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Metanálise de estudos de bioequivalência: a intercambiabilidade de genéricos e similares que contêm Hidroclorotiazida é possível, mas não àqueles com Maleato de Enalapril

Resumos

INTRODUÇÃO: O programa de genéricos no Brasil propiciou maior acesso da população a medicamentos. Para garantir a intercambiabilidade entre medicamentos referência e genérico ou similar, é necessário que eles sejam bioequivalentes. Com o crescimento do número de medicamentos genéricos, é comum que pacientes o substituam por outro genérico ou similar. Contudo, essa troca pode não garantir a manutenção da bioequivalência. Para avaliar a segurança na intercambiabilidade entre diferentes genéricos e similares com Hidroclorotiazida e Maleato de Enalapril, foi realizada metanálise de vários estudos de bioequivalência que utilizaram esses medicamentos. MÉTODOS: Foram utilizados dados provenientes de estudos de bioequivalência de genéricos e similares registrados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A compatibilidade dos dados de cada um dos estudos foi analisada, e a determinação de um intervalo de confiança para as diferenças entre as médias dos parâmetros farmacocinéticos, área sob a curva (ASC) e concentração plasmática máxima (Cmáx ), foi feita para cada estudo por meio da metanálise. RESULTADOS: A intercambiabilidade entre as combinações dos três produtos com Hidroclorotiazida foi confirmada com base nos intervalos de confiança obtidos. Para os medicamentos com Maleato de Enalapril, a intercambiabilidade não foi confirmada em 50% das comparações estudadas dos produtos. CONCLUSÃO: A intercambiabilidade foi comprovada entre os três produtos com Hidroclorotiazida. No entanto, para o Maleato de Enalapril, metade dos produtos estudados não é intercambiável, uma vez que não contempla os intervalos preconizados pelos testes de bioequivalência; portanto, a resposta farmacocinética e, por conseguinte, a efetividade do medicamento podem ser alteradas.

equivalência terapêutica; metanálise; anti-hipertensivos; medicamentos genéricos; intercambiabilidade de medicamentos


INTRODUCTION: The generic drugs program provided a better population's access to medicines. To ensure interchangeability between a brand-name and generic or similar drugs is necessary that they are bioequivalent. With the growing number of generic drugs, it is common for patients to replace a generic to another or one similar. However, this exchange can not guarantee the maintenance of bioequivalence. To evaluate the safety interchangeability between different generic and similar drugs with Hydrochlorothiazide and Enalapril Maleate, a meta-analysis was carried out with several bioequivalence studies with these drugs. METHODS: Data from bioequivalence of generic and similar drugs approved by the National Health Surveillance Agency (Anvisa) (drug regulatory agency in Brazil) were used. The compatibility of data from each study was analyzed and the determination of a confidence interval for the differences between the means of pharmacokinetic parameters, area under the curve (ASC0-t) and maximum plasma concentration (Cmax), was made for each study by meta-analysis. RESULTS: The interchangeability between the combinations of the three products with Hydrochlorothiazide was confirmed based on the obtained confidence intervals. For the drugs studied with Enalapril Maleate interchangeability has not been confirmed for 50% of the product comparisons. CONCLUSION: The exchange was established between the three products with hydrochlorothiazide. However, for the Enalapril Maleate half of the products studied are not interchangeable, considering they do not match the established intervals for bioequivalence tests, so the pharmacokinetics behavior and thus the effectiveness of the product may be changed.

therapeutic equivalency; meta-analysis; antihypertensive agents; generic drugs; interchange of drugs


ARTIGO ORIGINAL

Metanálise de estudos de bioequivalência: a intercambiabilidade de genéricos e similares que contêm Hidroclorotiazida é possível, mas não àqueles com Maleato de Enalapril

Renato Almeida LopesI; Francisco de Assis Rocha NevesII

IAgência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Brasília, DF, Brasil

IIFaculdade de Ciências da Saúde (FS) da Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF, Brasil

Correspondência para Correspondência para: Renato Almeida Lopes Agência Nacional de Vigilância Sanitária - setor de Indústria e Abastecimento (SIA) Trecho 5, Área Especial 57, Lote 200 Brasília, DF, Brasil CEP 71205-050 E-mail: renato.lopes@anvisa.gov.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: O programa de genéricos no Brasil propiciou maior acesso da população a medicamentos. Para garantir a intercambiabilidade entre medicamentos referência e genérico ou similar, é necessário que eles sejam bioequivalentes. Com o crescimento do número de medicamentos genéricos, é comum que pacientes o substituam por outro genérico ou similar. Contudo, essa troca pode não garantir a manutenção da bioequivalência. Para avaliar a segurança na intercambiabilidade entre diferentes genéricos e similares com Hidroclorotiazida e Maleato de Enalapril, foi realizada metanálise de vários estudos de bioequivalência que utilizaram esses medicamentos.

