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Morfologia e função cardíacas em pacientes renais crônicos, com ou sem diurese residual, em tratamento hemodialítico

Resumos

Em pacientes com doença renal crônica (DRC) em hemodiálise (HD), a hipertrofia ventricular esquerda (HVE) está relacionada ao aumento do índice de resistência vascular periférica (IRVP) total e à sobrecarga de volume. A presença da diurese residual (DR) nesses pacientes possibilita maior controle volêmico. Avaliamos as modificações morfofuncionais do ventrículo esquerdo (VE) em pacientes com DRC em HD com e sem diurese residual. Trinta e um pacientes não diabéticos foram divididos em dois grupos: com diurese residual (DR+) (n = 17) e sem diurese residual (DR-) (n = 14). Em ambos os grupos, DR+ vs. DR-, ocorreram diferenças no índice cardíaco (3,9 ± 0,20 vs. 3,0 ± 0,21 L/min/m²; p = 0,0056), no índice sistólico (54 ± 2,9 vs. 45 ± 3,3 mL/b/m²; p = 0,04), no volume diastólico final (141 ± 6,7 vs. 112 ± 7,6 mL; p = 0,008), no diâmetro diastólico final (52 ± 0,79 vs. 48 ± 1,12 mm; p = 0,0072) e no IRVP total (1.121 ± 56 vs. 1.529 ± 111 dina.seg.cm-5; p = 0,001). O grupo DR+ apresentou menor espessamento relativo de parede (ERP) do que o DR- (0,38 ± 0,01 vs. 0,45 ± 0,01; p = 0,0008). A fração de ejeção (66,00 ± 1,24 vs. 66,0 ± 1,46%; p = 0,873) e o índice de massa ventricular esquerda (132 ± 6,0 vs. 130 ± 8,3 g/m; p = 0,798) foram similares em ambos os grupos. O volume de diurese residual correlacionou-se com o espessamento da parede ventricular (r = 0,42; p = 0,0186) e com o índice de resistência vascular periférica (r = -0,48; p = 0,0059). Em conclusão, a presença ou não da diurese residual, em pacientes com doença renal crônica e em hemodiálise, pode ser responsável por modificações na função cardíaca sistólica.

insuficiência renal crônica; remodelamento ventricular; diurese


In patients with chronic renal failure on hemodialysis, left ventricular hypertrophy is related to the increase in total peripheral vascular resistance and volume overload. The presence of residual diuresis enables greater control of the volemia of these. We evaluated the morpho-functional changes of the left ventricle in patients with chronic kidney disease on hemodyalisis treatment with and without residual diuresis. A total of 31 non diabetic patients were studied and they were divided into two groups: with residual diuresis (RD+) (n = 17) and without residual diuresis (RD-) (n = 14). In both groups, RD+ vs. RD-, using data from a Doppler echocardiogram differences were found, respectively, in the cardiac index (3.9 ± 0.2 vs. 3.0 ± 0.2 L/min/m²; p = 0.0056), systolic index (54 ± 2.9 vs. 45 ± 3.3 mL/b/m²; p = 0.04), end diastolic volume (141 ± 6.7 vs. 112 ± 7.6 mL; p = 0.008), end diastolic diameter (52 ± 0.7 vs. 48 ± 1.1 mm; p = 0.0072) and total peripheral resistance index (1121 ± 56 vs. 1529 ± 111 dyne.sec.cm-5; p = 0.001). RD+ had lower relative wall thickness than RD- (0.38 ± 0.01 vs. 0.45 ± 0.01; p = 0.0008). The ejection fraction and the left ventricular mass index were similar in both groups. The urinary 24-hour volume correlated with the relative wall thickness (r = -0.42; p = 0.0186) and with peripheral resistance index (r = -0.48; p = 0.0059). In conclusion, there were distinct ventricular geometric patterns and different functional performances between RD+ and RD- groups. The presence of residual diuresis can be responsible by these modifications in systolic function.

