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Transtornos mentais e qualidade de vida em crianças e adolescentes com doença renal crônica e em seus cuidadores

Resumos

A melhoria da atenção médica resultou em um aumento da sobrevida de pacientes pediátricos com doença renal crônica (DRC). Entretanto, as repercussões clínicas e as consequências do tratamento são inúmeras. O objetivo deste estudo foi a realização de uma revisão desta temática, incluindo estudos publicados desde 1980 até a atualidade, que abordam também a influência de outras doenças crônicas na população pediátrica. Foram revisadas as repercussões clínicas e as alterações neurológicas e neurocognitivas da DRC que podem influenciar na saúde mental e qualidade de vida destes pacientes. Estudaram-se também os efeitos emocionais e sociais da DRC e a sua influência na adesão à terapêutica e controle clínico nas diferentes modalidades de tratamento conservador, dialítico e transplante. Observa-se um comprometimento da qualidade de vida e da saúde mental desses pacientes. A compreensão das repercussões psicossociais e a tentativa de minimizá-las amenizam o impacto da doença renal no paciente. Esse cuidado mais adequado, completo e humanizado pode resultar na melhora da adesão e do controle clínico.

insuficiência renal crônica; pediatria; qualidade de vida; transplante de rim; diálise


In the last decades there was a striking improvement in survival of children with chronic kidney disease. As life expectancy has increased in children with CKD, concern has risen about its physical, psychological, and social consequences. The aim of this study was to perform a review of the psychological consequences of CKD in the pediatric population, with the focus on mental disorders and on quality of life. We also reviewed studies regarding emotional and social effects and their possible influences on treatment adhesion. Several studies have shown impairment on quality of life and on mental health of these patients. A better understanding of emotional consequences of CKD in pediatric population possibly can reduce the impact of the renal disease on children. Moreover, a comprehensive approach of children and adolescents with CKD might result in a better clinical control and improve treatment adhesion.

chronic kidney failure; pediatrics; quality of life; kidney transplantation; dialysis


ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO

Transtornos mentais e qualidade de vida em crianças e adolescentes com doença renal crônica e em seus cuidadores

Renata Cristiane MarcianoI; Cristina Maria Bouissou SoaresII; José Silvério Santos DinizII; Eleonora Moreira LimaII; José Maria Penido SilvaII; Monica Ribeiro CanhestroIII; Andrea Gazzinelli OliveiraIII; Carla Duarte MeloIV; Cristiane Santos DiasII; Humberto CorreaV; Eduardo Araujo de OliveiraVI

IHospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais - HCUFMG, Departamento de Saúde Mental, Faculdade de Medicina, UFMG

IIUnidade de Nefrologia Pediátrica, HCUFMG

IIIEscola de Enfermagem, UFMG

IVIniciação Científica, UFMG

VDepartamento de Saúde Mental, Faculdade de Medicina, UFMG

VIUFMG

Correspondência para Correspondência para: Eduardo Araújo de Oliveira Hospital das Clínicas - UFMG Rua Engenheiro Amaro Lanari 389/501 Belo Horizonte Minas Gerais CEP: 30310-580 E-mail: eduolive812@gmail.com

RESUMO

A melhoria da atenção médica resultou em um aumento da sobrevida de pacientes pediátricos com doença renal crônica (DRC). Entretanto, as repercussões clínicas e as consequências do tratamento são inúmeras. O objetivo deste estudo foi a realização de uma revisão desta temática, incluindo estudos publicados desde 1980 até a atualidade, que abordam também a influência de outras doenças crônicas na população pediátrica. Foram revisadas as repercussões clínicas e as alterações neurológicas e neurocognitivas da DRC que podem influenciar na saúde mental e qualidade de vida destes pacientes. Estudaram-se também os efeitos emocionais e sociais da DRC e a sua influência na adesão à terapêutica e controle clínico nas diferentes modalidades de tratamento conservador, dialítico e transplante. Observa-se um comprometimento da qualidade de vida e da saúde mental desses pacientes. A compreensão das repercussões psicossociais e a tentativa de minimizá-las amenizam o impacto da doença renal no paciente. Esse cuidado mais adequado, completo e humanizado pode resultar na melhora da adesão e do controle clínico.

Palavras-chave: insuficiência renal crônica, pediatria, qualidade de vida, transplante de rim, diálise.