MÉTODOS: Foram utilizados dados provenientes de estudos de bioequivalência de genéricos e similares registrados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A compatibilidade dos dados de cada um dos estudos foi analisada, e a determinação de um intervalo de confiança para as diferenças entre as médias dos parâmetros farmacocinéticos, área sob a curva (ASC) e concentração plasmática máxima (Cmáx ), foi feita para cada estudo por meio da metanálise.

RESULTADOS: A intercambiabilidade entre as combinações dos três produtos com Hidroclorotiazida foi confirmada com base nos intervalos de confiança obtidos. Para os medicamentos com Maleato de Enalapril, a intercambiabilidade não foi confirmada em 50% das comparações estudadas dos produtos.

CONCLUSÃO: A intercambiabilidade foi comprovada entre os três produtos com Hidroclorotiazida. No entanto, para o Maleato de Enalapril, metade dos produtos estudados não é intercambiável, uma vez que não contempla os intervalos preconizados pelos testes de bioequivalência; portanto, a resposta farmacocinética e, por conseguinte, a efetividade do medicamento podem ser alteradas.

Palavras-chave: equivalência terapêutica, metanálise, anti-hipertensivos, medicamentos genéricos, intercambiabilidade de medicamentos.

INTRODUÇÃO

Quando um medicamento de referência perde sua patente, os laboratórios e as indústrias farmacêuticas que produzem genéricos submetem processos solicitando autorização para produzirem cópias desse medicamento de referência. Nenhum genérico pode ser comercializado antes que o órgão regulador - Food and Drug Administration (FDA) nos Estados Unidos e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no Brasil - determine que ele tem um desempenho tão bom quanto o medicamento de referência, com base em uma série de critérios, entre eles, um teste de bioequivalência. Considerar que um genérico é bioequivalente a um medicamento de referência é assumir que eles terão efeitos terapêuticos equivalentes.1

Com o intuito de assegurar a oferta de medicamentos de qualidade e de baixo custo ao mercado e de fomentar o acesso da população a esses produtos, foram estabelecidos, em 1999, os medicamentos genéricos. Sua intercambiabilidade com o medicamento de referência é assegurada por testes de equivalência farmacêutica e de bioequivalência.2

Segundo a Anvisa, o genérico é um medicamento similar a um produto de referência ou inovador, que pretende ser com este intercambiável, geralmente produzido após a expiração ou a renúncia da proteção patentária ou de outros direitos de exclusividade, comprovadas suas eficácia, segurança e qualidade.3

A legislação atual relativa à bioequivalência garante a intercambiabilidade entre genéricos e alguns similares com os respectivos medicamentos de referência, mas não está estabelecido se existe intercambiabilidade entre dois medicamentos genéricos ou similares.

Segundo Chow e Liu,1 a intercambiabilidade entre medicamentos está relacionada com a troca de um medicamento por outro produto alternativo que possua as mesmas características farmacocinéticas e que seja, dessa forma, seguro e eficaz. Entretanto, é comum que os pacientes substituam não apenas medicamento de referência pelo genérico ou similar correspondente, mas também um genérico por outro genérico, ou um genérico por um similar, uma vez que, ao adquirirem um medicamento genérico habitualmente, não existe nenhuma orientação para não se modificar o laboratório que produz o medicamento em uso.4

Considerando que a cada dia aumentam o consumo e o número de medicamentos genéricos disponíveis no mercado, garantir sua qualidade, segurança e eficácia é um problema de saúde pública. Nesse sentido, surge a proposta da metanálise, com o intuito de reunir resultados de diversos estudos de bioequivalência de um mesmo princípio ativo e gerar informações capazes de evidenciar ou não a intercambiabilidade entre várias formulações de um mesmo fármaco.