chronic kidney failure; ventricular remodelling; stroke volume


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Morfologia e função cardíacas em pacientes renais crônicos, com ou sem diurese residual, em tratamento hemodialítico

Salustiano Araujo; Helton P. Lemes; Danny A. Cunha; Vinicius S. Queiroz; Daniela D. Nascimento; Sebastião Rodrigues Ferreira Filho

Universidade Federal de Uberlândia - UFU, Uberlândia, MG, Brasil

Correspondência Correspondência para: Sebastião Rodrigues Ferreira Filho Rua Paraíba 3055, Umuarama Uberlândia - MG - Brasil CEP: 38400-000 E-mail: ferreirafilho1952@gmail.com

RESUMO

Em pacientes com doença renal crônica (DRC) em hemodiálise (HD), a hipertrofia ventricular esquerda (HVE) está relacionada ao aumento do índice de resistência vascular periférica (IRVP) total e à sobrecarga de volume. A presença da diurese residual (DR) nesses pacientes possibilita maior controle volêmico. Avaliamos as modificações morfofuncionais do ventrículo esquerdo (VE) em pacientes com DRC em HD com e sem diurese residual. Trinta e um pacientes não diabéticos foram divididos em dois grupos: com diurese residual (DR+) (n = 17) e sem diurese residual (DR-) (n = 14). Em ambos os grupos, DR+ vs. DR-, ocorreram diferenças no índice cardíaco (3,9 ± 0,20 vs. 3,0 ± 0,21 L/min/m2; p = 0,0056), no índice sistólico (54 ± 2,9 vs. 45 ± 3,3 mL/b/m2; p = 0,04), no volume diastólico final (141 ± 6,7 vs. 112 ± 7,6 mL; p = 0,008), no diâmetro diastólico final (52 ± 0,79 vs. 48 ± 1,12 mm; p = 0,0072) e no IRVP total (1.121 ± 56 vs. 1.529 ± 111 dina.seg.cm-5; p = 0,001). O grupo DR+ apresentou menor espessamento relativo de parede (ERP) do que o DR- (0,38 ± 0,01 vs. 0,45 ± 0,01; p = 0,0008). A fração de ejeção (66,00 ± 1,24 vs. 66,0 ± 1,46%; p = 0,873) e o índice de massa ventricular esquerda (132 ± 6,0 vs. 130 ± 8,3 g/m; p = 0,798) foram similares em ambos os grupos. O volume de diurese residual correlacionou-se com o espessamento da parede ventricular (r = 0,42; p = 0,0186) e com o índice de resistência vascular periférica (r = -0,48; p = 0,0059). Em conclusão, a presença ou não da diurese residual, em pacientes com doença renal crônica e em hemodiálise, pode ser responsável por modificações na função cardíaca sistólica.

Palavras-chave: insuficiência renal crônica, remodelamento ventricular, diurese.

INTRODUÇÃO

Embora a taxa de filtração glomerular seja bastante baixa em pacientes com doença renal crônica (DRC), os volumes diários de diurese residual podem variar de anúria a poliúria em indivíduos diferentes. A preservação da diurese residual (DR) auxilia na depuração de substâncias de baixo e médio pesos moleculares, permitindo assim maior remoção de fluido1 , melhora do estado nutricional2,3 e da qualidade de vida4 do paciente, além da manutenção parcial de algumas funções endocrinas do rim. 5 Durante o tratamento conservador de pacientes com DRC,6 observa-se que o declínio do rítmode filtração glomerular está associado à hipertrofia ventrícular esquerda (HVE). 7-11 A presença de HVE, por sua vez, constitui em importante fator independente de risco cardiovascular para os pacientes com DRC. 7,8,12,13

