Acessibilidade / Reportar erro

Perfil das doenças glomerulares em um hospital público do Distrito Federal

Resumos

INTRODUÇÃO: As doenças glomerulares são uma causa frequente de doença renal crônica, sobretudo nos países em desenvolvimento. OBJETIVO: O objetivo deste estudo foi determinar o perfil destas glomerulopatias em um hospital público da cidade de Brasília, Distrito Federal. MÉTODOS: Foram realizadas 121 biopsias renais pela equipe de nefrologia do Hospital Regional da Asa Norte (HRAN) entre agosto de 2005 e maio de 2009. Foram excluídas oito biopsias realizadas em pacientes transplantados renais e analisados os prontuários dos 113 pacientes restantes. Dados analisados: sexo, idade, exames laboratoriais, síndrome glomerular, diagnóstico clínico, grau de fibrose intersticial, uso de imunossupressores, necessidade de diálise e desfecho clínico. RESULTADOS: A média de idade foi 34,9 ± 16,2 anos, com predomínio masculino (51,3%). As principais síndromes glomerulares foram: síndrome nefrótica (41,6%) e glomerulonefrite rapidamente progressiva (35,4%). Entre as glomerulopatias primárias, houve predomínio da glomeruloesclerose segmentar e focal (26,9%) e da nefropatia por IgA (25%) e entre as secundárias a nefrite lúpica (50%) e a glomerulonefrite proliferativa exsudativa difusa (34,2%). A maioria dos pacientes fez uso de imunossupressores (68,1%) e quase um terço deles (29,2%) necessitou de diálise durante a internação. Evoluíram para terapia dialítica crônica 13,3% dos pacientes e 10,6% evoluíram a óbito. CONCLUSÃO: Este estudo poderá contribuir para melhor entendimento epidemiológico das doenças glomerulares no Distrito Federal, orientando na adoção de políticas públicas visando permitir rápido diagnóstico e manejo clínico das mesmas.

nefropatia; nefrite; glomerulonefrite; síndrome nefrótica; nefrite lúpica; glomerulosclerose segmentar e focal; nefropatia por IgA; doença renal crônica


INTRODUCTION: Glomerular diseases are a frequent etiology of chronic kidney disease, especially in the developing countries. OBJECTIVE: To determine the profile of such glomerulopathies in a public hospital located in the city of Brasilia, Federal District. METHODS: 121 renal biopsies in different patients were performed by the Renal Division of Hospital Regional da Asa Norte (HRAN) between August 2005 and May 2009. Eight renal biopsies in renal-transplant patients were excluded and the medical records of 113 remaining patients were analyzed. Analyzed data: sex, age, laboratory exams, glomerular syndrome, clinical diagnosis, degree of interstitial fibrosis, immunosuppressants use, need for dialysis and clinical outcome. RESULTS: The age average was 34.9 ± 16.2 years-old, a predominance of male patients (51.3%). Major glomerular syndromes were: nephrotic syndrome (41.6%) and the rapidly- progressive glomerulonephritis (35.4%). Among primary glomerulopathies focal glomerulosclerosis (26.8%) followed by IgA nephropathy (25%) were predominant; and among the most prevalent secondary glomerulopathies we had lupus nephritis (50%) and diffuse exudative proliferative glomerulonephritis (34.2%).The majority of the patients used immunosuppressants (68.1%) and almost one third of them (29.2%) needed dialysis during their hospitalization. Progressed to chronic dialysis therapy 13.3% of the patients and 10.6% died. CONCLUSION: This study may contribute to better epidemiological understanding of glomerular diseases in the Federal District, guiding the adoption of public policies aiming the quick clinical treatment of such diseases.

nephropathy; nephritis; glomerulonephritis; nephrotic syndrome; lupus syndrome; focal segmental glomerulosclerosis; IgA nephropathy; chronic kidney disease


ARTIGO ORIGINAL

Perfil das doenças glomerulares em um hospital público do Distrito Federal

Fabio Humberto Ribeiro Paes FerrazI; Carla Guapindaia Braga MartinsII; Janaína Costa CavalcantiII; Frederico Lopes de OliveiraII; Renata Miguel QuirinoI; Rosana ChiconI; Sergio Raimundini CavechiaI

IServiço de Nefrologia do Hospital Regional da Asa Norte, HRAN, Brasília-DF

IIResidente de Clínica Médica do Hospital Regional da Asa Norte, HRAN, Brasília-DF

Correspondência para Correspondência para: Fábio Humberto Ribeiro Paes Ferraz Hospital Regional da Asa Norte. SQN 108, bloco C, apartamento 107 Asa Norte Brasília - DF CEP: 70744-030 Email: fabionefro@gmail.com

RESUMO

INTRODUÇÃO: As doenças glomerulares são uma causa frequente de doença renal crônica, sobretudo nos países em desenvolvimento.

