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Manifestações clínicas e evolução da infecção pelo vírus da influenza A (H1N1) em receptores de transplante renal

Resumos

INTRODUÇÃO: A emergência do surto pandêmico de influenza A, subtipo H1N1, em abril de 2009, representou um grande desafio para a logística de saúde pública. Embora a maioria dos pacientes infectados apresente manifestações clínicas e evolutivas muito semelhantes às observadas na influenza sazonal, um número significativo de indivíduos evolui com pneumonia e insuficiência respiratória aguda severa. O impacto da infecção pelo vírus influenza A, subtipo H1N1, em pacientes imunossuprimidos não é determinado. MÉTODOS: Neste estudo, foram analisadas a apresentação clínica e a evolução da influenza A, subtipo H1N1, em 19 receptores de transplante renal. Os pacientes receberam confirmação diagnóstica pela técnica de RT-PCR. O manejo clínico incluiu terapêutica antiviral com fosfato de oseltamivir e antibióticos. RESULTADOS: A população estudada foi predominantemente de indivíduos do sexo masculino (79%), brancos (63%), com idade média de 38,6 ± 17 anos e portadores de pelo menos uma comorbidade (53%). A infecção por influenza A, subtipo H1N1, foi diagnosticada em média 41,6 ± 49,6 meses após o transplante. Os sintomas mais comuns foram: tosse (100%), febre (84%), dispneia (79%) e mialgia (42%). Disfunção aguda do enxerto foi observada em 42% dos pacientes. Cinco pacientes (26%) foram admitidos em Unidade de Terapia Intensiva, dois (10%) necessitaram de suporte com ventilação invasiva e dois (10%) receberam drogas vasoativas. A mortalidade foi de 10%. CONCLUSÕES: A disfunção aguda do enxerto renal foi um achado frequente, e as características clínicas, laboratoriais e evolutivas foram comparáveis às da população geral.

infecções respiratórias; vírus da influenza A subtipo H1N1; fatores de risco; transplante de rim; imunossupressão


INTRODUCTION: The emergence of the pan>demic outbreak of influenza A (H1N1) in April, 2009, represented a logistic challenge for public health. Although most infected patients presented clinical and evolutionary manifestations which were very similar to seasonal influenza, a significant number of individuals developed pneumonia and severe acute respiratory failure. The impact of influenza A (H1N1) in immunocompromised patients is not well established yet. METHODS: This study aimed to analyze the clinical presentations and evolution of influenza A (H1N1) in 19 kidney transplant recipients. Influenza A (H1N1) infection was confirmed by RT-PCR in all patients. Treatment included antiviral therapy with oseltamivir phosphate and antibiotics. RESULTS: The studied population was compounded mostly of white people (63%), males (79%), at a mean age of 38.6 ± 17 years and patients with at least one comorbidity (53%). Influenza A (H1N1) infection was identified 41.6 ± 49.6 months after transplantation. Common symptoms included cough (100%), fever (84%), dyspnea (79%), and myalgia (42%). Acute allograft dysfunction was observed in 42% of the patients. Five patients (26%) were admitted to the Intensive Care Unit, two (10%) required invasive ventilation support, and two (10%) required vasoactive drugs. Mortality rate was 10%. CONCLUSIONS: Acute renal allograft dysfunction was a common finding. Clinical, laboratory, and evolutionary characteristics were comparable to those in the general population.

respiratory tract infections; influenza A virus; H1N1 subtype; risk factors; kidney transplantation; immunosuppression


ARTIGO ORIGINAL

Manifestações clínicas e evolução da infecção pelo vírus da influenza A (H1N1) em receptores de transplante renal

Clinical manifestations and evolution of infection by influenza A (H1N1) in kidney transplant recipients

Tainá Veras de Sandes FreitasI; Gislaine OnoII; Luci CorrêaII; Pollyane Sousa GomesII; Nelson Zocoler GalanteI; Hélio Tedesco-SilvaI; Luís Fernando Aranha CamargoII; José Osmar Medina-PestanaI

IDepartamento de Medicina, Disciplina de Nefrologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

IIDepartamento de Medicina, Disciplina de Infectologia da UNIFESP

Correspondência Correspondência para: José Osmar Medina de Abreu Pestana Rua Borges Lagoa, 960 São Paulo - SP - Brasil CEP: 04038-002 E-mail: medina@hrim.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: A emergência do surto pandêmico de influenza A, subtipo H1N1, em abril de 2009, representou um grande desafio para a logística de saúde pública. Embora a maioria dos pacientes infectados apresente manifestações clínicas e evolutivas muito semelhantes às observadas na influenza sazonal, um número significativo de indivíduos evolui com pneumonia e insuficiência respiratória aguda severa. O impacto da infecção pelo vírus influenza A, subtipo H1N1, em pacientes imunossuprimidos não é determinado.