Uma classe de medicamentos que merece atenção especial é a dos anti-hipertensivos, pois, além de serem utilizados por aproximadamente 20% da população brasileira, existe hoje no mercado brasileiro um grande número de apresentações diferentes de medicamentos genéricos e similares utilizados no tratamento da hipertensão arterial. Apenas para os dois princípios ativos selecionados para este trabalho, foram encontrados 59 produtos diferentes, boa parte deles disponibilizada no programa de Farmácia Popular.5 Considerando que esses medicamentos são de uso contínuo, sobretudo por indivíduos de faixa etária mais elevada, em que a prevalência de hipertensão arterial é extremamente alta, estando próxima a 60%,6 a determinação da intercambiabilidade entre os medicamentos é de extrema importância do ponto de vista clínico.

Dessa forma, o objetivo deste artigo consistiu em aplicar uma revisão sistemática de vários estudos de bioequivalência para avaliar a segurança na intercambiabilidade entre diferentes genéricos e similares que contenham Hidroclorotiazida e Maleato de Enalapril em suas formulações, uma vez que esses medicamentos são frequentemente utilizados por inúmeros pacientes e fazem parte do programa Farmácia Popular, do Ministério da Saúde (MS).

MATERIAL E MÉTODOS

Para aplicação do método da metanálise, foram utilizados dados provenientes de estudos de bioequivalência de medicamentos genéricos e similares aprovados e registrados pela Anvisa, sob as seguintes condições:

I. Número de voluntários não muito diferentes.

II. Mesmo desenho experimental aplicado em todos os estudos: crossover 2 x 2 (delineamento para dois períodos e duas formulações: referência e teste).

III. Medicamentos cujos parâmetros de biodisponibilidade estejam dentro dos limites aceitos pela Anvisa.

Foi definido um instrumento para seleção dos estudos que garanta reprodutibilidade da forma de seleção dos estudos a serem incluídos na análise (protocolo da metanálise). A busca foi feita na base de dados de estudos de bioequivalência da Anvisa, segundo os critérios definidos no protocolo de seleção e nos requisitos descritos anteriormente. A identidade dos patrocinadores dos estudos e dos fabricantes dos medicamentos em teste foi resguardada.

As variáveis abordadas na análise foram as seguintes medidas farmacocinéticas: área sob a curva de concentração plasmática versus tempo (ASC0-t) e concentração plasmática máxima observada (Cmáx ). Dois medicamentos são considerados bioequivalentes se os limites superiores e inferiores do intervalo de confiança de 90% das variáveis ASC e Cmáx estiverem contidos entre os limites 80% e 125%.7

Para determinação das medidas sumárias de diferenças entre as médias dos parâmetros farmacocinéticos ASC0-t e Cmax, foi aplicado o método proposto por Chow e Liu8 de metanálise em estudos de bioequivalência. Um intervalo de confiança de 90% para a diferença das médias foi construído para cada uma das combinações possíveis entre os medicamentos dos estudos para avaliar a intercambiabilidade entre eles.

Um teste de qui-quadrado foi aplicado para testar a hipótese de homogeneidade estatística entre os dados provenientes dos diversos estudos como pré-requisito para combiná-los em uma mesma análise.

Os cálculos necessários à aplicação da metanálise foram realizados em softwares computacionais específicos para análises estatísticas, o Minitab® Version 14 e o Microsoft Excel 2003®.

PROTOCOLO PARA SELEÇÃO DE ESTUDOS PARA COMPOR A METANÁLISE

O presente protocolo foi desenvolvido previamente à seleção dos estudos a serem incorporados na metanálise, com o objetivo de padronizar os métodos de inclusão/exclusão de estudos objetos de análise.

O protocolo foi dividido em três partes: a primeira, com o objetivo de filtrar os estudos; a segunda, para verificar a disponibilidade e a adequação dos estudos; e a terceira, para checar os critérios epidemiológicos, ou seja, se os dados são compatíveis para análise, do ponto de vista do tipo de desenho, do tamanho da amostra, da população, entre outros.