OBJETIVO: O objetivo deste estudo foi determinar o perfil destas glomerulopatias em um hospital público da cidade de Brasília, Distrito Federal.

MÉTODOS: Foram realizadas 121 biopsias renais pela equipe de nefrologia do Hospital Regional da Asa Norte (HRAN) entre agosto de 2005 e maio de 2009. Foram excluídas oito biopsias realizadas em pacientes transplantados renais e analisados os prontuários dos 113 pacientes restantes. Dados analisados: sexo, idade, exames laboratoriais, síndrome glomerular, diagnóstico clínico, grau de fibrose intersticial, uso de imunossupressores, necessidade de diálise e desfecho clínico.

RESULTADOS: A média de idade foi 34,9 ± 16,2 anos, com predomínio masculino (51,3%). As principais síndromes glomerulares foram: síndrome nefrótica (41,6%) e glomerulonefrite rapidamente progressiva (35,4%). Entre as glomerulopatias primárias, houve predomínio da glomeruloesclerose segmentar e focal (26,9%) e da nefropatia por IgA (25%) e entre as secundárias a nefrite lúpica (50%) e a glomerulonefrite proliferativa exsudativa difusa (34,2%). A maioria dos pacientes fez uso de imunossupressores (68,1%) e quase um terço deles (29,2%) necessitou de diálise durante a internação. Evoluíram para terapia dialítica crônica 13,3% dos pacientes e 10,6% evoluíram a óbito.

CONCLUSÃO: Este estudo poderá contribuir para melhor entendimento epidemiológico das doenças glomerulares no Distrito Federal, orientando na adoção de políticas públicas visando permitir rápido diagnóstico e manejo clínico das mesmas.

Palavras-chave: nefropatia,nefrite, glomerulonefrite, síndrome nefrótica, nefrite lúpica, glomerulosclerose segmentar e focal, nefropatia por IgA, doença renal crônica.

Introdução

A doença renal crônica é atualmente entendida como um problema de saúde pública, devido a sua prevalência crescente, sua morbimortalidade elevada e aos custos altos demandados para manutenção dos pacientes renais crônicos dialíticos nas diversas modalidades de terapia renal substitutiva existentes (hemodiálise, diálise peritoneal e transplante renal).1-3 Estima-se que mais de um milhão de pessoas em todo o mundo estejam atualmente em alguma forma de terapia dialítica crônica, sendo a América Latina responsável por quase um quarto destes pacientes.4-6 O custo desse tratamento é elevado: dados brasileiros mostram que mais de 10% do orçamento do Ministério da Saúde encontra-se destinado para manutenção dos programas de TRS, enquanto dados americanos apontam para custo de 29 bilhões de dólares anuais para tratamento dos pacientes renais crônicos dialíticos.7,8

No Brasil, assim como em vários outros países, as doenças glomerulares constituem uma etiologia frequente de insuficiência renal crônica dialítica, 9,10 tendo a realização da biopsia renal um papel fundamental no correto diagnóstico histopatológico, etiológico e mesmo prognóstico desses casos.11,12

As doenças glomerulares muitas vezes apresentam curso insidioso e assintomático, fato que acarreta um retardo diagnóstico que contribui para pior sobrevida renal e clínica do paciente.13

Os estudos epidemiológicos das doenças glomerulares, mesmo quando realizados em âmbito regional, apresentam sua importância, uma vez que contribuem para melhor compreensão sobre a incidência dessas patologias e permitem a adoção de estratégias diferenciadas visando a novas formas de prevenção e tratamento das mesmas.

Dessa forma, visamos, por meio deste estudo, traçar um perfil dos pacientes portadores de doenças glomerulares submetidos à biopsia renal em um hospital secundário de referência em clínica médica no Distrito Federal, o Hospital Regional da Asa Norte (HRAN).

