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Comparação da capacidade cognitiva de pacientes em programa de hemodiálise crônica entre os que realizam atividade física assistida e os inativos

Resumos

A inatividade física é um dos determinantes de agravos clínicos e problemas psíquicos em pacientes renais. Em duas clínicas-satélite, foi oferecido um programa de atividade física (AF) para 86 pacientes em hemodiálise. Destes, 49 pacientes iniciaram AF de forma espontânea e 37 permaneceram inativos. Após 6 meses, foi aplicado um questionário de satisfação autorreferido e o teste Miniexame do Estado Mental Modificado (3MS) para avaliação de capacidade cognitiva. A cognição dos pacientes inativos foi comparada com a daqueles que participaram do programa de AF por, no mínimo, três meses. Os pacientes, independentemente da idade e do tempo de tratamento dialítico, apresentaram déficit cognitivo acima do esperado. No grupo geral, os pacientes ativos obtiveram melhor desempenho cognitivo em comparação aos inativos (p < 0,05). Quando separados por grupos etários, os pacientes ativos acima de 60 anos apresentaram melhores resultados do que os inativos (p < 0,05). Concluímos que pacientes com respostas cognitivas melhores são mais ativos fisicamente e/ou a atividade física contribui para a melhor capacidade cognitiva nesse grupo.

cognição; educação física e treinamento; insuficiência renal crônica; diálise renal


Physical inactivity is a determinant of clinical disorders and psychological problems in patients with chronic kidney disease patients. In two satellite clinics, a program of physical activity (PA) was offered to 86 patients undergoing hemodialysis. Of those, 49 patients entered the PA program spontaneously and 37 remained inactive. After six months, a satisfaction self-reported questionnaire and the Modified Mini-Mental State (3MS) Examination for assessment of cognitive function were applied. Cognition was compared between inactive patients and those participating in the PA program for at least three months. Regardless of age and duration of dialysis, patients showed a cognitive deficit greater than expected. In the general group, better cognitive function was observed in active patients as compared to the inactive ones (p < 0.05). When separated by age groups, active patients over the age of 60 years had better results than the inactive ones (p < 0.05). We concluded that patients with better cognitive responses are more physically active and/or physical activity contributes to better cognitive function.

cognition; physical educational and training; chronic kidney failure; renal dialysis


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Comparação da capacidade cognitiva de pacientes em programa de hemodiálise crônica entre os que realizam atividade física assistida e os inativos

Carmen Tzanno Branco Martins; Geison Stein Meirelles Ramos; Simone Adriana Guaraldo; Clarissa Baia Bargas Uezima; João Paulo Lian Branco Martins; Elzo Ribeiro Junior

Centro Integrado de Nefrologia - CINE; Home Dialysis Center

Correspondência Correspondência para: Carmen Tzanno Branco Martins Rua Poeta Castro Alves, 173, Vila das Palmeiras Guarulhos - SP - Brasil CEP: 07013-150 Tel: 11 2358-2067 E-mail: psicologia@hdcdialise.com.br

RESUMO

A inatividade física é um dos determinantes de agravos clínicos e problemas psíquicos em pacientes renais. Em duas clínicas-satélite, foi oferecido um programa de atividade física (AF) para 86 pacientes em hemodiálise. Destes, 49 pacientes iniciaram AF de forma espontânea e 37 permaneceram inativos. Após 6 meses, foi aplicado um questionário de satisfação autorreferido e o teste Miniexame do Estado Mental Modificado (3MS) para avaliação de capacidade cognitiva. A cognição dos pacientes inativos foi comparada com a daqueles que participaram do programa de AF por, no mínimo, três meses. Os pacientes, independentemente da idade e do tempo de tratamento dialítico, apresentaram déficit cognitivo acima do esperado. No grupo geral, os pacientes ativos obtiveram melhor desempenho cognitivo em comparação aos inativos (p < 0,05). Quando separados por grupos etários, os pacientes ativos acima de 60 anos apresentaram melhores resultados do que os inativos (p < 0,05). Concluímos que pacientes com respostas cognitivas melhores são mais ativos fisicamente e/ou a atividade física contribui para a melhor capacidade cognitiva nesse grupo.

Palavras-chave: cognição, educação física e treinamento, insuficiência renal crônica, diálise renal.

