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Doenças renais em pacientes idosos submetidos à biópsia percutânea de rins nativos

Resumos

INTRODUÇÃO: Tem ocorrido aumento da população de idosos e estes vêm envelhecendo em melhores condições clínicas do que no passado. Entretanto, a distribuição e evolução das doenças renais nos idosos ainda são pouco conhecidas, em parte devido à resistência em indicar biópsia renal. OBJETIVO: Avaliar a distribuição, a evolução e as características clínicas das nefropatias diagnosticadas por biópsia em pacientes idosos. PACIENTES E MÉTODOS: Foram avaliadas todas as biópsias renais percutâneas de rins nativos. Elas foram realizadas entre janeiro de 1990 e dezembro de 2006 em 71 pacientes com idade mínima de 60 anos (67,3 ± 6,5 anos), sendo 47 do gênero masculino e 24 do feminino. Os pacientes foram agrupados conforme a indicação clínica da biópsia. RESULTADOS: Síndrome nefrótica foi verificada em 35 pacientes (49,3%) associada, na maioria dos casos, à nefropatia membranosa (17 casos), seguida por amiloidose e glomeruloesclerose segmentar e focal com 7 casos cada. Hipótese diagnóstica de injúria renal aguda (IRA), com 19 pacientes, teve como principais diagnósticos a necrose tubular aguda (6 casos) e a nefropatia do cilindro (3 casos). Dentre os 19 casos, apenas dois tiveram evolução satisfatória, enquanto os demais morreram precocemente ou evoluíram para doença renal avançada. Doze pacientes biopsiados por hematúria ou proteinúria assintomática tiveram diagnósticos variados, mas a maioria já apresentava nefropatia crônica relevante. Biópsia por síndrome nefrítica ocorreu em 5 casos, também com diagnósticos variados. CONCLUSÕES: Síndrome nefrótica foi a principal indicação de biópsia renal com a nefropatia membranosa como diagnóstico mais frequente. Entre os pacientes com IRA e hematúria ou proteinúria assintomática os diagnósticos foram variados com elevadas taxas de nefropatia crônica avançada.

biópsia por agulha; assistência a idosos; síndrome nefrótica; insuficiência renal aguda


INTRODUCTION: The elderly population is growing and aging in better clinical conditions than in the past. However, the distribution and course of kidney diseases in elderly patients are not well known partially due to reluctance to indicate renal biopsies in those patients. OBJECTIVE: To evaluate the distribution, clinical features, and outcomes of nephropathies diagnosed by biopsy in the elderly. PATIENTS AND METHODS: Seventyone patients (47 males, 24 females) aged 60 years or older (67.3 ± 6.5 years), undergoing biopsy from January 1990 to December 2006, were evaluated. They were grouped according to their clinical syndromes. RESULTS: Nephrotic syndrome was observed in 35 patients (49.3%), mainly associated with membranous nephropathy (17 patients), followed by amyloidosis and focal segmental glomerulosclerosis (seven patients each). Acute kidney injury (AKI) was diagnosed in 19 patients, and the main histopathological diagnoses were acute tubular necrosis (six patients) and cast nephropathy (three patients). Of those 19 patients, only two had a favorable course, while the others died early or progressed toward advanced chronic kidney disease. Twelve patients undergoing biopsy because of asymptomatic hematuria or proteinuria had different diagnoses, but most of them already had significant chronic nephropathy. In five patients with nephritic syndrome, the biopsies also showed several diagnoses. CONCLUSIONS: Nephrotic syndrome was the major indication for renal biopsy, and membranous nephropathy was the most frequent diagnosis. Among patients with AKI and asymptomatic hematuria or proteinuria, different diagnoses were found with high levels of advanced chronic nephropathy.

needle biopsy; aged; nephrotic syndrome; acute kidney failure


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Doenças renais em pacientes idosos submetidos à biópsia percutânea de rins nativos

Claudine Maria Jorge de OliveiraI; Roberto Silva CostaII; Osvaldo Merege Vieira NetoIII; Rosana Aparecida Spadoti DantasIV; Miguel Moysés NetoIII; Elen Almeida RomãoV; Gyl Eanes Barros-SilvaVI; Eduardo Barbosa CoelhoVII; Márcio DantasVII