1.ª parte:

I. Estudos mais recentes, protocolados na Anvisa entre 2003 e 2009.

II. Que tenham a conclusão de bioequivalência.

III. Que tenham sido analisados e aprovados pela Anvisa.

IV. Que não sejam repetidos (excluindo-se as cópias).

2.ª parte:

I. Que os medicamentos façam parte da lista do programa Farmácia Popular, do MS.

II. Que os medicamentos estejam sendo comercializados conforme lista da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED).

III. Que os dados estejam disponíveis na Anvisa para análise.

3.ª parte:

I. Que os dados sejam compatíveis para as análises (critérios epidemiológicos), desenho do estudo, tamanho da amostra e população estudada.

Foi verificada a compatibilidade dos dados de cada um dos estudos conforme os critérios definidos por Chow e Liu8 para a metanálise. Os estudos que tiveram os critérios descritos anteriormente atendidos foram selecionados e incluídos nos cálculos da metanálise.

RESULTADOS

METANÁLISE DA HIDROCLOROTIAZIDA

Para a realização da metanálise da Hidroclorotiazida, foram selecionados sete estudos, sendo que um deles não pôde ser incluído nos cálculos finais combinados, por não apresentar homogeneidade dos dados do medicamento de referência, e três não faziam parte da lista do programa Farmácia Popular.5 Dessa forma, foram incluídos três estudos nos cálculos finais da metanálise. Todos utilizaram o mesmo medicamento de referência com lotes diferentes.

Os intervalos de confiança de 90% da metanálise entre as combinações dos produtos Testes 1, 2 e 3 para os parâmetros farmacocinéticos Cmáx e ASC estão apresentados nas Tabelas 1 e 2 e nas Figuras 1 e 2, respectivamente.



Pode-se observar, na Tabela 1 e na Figura 1, que a comparação entre os três estudos demonstrou que os medicamentos testes são muito semelhantes, exceto para uma pequena diferença na velocidade de absorção (Cmáx ) entre os produtos 1 e 3, em que o intervalo de confiança foi limítrofe (79,96% a 106,19%), classificando-o como não bioequivalente. Já as outras comparações não mostram diferenças entre as formulações de Hidroclorotiazida. Por outro lado, na

análise da extensão de absorção, avaliada pela ASC Tabela 2 e Figura 2), nenhuma diferença significativa foi observada entre as diversas apresentações, tendo em vista que os intervalos de confiança se apresentaram entre 85,88% e 117,26%.

METANÁLISE DO MALEATO DE ENALAPRIL

Para a realização da metanálise do princípio ativo Maleato de Enalapril, foram selecionados 19 estudos, sendo que cinco não faziam parte do programa Farmácia Popular,5 quatro eram repetidos, um deles não pôde ser incluído nos cálculos finais da combinação dos estudos, por não apresentar homogeneidade dos dados do medicamento de referência, e outro por ter sido realizado com outro medicamento de referência. Dessa forma, foram incluídos oito estudos nos cálculos finais da metanálise. Todos utilizaram o mesmo medicamento de referência com lotes diferentes.

Os parâmetros Cmáx e ASC foram analisados na escala logarítmica para testar a bioequivalência entre os produtos teste e referência. Foi observado que os parâmetros Cmáx e ASC0-t se apresentaram dentro dos limites estabelecidos pela Anvisa em todos os estudos.

Os intervalos de confiança de 90% da metanálise entre as combinações dos produtos Testes de 1 a 8 para os parâmetros farmacocinéticos Cmáx e ASC estão apresentados nas Tabelas 3 e 4 e nas Figuras 3 e 4, respectivamente.



Como se pode observar, a análise do parâmetro Cmáx demonstrou uma diferença na velocidade de absorção entre os produtos T1xT3 (101,55% a 127,97%), T1xT5 (109,81% a 137,16%), T1xT6 (101,33% a 126,56%), T1xT7 (110,88 a 139,74%), T2xT3 (101,02% a 128,15%), T2xT5 (109,22% a 137,37%), T2xT6 (100,79% a 126,76%), T2xT7 (110,31% a 139,93%), T3xT8 (78,40% a 98,60%), T4xT5 (100,44% a 126,67%), T4xT7 (101,44% a 129,03%), T5xT8 (73,16% a 91,18%), T6xT8 (79,28% a 98,81%) e T7xT8 (71,80% a 90,30%), em que os intervalos de confiança extrapolaram os limites estabelecidos para bioequivalência (Tabela 3 e Figura 3). Além disso, a análise da ASC também demonstrou que os intervalos de confiança de 90% para a comparação entre os produtos T1xT5 (107,39% a 127,36%), T1xT7 (109,03% a 130,19%), T2xT5 (104,61% a 124,72%), T2xT7 (106,22% a 127,47%), T6xT7 (106,36% a 126,80%) e T7xT8 (79,69% a 95,01%) estão fora dos limites de 80% a 125% (Tabela 4 e Figura 4).