INTRODUÇÃO

A inatividade física é um dos fatores de aumento das intercorrências médicas em paciente renais1 bem como de problemas psíquicos. 2 Com o intuito de conscientizar os pacientes da importância e do benefício da prática de atividade física, foi implementado o trabalho conjunto, entre psicólogo e educador físico, nas clínicas-satélite CINE - Centro Integrado de Nefrologia (Guarulhos - SP) e Home Dialysis Center (Penha, São Paulo - SP). Elaboramos um programa de atividade física (AF) para os pacientes em tratamento de hemodiálise (HD), com plano de adesão espontânea.

PACIENTES E MÉTODO

O programa consiste em duas sessões semanais, sempre antes do início das sessões de HD, com duração de 20 a 30 minutos de exercícios de fortalecimento, resistência muscular periférica e alongamento. O objetivo é melhorar a força e o alongamento para facilitar as atividades da vida diária. A adesão é espontânea por parte dos pacientes.

O programa de AF foi oferecido a 86 pacientes com no mínimo 6 (seis) meses de programa de HD. Destes, 49 pacientes aderiram e 37 se mantiveram inativos. Para serem considerados ativos, os pacientes tiveram de participar da AF supervisionada por, no mínimo, 3 (três) meses com 100% de frequência.

Após 6 (seis) meses, aplicamos o teste do Miniexame do Estado Mental Modificado (3MS)3 com o intuito de verificar se os fisicamente ativos apresentavam melhor capacidade cognitiva. Comparamos a cognição de inativos com a daqueles que participaram do programa de AF por, no mínimo, 3 (três) meses. O teste foi aplicado durante a sessão de hemodiálise (HD) até uma hora depois de seu início. Comparamos os resultados obtidos da função cognitiva (abaixo da média ou acima da média e na média) entre os pacientes ativos e inativos no grupo geral (n = 86) e por faixa etária. Classificamos o grupo por faixa etária, sendo o Grupo I referente aos pacientes com menos de 35 anos (n = 11), Grupo II pacientes de 35 a 60 anos (n = 47) e Grupo III acima de 60 anos (n = 28) para avaliar se o benefício seria maior no grupo idoso. Como havia 2 (duas) variáveis categóricas (atividade física e resultado do 3MS), realizamos também o teste de Qui-quadrado e o teste exato de Fischer.

Quando comparamos a pontuação obtida no 3MS (dados numéricos), verificamos que os indivíduos inativos apresentaram pontuações mais baixas do que os ativos no grupo geral e no Grupo III (> 60 anos). Não observamos diferenças nos demais grupos. Foi utilizado o teste não paramétrico de Mann-Whitney.

Após 6 meses de intervenção de AF, a fim de avaliarmos nosso programa, aplicamos um questionário de satisfação autorreferido, com seis questões de múltipla escolha e uma aberta, relacionadas a dores no corpo, mudanças físicas e psíquicas e objetivo da participação. As questões foram as seguintes:

RESULTADOS

A distribuição de sexo foi semelhante nos três grupos analisados (Tabelas 1 e 2).

Observamos déficit progressivo de capacidade cognitiva em função da idade (Tabela 3). Quando comparamos a capacidade cognitiva com a atividade física como variáveis categóricas, verificamos a tendência de pacientes com resultados na média ou acima da média serem os mais ativos fisicamente. O resultado sugere que devemos aumentar o número de pacientes analisados (Tabela 4).

Comparamos as pontuações obtidas pelos pacientes no grupo geral (n = 86) e conforme a faixa etária. Verificamos uma diferença significativa no grupo acima de 60 anos. Os pacientes ativos fisicamente alcançaram maior pontuação no 3MS. Observa-se uma redução da pontuação com o avançar da idade em ambos os grupos. Entretanto, nos inativos fisicamente, a perda foi maior (80 ± 13, 75 ± 19 e 62 ± 15) (Tabela 5).

A prática de AF nesta população resultou em respostas autorreferidas positivas. No grupo de pacientes ativos fisicamente, obtivemos uma diminuição de queixas de dor (52% das respostas) e 25% de respostas positivas quanto ao aumento do bem-estar, expressas como melhora da disposição e do humor.

Os resultados foram interpretados como satisfatórios e o programa de AF foi mantido e incentivado.