IServiços Médicos de Anestesia - SMA

IIDepartamento de Patologia da FMRP-USP

IIIDivisão de Nefrologia do Departamento de Clínica Médica do HCFMRP-USP

IVDepartamento de Enfermagem Geral; Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - USP

VDivisão de Nefrologia do Departamento de Clínica Médica do HCFMRP-USP / FAEPA

VIDepartamento de Patologia da FMRP-USP

VIIDepartamento de Clínica Médica da FMRP-USP

Correspondência para Correspondência para: Dr. Márcio Dantas Departamento de Clínica Médica. HCFMRP - Faculdade de Medicida de Ribeirão Preto - USP Av. Bandeirantes, 3900 Ribeirão Preto - SP - Brasil CEP: 14048-900 Tel: +55 (16) 3602-2543 Fax: +55 (16) 3633-6695 Email: mdantas@fmrp.usp.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: Tem ocorrido aumento da população de idosos e estes vêm envelhecendo em melhores condições clínicas do que no passado. Entretanto, a distribuição e evolução das doenças renais nos idosos ainda são pouco conhecidas, em parte devido à resistência em indicar biópsia renal.

OBJETIVO: Avaliar a distribuição, a evolução e as características clínicas das nefropatias diagnosticadas por biópsia em pacientes idosos.

PACIENTES E MÉTODOS: Foram avaliadas todas as biópsias renais percutâneas de rins nativos. Elas foram realizadas entre janeiro de 1990 e dezembro de 2006 em 71 pacientes com idade mínima de 60 anos (67,3 ± 6,5 anos), sendo 47 do gênero masculino e 24 do feminino. Os pacientes foram agrupados conforme a indicação clínica da biópsia.

RESULTADOS: Síndrome nefrótica foi verificada em 35 pacientes (49,3%) associada, na maioria dos casos, à nefropatia membranosa (17 casos), seguida por amiloidose e glomeruloesclerose segmentar e focal com 7 casos cada. Hipótese diagnóstica de injúria renal aguda (IRA), com 19 pacientes, teve como principais diagnósticos a necrose tubular aguda (6 casos) e a nefropatia do cilindro (3 casos). Dentre os 19 casos, apenas dois tiveram evolução satisfatória, enquanto os demais morreram precocemente ou evoluíram para doença renal avançada. Doze pacientes biopsiados por hematúria ou proteinúria assintomática tiveram diagnósticos variados, mas a maioria já apresentava nefropatia crônica relevante. Biópsia por síndrome nefrítica ocorreu em 5 casos, também com diagnósticos variados.

CONCLUSÕES: Síndrome nefrótica foi a principal indicação de biópsia renal com a nefropatia membranosa como diagnóstico mais frequente. Entre os pacientes com IRA e hematúria ou proteinúria assintomática os diagnósticos foram variados com elevadas taxas de nefropatia crônica avançada.

Palavras-chave: biópsia por agulha, assistência a idosos, síndrome nefrótica, insuficiência renal aguda.

INTRODUÇÃO

Os rins humanos, à semelhança do que ocorre em vários outros órgãos, também apresentam modificações estruturais e funcionais decorrentes do envelhecimento, tais como redução do peso e do volume, maior número de glomérulos com esclerose global e redução do fluxo plasmático e da taxa de filtração glomerular.1-3 Entretanto, estas alterações raramente ocasionam, per se, proteinúria ou qualquer outra manifestação clínica. Se por um lado existe escassez de manifestações clínicas e laboratoriais renais próprias do envelhecimento, por outro as doenças renais nos idosos apresentam maiores taxas de repercussões clínicas em relação aos indivíduos mais jovens, porque sua reserva funcional é menor.