Materiais e Métodos

Foram realizadas análises retrospectivas dos prontuários de todos os pacientes submetidos à biopsia renal em rins primitivos em um período de 4 anos (agosto de 2005 a maio de 2009), que permaneceram internados nos leitos de enfermaria sob os cuidados do Serviço de Nefrologia do Hospital Regional da Asa Norte (HRAN).

Foram realizadas nesse período 121 biopsias renais, sendo 8 biopsias renais excluídas por terem sido realizadas em rins transplantados, restando 113 biopsias, que constituem o objeto estudo.

Os dados considerados para análise foram divididos em quatro grandes grupos:

a) Dados clínicos admissionais: incluíam dados referentes a idade, sexo e indicação de biopsia renal.

b) Dados laboratoriais: incluíam os valores séricos de ureia, creatinina e albumina, bem como valores de hemoglobina e hematócrito.

c) Dados histopatológicos: referentes ao resultado da biopsia renal, bem como o grau de fibrose intersticial relatado pelo patologista.

d) Dados do tratamento e desfecho clínico: referentes à necessidade do uso de imunossupressores, à realização de diálise durante internação e ao desfecho clínico dos pacientes até o término do estudo (permanência em seguimento conservador, óbito, diálise crônica ou perda de seguimento).

As indicações de biopsia renal estiveram em conformidade com o Consenso Brasileiro de Glomerulopatias,13 sendo as seguintes: anormalidades urinárias (AU), suspeita de glomerulonefrite rapidamente progressiva (GNRP), síndrome nefrítica (Sd nefrítica), síndrome nefrótica (Sd nefrótica) e insuficiência renal indeterminada (IR indeterminada).

Anormalidades urinárias foram definidas como presença de hematúria micro ou macroscópica associada ou não a qualquer grau de proteinúria. Glomerulonefrite rapidamente progressiva foi definida como perda abrupta de função renal em dias ou semanas associada a sedimento urinário ativo, presença de proteinúria e ultrassonografia com rins de tamanho normal ou aumentado. Síndrome nefrítica foi definida como início súbito de hematúria associada a oligúria, edema e hipertensão arterial, associado ou não a déficit leve de função renal (esta última definida como elevação de creatinina até 1,5 mg/dL). Síndrome nefrótica foi definida como proteinúria 24 horas > 3,5 g associada a hipoalbuminemia e edema variável. Hipertensão arterial foi definida como níveis de pressão sistólica > 140 mmHg e/ou pressão diastólica > 90 mmHg. Insuficiência renal indeterminada foi definida como perda de função renal sem causa aparente na presença de sedimento urinário sem alterações e ultrassonografia com rins de tamanho normal ou aumentado.

Os diagnósticos histológicos foram divididos em três grupos: glomerulopatias primárias, glomerulopatias secundárias e outras. Neste último grupo, foram incluídos os seguintes achados: nefrites tubulointersticiais, necrose tubular aguda, rim normal e amostras insuficientes.

A análise histológica foi realizada por microscopia óptica (MO) e imunofluorescência direta (IF), sendo as biopsias realizadas pela equipe de nefrologia do HRAN, acondicionadas em solução de transporte e enviadas via correio para o laboratório de anatomia patológica da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), onde eram analisadas. Para MO os fragmentos foram fixados em líquido de Bouin, processados para inclusão em parafina e submetidos a cortes histológicos semiseriados e sequenciais, corados pelos métodos de hematoxilina-eosina (H&E), prata de Jones, ácido periódico-Schiff (PAS) e tricrômio de Masson. Para IF, as amostras foram submetidas a cortes por congelação em criostato e incubadas com antissoros conjugados fluoresceinados, anti-imunoglobulinas humanas A, G e M, cadeias leves Kappa e Lambda, frações C1q e C3d do complemento e fibrinogênio.

Para fins de classificação histológica das glomerulopatias, foram utilizadas as recomendações da OMS, modificadas em 1995.14

A avaliação de cronicidade foi considerada de acordo com a percentagem de glomérulos esclerosados, de atrofia tubular e da análise semiquantitativa do grau de fibrose intersticial descritos pelo patologista (fibrose leve definida como presente em até 20% da amostra, moderada de 20% a 50% e acentuada maior que 50%).

Análise estatística

Os dados numéricos foram expressos em média ± desviopadrão para as variáveis com distribuição normal e em mediana (máximo-mínimo) para as variáveis sem distribuição normal. Os dados categóricos foram expressos em percentagem. As variáveis categóricas foram comparadas utilizando-se o teste do qui-quadrado ou teste exato de Fisher. As variáveis numéricas foram comparadas pelo teste t de Student para amostras independentes. A normalidade das variáveis quantitativas foi avaliada pelos testes de Shapiro-Wilk e Kolmogorov-Smirnov.