DISCUSSÃO

A Anvisa, em uma de suas resoluções que tratam da dispensação de medicamentos, permite ao profissional farmacêutico a substituição do medicamento de referência prescrito pelo médico pelo genérico correspondente, salvo restrições expressas pelo prescritor. Nos casos de prescrição de medicamentos por seu nome genérico, ou seja, pela Denominação Comum Brasileira (DCB) ou pela Denominação Comum Internacional (DCI), o farmacêutico pode dispensar tanto o medicamento de referência quanto os genéricos ou similares correspondentes.9

No entanto, não está estabelecido se um genérico pode ser trocado por outro, e essa questão é importante não somente porque o número de genéricos aprovados de um mesmo medicamento de referência pode ser muito grande - 67 no Brasil e superior a 160 nos Estados Unidos - como também porque esses medicamentos não são idênticos em termos de ingredientes inativos, que podem variar de uma versão para outra. Essa é uma área na bioequivalência normalmente ignorada, mas que realmente carece de imediata atenção.1,10

Tendo em vista o fato de os órgãos reguladores se basearem apenas no critério da bioequivalência média e não exigirem os cálculos da bioequivalência individual e populacional que garantem a intercambiabilidade em diferentes abordagens (prescribability e switchability), Chow e Liu8 sugerem metanálise combinando dados de diferentes estudos de bioequivalência, com o intuito de proporcionar uma revisão sistemática da bioequivalência entre produtos genéricos e de referência.

A Anvisa tem em seu poder todos os dados relativos a estudos de bioequivalência e de biodisponibilidade relativa já realizados para o registro de medicamentos no Brasil que permitem a aplicação da metanálise para avaliar a intercambiabilidade entre genéricos diferentes do medicamento de referência.4 Pelo fato de os genéricos existirem no país há apenas 10 anos e a exigência para similares realizarem estudos de bioequivalência ser ainda mais recente (2003), esse tipo de análise se torna bastante útil no aperfeiçoamento dos critérios para concessão de registro ou mesmo como uma ferramenta para o monitoramento de genéricos e similares pós-registro. Isso se aplica especialmente ao caso de medicamentos que tratam doenças crônicas e são de uso contínuo, em que a substituição por uma nova cópia pode não proporcionar os níveis de absorção necessários pelo organismo para alcançar os resultados terapêuticos desejados.

A metanálise já foi utilizada em estudos de bioequivalência de imunossupressores (micofenolato de mofetil) e de antibióticos (amoxicilina) para subsidiar profissionais médicos e pacientes na escolha entre formulações do mesmo medicamento.4,11 Esses estudos concluíram que a intercambiabilidade foi possível entre as diferentes formulações testadas.

Com o objetivo de analisar a intercambiabilidade entre as formulações de genéricos e similares que contêm Hidroclorotiazida e Maleato de Enalapril, foi aplicada uma revisão sistemática de vários estudos de bioequivalência depositados na Anvisa que utilizaram esses medicamentos.

METANÁLISE DA HIDROCLOROTIAZIDA

Os intervalos de confiança de 90% para a comparação entre os produtos dos Testes 1, 2 e 3 obtidos na metanálise demonstraram que os medicamentos testes apresentaram valores de extensão de absorção semelhantes (ASC), tendo em vista que os intervalos de confiança se apresentaram dentro dos limites de 80% a 125%.7

No entanto, para o parâmetro Cmáx , foi observada uma pequena diferença na velocidade de absorção entre os produtos T1 e T3, em que o intervalo de confiança foi limítrofe (79,96% a 106,19%), o que, de acordo com os limites estabelecidos pela Anvisa, impede a conclusão de bioequivalência entre as formulações e, consequentemente, sua intercambiabilidade. Para as demais combinações entre os produtos testes, os intervalos de confiança estavam dentro dos limites, confirmando a possibilidade de troca entre as formulações.