A distribuição exata das doenças renais nos idosos é difícil de ser determinada por vários motivos. Inicialmente, porque existe grande variação nos critérios de indicação de biópsia renal entre os diferentes serviços. Em geral, este procedimento é priorizado apenas em alguns dos pacientes com síndrome nefrótica, ou nos casos mais graves de injúria renal aguda (IRA) ou ainda com glomerulonefrite rapidamente progressiva. Além disso, pacientes idosos apresentam maior frequência de outros problemas clínicos sobrepostos e de estado geral mais comprometido, o que aumenta a preocupação com as complicações da biópsia e maior restrição à indicação de tratamento da nefropatia com imunossupressores, por exemplo. Entretanto, o aumento da expectativa de vida tem levado ao crescimento da população de idosos e estes têm envelhecido em melhores situações clínicas do que ocorria no passado. Estes aspectos implicam na necessidade de diagnóstico e tratamento das nefropatias também nos pacientes idosos, o que tem levado a várias publicações nas quais as indicações de biópsias renais são estimuladas. Mesmo em pacientes muito idosos, com idade superior a 80 anos, não existe contraindicação formal à biópsia renal, particularmente nos diagnósticos de síndrome nefrótica e injúria renal aguda, desde que os critérios de segurança sejam obedecidos.4 No Brasil, o Registro Paulista de Glomerulopatias relata que a frequência das biópsias em pacientes com idade acima de 60 anos corresponde a 8,0% dos casos notificados e, naqueles com idade acima de 80 anos, a 0,4%.5 Outro estudo brasileiro relata que 2,2% dentre 9617 biópsias em rins nativos foram de pacientes idosos.6

Este estudo tem como objetivos avaliar a distribuição, as características clínicas e a evolução das nefropatias diagnosticadas por biópsia renal em pacientes idosos.

PACIENTES E MÉTODOS

Neste estudo retrospectivo e descritivo, foram avaliados os prontuários médicos e os laudos de todas as biópsias percutâneas de rins tópicos. Elas foram realizadas em pacientes com idade mínima de 60 anos entre janeiro de 1990 e dezembro de 2006 no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP). A amostra foi composta por 71 casos, sendo 47 do gênero masculino e 24 do feminino, com idade média de 67,3 ± 6,5 anos na ocasião da biópsia (Tabela 1). Foram excluídos pacientes cujas biópsias eram de transplante renal ou realizadas para diagnóstico de doenças renais localizadas, como tumores. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do HCFMRP-USP.

A partir do prontuário médico, foram analisados dados clínicos como idade na ocasião da biópsia, apresentação clínica da doença renal (síndrome nefrótica, síndrome nefrítica, hematúria ou proteinúria assintomáticas e injúria renal aguda sem causa definida), tempo de história, outras alterações sistêmicas relacionadas, medicamentos utilizados e dados laboratoriais como sedimento urinário, dosagens séricas de creatinina, ureia, glicemia, eletrólitos, albumina, eletroforese de proteínas, proteinúria de 24 horas, sorologias e outros exames complementares como mielograma e biópsia de outros tecidos quando relevantes.

As formas de apresentação clínica foram classificadas em: síndrome nefrótica (edema, proteinúria > 3,5 g/24 h e hipoalbuminemia); síndrome nefrítica (edema, hematúria, proteinúria < 3,5 g/24 h e redução aguda da função renal associados à hipertensão arterial de início recente); hematúria ou proteinúria assintomáticas (presença de hematúria glomerular e proteinúria, concomitantes ou não), e injúria renal aguda (elevação supostamente recente da creatinina sérica, sem causa definida e sem sinais conclusivos de doença renal crônica avançada).

Os diagnósticos histopatológicos foram obtidos a partir dos laudos das biópsias renais. Conforme rotina do Laboratório de Patologia Renal do HCFMRP-USP, os fragmentos de tecido obtidos por biópsia renal percutânea foram analisados por microscopia de luz comum (corados com hematoxilina e eosina, tricrômico de Masson e impregnação com prata metenamina e vermelho congo quando necessário), microscopia de imunofluorescência (anticorpos policlonais anti-IgA, -IgG, -IgM, -C3, -C1q, -fibrinogênio, -kappa e -lambda conjugados com isotiocianato de fluoresceína; Dako, Glostrup, Denmark) e, quando indicado, por microscopia eletrônica.

RESULTADOS

Os dados referentes à idade, tempo de história clínica até a biópsia, presença de hipertensão arterial, creatinina e albumina séricas e proteinúria de 24 horas na ocasião da biópsia renal estão apresentados na Tabela 1 e não houve diferença estatisticamente significante entre estas quando comparadas pelo gênero.