Todas as probabilidades de significância (valores de p) apresentadas são do tipo bilateral e valores menores que 0,05 foram considerados estatisticamente significantes. A análise estatística dos dados foi efetuada utilizando-se o programa SAS versão 9.2 (Statistical Analysis System , Cary, NC, USA).

Resultados

Quanto aos dados clínicos admissionais, a média de idade da população estudada foi de 34,9 ± 16,2 anos, havendo um predomínio de pacientes do sexo masculino (51,3% - 58/113) (Tabela 1).

As principais indicações de biopsia renal foram: síndrome nefrótica – sd nefrotica (41,6%, 47/113), glomerulonefrite rapidamente progressiva (GNRP) (35,4% - 40/113), anormalidades urinárias (AU) (14,2% - 16/113); síndrome nefrítica (sd nefrítica) (5,3% - 6/113) e insuficiência renal indeterminada(IR indet) (3,5% - 4/113) (Tabela 1).

Os dados laboratoriais revelaram uma média de hemoglobina de 11,5 ± 2,6 g/dL; hematócrito de 33,6 ± 7,9; ureia de 83,0 ± 53,1 g/dL; creatinina de 3,3 ± 3,3g/dL e albumina sérica de 2,9 ± 0,7 g/dL (Tabela 1).

Acerca dos diagnósticos histopatológicos, houve um predomínio no achado de glomerulopatias primárias (46% - 52/113), seguido pelas glomerulopatias secundárias (33,6% - 38/113) e outros (20,4%) (Tabela 1).

Acerca do grau de fibrose intersticial descrito pelo patologista, os achados foram: ausente (39,8% - 45/113), leve (32,7% - 37/113), moderado (18,6% - 21/113) e extenso (8,8% - 10/113) (Tabela 1).

A maioria dos pacientes fez uso de imunossupressores ao longo da internação (68,1% - 77/113), sendo que quase um terço dos pacientes necessitou de diálise (29,2% - 33/113). Os principais desfechos clínicos até o término do estudo foram: permanência em tratamento conservador (73,8% - 83/113), terapia dialítica crônica (13,3% - 15/113), óbito (10,6% - 12/113) e perda de seguimento após alta (2,7% - 3/113) (Tabela 1).

Entre as glomerulopatias primárias (n = 52), houve predomínio no achado de Glomeruloesclerose Segmentar e Focal - GESF (26,9% - 14/52), seguida pela Nefropatia por IgA (25% - 13/52), Doença de Lesões Mínimas - DLM (21,1% -11/52), Glomerulopatia Membranosa - GNM (13,5% - 7/52) e Glomerulonefrite Crônica Indeterminada - GNC (13,5% -7/52) (Figura 1).


Entre as glomerulopatias secundárias (n = 38), houve predomínio no achado de nefrite lúpica (50% - 19/38), seguida pela Glomerulonefrite Proliferativa Difusa-GNPD (34,2% - 13/38), Glomerulonefrite Pauci-Imune - GN PAUCI (8% -3 /38) e Nefroesclerose hipertensiva (8% - 3/38) (Figura 1). Nos casos de nefrite lúpica, houve predomínio da classe IV (57,9% 11/19), seguida pela classe V (21% - 4/19), classe III (15,8% - 3/19) e classes I/II (5,3% - 1/19).

No grupo denominado outros (n = 23), os principais diagnósticos foram: rim normal (34,8% - 8/23), material insuficiente (30,4%, 7/23), nefrite túbulo-intersticial (26,1% - 6/23) e necrose tubular aguda (8,7% - 2/23).

As variáveis sexo, idade, indicação de biopsia, grau de fibrose intersticial, uso de imunossupressor, necessidade de diálise e desfecho clínico encontram-se expressas com os valores individualizados para cada tipo específico de achado histológico na Tabela 2.

Na comparação entre indicação de biopsia e achado histológico, verificou-se:

• Os pacientes biopsiados devido à síndrome nefrótica (n = 47) tiveram como principais resultados: GESF (27,6% - 13/47), Doença de Lesões Mínimas (23,4% - 11/47), Nefrite Lúpica (17% - 8/47), Glomerulonefrite Membranosa (14,9% - 7/47),Outros (10,6% - 5 /47), Nefroesclerose Hipertensiva (4,2% - 2/47) e Nefropatia por IgA (2,1% - 1/47) (Figura 2).


