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Nefroma mesoblástico congênito subtipo celular: relato de caso

Resumos

INTRODUÇÃO: Nefroma Mesoblástico Con-gênito é uma rara neoplasia renal pediátrica. Apresenta dois subtipos histológicos, clássico e celular, sendo o último de pior prognóstico e responsável por aproximadamente dois terços dos casos. Esse tumor ainda é um desafio diagnóstico aos patologistas devido à similaridade com outras neoplasias pediátricas renais mais frequentes. RELATO DO CASO: Criança do gênero feminino, 2 anos e 9 meses de idade, foi encaminhada a serviço médico com referência em oncologia apresentando massa renal à esquerda. Após nefrectomia, o estudo do espécime mostrou, macroscopicamente, extensa área tumoral granular, brancoacinzentada, ocupando aproximadamente todo o rim, invadindo seio renal, cápsula e gordura perirrenal, com áreas de hemorragia e necrose. Histologicamente, caracterizava-se pela presença de células fusiformes e mitoses, sem atipias celulares. O diagnóstico foi de Nefroma Mesoblástico Congênito subtipo celular e a paciente foi submetida a quimioterapia. Durante o primeiro ano de tratamento, houve recidiva do tumor, apresentando-se irressecável e sem resposta a nova quimioterapia. A paciente foi a óbito aos 4 anos de idade. DISCUSSÃO: O subtipo celular do nefroma mesoblástico tende a ser mais agressivo, apresentando uma taxa de sobrevivência de 85%, comparada com 100% para a variante clássica. Geralmente, a recorrência ocorre no primeiro ano de tratamento, principalmente quando o subtipo é o celular.

nefroma mesoblástico; neoplasias renais; nefrectomia


INTRODUCTION: Congenital Mesoblastic Nephroma (CMN) is a rare pediatric renal tumor. It comprises two histological subtypes, namely classic and cellular, with the second accounting for two thirds of all cases and being more often associated with poor prognosis. It remains a diagnostic challenge for pathologists due to its similarity with other more frequent pediatric kidney neoplasms. CASE REPORT: We describe the case of a 2-year- old girl who presented with a left renal mass. After nephrectomy, the specimen analysis showed, on gross examination, an extensive, granular and whitish tumor lesion occupying almost the entire kidney, invading the renal sinus, capsule and perirenal fat, with areas of hemorrhage and necrosis. Histologically, it was characterized by ovoid spindle cells, mitoses and no cell atypia, which led to a diagnosis of cellular mesoblastic nephroma. Adjuvant chemotherapy was carried out, but tumor recurrence occurred in the first year, presenting as an unresectable tumor that did not respond to adjuvant chemotherapy and the patient died at 4 years of age. DISCUSSION: The cellular variant tends to be more aggressive, with a survival rate of 85% versus 100% for the classic variant. Recurrence generally occurs in the first year, particularly with the cellular variant.

mesoblastic nephroma; kidney neoplasms; nephrectomy


RELATO DE CASO CASE REPORT

Nefroma mesoblástico congênito subtipo celular: relato de caso

Lina Gomes dos SantosI; Juliana de Sousa Ribeiro de CarvalhoII; Marcela Aguiar ReisII; Rayli Lauro Jennyfer Brandão SalesII

IDisciplina de Patologia para Medicina da Universidade Federal do Piauí - UFPI; Laboratório de Anatomia Patológica do Hospital São Marcos - HSM

IIUFPI

Correspondência Correspondência para: Lina Gomes dos Santos Av. Marechal Castelo Branco, 414/1501. Ilhotas Teresina - PI - Brasil CEP: 64014-058 Tel/fax: 55 (86) 2106-8043 E-mail: linagsantos@uol.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: Nefroma Mesoblástico Con-gênito é uma rara neoplasia renal pediátrica. Apresenta dois subtipos histológicos, clássico e celular, sendo o último de pior prognóstico e responsável por aproximadamente dois terços dos casos. Esse tumor ainda é um desafio diagnóstico aos patologistas devido à similaridade com outras neoplasias pediátricas renais mais frequentes.

RELATO DO CASO: Criança do gênero feminino, 2 anos e 9 meses de idade, foi encaminhada a serviço médico com referência em oncologia apresentando massa renal à esquerda. Após nefrectomia, o estudo do espécime mostrou, macroscopicamente, extensa área tumoral granular, brancoacinzentada, ocupando aproximadamente todo o rim, invadindo seio renal, cápsula e gordura perirrenal, com áreas de hemorragia e necrose. Histologicamente, caracterizava-se pela presença de células fusiformes e mitoses, sem atipias celulares. O diagnóstico foi de Nefroma Mesoblástico Congênito subtipo celular e a paciente foi submetida a quimioterapia. Durante o primeiro ano de tratamento, houve recidiva do tumor, apresentando-se irressecável e sem resposta a nova quimioterapia. A paciente foi a óbito aos 4 anos de idade.

