuração, e os pesos pré e pós seguiram aproximadamente uma distribuição normal (Shapiro-Wilk; p > 0,1000). Já as variáveis: diferença de peso (pós-hemodiálise versus pré-hemodiálise), pressão arterial (sistólica e diastólica), frequências cardíaca e respiratória pré e pós-hemodiálise não apresentaram uma distribuição normal (Shapiro-Wilk, p < 0,1000). Os valores das pressões respiratórias máximas encontram-se na Tabela 1.

Utilizando-se teste t pareado na avaliação comparativa das pressões respiratórias máximas nos momentos préhemodiálise e pós-hemodiálise (Figuras 1 e 2) observou-se que tanto a PImáx como a PEmáx em ambos os tempos mostraram-se significativamente inferiores àquelas preditas para uma população normal com características demográficas semelhantes (p < 0,0001). Quando foram comparados os valores pré-hemodiálise e pós-hemodiálise de cada pressão respiratória máxima, a PImáx mostrou leve, mas significativa melhora no período pós-procedimento (p = 0,0420), mas não a PEmáx (p = 0,4987).



Os valores da PImáx (pré-hemodiálise e pós-hemodiálise) apresentaram uma distribuição aproximadamente normal (Shapiro-Wilk; p > 0,1787) para os pacientes com valores > 60 cmH2O. No entanto, os valores dessa variável pós-hemodiálise não seguem essa distribuição (Shapiro-Wilk, p = 0,0082) para pacientes com valores < que 60 cmH2O.

Aplicando-se o teste t pareado na comparação da PImáx nos momentos pré e pós-hemodiálise, não foram encontradas diferenças (p = 0,4669) nos pacientes com valores dessa variável > 60 cmH2O. No entanto, aplicando-se o teste de Wilcoxon, observou-se um aumento discreto, mas significativo (p = 0,0480), na PImáx pós-hemodiálise para os pacientes com valores < 60 cmH2O no período pré-procedimento (Figura 3).


DISCUSSÃO

A fraqueza muscular é uma complicação da DRC7,24,25 e a perda de massa muscular é o mais significante preditor de mortalidade nos pacientes em HD.26 A causa é desconhecida, mas tem sido relacionada à deficiência de carnitina,25 deficiência de vitamina D,27 excesso de hormônio paratireoideo,28 toxicidade por alumínio29 e outras toxinas urêmicas.30,31 A uremia causa atrofia de fibras musculares do tipo II29 e alterações da ATPase miofibrilar, com importante redução na utilização de energia pelo músculo, na fosforilação da creatina e na sua contratilidade.32

Poucos são os estudos envolvendo a investigação da função dos músculos respiratórios em pacientes com DRC.33 Muitos demonstraram redução da força dos músculos expiratórios e inspiratórios em seus pacientes, e até mesmo uma diminuição maior após a HD.34

Todas essas alterações conhecidas na uremia provocam redução das pressões respiratórias (PImáx e PEmáx), conforme já descrito pelos autores anteriormente citados.

Os resultados deste estudo mostraram que pacientes com DRC em tratamento hemodialítico apresentaram reduções na PImáx e PEmáx em comparação aos valores preditos para uma população brasileira saudável com características demográficas (sexo e idade) similares.16 Os pacientes apresentaram diminuição da média tanto de PImáx como de PEmáx em relação aos valores preditos para eles nos momentos pré e pós-hemodiálise. Tanto a PImáx como a PEmáx (pré e pós-hemodiálise) mostraram valores médios significativamente inferiores aos preditos (p < 0,0001), denotando um importante comprometimento da força muscular respiratória nesse grupo de pacientes.

Nas medições da PImáx (pré e pós-hemodiálise), observou-se que estas seguiram uma distribuição aproximadamente normal para os pacientes com valores basais superiores a 60 cmH2O, considerado o limite inferior de normalidade. No entanto, a PImáx póshemodiálise não obedeceu essa distribuição para os pacientes com valores basais inferiores a 60 cmH2O, o que reflete uma heterogeneidade desse subgrupo de pacientes com relação ao grau de comprometimento da função respiratória induzida pela DRC.