• Os pacientes biopsiados devido à GNRP (n = 40) tiveram como principais resultados: Nefrite Lúpica (27,5% - 11/40), GNPD (25% - 10/40), Outros (12,5% - 5/40), Nefropatia IgA (10% - 4/40), Glomerulonefrite Pauci-Imune (7,5% -3/40) e GESF (2,5% - 1/40) (Figura 2).

• Os pacientes biopsiados devido a anormalidades urinárias (n = 16) apresentaram como resultados: Nefropatia por IgA ( 43,7% - 7/16), Outros (43,7% - 7/16), GNPD (6,3% - 1/16) e Nefroesclerose Hipertensiva (6,3% - 1/16) (Figura 2).

• Os pacientes com síndrome nefrítica (n = 6) apresentaram como resultados histológicos: Outros (50% - 3/6), GNPD (33,3% - 2/6) e Nefropatia por IgA (16,7% - 1/6) (Figura 2).

• Os pacientes com IR indeterminada (n = 4) apresentaram como resultados : Outros (75% - 3/4 ) e GNCT (25% - 1/4 ) (Figura 2).

No caso dos pacientes com GNRP como indicação de biopsia, com exceção do subgrupo outros e do caso isolado de GESF, em todos os casos restantes (85% -34/40) foram verificados a presença de crescentes celulares, sendo que, em metade desses casos (42,5% - 17/40) os mesmos ocupavam mais de 50% da amostras da biopsia sendo então denominados glomerulopatias crescênticas. Vale ressaltar que dois pacientes com glomerulonefrite pauci-Imune (66,7% - 2/3) foram diagnosticados como portadores de vasculite sistêmica (Granulomatose de Wegener).

Na comparação entre os pacientes portadores de glomerulopatias primárias e secundárias, não foi verificada diferença estatisticamente significativa quanto a faixa etária, sexo, uso de imunossupressores, frequência de diálise durante internação e níveis de hematócrito e albumina sérica. Verificou-se, entretanto, que os pacientes portadores de glomerulopatias primárias apresentaram maiores níveis de hemoglobina (11,7 ± 2,5 g/dL vs. 10,7 ± 2,8 g/dL; p = 0,0393) e maior desfecho de diálise crônica (21,1% vs. 5,2 %; p = 0,0342), enquanto que os pacientes portadores de glomerulopatias secundárias apresentaram maior frequência de óbito como desfecho clínico (21% vs. 5%, p = 0,0477) (Tabela 3).

Discussão

Nosso estudo tentou demonstrar o perfil dos pacientes com suspeita de doença glomerular submetidos à biopsia renal em um hospital público do Distrito Federal.

A suspeita de doença glomerular foi confirmada em praticamente 80% dos casos biopsiados. Esse dado reforça que é necessário um alto grau de suspeição clínica para que ocorra o rápido diagnóstico e tratamento dessas patologias.13

Nosso estudo encontrou o acometimento das doenças glomerulares preferencialmente em uma faixa etária jovem, sendo a principal indicação de biopsia renal a presença de síndrome nefrótica. Foi encontrado também um predomínio das glomerulopatias primárias sobre as secundárias, sendo mais frequente entre as primárias a GESF e entre as secundárias a nefrite lúpica, estando esses dados em conformidade com vários estudos nacionais15-18 e latino-americanos.19,20

Vários dados específicos de cada glomerulopatia encontrados em nosso estudo e apresentados na Tabela 2 apresentaram respaldo na literatura,12 entre os quais:

• o grande número de casos de GESF com evolução para diálise crônica;

• o predomínio de achados de GESF, DLM e GNM entre os pacientes com síndrome nefrótica;

• a faixa etária mais acentuada entre os pacientes portadores de GNM;

• a menor faixa etária e o acometimento predominante feminino nos pacientes com nefrite lúpica;

• a grande percentagem de pacientes com glomerulonefrite pauci-imune com apresentação como GNRP e evolução para óbito.