Introdução

Nos últimos anos, o cuidado médico e o manejo de crianças e adolescentes com DRC evoluíram significativamente. Como consequência, ocorreram mudanças consideráveis no prognóstico desses pacientes e extensão de sua sobrevida.1 Entretanto, ainda há grande dificuldade no manejo do estresse e das responsabilidades decorrentes da DRC, pois esses pacientes lidam com uma vida de limitações. Além disso, têm sua qualidade de vida bastante comprometida por lidarem com as demandas e restrições impostas por sua condição clínica e tratamento.2,3

A doença renal afeta muitos aspectos da vida destas crianças. Diariamente, elas são submetidas a restrições dietéticas, hídricas, tratamentos difíceis e invasivos, com esquemas medicamentosos complexos, e até hospitalizações. Observa-se que eles possuem maior risco de pior desempenho psicossocial que os seus pares saudáveis.4,5 Dados da literatura evidenciam que estas alterações emocionais nos pacientes com DRC e em seus cuidadores podem persistir também na fase adulta.6,7 Assim, percebe-se que o manejo desses pacientes pediátricos representa um desafio para a equipe de saúde, para os doentes e seus cuidadores. Nesse contexto, tem-se tentado compreender os mecanismos adaptativos dos pacientes a esta nova realidade.8 Essa revisão objetiva esclarecer as principais repercussões psicossociais da DRC nessas crianças e adolescentes. O melhor entendimento dessas relações constitui um passo importante na construção de uma assistência mais humanizada e eficaz.

Objetivo

Avaliar as repercussões emocionais e o comprometimento da qualidade de vida de crianças e adolescentes com DRC que podem influenciar no prognóstico e controle clínico desses pacientes.

Método

Foi realizada pesquisa bibliográfica na Biblioteca Regional de Medicina - BIREME e na PUBMED com os seguintes descritores: Chronic Disease, Renal Insufficiency, Chronic, Depressive Disorder, Depressive Disorder, Major, Dysthymic Disorders, Mental Disorders Diagnosed in Childhood, Quality of Life, Adolescent, Child. Selecionaram-se artigos publicados a partir de 1980. Foram selecionados também estudos que constaram como artigos relacionados àqueles da pesquisa supracitada. Todos os 27 estudos publicados em revistas indexadas que avaliaram a qualidade de vida e a saúde mental de crianças e adolescentes com doença renal crônica e utilizaram instrumentos validados foram incluídos. Nos trabalhos incluídos, os principais instrumentos utilizados para avaliar a qualidade de vida têm a versão em português validada, são auto aplicáveis e incluem o inventário pediátrico de qualidade de vida - PedsQL em suas versões geral e específica para o doente renal; o questionário da qualidade de vida infantil -AUQUEI, e o SF-36. Para avaliar a saúde mental, foram empregados o Kiddie-SADS, considerado padrão ouro para tal finalidade; o questionário de capacidades e dificuldades - SDQ, que é autoaplicável e funciona como uma triagem dos principais transtornos psiquiátricos e avalia as capacidades da crianças principalmente do ponto de vista da sociabilidade; o inventário de comportamentos para crianças e adolescentes- CBCL; o inventário de ansiedade traço estado para criança - IDATE; dentre outros como SCICA e a Rutter scale.

Resultados e discussão

A presença de doenças crônicas (DC) durante a infância e adolescência eleva significativamente o risco de desordens emocionais e comportamentais.9,10 Embora muitas DC sejam consideradas raras na infância, estima-se que afetem aproximadamente 15% da população pediátrica. Desse total, cerca de 5% são doenças crônicas orgânicas persistentes ou recorrentes.11 As crianças com DC podem apresentar desajustes psicológicos decorrentes não só da enfermidade como também do tratamento. Esses pacientes podem, ainda, ter seu cotidiano modificado por inúmeras limitações, principalmente físicas devido às características da enfermidade que exigem readaptações contínuas frente à nova situação, além do desenvolvimento de estratégias para o enfrentamento da doença.12,13 Essas crianças sofrem com o fato da doença afetar não só suas vidas, como também as de seus familiares.14 Essas alterações emocionais podem estar associadas às alterações neurológicas inerentes ao próprio diagnóstico. Todavia, observa-se que os distúrbios emocionais apresentados estão associados essencialmente às dificuldades inerentes à convivência com a doença crônica.15