MÉTODOS: Neste estudo, foram analisadas a apresentação clínica e a evolução da influenza A, subtipo H1N1, em 19 receptores de transplante renal. Os pacientes receberam confirmação diagnóstica pela técnica de RT-PCR. O manejo clínico incluiu terapêutica antiviral com fosfato de oseltamivir e antibióticos.

RESULTADOS: A população estudada foi predominantemente de indivíduos do sexo masculino (79%), brancos (63%), com idade média de 38,6 ± 17 anos e portadores de pelo menos uma comorbidade (53%). A infecção por influenza A, subtipo H1N1, foi diagnosticada em média 41,6 ± 49,6 meses após o transplante. Os sintomas mais comuns foram: tosse (100%), febre (84%), dispneia (79%) e mialgia (42%). Disfunção aguda do enxerto foi observada em 42% dos pacientes. Cinco pacientes (26%) foram admitidos em Unidade de Terapia Intensiva, dois (10%) necessitaram de suporte com ventilação invasiva e dois (10%) receberam drogas vasoativas. A mortalidade foi de 10%.

CONCLUSÕES: A disfunção aguda do enxerto renal foi um achado frequente, e as características clínicas, laboratoriais e evolutivas foram comparáveis às da população geral.

Palavras-chave: infecções respiratórias, vírus da influenza A subtipo H1N1, fatores de risco, transplante de rim, imunossupressão.

ABSTRACT

INTRODUCTION: The emergence of the pan>demic outbreak of influenza A (H1N1) in April, 2009, represented a logistic challenge for public health. Although most infected patients presented clinical and evolutionary manifestations which were very similar to seasonal influenza, a significant number of individuals developed pneumonia and severe acute respiratory failure. The impact of influenza A (H1N1) in immunocompromised patients is not well established yet.

METHODS: This study aimed to analyze the clinical presentations and evolution of influenza A (H1N1) in 19 kidney transplant recipients. Influenza A (H1N1) infection was confirmed by RT-PCR in all patients. Treatment included antiviral therapy with oseltamivir phosphate and antibiotics.

RESULTS: The studied population was compounded mostly of white people (63%), males (79%), at a mean age of 38.6 ± 17 years and patients with at least one comorbidity (53%). Influenza A (H1N1) infection was identified 41.6 ± 49.6 months after transplantation. Common symptoms included cough (100%), fever (84%), dyspnea (79%), and myalgia (42%). Acute allograft dysfunction was observed in 42% of the patients. Five patients (26%) were admitted to the Intensive Care Unit, two (10%) required invasive ventilation support, and two (10%) required vasoactive drugs. Mortality rate was 10%.

CONCLUSIONS: Acute renal allograft dysfunction was a common finding. Clinical, laboratory, and evolutionary characteristics were comparable to those in the general population.

Keywords: respiratory tract infections, influenza A virus, H1N1 subtype, risk factors, kidney transplantation, immunosuppression.

INTRODUÇÃO

Em abril de 2009, a Organização Mundial da Saúde (OMS) documentou a ocorrência de infecção por um novo subtipo de vírus da influenza do tipo A na população mexicana, denominado H1N1. Este novo subtipo foi caracterizado como resultante da combinação genética de cepas de vírus influenza, as quais são capazes de infectar organismos de humanos, suínos e aves.1 O número de casos de infecção pelo vírus influenza A H1N1 aumentou rapidamente no México e em outros países, atingindo proporções de pandemia.2

A apresentação clínica e a evolução da infecção pelo vírus influenza A H1N1 são muito semelhantes às da influenza sazonal. Sinais e sintomas menos comuns à influenza sazonal, tais como vômito e diarreia, são observados em um número significativamente maior de pacientes.3 Evolução clínica desfavorável com pneumonia e insuficiência respiratória severa tem sido observada também com frequência comparativamente maior e, ao contrário da influenza sazonal, ocorre principalmente em pacientes jovens e gestantes.4

O impacto da infecção pelo vírus influenza A H1N1 em pacientes imunossuprimidos não é determinado. O conhecimento do comportamento clínico da infecção pelo vírus influenza A H1N1 nesta população é importante para o estabelecimento de novas diretrizes, que sejam direcionadas para a prevenção e o tratamento dessa importante condição.

Neste estudo, foram descritas a apresentação clínica e a evolução da influenza A H1N1, com diagnóstico confirmado pela técnica da reação em cadeia de polimerase via transcriptase reversa (RT-PCR), em 19 receptores de transplante renal, acompanhados no Hospital do Rim e Hipertensão.