Os pacientes quando emterapia renal substitutiva (TRS) - estágio V6 - podem apresentar maior ou me-nor declínio da função renal residual (FRR) na dependencia do método dialítico utilizado. 14 Assim, os pacientes em hemodiálise (HD) reduzem a FRR com maior rapidez do que aqueles em diálise peritoneal (DP). 14-17 A redução da FRR está associada com a progressão da HVE e à maior mortalidade cardiovascular em pacientes em DP12,18,19. Nos pacientes submetidos ao tratamento hemodialítico, a pressença de HVE é relatada em vários estudos;9,10,12,20,21 entretanto, poucos estudos referem a HVE associada aos aspectos morfológicos e funcionais do ventrículo esquerdo (VE) e suas relações com diferentes volumes de diurese residual. Assim, o objetivo do presente estudo foi o de verificar as possíveis diferenças morfologicas e funcionais do VE de pacientes em hemodiálise crônica que apresentam ou não diurese residual.

PACIENTES E MÉTODOS

PACIENTES/PROTOCOLO

Trata-se deum estudo transversal cujos pacientes foram recrutados em uma clínica particular de hemodiálise. Como critérios de inclusão eram necessarios ser portadores de DRC e estarem em tratamento hemodialítico, regularmente três vezes por semana, e que concordaram em participar do estudo. . Foram excluídosos pacientes com tempo de tratamento hemodialítico menor do que três meses, história clínica pregressa de doença cardiovascular, diabéticos e com pressão arterial sistêmica não-controlada. Ao ecocardiograma, pacientes com fração de ejeção (FE) < 55% e com alteração segmentar na contratilidade do VE também foram excluídos. 22,23 Assim, dois grupos foram criados: DR+, constituído de pacientes com diurese residual diária > 100 mL/24 horas (n = 17; 11♂ e 6♀), e DR- constituído de pacientes com diurese residual diária < 100 mL/24 horas (n = 14; 9♂ e 5♀) (Tabela 1). Os grupos foram avaliados quanto aos aspéctos clínicos e laboratoriais:: pressão arterial sistólica (PAS), pressão arterial diastólica (PAD), duração do tratamento hemodialítico (DTH), volume urinário de 24 horas (VU24hs), hemoglobina (Hb), cálcio sérico (Ca), paratormônio (PTH), albumina sérica (Alb) e índice de resistência vascular periférica (IRVP) total. Esse estudo foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Uberlândia.

MÉTODOS

A PAS e a PAD foram imediatamente obtidas antes da sessão de HD utilizando o braço oposto à fístula AV e representavam a média das últimas dez sessões. A pressão arterial média (PAM) foi calculada usando a fórmula PAD + (PAS-PAD/3), e o IRVP total foi calculado usando a fórmula (PAM-PVC/DC) x 80, onde PVC é a pressão venosa central, que sempre foi considerada valor igual a zero (dina.seg.cm-5). 24,25 Os valores pressóricos foram expressos em mmHg. O VU24hs (mL) foi coletado durante o período interdialítico. O ganho ponderal interdialítico (GPI) representa a diferença entre o peso corporal imediatamente após a sessão de HD e o peso obtido imediatamente antes da próxima sessão de HD. O valor do GPI considerado foi a média aritmética das últimas dez sessões de HD. A avaliação da adequação da diálise foi realizada através do Kt/V. O Kt/V é definido como o clearance de uréia do dialisador (K, obtido do fabricante em mL/min), multiplicado pela duração do tratamento dialítico (t, em minutos) dividido pelo volume de distribuição de uréia no corpo (V, em mL). Valores bioquímicos plasmáticos foram obtidos através de métodos padronizados previamente descritos. 26-28 O ecocardiograma por Doppler utilizou um transdutor Acuson-Aspen® C2-4 Mhz e foi realizado 20 horas após o término da sessão de HD, no período interdialítico, por um examinador experiente e cego quanto ao protocolo. As variáveis ecocardiograficas foram analisadas de acordo com os critérios da American Society of Echocardiography. 22,29-31 Para determinar a espessura relativa da parede (ERP), foi utilizada a medida da espessura da parede posterior (EPP) do VE. 32-35 Os seguintes parâmetros também foram avaliados: Fração de ejeção (FE), índice sistólico (IS), índice cardíaco (IC), volume diastólico final (VDF) do VE, diâmetro diastólico final (DDF) do VE, espessura septal interventricular (ESIV) e índice de massa do VE (IMVE). 22,24,35 Além disso, o fluxo sanguíneo na fístula arteriovenosa (FSAV) foi avaliado com o mesmo equipamento ecocardiográfico. 37,38