Alguns estudos feitos a partir de intervenções simples revelaram que estimular estas crianças a realizarem atividades comuns a seus pares pode ser benéfico. Por exemplo, em um estudo de Balen et al.,16 as crianças com câncer, que passaram uma semana em uma colônia de férias, relataram melhora nos níveis de ansiedade e em sua autoestima. A DRC constitui importante causa de morbidade pediátrica e está associada à significativa mortalidade. Paralelamente, acarreta sérios danos psicossociais e que são mais pronunciados naqueles com doença congênita e que necessitam de terapia de substituição renal. A DRC invariavelmente é bastante estressante e impactante para os pacientes e seus familiares. Dessa forma, constitui um fator predisponente ao desenvolvimento de patologias psiquiátricas nesses pacientes e em seus familiares, notadamente nos cuidadores principais.10 Por outro lado, a presença de comorbidades psiquiátricas piora o prognóstico de pacientes renais crônicos. Burton et al. encontraram associação entre depressão maior e morte prematura em pacientes renais crônicos.17 Os cuidados médicos aos pacientes renais crônicos avançaram notadamente nas últimas décadas. Contudo, o tratamento da DRC permanece bastante invasivo, exigindo profundas mudanças comportamentais, culturais e de estilo de vida. A própria condição clínica destes pacientes impõe inúmeras dificuldades e limitações cotidianas. Assim, o aumento da sobrevida deles é muitas vezes acompanhado pela presença de comorbidades psiquiátricas.18,19 Habitualmente, essas crianças apresentam anemia, hiporexia, e uma tendência a reduzirem suas atividades, com piora de seu desempenho escolar.3 Bakr et al. demonstraram que essas repercussões emocionais não são explicadas por fatores socioeconômicos ou clínicos. Neste estudo, o comprometimento emocional foi associado a dificuldade de convivência com a doença e alteração da função renal.20

Os pacientes pediátricos renais crônicos relataram elevados níveis de estresse, depressão e sentimentos de desesperança relacionados com preocupações com a própria saúde e a percepção das limitações.1 Brownbridge et al. demonstraram que índices elevados de depressão e ansiedade e resultados alterados em testes de personalidade nesses pacientes estavam associados a pior aderência terapêutica.21 Assim, um importante ponto a ser discutido é que o entendimento e o redirecionamento do estresse das crianças com DRC constituiu uma forma eficaz de alívio de seu sofrimento emocional e de aprimoramento de sua aderência ao tratamento.22

De acordo com dados da literatura, a prevalência de alterações psiquiátricas entre crianças e adolescentes com DRC é bastante variável. Entretanto, foi superior à da população saudável, na maior parte dos trabalhos. A Tabela 1 sumariza alguns dos principais estudos sobre o comprometimento psicossocial e da qualidade de vida em pacientes pediátricos com DRC.

Crianças com DRC exibiram habitualmente uma autoimagem bastante negativa e um sentimento de inferioridade com relação a seus pares. Em Bakr et al.,20 aplicou-se o SCICA, um questionário semiestruturado que avalia de forma global, a funcionalidade do paciente em nove áreas, como escola, amigos, relacionamentos familiares em 38 pacientes pediátricos com DRC em tratamento conservador e hemodiálise. Foi observado que a prevalência de transtornos mentais foi de 52,6%, divididos em conduta 18,4%; depressivos 22,4%; neurocognitivos 7,7%; ansiedade 5,1%, e transtornos de eliminação 2,6%. Ao se comparar transtornos psiquiátricos em pacientes em diálise e tratamento conservador, a prevalência foi de 68,4% e 36,8%, respectivamente.20

Várias hipóteses foram aventadas para explicar esse aumento da prevalência de transtornos mentais. Além do estresse inerente a DRC e seu tratamento, estudos apontam para outros fatores contribuintes para a predisposição de doenças psiquiátricas nesse grupo. Dentre estes, podem-se citar: a redução dos níveis do fator neurotrófico derivado do cérebro - BNDF e os baixos níveis séricos de serotonina em pacientes renais crônicos. Acrescenta-se a uremia, que pode estar associada a irritabilidade, distraibilidade, insônia e atrasos no desenvolvimento de caracteres sexuais secundários.20,23 A função cognitiva de pacientes com DRC parece ser pior do que a dos seus pares saudáveis. Esse comprometimento parece estar relacionado ao tempo de exposição à doença.