Trinta e cinco casos (49,3%) foram biopsiados devido à síndrome nefrótica, dezenove (26,8%) por hipótese diagnóstica inicial de IRA sem causa aparente, 12 (16,9%) por hematúria glomerular ou proteinúria assintomáticas e cinco (7,0%) por síndrome nefrítica.

DIAGNÓSTICOS HISTOPATOLÓGICOS NOS PACIENTES COM SÍNDROME NEFRÓTICA NA OCASIÃO DA BIÓPSIA

Os dados clínicos dos 35 pacientes idosos com síndrome nefrótica submetidos à biópsia renal estão apresentados na Tabela 2. Hipertensão arterial foi constatada em 22 pacientes (62,9%). A creatinina sérica e a proteinúria de 24 h na ocasião da biópsia foram de 1,79 ± 1,12 mg/dL e de 5.945,4 ± 3.171,9 mg/24 h, respectivamente, e a albumina sérica foi de 1,94 ± 0,63 g/dL.

O diagnóstico mais frequente foi de nefropatia membranosa, com 17 casos, sendo 15 caracterizadas como primárias, um caso associado a adenocarcinoma çãstrico (óbito após 2 meses por sepse no pós- operatório) e outro associado a linfoma esplênico de células marginais (apesar do tratamento com esplenectomia, mostrava piora da proteinúria e da função renal após 3 anos). Entre as nefropatias membranosas primárias sem tratamento específico foram verificadas remissão total em 3 casos e evolução para doença renal crônica estágios 4 e 5 em 4 casos. Entre os casos tratados com imunossupressores, remissão total foi verificada em 2 casos, parcial em 1 caso e evolução para doença renal crônica estágios 4 e 5 em 2 casos, além de 1 óbito. Dois casos não tiveram seguimento no nosso serviço.

Amiloidose foi diagnosticada em 7 pacientes, sendo 5 sem doença de base definida, uma associada à hanseníase e outra associada à síndrome de Polineuropatia, Organomegalia, Endocrinopatia, Banda M e Lesões de pele - POEMS. Glomeruloesclerose segmentar e focal também foi diagnosticada em 7 casos. Apesar de todas terem sido caracterizadas como primárias, em um caso a síndrome nefrótica ocorreu 4 semanas após acidente botrópico. Neste caso, a glomerulopatia foi tratada com prednisona e teve remissão total em 6 semanas. Glomerulopatia de lesões mínimas primária foi diagnosticada em 2 pacientes, sendo que um se manteve em remissão total após 72 meses e o outro caso persistiu com proteinúria nefrótica após 30 meses do tratamento com prednisona e apresentou elevação progressiva da creatinina sérica.

Em um caso de hanseníase (forma virchowiana), o diagnóstico histopatológico da glomerulopatia foi inconclusivo. Todavia, a introdução da poliquimioterapia resultou em remissão total da síndrome nefrótica. O último caso entre aqueles com síndrome nefrótica também não teve diagnóstico histopatológico estabelecido porque a biópsia renal não atingiu o rim. Entretanto, este paciente evoluía com remissão parcial espontânea da síndrome nefrótica e mantinha função renal estável após 36 meses.

Dos 35 casos com síndrome nefrótica, seis não tiveram seguimento no nosso hospital por reencaminhamento ao serviço de origem logo após a biópsia. Outros sete pacientes morreram entre 2 e 10 meses após a biópsia, sendo 5 por infecções.