ANÁLISE ESTATÍSTICA

O programa GraphPad Prism, versão 5.0 para Windows (GraphPad Software, San Diego Califórnia, EUA) foi usado na análise estatística. Testes t e de Wilcoxon foram conduzidos para comparar as médias entre os grupos. Valores < 0,05 foram considerados significantes. O coeficiente de correlação utilizado foi o coeficiente de Pearson. Os dados foram apresentados como médias ± erro padrão (Χ ± EP). Teste de regressão múltipla foi realizado quando H0: resistência vascular não era uma variável dependente do tempo de tratamento e/ou da diurese residual e/ ou do PTH e/ou da pressão arterial média; enquanto H1: resistência vascular era dependente de pelo menos uma das variáveis citadas acima. O programa Bioestat 5.0 foi usado para esses cálculos e o erro alfa = 0,05 foi considerado como nível de decisão.

RESULTADOS

Características clínicas e laboratoriais de ambos os grupos são apresentadas nas Tabelas 1 e 2.

DADOS MORFOLÓGICOS DO VE

A espessura relativa da parede (ERP) foi significantemente menor no grupo DR+ do que no grupo DR- (0,38 ± 0,01 vs. 0,45 ± 0,01; p = 0,0008) (Figura 1). Correlações significantes foram encontradas entre a ERP e o tempo de HD (r = 0,40; p = 0,024), índice sistólico (r = - 0,61; p = 0,0003), índice cardíaco (r = -0,56; p = 0,001) e VU24hs (r = -0,42; p = 0,01). O DDF foi maior no grupo DR+ (52 ± 0,7 vs. 48 ± 1,1; p = 0,0072), e encontramos correlação positiva significante entre o DDF e o VU24hs (r = 0,41; p = 0,022) e correlação negativa entre o DDF e a ERP (r = -0,60; p = 0,0003).


FUNÇÃO DO VE E DADOS HEMODINÂMICOS

O índice cardíaco dos pacientes foi significantemente mais alto no grupo DR+ do que no grupo DR- (3,9 ± 0,2 vs. 3,0 ± 0,2 L/min/m2; p = 0,0056). Foi observada correlação significante e negativa entre o IC e a ERP (r = -0,56; p = 0,001). O IS foi significantemente mais alto no grupo DR+ (54 ± 2,9 vs. 45 ± 3,3 mL/b/m2; p = 0,0403), bem como o VDF (141 ± 6 vs. 112 ± 7 mL; p = 0,0081). O IRVP total era significantemente mais baixo no grupo DR+ (1,121 ± 56 vs. 1,529 ± 111 dina.seg.cm-5; p = 0,001) (Figura 1, Tabela 1). O BFAV não era estatisticamente diferente entre os grupos DR+ e DR- (1,8 ± 0,6 vs. 1,4 ± 0,6 L/ min/m2; p = ns).

Foi observada correlações positivas e significantes entre o índice sistólico e o índice de massa ventricular esquerda (r = 0,51; p = 0,0039), entre o índice de resistência periférica total e a espessura relativa da parede (r = 0,51; p = 0,0036), e negativas entre o índice sistólico e a espessura relativa da parede (r = -0,61; p = 0,0003). O IRVP total se correlacionou com o IC, IS, ERP e VU24h (Figuras 2 e 3) (Tabela 2). Para a análise de regressão múltipla, o IRVP total foi considerado como uma variável dependente, enquanto o tempo de tratamento, diurese residual, PTH e PAM foram considerados como as variáveis que poderiam influenciar o índice de resistência periférica. Foi observado que a regressão F = 4,26; p = 0,041 rejeitou H0 e os seguintes coeficientes parciais: tempo (t: -1,47; p = 0,152); diurese residual (t: -3,35; p = 0,0023); PAM (t: 0,490; p = 0,490) e PTH (t: = 0,498; p = 0,6225).