As alterações cognitivas referem-se, principalmente, ao aprendizado e à inteligência.24 Os adultos jovens, com DRC desde a infância, particularmente aqueles em diálise por um longo período, apresentaram um prejuízo na cognição e em habilidades de leitura com relação aos seus pares.25 No estudo de Bawden et al., pacientes com DRC exibiram déficits discretos em teste de inteligência e controle motor fino com relação a seus irmãos. Entretanto, surpreendentemente, não foram observadas diferenças em relação a resultados acadêmicos, memória, comportamento e autoestima.26 Um dado notório é que as consequências da DRC, do seu tratamento e das comorbidades psiquiátricas e clínicas persistem. Pacientes com DRC na infância apresentaram um risco aumentado de morbidades sociais e psiquiátricas na idade adulta. Ao se comparar adultos saudáveis, com aqueles com DRC na infância, observou-se que uma parcela significativa desses pacientes não trabalhava, não estava casada e vivia mais tempo na casa de seus pais. Esses pacientes apresentaram atraso no desenvolvimento social, psíquico e sexual, além de diminuição da autonomia quando adultos.27,28

Em Rosenkranz et al.1 metade dos participantes informou que a DRC e seu tratamento afetaram negativamente a sua vida social. Dentre estes, aproximadamente um terço havia buscado auxílio médico, nos últimos 5 anos, por transtornos psiquiátricos e emocionais. Poucos pacientes reportaram um relacionamento estável com o sexo oposto.2 Nesse outro trabalho, o nível de dependência encontrado em pacientes com DRC foi alto. Foram observados, ainda, atraso no crescimento e desenvolvimento sexual e uma taxa de fecundidade bastante inferior à população geral.1 Outro desafio para esses pacientes pediátricos consiste em aderir à terapêutica. Seguir o tratamento proposto significa submeter-se a restrições hídricas e dietéticas, a regimes posológicos complexos, e a terapias bastante invasivas. Em Wolff et al., foram destacados fatores psicossociais relacionados com a adesão. Constatouse que os pacientes com pior desempenho emocional e social, habitualmente, demonstraram uma tendência a não seguirem as recomendações médicas.29 Nesse mesmo estudo, dos pacientes transplantados renais que declararam não seguir as recomendações médicas, 31% informaram não suportar a interferência da família em suas vidas e 19% relataram tentativas pregressas de autoextermínio e/ou sérios pensamentos suicidas. Este autor explica que o adolescente renal crônico, em uma tentativa de demonstrar autonomia, muitas vezes não é aderente à terapêutica proposta. A adesão muitas vezes piora em momentos de crises familiares. Esses pacientes transplantados se queixaram por se sentirem dependentes, desacreditados e de terem seus esforços de seguir o tratamento pouco valorizados.29 As crianças transplantadas precisam lidar com a necessidade do uso contínuo de imunosupressores e seus efeitos colaterais. Esses pacientes temem a perda do enxerto funcionante.30 É importante trabalhar, com as famílias, as verdadeiras expectativas dos cuidadores e dos transplantados. Apesar de representar uma grande evolução na qualidade de vida, o transplante pode tornar-se uma experiência frustrante, já que os pacientes e familiares, frequentemente, esperavam ter uma vida totalmente saudável e autônoma após o procedimento.29,31 A fase imediatamente posterior ao transplante é bastante delicada, marcada pela presença de sintomas depressivos, baixa autoestima, dificuldade para compreender e lidar com o tratamento.32

Dentre as repercussões sociais da DRC, ocorre um comprometimento significativo da escolaridade. Habitualmente, o grau de escolaridade desses pacientes é inferior ao de seus pares saudáveis. Pontuou-se que crianças e adolescentes com DC tiveram maior absenteísmo escolar.33 Os pais de crianças com DRC em hemodiálise relataram um pior desempenho acadêmico de seus filhos em relação àqueles em tratamento conservador e no grupo-controle. Dado interessante é que foi observado, também, baixo desempenho escolar nos irmãos de crianças e adolescentes com DRC.9 Outro ponto a ser considerado é a associação entre a piora na qualidade de vida e a morbimortalidade de doentes renais crônicos.34,35 A qualidade de vida (QV) é um conceito multidisciplinar que consiste na percepção do indivíduo da sua posição na vida, no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações. A piora da qualidade de vida desses pacientes interfere no seu prognóstico. Em relação ao tipo de tratamento utilizado, os piores escores de QV foram observados nos pacientes em diálise, na maioria dos trabalhos. No estudo de Gerson et al., adolescentes em diálise e com DRC terminal relataram pior qualidade de vida, com maior prejuízo do domínio físico com relação àqueles pacientes transplantados com enxerto funcionante.36,37