DIAGNÓSTICOS HISTOPATOLÓGICOS NOS PACIENTES COM HIPÓTESE DIAGNÓSTICA DE INJÚRIA RENAL AGUDA NA OCASIÃO DA BIÓPSIA RENAL

Dezenove casos foram biopsiados por hipótese clínica inicial de IRA sem causa definida e seus dados clínicos estão apresentados na Tabela 3. A idade foi de 68,1 ± 6,8 anos, sendo 14 pacientes do gênero masculino e 5 do feminino. Hipertensão arterial estava presente em 10 casos (52,6%). O tempo de história clínica foi de 43,8 ± 80,9 dias e a creatinina sérica inicial de 7,47 ± 3,41 mg/dL. O diagnóstico histopatológico foi de necrose tubular aguda-NTA (evolução discutida abaixo) em 6 casos. Em três outros pacientes, foi diagnosticada nefropatia do cilindro devido a mieloma múltiplo. Todos iniciaram tratamento dialítico, mas nenhum deles reverteu a insuficiência renal, e todos foram a óbito após 30 dias, 6 meses e 18 meses, respectivamente. Em outro paciente, a biópsia estabeleceu o diagnóstico de glomerulonefrite aguda pós-infecciosa associada à nefrite tubulointersticial crônica difusa e intensa, já necessitando de tratamento dialítico e nunca recuperou a função renal. Em outro paciente, a biópsia diagnosticou sarcoidose e ele foi reencaminhado ao serviço de origem. Outros dois casos apresentaram glomerulonefrite crescêntica pauci-imune, ambos com lesão tubulointersticial crônica difusa e intensa e sem sinais de doença sistêmica. Um deles morreu por infarto agudo do miocárdio após 1 mês e o outro por pneumonia hospitalar após 2 meses.

A distribuição das seis causas de NTA mostrou um caso de uropatia obstrutiva por neoplasia invasiva de reto, com óbito após 4 semanas; um caso de NTA após uso de contraste iodado em paciente com mieloma múltiplo e rápida evolução para doença renal crônica estágio 5; um caso com NTA acentuada associada a acidente botrópico sem recuperação da função renal e que permaneceu em diálise; dois casos em que a etiologia da NTA não foi estabelecida, sendo que um melhorou parcialmente a função renal, porém mantinha doença renal crônica estágio 4 após 84 meses. O outro caso foi reencaminhado ao serviço de origem. O último caso mostrou NTA de instalação súbita, a princípio de causa desconhecida que, após a recuperação da função renal, apresentou proteinúria nefrótica com hipoalbuminemia. A revisão da biópsia renal mostrou glomérulos normais à microscopia óptica e imunofluorescência, mas com extensa fusão dos processos podais das células epiteliais viscerais à microscopia eletrônica. O diagnóstico de glomerulopatia de lesões mínimas foi estabelecido e a causa da NTA foi atribuída à suposta isquemia por pressão oncótica reduzida por hipoalbuminemia. Os tratamentos com prednisona isolada ou associada à ciclofosfamida não surtiram efeito. Remissão da proteinúria só ocorreu após uso de micofenolato mofetil.

Em outros oito pacientes, os achados histopatológicos mostraram glomeruloesclerose e fibrose tubulointersticial crônica difusa e intensa nas seguintes situações: um caso de nefropatia crônica avançada por diabetes mellitus (óbito após 2 meses por pneumonia); um caso de glomerulonefrite crônica não característica (óbito por vasculite sistêmica não caracterizada); um caso de mieloma múltiplo (iniciou tratamento dialítico) e quatro casos de nefropatia crônica avançada e inespecífica que foram reencaminhados ao serviço de origem. Em um paciente com arterite temporal, o diagnóstico histopatológico não foi possível porque a biópsia não obteve tecido renal. Ele também foi reencaminhado ao serviço de origem.

DIAGNÓSTICOS HISTOPATOLÓGICOS EM PACIENTES COM HEMATÚRIA OU PROTEINÚRIA ASSINTOMÁTICAS NA OCASIÃO DA BIÓPSIA

Na Tabela 4, estão apresentados os dados clínicos dos 12 pacientes idosos biopsiados devido à apresentação clínica inicial de hematúria ou proteinúria assintomáticas. O tempo de história clínica foi de 5,5 ± 4,4 meses e a creatinina sérica e a proteinúria iniciais foram de 2,27 ± 1,32 mg/dL e 1.388,4 ± 989,8 g/24 h, respectivamente. Apenas dois casos apresentaram melhora clínica. O primeiro destes era mulher com nefropatia lúpica classe IV (Classificação da OMS), tratada com imunossupressores e que, após 10 anos, encontrava-se sem proteinúria e hematúria e com creatinina sérica de 0,9 mg/dL. O outro caso com melhora clínica foi de glomerulonefrite pós-infecciosa que, após 48 meses, mantinha hematúria microscópica, proteinúria não nefrótica e creatinina sérica de 1,4 mg/dL.