No caso da Hidroclorotiazida, a diferença observada na velocidade de absorção entre os produtos T1 e T3 não deve ter repercussões clínicas significativas no tratamento a um paciente, pois, além de a diferença ter sido muito pequena (0,04%), o fármaco é de ampla faixa terapêutica, a ASC foi muito semelhante e seu efeito terapêutico não depende da ação aguda, mas sim do efeito acumulativo.

METANÁLISE DO MALEATO DE ENALAPRIL

A análise comparando os valores de extensão de absorção (ASC) de alguns produtos com o Maleato de Enalapril demonstrou que existem diferenças significativas entre vários produtos, tendo em vista que os intervalos de confiança se apresentaram fora dos limites de 80% a 125%.7 Isso também foi observado na análise da velocidade de absorção entre os produtos (Cmáx ), em que diversas combinações apresentaram intervalos de confiança fora dos limites estabelecidos.

Com relação ao Cmáx , foi observado que 14 das 28 combinações de estudos (50%) concluíram pela não bioequivalência entre as formulações testadas, sendo que as mais frequentes foram os Testes 1, 2, 5, 7 e 8, que, de acordo com os dados, não foram intercambiáveis com outros quatro medicamentos. Observou-se que nenhum dos produtos testes pôde ser considerado intercambiável com todos os demais. Já no caso da ASC, 6 das 28 combinações (21%) concluíram pela não bioequivalência. O produto Teste 7 foi o mais frequente, concluindo pela não intercambiabilidade entre outras quatro cópias. Apesar de o Maleato de Enalapril ser um medicamento muito seguro, com ampla janela terapêutica, os resultados sugerem que a substituição de um genérico por outro pode trazer respostas terapêuticas diferenciadas.

A soma desses resultados, de acordo com as orientações da Anvisa, impede a conclusão de bioequivalência entre as diversas formulações de Maleato de Enalapril e, consequentemente, indica que não se poderia realizar a intercambiabilidade desses produtos farmacêuticos. A importância clínica desses achados, no que se refere à segurança e à eficácia, ainda necessita ser mais bem avaliada por ensaios clínicos comparando as diferentes formulações farmacêuticas de Maleato de Enalapril. Contudo, está claro que um genérico ou um similar não podem ser sempre substituídos por outro. Isso é particularmente importante quando se trata de um medicamento de índice terapêutico estreito, em que a ausência de efeito terapêutico ou a presença de efeitos tóxicos podem comprometer de forma significativa a eficácia e a segurança.

CONCLUSÃO

Os resultados obtidos permitem concluir que, entre os medicamentos genéricos e similares anti-hipertensivos distribuídos pelo programa Farmácia Popular estudados, a intercambiabilidade pode ser feita com segurança entre os três produtos dos fármacos Hidroclorotiazida. Já na avaliação da intercambiabilidade dos medicamentos do princípio ativo Maleato de Enalapril, os produtos estudados não contemplam os intervalos preconizados na regulamentação nacional; portanto, a resposta farmacocinética e, por conseguinte, a efetividade do medicamento podem ser afetadas em alguns pacientes que utilizem diferentes marcas de genéricos ou similares no tratamento da hipertensão arterial e de outras doenças cardiovasculares. Ensaios clínicos comparando os efeitos terapêuticos das diferentes apresentações são necessários para avaliar melhor a questão. Novas medidas relacionadas com a farmacovigilância de medicamentos são necessárias para garantir uma política de intercambiabilidade entre genéricos e similares.

Data de submissão: 03/12/2009

Data de definição: 10/02/2010

O referido estudo foi baseado na dissertação de mestrado "Metanálise de estudos de bioequivalência: avaliação da intercambiabilidade"

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  • Correspondência para:

    Renato Almeida Lopes
    Agência Nacional de Vigilância Sanitária - setor de Indústria e Abastecimento (SIA)
    Trecho 5, Área Especial 57, Lote 200
    Brasília, DF, Brasil CEP 71205-050
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Jul 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Aceito
      10 Fev 2010
    • Recebido
      03 Dez 2009
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