Muitas das correlações entre sintomatologia clínica e resultado da biopsia do nosso trabalho também estiveram em conformidade com dados clássicos da literatura, como a forte associação entre síndrome nefrótica com GESF e anormalidades urinárias com nefropatia por IgA. O fato de um grande número de pacientes com apresentação de GNRP terem como laudo histológico nefrite lúpica pode ser explicado pelo amplo predomínio da classe IV, com apresentação tradicionalmente mais agressiva.21,12

O segundo achado histológico mais comum entre os pacientes portadores de anormalidades urinárias foram doenças não glomerulares (subgrupo outros) e tal fato pode ser explicado tanto pelo fato de as doenças túbulointersticiais poderem mimetizar doenças glomerulares quanto pelo achado de biopsias descritas como rim normal nesse subgrupo e que poderiam corresponder a quadros de doença de membrana fina (DMF), uma vez que tal patologia necessita para seu diagnóstico da realização de microscopia eletrônica (não realizada em nosso estudo). Em alguns estudos, a DMF supera a própria nefropatia por IgA como causa principal de anormalidades urinárias.22

Em nosso estudo, as glomerulopatias primárias mais prevalentes em ordem decrescente foram: GESF, Nefropatia por IgA LM e GNM. A prevalência de tais glomerulopatias apresentam grande variabilidade ao redor do mundo dependendo do país de origem destes registros.23-27A despeito desta variabilidade, vários estudos demonstram que a GESF vem tornando-se mundialmente a principal glomerulopatia primária causadora de síndrome nefrótica .28,29

A presença da GNPD (achado em nosso estudo altamente relacionado com glomerulonefrite difusa aguda pós-estreptocóccica) como segunda principal causa de glomerulopatia secundária foi também verificada em alguns estudos nacionais,17 mas não em uma proporção tão alta quanto a encontrada em nosso estudo. Não temos uma explicação consistente para isso, valendo apenas salientar a maior incidência de glomerulonefrites pós-estreptocócicas nos países em desenvolvimento, e a percentagem não desprezível (acima de 5%) de casos com evolução para formas rapidamente progressivas em pacientes adultos.30-31 Alguns estudos apontam contra a benignidade da GNDA ao longo do tempo, sobretudo quando relacionada a surtos epidêmicos provocados por algumas cepas específicas.32,33

O fato dos pacientes portadores de glomerulopatias primárias terem apresentado em nosso estudo maior frequência de diálise crônica como desfecho clínico do que o subgrupo dos pacientes com glomerulopatias secundárias reforça o curso insidioso que estas patologias assumem, sobretudo em suas fases iniciais. Muitos pacientes, sobretudo aqueles com GESF, foram encaminhados ao nosso serviço após perda importante de função renal, evoluindo, assim, mais rapidamente para insuficiência renal terminal.

Apesar da aparente pouca diferença em relação ao tratamento imunosupressor entre os dois grupos de doenças glomerulares, o fato de muitos pacientes terem evoluído a óbito no subgrupo das glomerulopatias secundárias pode ser atribuído ao fato de entre tais pacientes existirem muitos portadores de nefrite lúpica (principalmente classe IV), além de pacientes portadores de vasculites sistêmicas e de GNPD com evolução crescêntica. A presença de tal perfil de paciente contribuiu para que a segunda síndrome glomerular indicadora de biopsia renal em nosso estudo fosse a suspeita de GNRP, fato não verificado em outros estudos nacionais.15-17 Vários estudos demonstram o elevado impacto que a nefrite lúpica exerce sobre a morbimortalidade dos indivíduos, sobretudo na presença de outros fatores de risco como a raça não caucasiana e a má condição socioeconômica, frequentes em países em desenvolvimento e entre os pacientes de nosso estudo.34,35 Estudo confrontando pacientes portadores de nefrite lúpica e de outras glomerulopatias primárias submetidos à mesma imunossupressão indicou maior desfecho de óbito entre os pacientes lúpicos, demostrando o impacto da doença autoimune de base sobre o grau de imunossupressão desses pacientes.36 Dessa forma, provavelmente o perfil mais imunossuprimido dos pacientes com glomerulopatias secundárias contribuiu para que a frequência de óbito como desfecho clínico fosse maior independente da forma ou tipo de imunossupressor utilizado.

Conclusão

Nosso estudo fornece importantes informações epidemiológicas sobre o perfil de pacientes portadores de doenças glomerulares em um hospital público do Distrito Federal. Entretanto, há a necessidade de realização de outros estudos em outros serviços dentro do próprio Distrito Federal e em outros estados da região centro-oeste para melhor entendimento sobre o comportamento das glomerulopatias nesta região do nosso país.