Em dois casos, foi diagnosticada nefropatia diabética avançada que após 12 meses mantinha elevação lenta e progressiva da creatinina sérica. Foram também diagnosticados dois casos de glomeruloesclerose segmentar e focal, sendo que um deles apresentou progressão lenta para doença renal crônica estágio 5 após 36 meses. O outro caso foi reencaminhado ao serviço de origem. Em um paciente foi diagnosticada glomerulonefrite segmentar e focal pauci-imune que evoluiu para doença renal crônica estágio 5 após 4 anos. Três outros casos, todos com doença renal crônica estágio 3, apresentaram glomerulonefrite crônica inespecífica. O primeiro destes estava associado à hanseníase (óbito após 2 meses em sepse por celulite em membros inferiores), outro caso mantinha proteinúria próxima de 2000 mg/24 horas e elevação lenta da creatinina sérica após 4 anos. O terceiro caso foi reencaminhado ao serviço de origem. Em dois outros pacientes com doença renal crônica estágio 4, a biópsia mostrou apenas nefropatia crônica difusa inespecífica.

DIAGNÓSTICOS HISTOPATOLÓGICOS NOS PACIENTES COM SÍNDROME NEFRÍTICA OU SUSPEITA DE GLOMERULONEFRITE RAPIDAMENTE PROGRESSIVA NA OCASIÃO DA BIÓPSIA RENAL

Na Tabela 5, estão apresentados os dados clínicos dos pacientes idosos biopsiados com diagnóstico clínico de síndrome nefrítica (4 casos) ou de suspeita de glomerulonefrite rapidamente progressiva (um caso). Três pacientes eram do sexo masculino e dois do feminino e o tempo de história clínica foi de 47,0 ± 54,1 dias. Hipertensão arterial foi constatada em 4 dos 5 pacientes. A idade na ocasião da biópsia foi de 69,8 anos ± 4,9 anos, com proteinúria de 2.116,6 ± 1.562,2 mg/24 h, creatinina sérica de 4,04 ± 3,77 mg/dL e albumina sérica de 2,66 ± 0,66 g/dL.

Em dois pacientes, o diagnóstico histopatológico foi de glomerulonefrite membranoproliferativa, ambos com sorologias negativas para vírus B e C da hepatite. Um destes teve redução da proteinúria e da creatinina sérica, mas após 24 meses persistia com creatinina de 2,2 mg/dL e proteinúria de 560 mg/24 horas. Outro paciente manteve elevação lenta da creatinina sérica (1,8 mg/dL) e proteinúria persistente (3914 mg/24) após 6 anos. Outro caso apresentou glomerulonefrite pós-infecciosa e manteve remissão total com creatinina sérica de 0,6 mg/dL total após 2 anos de seguimento. Em outro paciente o diagnóstico foi de púrpura de Henoch-Schõnlein, mas já com glomeruloesclerose e fibrose tubulointersticial avançada e foi encaminhado para tratamento dialítico. No quinto caso, o diagnóstico clínico foi glomerulonefrite rapidamente progressiva, com creatinina sérica na ocasião da biópsia de 10,3 mg/dL devido à crioglobulinemia mista essencial, mas a biópsia não atingiu o rim. O paciente foi tratado com prednisona e ciclofosfamida e, após 11 meses, a creatinina tinha reduzido para 2,2 mg/dL e a proteinúria mantinha-se em 690 mg/24 horas.

DISCUSSÃO

No presente estudo, os diagnósticos histopatológicos foram classificados e analisados a partir da hipótese da síndrome clínica na ocasião da biópsia porque cada síndrome clínica agrupa doenças específicas. Foi reconhecido que as hipóteses diagnósticas destas síndromes poderiam incluir componente de doença renal crônica avançada ou mesmo estas não se confirmarem. Isto explica porque várias das hipóteses, principalmente de insuficiência renal aguda, não foram comprovadas pela biópsia, que identificou doença renal crônica avançada. Entretanto, diante de diagnóstico indefinido e com a possibilidade de componente de injúria renal aguda e, portanto, reversível, ou então para complementar investigação de doença sistêmica, a biópsia foi indicada.