Em um trabalho recente de Buyan et al.,38 no qual 211 crianças renais crônicas foram comparadas a controles saudáveis, aqueles apresentaram comprometimento significativo da QV em relação a estes. Em relação à modalidade de tratamento, os pacientes transplantados apresentaram maior autoestima e preservação das suas habilidades sociais em comparação aos dialíticos. Em Mckenna et al.39 o PedsQL foi usado para mensurar a qualidade de vida de 64 crianças renais crônicas, cujos resultados foram estatisticamente inferiores em todos os domínios em comparação aos controles saudáveis. Resultados semelhantes foram obtidos no estudo de Goldstein et al.,40 no qual foi utilizado o mesmo instrumento. A percepção dos pacientes sobre sua condição clínica e alterações com relação à população geral também foi determinante para o comprometimento de sua QV. Em Fadrowski et al.,23 notou-se uma provável associação entre aumento da estatura e melhora da qualidade de vida com relação ao domínio físico. Nesse mesmo trabalho, níveis adequados de hematócrito e albumina foram relacionados à melhor QV. Em contrapartida, declínios da RFG foram relacionados com um comprometimento significativo da QV de adolescentes com DRC. Este autor associou um pior desempenho do domínio psicossocial da QV ao tratamento dialítico e idade mais avançada.

A adolescência é considerada um período difícil, marcada por conflitos em busca da autonomia que culminam com a redefinição do indivíduo para o seu ingresso na vida adulta. Esses embates são considerados próprios da síndrome da adolescência normal. Em pacientes com DC, esses conflitos são agravados pela dificuldade de manejo da doença e pelos sentimentos de revolta e repúdio à condição clínica e seu tratamento. No caso da DRC, tendo em vista suas múltiplas repercussões físicas e psicossociais, este fenômeno é habitualmente observado com maior intensidade. Em pacientes renais crônicos, na adolescência ocorre frequentemente uma piora do controle clínico e da adesão à terapêutica. Soma-se a esse contexto, um estressor adicional que é a mudança da equipe de saúde assistente. Foi demonstrada uma piora do controle clínico quando esses pacientes foram referendados a serviços de adultos.2 Em McDonagh, a própria DRC, os efeitos colaterais das medicações, as múltiplas ausências escolares e as alterações psicossociais, notadamente baixa autoestima observados nesses pacientes resultaram em retardo de crescimento e desenvolvimento, atraso puberal e pior desempenho cognitivo. Neste estudo, os adolescentes renais crônicos apresentaram pior desempenho social e sexual que o grupo-controle.41 Esses púberes mostraram-se mais preocupados com questões normais da adolescência como alcoolismo, drogas, sexo, peso, contracepção e manifestaram o desejo de que esses temas fossem abordados durante o tratamento.2,42

Notaram-se, nos adolescentes com DRC, elevados níveis de dependência associados à superproteção de familiares e professores. Estes, ao se tornarem adultos, relataram que sua inclusão no tratamento, nas decisões clínicas e seu esclarecimento adequado foram considerados contribuições muito importantes no próprio manejo da doença.2

Conclusão

Os pacientes pediátricos com DRC frequentemente são acometidos por transtornos mentais, em taxas superiores à da população geral. Esse fato decorre das perturbações da dinâmica familiar, do tratamento penoso e da própria doença crônica. Ainda foram observados nesses pacientes pior desempenho escolar, autoestima baixa e dificuldade de relacionamento com seus pares. Nos estudos revisados, as crianças em terapia dialítica apresentaram pior desempenho emocional em comparação àqueles em tratamento conservador e pacientes transplantados. A saúde mental e emocional dos pacientes pediátricos com DRC é determinante no curso, prognóstico e sucesso terapêutico. Neste contexto, visando à melhoria da assistência, é imprescindível a realização de novos estudos para identificar possíveis fatores de risco que comprometam a qualidade de vida e a saúde mental desses pacientes.

Agradecimentos

Este estudo contou com o apoio da Pró-Reitoria de Pós-Graduação da UFMG através do Convênio CAPES/ PRPQ/UFMG. Os autores agradecem a FAPEMIG e ao CNPq pelo auxílio aos participantes deste estudo. Os autores também agradecem a equipe interdisciplinar, pela dedicação nos cuidados das crianças inscritas no Programa Interdisciplinar de Prevenção e Assistência na Insuficiência Renal Crônica (IRC), da Unidade de Nefrologia Pediátrica do HCUFMG.

Data de submissão: 05/06/201

Data de aprovação: 08/07/2010

Os autores receberam apoio financeiro do FAPEMIG, CNPq, CAPES.

Declaramos a inexistência de conflitos de interesse.

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  • Correspondência para:
    Eduardo Araújo de Oliveira
    Hospital das Clínicas - UFMG
    Rua Engenheiro Amaro Lanari 389/501
    Belo Horizonte Minas Gerais CEP: 30310-580
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Out 2010
    • Data do Fascículo
      Set 2010

    Histórico

    • Recebido
      05 Jun 2010
    • Aceito
      08 Jul 2010
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