Agradecimentos

A Dra. Natasha Ferraroni, aos professores Dr. Luis Moura e Dr. Marcello Franco (ambos da UNIFESP) pela análise histopatológica, a Frederico Moreira e a equipe da ESTAT (Unb) pela análise estatística.

Submetido em 19/1/2010

Aprovado em 28/6/2010

Declaramos a inexistência de conflitos de interesse

  • 1. Salgado Filho N, Brito DJA. Doença Renal Crônica: a grande epidemia deste milênio. J Bras Nefrol 2006; 28:1-5.
  • 2. Sesso R, Lopes AA, Thome FS, Bevilacqua JL, Romão Junior JE, Lugon J. Relatório do censo brasileiro de diálise 2008. J Bras Nefrol 2008; 30:233-8.
  • 3. Bastos MG, Carmo WB, Abrita RR et al Doença Renal Crônica: problemas e soluções. J Bras Nefrol 2004, 26:202-15.
  • 4. Hafez MH, Abdellatif DA, Elkhatib MM. Prevention of renal disease progression and renal replacement therapy in emerging countries. rtif Organs 2006; 30:501-9.
  • 5. Cusumano AM, Romao JE, Poblete Badal H et al Latin-american dialysis and kidney transplantation registry: data on the treatment of end-stage renal disease in Latin America. G Ital Nefrol. 2008; 25:547-53.
  • 6. Cusumano A, Garcia-Garcia G, Di Gioia C et al Endstage renal disease and its treatment in Latin America in the twenty-first century. Ren Fail. 2006; 28:631-7.
  • 7. Sesso R. Epidemiologia da doença renal crônica no Brasil. In: Barros E, Manfro RC, Thomé FS, Gonçalves LF. Nefrologia: Rotinas, Diagnóstico e Tratamento. 3ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. p.39-46.
  • 8. Hamer RA, El Nahas AM. The burden of chronic kidney disease: is rising rapidly worldwide. BMJ 2006; 332:563-4.
  • 9. Oliveira MB, Romao Jr JE, Zatz R. End-stage renal disease in Brazil: epidemiology, prevention, and treatment. Kidney Int Suppl 2005; 68:S82-86.
  • 10. Maisonneuve P, Agodoa L, Gellert R et al Distribution of primary renal diseases leadingo to end-stage renal failure in the United States, Europe, and Australia/ New Zeland: results from an international comparative study. Am J Kidney Dis. 2000; 35:157-65.
  • 11. Cohen AH, Nast CC. Clinical utility of kidney biopsies in the diagnosis and management of renal disease. Am J Nephrol 1989; 9:309-15.
  • 12. Barros RT, Alves MAR, Kirztajn GM, Sens YAS, Dantas M. Glomerulopatias: patogenia, clínica e tratamento. 2ed. São Paulo: Editora Sarvier, 2006.
  • 13. Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN). Consenso Brasileiro de Glomerulopatias. Volume XXVI n 1 Supl 1 mai 2005.
  • 14. Churg J, Sobin LH, editors. Renal disease: classification and atlas of glomerular diseases. Tokyo: Igaku-Shoin, 1995.
  • 15. Cardoso AC, Mastroianni-Kirsztajn G. Padrões histopatológicos das doenças glomerulares no Amazonas. J Bras Nefrol 2006; 28:39-4.
  • 16. Carmo PAV, Carmo WB, Bastos MG, Andrade LCF. Estudo das Doenças Glomerulares na Zona da Mata Mineira. J Bras Nefrol 2008; 30:15-2.
  • 17. Malafronte P, Mastroianni-Kirsztajn G, Betôncio GN et al Paulista Registry of glomerulonephritis: 5-year data report. Nephrol Dial Transpl. 2006; 21:3098-105.
  • 18. Polito MG, de Moura LA, Kirsztajn GM. An overview on frequency of renal biopsy diagnosis in Brazil: clinical and pathological patterns based on 9,617 native kidney biopsies. Nephrol Dial Transplant. 2010; 25: 490-6.
  • 19. Arias LF, Henao J, Giraldo RD, Carvajal N, Rodelo J, Arbeláez M. Glomerular diseases in a Hispanic population: review of a regional renal biopsy database. São Paulo Med J. 2009; 127:140-4.
  • 20. Mazzuchi N, Acosta N, Caorsi H et al Frequency of diagnosis and clinic presentation of glomerulopathies in Uruguay. Nefrologia. 2005; 25:113-20.