A principal indicação de biópsia renal na presente amostra foi a síndrome nefrótica, em quase 50% dos casos. Todavia, estas frequências de indicações variam entre os diferentes serviços. Semelhantemente aos resultados aqui apresentados, em dois outros estudos, a síndrome nefrótica também foi a principal causa da biópsia renal, com 64%7 e 44%8, respectivamente. Em outra investigação, entretanto, os pacientes foram classificados como idosos (66 a 79 anos) ou muito idosos (> 80 anos). Na primeira faixa etária, as principais indicações de biópsia foram IRA (41%) e síndrome nefrótica (33%), enquanto que nos pacientes muito idosos as frequências de indicações foram 33% para síndrome nefrótica, 23% para IRA e 20% para síndrome nefrítica aguda.9 Mesmo nos pacientes muito idosos as razões para indicar biópsia também variam porque, conforme anteriormente relatado, as principais indicações foram IRA com 46,4%, doença renal crônica progressiva com 23,8%, síndrome nefrótica com 13,2% e associação IRA e síndrome nefrótica com 9,4%.10

Na presente investigação, entre os pacientes com síndrome nefrótica, a biópsia renal estabeleceu como diagnóstico mais frequente a nefropatia membranosa (quase 50% dos casos) seguido pela amiloidose e glomeruloesclerose segmentar e focal e outras glomerulopatias. Em outro estudo com pacientes idosos e síndrome nefrótica, a nefropatia membranosa primária também foi a mais frequente, em 40,8% dos casos, seguida por doença de lesões mínimas (25%) e outras, porém sem registrar casos de nefropatia membranosa secundária.11 Nefropatia membranosa primária também foi relatada como a mais frequente causa de síndrome nefrótica em idosos, com taxas de 44,3%7 e 28%. 12 Entretanto, outros autores relataram que a glomeruloesclerose segmentar e focal (22,2%) e doença de lesões mínimas (18,5%) foram as mais comuns, enquanto a nefropatia membranosa correspondeu a 14,8%.8 Mudança das frequências das glomerulopatias também pode ocorrer com o aumento da idade, pois já foi descrito aumento do percentual de casos de doença de lesões mínimas após os 80 anos associada à redução daqueles de nefropatia membranosa.9 Todavia, este achado não é constante porque, em outro estudo em pacientes com idade acima de 80 anos, a nefropatia membranosa foi a glomerulopatia mais frequente, seguida por amiloidose (18%) e doença de lesões mínimas (16%).1 0 É digno de nota que, na amostra avaliada no presente estudo, dois dentre os 17 pacientes com nefropatia membranosa, dois dentre 5 casos de amiloidose e uma glomerulopatia inespecífica foram bem caracterizadas como secundárias. É conhecida de longa data a maior frequência de glomerulopatias secundárias na população idosa.11,13

Hipótese diagnóstica de IRA foi a segunda causa de indicação de biópsia neste estudo. Conforme mencionado anteriormente, chama a atenção a elevada taxa de doença renal crônica avançada como diagnóstico final, se contrapondo à hipótese inicial de doença aguda. Isso em parte se deve à apresentação com déficit funcional grave sem indícios de doença crônica, impondo a necessidade de afastar a hipótese de injúria renal aguda. Contribuiu, também, para isso a presença de doenças que rapidamente geram fibrose renal como a nefropatia do cilindro ou glomerulonefrite crescêntica. Entretanto, mesmo alguns casos de necrose tubular aguda não melhoraram e para esse achado pode ter contribuído a idade avançada e rins com menores taxas de fluxo sanguíneo renal, por exemplo.

O caso com diagnóstico inicial de necrose tubular aguda, que depois mostrou doença de lesões mínimas associada não é incomum em pacientes idosos. Um estudo com pacientes muito idosos verificou que entre oito pacientes com doença de lesões mínimas, cinco casos tiveram associação com injúria renal aguda1 0 e, em outra amostra, esta associação foi constatada em 9 casos.14 As razões para a elevada frequência nesta população não foram discutidas, mas é sugestiva a existência de maior suscetibilidade dos rins dos pacientes idosos para esta complicação adicional.