DISCUSSÃO: O subtipo celular do nefroma mesoblástico tende a ser mais agressivo, apresentando uma taxa de sobrevivência de 85%, comparada com 100% para a variante clássica. Geralmente, a recorrência ocorre no primeiro ano de tratamento, principalmente quando o subtipo é o celular.

Palavras-chave: nefroma mesoblástico, neoplasias renais, nefrectomia.

INTRODUÇÃO

A maioria das neoplasias renais da infância é representada pelo Tumor de Wilms (TW) e ocorre, predominantemente, na faixa etária de 1 a 4 anos.1 Tal fato torna esse diagnóstico o mais provável quando uma massa abdominal é detectada no rim de uma criança, induzindo, muitas vezes, tratamento direcionado a TW, mesmo sem a confirmação histopatológica.2 Neoplasias renais em crianças com menos de 6 meses de vida são menos comuns. Neste grupo, o Nefroma Mesoblástico Congênito (NMC) é o mais frequente,1 sendo 90% diagnosticados dentro do primeiro ano de vida e, virtualmente, nunca ocorrendo após 3 anos de idade.3 Esse tumor geralmente confere prognóstico favorável.4

O NMC representa, aproximadamente, 3-10% de todas as neoplasias renais pediátricas e apresenta dois subtipos histológicos, clássico e celular. O subtipo celular responde por 42-63% de todos os casos,5 apresenta maiores volumes tumorais, ocorre significantemente em pacientes mais velhos,6 além de apresentar maior agressividade quando comparado ao subtipo clássico. 7

É ainda um desafio diagnóstico para os patologistas em virtude da sua similaridade com outras neoplasias renais pediátricas mais comuns. A falta de familiaridade com essa rara entidade pode levar a um diagnóstico errôneo. 4

Reportamos o caso de uma criança de 2 anos de idade com agressivo NMC e sua recorrência.

RELATO DO CASO

Criança do gênero feminino, 2 anos e 9 meses de idade, foi encaminhada a serviço médico com referência em oncologia, em julho de 2007, apresentando massa abdominal. O pai relatava episódio isolado de hematúria há 8 meses e, há aproximadamente 20 dias, observou aumento do volume abdominal da criança e um episódio de vômito. Exame ultrassonográfico indicava a presença de massa em rim esquerdo. A paciente foi submetida a nefrectomia.

Ao exame da peça, o rim media 11,5 x 8,0 x 7,0 cm e pesava 266 g. Havia comprometimento perirrenal, de seio renal e cápsula. À superfície de corte, o rim era quase que totalmente ocupado por lesão tumoral (7,0 x 7,0 x 6,0 cm) branco-acinzentada e granular com extensas áreas de necrose e hemorragia (Figura 1). Não havia invasão de ureter. Histologicamente, o tumor caracterizava-se por células ovóides ou fusiformes, de núcleos monótonos, sem atipias, infiltrando o parênquima renal circundante, baixa atividade mitótica e escassa deposição de colágeno (Figura 2). Foram ressecados 11 linfonodos, os quais não se encontravam comprometidos. O diagnóstico foi de Nefroma Mesoblástico subtipo celular. Tomografia Computadorizada (TC) de tórax e abdome foram solicitadas, as quais se apresentaram normais.



Iniciou-se quimioterapia adjuvante e a paciente foi submetida a exames seriados de imagem. Um mês após o término da quimioterapia, em março de 2008, observaram-se em ultrassonografia abdominal imagens nodulares retroperitoneais compatíveis com linfoadenomegalias com até 2,1 cm. Foram solicitadas, então, TC de tórax e abdome. A TC de tórax sugeriu pneumonia, e a TC de abdome apresentou lesão sólida de 10,6 x 9,6 cm nos maiores diâmetros em loja renal esquerda, deslocando grandes vasos abdominais e rechaçando alças intestinais indissociáveis da musculatura paravertebral ipsilateral. Solicitou-se, então, avaliação cirúrgica pediátrica.

Durante a cirurgia, observou-se que o tumor estava aderido às alças intestinais e ao pâncreas, sendo irressecável. Foi realizada apenas biópsia da massa, a qual evidenciou Nefroma Mesoblástico subtipo celular (recidiva). Estudo imunohistoquímico realizado apresentou positividade para vimentina. Quimioterapia adjuvante foi realizada, entretanto, não houve redução da massa tumoral. A paciente evoluiu com desnutrição severa, febre e neutropenia e, em outubro de 2008, a paciente foi a óbito 15 meses após o diagnóstico.