DISCUSSÃO

A espessura relativa da parede é uma das variáveis utilizadas para definir o padrão geométrico do VE. 22.32.39 Portanto, em nosso estudo, observamos que os pacientes no grupo DR+ e DR- apresentavam valores similares de MVE e diferentes valores de ERP (Tabela 2). Esses dados sugerem que ambos os grupos apresentariam morfologias ventriculares distintas e que a resistência de carga e volume imposto ao VE seriam de diferentes magnitudes. Isso se torna mais evidente ao observamos correlação positiva entre a resistência periférica e a ERP, sugerindo que, para diferentes valores de resistência, há valores diferentes de espessura da parede posterior (Figura 2). A ausência de diurese residual pode ter contribuído para os valores mais altos de resistência periférica e estado hipervolêmico no grupo anúrico. Embora o ganho ponderal interdialítico não tenha sido significante entre os grupos devido ao pequeno tamanho da amostra, o grupo sem diurese era cerca de 20% mais pesado do que o grupo com volume urinário. Nossos dados também mostraram que a diurese de baixo volume coexistia com altos valores de resistência periférica (Figura 2). Wang et al. observaram que a MVE aumentava em pacientes submetidos à diálise peritoneal que apresentavam valores mais baixos de taxa de filtração glomerular. 9 Entretanto, esses auto-res observaram diâmetros diastólicos finais similares entre os grupos avaliados, o que difere dos achados em nosso estudo. Uma das possíveis razões para esses achados diversos pode ser o tipo de diálise, enquanto outra razão pode ser o fato de os autores não terem correlacionado modificações no VE com o VU24h em seus pacientes.

Em relação às características funcionais do VE, observamos que o IC e o IS eram mais baixos nos pacientes anúricos (DR-) (Tabela 2). Esse achado pode ser explicado pelos menores valores encontrados no diâmetro diastólico final VE no grupo DR- (Tabela 2). As diferenças morfológicas dos VE entre os dois grupos foram responsáveis pelos diferentes valores do IC e IS. Assim, pacientes com DRC submetidos à tratamento com HD que perdem diurese residual podem apresentar alterações na geometria e função do VE.

Embora Faguli et al. tenham demonstrado HVE na maioria dos pacientes estudados submetidos à HD, esses autores não excluíram pacientes com patologias que poderiam interferir com o processo de remodelamento miocárdico, tais como diabetes mellitus, cardiomiopatia isquêmica ou hipertensão arterial sistêmica; além disso, não correlacionaram seus achados com o volume urinário residual. 40

Em pacientes com DRC, a DR diminuiu progressivamente com o tempo na terapia renal substitutiva. Em nosso estudo, o grupo anúrico (DR-) passou mais tempo em tratamento hemodialítico do que o grupo com diurese (DR+) e a perda de volume urinário somente aconteceu em pacientes com maior tempo de tratamento. As razões para a perda da DR podem ser explicadas pelas alterações relacionadas à doença de base que causou a DRC ou pelo processo inflamatório contínuo, anemia e comorbidades associadas. 12,17,41-43 A duração do tempo de tratamento com HD poderia aumentar os riscos potenciais ao VE. Esses riscos decorrem do tratamento em si e da progressão da doença. Entretanto, ao realizar a regressão múltipla e definir a carga imposta ao VE como variável dependente, observamos significância estatística apenas para diurese residual (p = 0,05). Esses dados foram mais relevantes porque os pacientes eram normotensos, assim o componente de volume da PA poderia ser maior do que o componente resistivo .