DISCUSSÃO

Na média geral da população brasileira com 60 anos ou mais, observa-se uma prevalência de déficit cognitivo entre 5,9 a 29,7%. 4,5 Em metanálise da literatura especializada, em que foram avaliados 27 estudos, Jorm et al. 6 constataram que a prevalência de demência dobra a cada 5,1 anos, a partir dos 60 anos de idade. Na amostra estudada, verificamos que os pacientes com doença renal crônica em programa de hemodiálise, independentemente do sexo e do tempo de tratamento dialítico, exibiram déficit cognitivo acima do esperado para a respectiva faixa etária (26%, 47% e 71%). Estes achados são corroborados pelo estudo de Yaffe K et al. 7 que demonstrou uma redução da resposta cognitiva em pacientes com doença renal crônica em fase pré-dialítica.

A cognição é um fator importante para a determinação da abordagem terapêutica e para avaliar a adesão ao tratamento.

Recentemente, um estudo realizado pelo Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento da Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo revelou que mais da metade da população tem dificuldade em entender informações referentes à administração de medicamentos, resultados de exames e agendamento de consultas. Foram analisadas 312 pessoas, das quais 32,4% mostraram dificuldades de compreensão de frases e textos simples. Entre idosos esta taxa atingiu 51,6%. Embora o estudo tenha focado o analfabetismo funcional, não podemos excluir os déficits cognitivos na população idosa como fatores limitantes à adesão ao tratamento. 8

Considerando que 39% dos pacientes em programa de HD crônica no Brasil9 têm mais de 60 anos, e que na amostra estudada 71% dos pacientes apresentaram déficit cognitivo nessa faixa etária, acreditamos que se devam direcionar as ações da equipe multiprofissional para abordagens mais simples e diretas e, muitas vezes, incluir o cuidador durante as orientações.

CONCLUSÃO

Podemos inferir que pacientes com melhores respostas cognitivas são mais ativos fisicamente e/ou a atividade física contribui para a melhor capacidade cognitiva neste grupo.

Data de submissão: 27/01/2010

Data de aprovação: 28/09/2010

Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse.

O referido estudo foi realizado no Centro Integrado de Nefrologia (CINE) e Home Dialysis Center.

  • 1. Medeiros RH, Pinent CEC. Aptidão física do individuo com doença renal crônica. J Bras Nefrol 2002; 24:81-7.
  • 2. Velloso RLM. Efeitos da hemodiálise no campo subjetivo dos pacientes renais crônicos.Cogito [Epub] 2001; 3:73-82.
  • 3. Moura SM. Contribuições de quatro instrumentos de triagem para o diagnóstico de déficits cognitivos no envelhecimento no Brasil: validade de critério e normas de desempenho, FAFICH-UFMG, Belo Horizonte 2008.
  • 4. Almeida Filho N, Santana VS, Pinho AR. Estudo epidemiológico dos transtornos mentais em uma população de idosos: área urbana de Salvador - BA. J Bras Psiquiatr 1984; 33:114-20.
  • 5. Veras RP, Coutinho E. Prevalência da síndrome cerebral orgânica em população de idosos de área metropolitana da região sudeste do Brasil. Rev Saúde Pública1994; 28: 26-37.
  • 6. Jorm AF, Korten AE, Henderson AS. The prevalence of dementia: A quantitative integration of the literature. Acta Psychiatr Scand 1987; 76:465-79.
  • 7. Yaffe K, Ackerson L, Tamura MK et al. Chronic Kidney Disease and Cognitive Function in Older Adults: Findings from the Chronic Renal Insufficiency Cohort Cognitive Study. J Am Geriatric Soc [Epub] 2010; 58:338-45.
  • 8. Carthery-Goulart MT, Anghinah R, Areza-Fegyveres R et al. Performance of a Brazilian population on the test of functional health literacy in adults. Rev Saúde Pública [Epub] 2009; 43:631-8.
  • 9. Sociedade Brasileira de Nefrologia. Censo SBN 2009. Disponível em: [http://www.sbn.org.br/pdf/censo_SBN_2009_final.pdf]
  • Correspondência para:

    Carmen Tzanno Branco Martins
    Rua Poeta Castro Alves, 173, Vila das Palmeiras
    Guarulhos - SP - Brasil CEP: 07013-150
    Tel: 11 2358-2067
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Recebido
      27 Jan 2010
    • Aceito
      28 Set 2010
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