DISCUSSÃO

O NMC geralmente se apresenta como massa abdominal assintomática, algumas vezes acompanhada de hematúria. Na maioria dos casos, o diagnóstico é feito ainda no período neonatal, já que pode levar a polidrâmnio (71% das gestações associadas ao tumor), hidropsia e parto prematuro, além de hipertensão (como resultado do aumento dos níveis de renina pela infiltração renal) e hipercalcemia (devido à secreção pelo tumor de substância semelhante ao paratormônio). 1,3,5 Exame ultrassonográfico revela, em geral, massa sólida envolvendo seio renal, com áreas císticas e hemorrágicas, e infiltração do tecido local.5

O NMC é provavelmente originado da proliferação do mesênquima nefrogênico. 5 A variante clássica é similar ao leiomioma,1,5,6 descrito predominantemente como sólido, firme, de coloração amarelada, sem cápsula, com margens pobremente definidas,5 células fusiformes em feixes e raras mitoses. 6 Áreas císticas e necrose podem eventualmente ocorrer. Em contraste, a variante celular é reconhecida como subtipo distinto da clássica, embora ambas possam coexistir (subtipo misto). 5 A variante celular demonstra alta celularidade, mitose, necrose,1 hemorragia,6 e é composta por feixes sólidos de células ovóides ou fusiformes com citoplasma reduzido. 3,5 Esse tipo de tumor pode invadir estruturas adjacentes e tende a ser mais agressivo. 7 Ambas as variantes são imunorreativas a marcadores fibroblásticos (vimentina, actina de músculo liso, desmina), e negativas para marcadores epiteliais,2 embora o diagnóstico seja baseado apenas em critérios morfológicos. 3 No caso relatado, a imuno-histoquímica foi positiva apenas para vimentina, na ausência de imunorreação para desmina e actina do músculo liso.

Estudos recentes revelaram que as variantes clássica e celular apresentam diferenças genéticas. Apenas a variante celular mostra translocação (12; 15) (p13; q25) que leva a uma fusão gênica ETV6-NTRK3. Há achados variáveis em subtipos mistos. 5,6 Translocação idêntica também tem sido reportada no fibrossarcoma infantil (FSI), sugerindo que o NMC subtipo celular representaria FSI intrarrenal3 e que não estaria relacionado ao TW ou ao carcinoma de células claras renais (CCR), como inicialmente associado. 8 Entretanto, quando células fusiformes predominam no rim de uma criança, o diagnóstico diferencial deve incluir TW, CCR tipo células claras (padrão de células fusiformes) e NMC, além de outras entidades menos comuns em crianças. 2

O NMC deve ser tratado com nefrectomia radical para reduzir os riscos de recorrência local. Esse tratamento, sozinho, é geralmente suficiente porque o tumor tem baixo potencial de malignidade. Apenas 5% dos pacientes apresentam recidivas, geralmente dentro do primeiro ano, e a maioria destes apresenta subtipo celular. Portanto, durante o primeiro ano após nefrectomia, ultrassonografias seriadas devem ser realizadas para detectar sinais precoces de recorrência local. 1,3,9 A variante celular é associada a pior prognóstico, com taxa de sobrevivência de 85%, comparada com 100% para a variante clássica. 9 Doença metastática, principalmente para pulmões, fígado, cérebro e coração, e extensa área de recorrência local são raras. 6,7,9 Fatores de risco para recorrência são margens cirúrgicas positivas, ruptura do tumor durante ressecção,1 subtipo celular e idade do paciente. 6 Pacientes com mais de 3 meses de vida apresentando variante celular, com margens cirúrgicas positivas, ruptura do tumor durante ressecção ou pacientes com microinvasões vasculares são candidatos a quimioterapia adjuvante. 9 Quimioterapia pode ser ainda realizada em casos de recorrência local, doença metastática ou pacientes com tumores inoperáveis, já que alguns NMC´s são quimiossensíveis. 8,9 As combinações de vincristina, ciclofosfamida e doxorrubicina (VCD);9 vincristina, doxorrubicina e actinomicina D (VDA);8 ifosfamida, carboplatina e etoposide (ICE)9 podem ser usadas com sucesso. Entretanto, a combinação ICE é nefrotóxica sendo, então, reservada como terapia de segunda linha. 8,9 Na literatura é aparente, entretanto, que nem todos esses tumores são sensíveis a quimioterapia, como observado no caso relatado, ou às combinações de quimioterápicos. Além disso, o pequeno número de pacientes disponíveis para análise torna difícil a identificação de fatores clínicos ou biológicos que predizem a resposta quimioterápica. A terapia ideal para controlar recorrência ou doença metastática ainda não está clara, e como os pacientes, em geral, recebem terapia multimodal, dificulta discernir se quimioterapia ou radioterapia, ou ambos, são ativas contra o tumor. 8

Data de submissão: 07/19/2010

Data de aprovação: 12/23/2010

Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse.

O referido estudo foi realizado no Centro de Ciências da Saúde, Departamento de Patologia, Universidade Federal do Piauí.

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  • Correspondência para:

    Lina Gomes dos Santos
    Av. Marechal Castelo Branco, 414/1501. Ilhotas
    Teresina - PI - Brasil CEP: 64014-058
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Aceito
      23 Dez 2010
    • Recebido
      19 Jul 2010
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