Nesse estudo, as alterações cardíacas morfofuncionais não podiam ser atribuídas aos níveis de pressão encontrados, por que os grupos DR+ e DR- apresentavam valores de PAS e PAD similares (Tabela 1). O mesmo poderia ser dito a respeito do uso de medicamentos antihipertensivos, já que não havia diferença no número de antihipertensivos usados em ambos os grupos (Tabela 1). Gunal et al. demonstraram que o uso de antihipertensivos contribuem para reduções no índice de massa do VE em somente 6% dos pacientes em HD11. Entretanto, nossos resultados demonstraram que ambos os grupos DR+ e DR- não apresentaram diferenças em seus valores de índice de massa do VE (p > 0,05) (Tabela 2), indicando que o efeito dos medicamentos usados não interferiu substancialmente com nossos resultados.

A presença de anemia é outro fator que poderia estar relacionado à presença da HVE. 44,45 O papel da anemia como causa de HVE em pacientes submetidos à diálise tem sido bem estabelecido; a correção da anemia com eritropoietina resulta na regressão parcial da HVE. 46 Nesse estudo, o nível de Hb permaneceu relativamente normal e não houve diferença nos níveis de Hb entre grupos estudados (Tabela 2).

Tem sido demonstrado que a hipoalbuminemia está envolvida na hipertrofia e dilatação ventriculares e insuficiência cardíaca e por fim, diminui a sobrevivência dos pacientes. 47-51 O estudo CANUSA demonstrou que a concentração sérica de albumina estava fortemente correlacionada com a mortalidade. 3,52 Em nosso estudo, os valores de albumina sérica eram normais e não encontramos diferenças significantes entre os dois grupos (Tabela 2). Portanto, acreditamos que as alterações cardíacas encontradas em nosso estudo não poderiam ter sido causadas por essa variável. A hipocalcemia persistente é considerada um fator patogênico na redução da função sistólica do VE. 53 Entretanto, os níveis de cálcio sérico em nosso estudo permaneceram dentro dos valores normais e não houve diferença entre os grupos (Tabela 2). O hiperparatireoidismo secundário é comum em pacientes urêmicos e essa complicação contribui para o desenvolvimento de disfunção sistólica do VE54 e HVE. 55 Os níveis séricos de PTH entre os grupos não eram estatisticamente significantes (Tabela 2). O FSAV é outro fator importante que contribui para a morfologia e função cardíacas. 38,56 Em nosso estudo, todas as fístulas foram examinadas utilizando seu fluxo sanguíneo e não havia diferença significante entre os grupos (Tabela 2). Além disso, as alterações morfológicas e funcionais podem ser atribuídas às diferentes taxas de remoção de solutos no processo de HD; entretanto, elas não eram diferentes entre os grupos DR+ e DR-. É digno de nota que a medida de Kt/V em nosso estudo não levou em consideração a remoção de solutos promovida pela diurese residual (Tabela 2).

Com base em nossos achados, concluímos que os diferentes valores de IC e IS encontrados nesses grupos podem ser atribuídos à padrões geométricos distintos do VE que são determinados pela resistência periférica total e pela presença de DR. Assim, a preservação da diurese parece influenciar a morfologia e função do VE em pacientes com insuficiência renal crônica.

Como limitações desse estudo, é necessário observar que o presente é um estudo transversal e os dados dos pacientes representam o momento quando as variáveis foram observadas e poderiam não expressar a exata progressão da doença no paciente. Além disso, o pequeno tamanho da amostra poderia induzir um erro alfa em suas análises estatísticas.

Acreditamos que novos estudos prospectivos devam ser conduzidos a fim de confirmar tal hipótese.

Data de submissão: 01/10/2010.

Data de aprovação: 06/01/2011.

Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse.

O referido estudo foi realizado na Universidade Federal de Uberlândia, Minas Gerais, Brasil.

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  • Correspondência para:

    Sebastião Rodrigues Ferreira Filho
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Aceito
      06 Jan 2011
    • Recebido
      01 Out 2010
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