  • 21. Korbet SM, Lewis EJ, Schwartz MM, Reichlin M, Evans J, Rohde RD. Factors predictive of outcome in severe lupus nephritis. Lupus Nephritis Collaborative Study Group. Am J Kidney Dis. 2000; 35:904-14.
  • 22. Van Paassen P, Van Breda Vriesman PJ, Van Rie H, Tervaert JW. Signs and symptoms of thin basement membrane nephropathy: a prospective regional study on primary glomerular disease-The Limburg Renal Registry. Kidney Int. 2004; 66:909-13.
  • 23. Chang JH, Kim DK, Kim HW et al Changing prevalence of glomerular diseases in Korean adults: a review of 20 years of experience. Nephrol Dial Transplant. 2009; 24:2406-10.
  • 24. Covic A, Schiller A, Volovat C et al Epidemiology of renal disease in Romania: a 10 year review of two regional renal biopsy databases. Nephrol Dial Transplant. 2006; 21:419-24.
  • 25. Rychlík I, Jancová E, Tesar V et al The Czech registry of renal biopsies. Occurrence of renal diseases in the years 1994-2000. Nephrol Dial Transplant. 2004; 19:3040-9.
  • 26. Li LS, Liu ZH. Epidemiologic data of renal diseases from a single unit in China: analysis based on 13,519 renal biopsies. Kidney Int. 2004; 66:920-3.
  • 27. Panichi V, Pasquariello A, Innocenti M et al The Pisa experience of renal biopsies, 1977-2005. J Nephrol. 2007; 20:329-35.
  • 28. Oliveira MB, Penna DO, Saldanha LB, Mota ELA, Barros RT, Romão JR JE. Primary glomerular diseases in Brazil (1979-1999): is the frequency of focal and segmental glomerulosclerosis increasing?. Clin Nephrol 2004; 61:90-7.
  • 29. Hass M, Spargo B, Coventry S. Increasing incidence of focal segmental glomerulosclerosis among adult nephropaties: a 20-year renal biopsy study. Am J Kidney Dis. 1995; 26:740-50.
  • 30. Rodriguez-Iturbe, B. The current state of poststreptococcal glomerulonephritis. J Am Soc Nephrol. 2008; 19:1855-64.
  • 31. Barros RT, Vieira Jr JM. Glomerulonefrites secundárias às infecções bacterianas. In: Barros RT; Alves MAR; Kirztajn GM; Sens YAS; Dantas M. Glomerulopatias: patogenia, clínica e tratamento. 2ed. São Paulo: Editora Sarvier, 2006.
  • 32. esso R, Pinto SWL. Epidemic glomerulonephritis due to Streptococcus zooepidemicus in Nova Serrana, Brazil. Kidney Int. 2005; 97:132-6.
  • 33. Sesso R, Pinto SWL. Five-year follow-up of patients with epidemic glomerulonephritis due to streptococcus zooepidemicus. Nephrol Dial Transpl. 2005; 20:1808-12.
  • 34. Barr RG, Seliger S, Appel GB et al Prognosis in proliferative lupus nephritis: the role of socio-economic status and race / ethnicity. Nephrol Dial Transplant 2003; 18:2039-46.
  • 35. Korbet SM, Lewis EJ, Schwartz MM, Reichlin M, Evans J, Rohde RD. Factors predictive of outcome in severe lupus nephritis. Lupus Nephritis Collaborative Study Group. Am J Kidney Dis. 2000; 35:904-14.
  • 36. Balbi AL, Barbosa RA, Lima MCP, de Almeida, DB. Estudo comparativo das complicações terapêuticas no lúpus eritematoso sistêmico e nas glomerulopatias idiopáticas. Rev da Assoc Med Bras. 2001; 47:296-301.
  • Correspondência para:

    Fábio Humberto Ribeiro Paes Ferraz
    Hospital Regional da Asa Norte. SQN 108, bloco C, apartamento 107 Asa Norte
    Brasília - DF CEP: 70744-030
    Email:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Out 2010
    • Data do Fascículo
      Set 2010

    Histórico

    • Aceito
      28 Jun 2010
    • Recebido
      19 Jan 2010
    Sociedade Brasileira de Nefrologia Rua Machado Bittencourt, 205 - 5ºandar - conj. 53 - Vila Clementino - CEP:04044-000 - São Paulo SP, Telefones: (11) 5579-1242/5579-6937, Fax (11) 5573-6000 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: bjnephrology@gmail.com