Entre os pacientes biopsiados por hematúria ou proteinúria assintomáticas ocorreu grande diversidade de diagnósticos e, novamente, elevada taxa de doença renal crônica estágios 4 e 5. De fato, vários destes pacientes já apresentavam níveis reduzidos de filtração glomerular, sugerindo a presença de doença renal crônica instalada. Em investigação anteriormente publicada, injúria renal crônica progressiva em idosos foi a causa da biópsia em 23,8% dos pacientes10 e os diagnósticos também foram muito variáveis. O conhecimento da distribuição das doenças renais que se apresentam apenas com hematúria ou proteinúria assintomáticas é ainda menor porque biópsia renal é bem menos indicada nestas situações, na suposição de se tratar de doença com comportamento benigno e sem tratamento definido. Em um estudo, a indicação de biópsia por hematúria ou proteinúria isoladas ocorreu em apenas 2 casos, com diagnósticos de nefropatia membranosa e amiloidose, respectivamente10 e, em outro, os autores destacam que nenhum paciente com esta apresentação clínica foi incluído.8

Apenas 5 pacientes (7%) com síndrome nefrítica ou glomerulonefrite rapidamente progressiva estiveram presentes nesta amostra de biópsias renais em idosos. Este achado chama a atenção porque esta apresentação clínica é usualmente mais comum como indicação de biópsia nos idosos com taxas relatadas de 16% 8 quando não incluída a glomerulonefrite rapidamente progressiva, e de 16% 9 e de 14,6% quando incluída esta síndrome.7 Nos pacientes muito idosos, a incidência destas apresentações clínicas pode aumentar para 26%. 9 Os cinco diagnósticos de síndrome nefrítica aguda da presente amostra não permitem comparações, mas dados da literatura mostram glomerulonefrite crescêntica em 50% neste quadro clínico, principalmente com padrão pauci-imune, além de frequência variável dos diagnósticos usuais como nefropatia por IgA, glomerulonefrite membranoproliferativa tipo I, glomerulonefrite pós-infecciosa e outros7,9,10,13,15

Não foi objetivo deste trabalho avaliar o impacto do resultado da biópsia na conduta médica posterior. Entretanto, consideramos que o diagnóstico histopatológico contribuiu para melhor orientação terapêutica e definição do prognóstico. Em nossa opinião, concordamos com a tendência atual apontada em várias publicações4,8-10,14 de que a biópsia renal pode ser indicada nas nefropatias nos idosos desde que seguidos os critérios de segurança.

CONCLUSÕES

O presente trabalho mostra que síndrome nefrótica é a principal causa de biópsia renal em idosos no nosso meio. E, nesta população, a nefropatia membranosa é o principal diagnóstico morfológico, seguido pela amiloidose e pela glomeruloesclerose segmentar e focal. Entre os pacientes biopsiados com hipótese diagnóstica de injúria renal aguda, a necrose tubular aguda foi o principal diagnóstico morfológico. Apesar de serem supostamente portadores de lesão renal aguda, constatamos elevada taxa de fibrose tubulointersticial crônica avançada neste grupo, assim como ausência de recuperação da função renal no seguimento destes pacientes. Os diagnósticos dos pacientes biopsiados por hematúria ou proteinúria assintomáticas foram muito variáveis e a avaliação histológica também evidenciou elevada taxa de fibrose tubulointersticial crônica difusa associada.

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq, pela bolsa de Iniciação Científica concedida a Claudine Maria Jorge de Oliveira e pelas Bolsas de Produtividade em Pesquisa concedidas a Roberto Silva Costa, Rosana Aparecida Spadoti Dantas, Eduardo Barbosa Coelho e Márcio Dantas. À Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Assistência do HCFMRP-USP, pelo apoio financeiro.

Data de submissão: 12/08/2010

Data de aprovação: 07/09/2010

Suporte Financeiro: Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Assistência do HCFMRP-USP.

O referido estudo foi realizado na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

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  • Correspondência para:

    Dr. Márcio Dantas
    Departamento de Clínica Médica. HCFMRP - Faculdade de Medicida de Ribeirão Preto - USP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Aceito
      07 Set 2010
    • Recebido
      12 Ago 2010
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