Quando foram comparados os valores da PImáx nos momentos pré e pós-hemodiálise aplicando-se o teste t pareado, não foram observadas diferenças nos pacientes com valores basais superiores a 60 cmH2O (p = 0,4669). Porém, com a aplicação do teste de Wilcoxon, observouse um ligeiro aumento da PImáx pós-hemodiálise em relação ao período basal (pré-hemodiálise), o que representa uma diferença significativa (p = 0,0480).

Contudo, quando se compararam os valores pré e pós-hemodiálise de cada pressão respiratória máxima (ou seja, inspiratória e expiratória), a PImáx pós-hemodiálise melhorou ligeiramente e de modo significativo em relação ao período basal (p = 0,0420), não sendo observado o mesmo comportamento com a PEmáx (p = 0,4987). Ademais, como já referido anteriormente, ao reagrupar os pacientes, verificou-se que as sessões de HD influenciaram no aumento da PImáx apenas nos pacientes que apresentavam valores basais dessa variável inferiores a 60 cmH2O, indicando que os pacientes mais gravemente acometidos pareciam se beneficiar de forma mais intensa com o procedimento hemodialítico.

Alguns trabalhos33,35 demonstraram que os pacientes com DRC apresentavam uma diminuição significativa da PImáx, apresentando melhora significativa dessas pressões após a hemodiálise. Esses resultados são parcialmente concordantes com aqueles obtidos na presente investigação, em que foi observado um comprometimento significativo dos valores de PImáx nos pacientes com DRC quando comparados a uma população normal. Porém, em nosso estudo, o efeito da sessão hemodialítica, isoladamente, na PImáx, não foi significativa, à exceção de uma discreta melhora no subgrupo de pacientes com comprometimento mais severo dessa variável.

Ainda com relação a esse aspecto, pesquisadores encontraram pacientes com DRC que apresentavam uma diminuição significativa dessas pressões em relação a uma população normal, o que está de acordo com nossos dados.34 Porém, contrariamente aos achados desta investigação e àqueles relatados por outros,33,35 muitos relataram uma piora dessas medidas após a HD.34 Esses pesquisadores basearam-se nas rápidas mudanças induzidas pela diálise na concentração de cálcio no meio intra e extracelular para explicar as alterações das funções musculares.

Em estudo anteriormente citado,33 foi investigada a força dos músculos inspiratórios em 21 pacientes (13 homens e 8 mulheres) com DRC e idade variando de 27 a 78 anos, em tratamento hemodialítico crônico. Os autores afirmam que a força muscular inspiratória (PImáx) estava significativamente diminuída em todos os sujeitos, exceto em um, antes da sessão de HD, quando comparada aos valores de referência previstos. Após a diálise, houve um aumento significativo da PImáx (de 52,9 ± 3,5 para 60,7 ± 3,7% do previsto; p < 0,0001). Contudo, na análise dos dados individuais, os resultados mostraram que não houve correlação significativa entre a força muscular inspiratória antes da hemodiálise e o tempo em tratamento hemodialítico.

Poucos são os estudos que avaliaram o desempenho dos músculos respiratórios em pacientes com DRC em tratamento dialítico contínuo, mas praticamente todos são unânimes em postular que o tratamento dialítico, embora vital para esses pacientes, parece não causar qualquer efeito ou até mesmo efeitos adversos no desempenho de diferentes grupos musculares.34 Em suma, os resultados obtidos na presente investigação, somados àqueles disponíveis na literatura, deixam evidente que a HD isoladamente parece exercer efeitos variáveis na função muscular respiratória, sendo observadas desde evidente melhora, nenhuma influência significativa ou até piora da mesma.34 Esse conflito de resultados indica que mais estudos, agora com populações e métodos comparáveis, ainda são necessários para clarear essa questão.

Uma das limitações do presente estudo está relacionada à não padronização da técnica de mensuração das pressões respiratórias máximas. Isso tem dificultado uma avaliação comparativa entre os diversos relatos existentes na literatura.

Os testes de PImáx e PEmáx são volitivos, pois dependem da compreensão e colaboração dos indivíduos participantes. Portanto, o aprendizado da técnica tem um efeito determinante positivo ou negativo sobre os resultados a serem alcançados, caracterizando assim uma limitação da técnica.

Para a realização dos testes é necessário que o sujeito aprenda a técnica por meio de treinamento prévio, método que favorece a obtenção de valores mais reais das pressões respiratórias máximas. Isso é conseguido à medida que o indivíduo realiza esforços sucessivos, obtendo um aumento do valor médio das medidas.

Assim posto, realizaram-se neste trabalho três medidas, e o maior valor obtido foi considerado como a melhor pressão, tanto inspiratória quanto expiratória. Somadas aos ensaios que precederam às manobras, cerca de cinco medidas foram realizadas pelos pacientes, sendo difícil afirmar com absoluta certeza que este número tenha sido o ideal.

Outros fatores limitantes nesta pesquisa incluem algumas características particulares dos sujeitos investigados. A maioria deles apresentava idade elevada, baixo grau de instrução e cooperação, estado geral bastante comprometido e cansaço físico, pois muitos eram procedentes de cidades vizinhas e precisavam se desolcar em viaturas públicas, com pouco conforto, além de serem obrigados a levantar bem mais cedo que o habitual, permanecer longo tempo em jejum e, com isso, acumular grande período de espera, o que certamente levou a um aumento desse cansaço e a uma maior indisposição geral.

Devido a essas características e ao fato de que mudanças intensas e muitas vezes rápidas ocorrerem no estado clínico desses pacientes, para obtermos valores mais fiéis das pressões respiratórias nessa população, seria prudente aplicar este método de medida não apenas em um único dia, mas em mais de uma ocasião, como em dias alternados e por um período mais longo (como por exemplo, duas a quatro semanas), no sentido de obter um número mais significativo de valores, para avaliar mais claramente se há outros fatores de influência, além do procedimento de hemodiálise em si.

Os resultados deste trabalho mostraram que houve uma melhora estatisticamente significativa, porém discreta, na PImáx, mas não na PEmáx, nos momentos póshemodiálise versus pré-hemodiálise, reforçando os achados de alguns pesquisadores de que uma única sessão de hemodiálise não parece ser suficiente para influenciar positivamente essas variáveis do ponto de vista clínico.

Contudo, durante a pesquisa foi possível perceber o intenso comprometimento clínico e emocional desses pacientes e postular que sua piora clínica progressiva é um fato certo. Muitos são os órgãos comprometidos em decorrência da DRC e o pulmão é um deles, senão um dos mais importantes.

Mensurar e monitorar a função dos músculos respiratórios através das medidas de PImáx e PEmáx nesses pacientes, além de outros exames de avaliação da função pulmonar, é uma forma simples e importante para se planejar intervenções que possam beneficiá-los, reduzindo a morbimortalidade e melhorando sua qualidade de vida. Em situações de fraqueza da musculatura respiratória, principalmente da inspiratória (PImáx < 60cmH2O), pode-se iniciar um protocolo de fortalecimento muscular precoce dessa musculatura na tentativa de evitar problemas maiores, como, por exemplo, uma insuficiência respiratória por déficit de ventilação.

CONCLUSÃO

Os resultados deste trabalho mostraram que pacientes renais crônicos em tratamento hemodialítico apresentam alterações importantes das pressões respiratórias máximas, tanto inspiratórias quanto expiratórias, que se encontram significativamente reduzidas em relação aos padrões normais de referência. A HD isoladamente, numa única sessão, influenciou de maneira discreta, positiva e significativa a PImáx, mas não a PEmáx, em relação aos valores registrados no período basal (pré-diálise). Essa influência positiva na PImáx foi mais evidente naqueles pacientes que apresentavam um comprometimento mais acentuado dessa variável antes do procedimento dialítico. Esses dados sinalizam que é preciso uma monitoração mais adequada da função muscular respiratória desses pacientes, para evitar maiores riscos da deteriorização e comprometimento dos mesmos.

Data de submissão:18/09/2009

Data de aprovação: 11/01/2010

Declaramos a inexistência de conflitos de interesse.

Este artigo foi modificado em 02/07/2010 em função de correções na terminologia, nos keywords, na estética das figuras e tabela e na padronização das referências.

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  • Correspondência para:

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      Mar 2010

    Histórico

    • Recebido
      18 Set 2009
    • Aceito
      11 Jan 2010
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