MÉTODOS

DESENHO DO ESTUDO E COLETA DE DADOS

Foram incluídos no estudo 19 receptores de transplante renal, internados no Hospital do Rim e Hipertensão, no período de 1 de julho de 2009 a 31 de setembro de 2009, por pelo menos 24 horas, com infecção confirmada pelo vírus influenza A H1N1.

As informações analisadas foram obtidas dos prontuários médicos e das fichas de investigação do Sistema de Informação de Agravos de Notificação da Secretaria Estadual de Saúde, do Estado de São Paulo. Foram estudados, retrospectivamente, os dados demográficos, o histórico de vacinação para influenza e pneumococo, as comorbidades associadas, os sinais e sintomas clínicos, o perfil laboratorial e radiológico, bem como os aspectos relacionados à evolução clínica.

DIAGNÓSTICO CLÍNICO

A rotina diagnóstica para a infecção por influenza A H1N1 seguiu a recomendação estabelecida pelo Ministério da Saúde e pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. Foram considerados elegíveis para internação hospitalar e tratamento empírico, com fosfato de oseltamivir (Tamiflu®), os pacientes transplantados com suspeita de infecção por influenza.5 A partir de 5 de agosto de 2009, com a caracterização do surto pandêmico de infecção pelo vírus da influenza A H1N1, as recomendações ministerial e estadual foram revisadas, passando a serem considerados para internação hospitalar apenas os pacientes com suspeita de infecção respiratória aguda por influenza, e que apresentassem doença respiratória aguda grave (DRAG) ou sinais e sintomas de alerta.6 A DRAG foi caracterizada pela presença de febre acima de 38 ºC, tosse e dispneia, com ou sem laringalgia ou sintomas gastrointestinais. Os sinais e sintomas de alerta incluíram confusão mental, taquipneia superior a 30 incursões respiratórias por minuto, hipotensão arterial sistêmica (pressão arterial sistólica < 90 mmHg e pressão arterial diastólica < 60 mmHg) e idade superior a 65 anos. Os sinais e sintomas de alerta para pacientes pediátricos incluíram batimentos da asa do nariz, tiragem intercostal, cianose, desidratação, inapetência, vômitos, comprometimento do estado geral, toxemia e ausência de suporte familiar apropriado.5,6

DIAGNÓSTICO LABORATORIAL

A triagem diagnóstica com o teste rápido para a infecção por vírus influenza A e B [rapid QuickVue Influenza A+B test (Quidel, San Diego, CA, USA)] foi realizada apenas no início da pandemia. Após 7 de agosto de 2009, considerando a demonstrada transmissão do vírus influenza A H1N1 em todo o território nacional e a baixa sensibilidade do teste empregado, a realização da triagem diagnóstica passou a não ser mais recomendada pela Comissão de Controle de Infecções Hospitalares do Hospital do Rim e Hipertensão.

A infecção pelo vírus influenza A H1N1 foi confirmada por meio da identificação direta de antígeno específico para influenza pela técnica de RT-PCR, de acordo com o protocolo preconizado pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA e pela OMS7, em amostra de secreção respiratória obtida da nasofaringe ou da traqueia. O ensaio molecular foi realizado no Instituto Adolfo Lutz de São Paulo.

Disfunção aguda do enxerto foi definida como aumento de pelo menos 20% do valor da creatinina sérica em relação ao valor basal. A disfunção aguda do enxerto foi classificada como leve, quando as elevações da creatinina sérica estiveram entre 20 a 50% do valor basal; como moderada, para aumentos superiores a 50%; e severa, quando a terapia dialítica foi necessária.

TRATAMENTO

Os pacientes receberam medidas de suporte clínico e sintomático conforme a necessidade. Terapêutica antiviral com fosfato de oseltamivir foi iniciada em até 24 horas após a admissão hospitalar, independente do tempo transcorrido desde o início dos sintomas. O tempo previsto de tratamento foi de cinco dias. Terapia complementar com antibióticos foi utilizada de acordo com o julgamento clínico e laboratorial.

ANÁLISE ESTATÍSTICA

As variáveis estudadas foram apresentadas por meio de parâmetros estatísticos descritivos. As variáveis numéricas foram apresentadas utilizando médias e desvios padrão, desvios padrão, e as variáveis categóricas, frequências percentuais As análises foram realizadas utilizando o programa SPSS, versão 7.5.1 (SPSS Inc., Chicago, IL. USA, 1996).

RESULTADOS

Durante o período do estudo, 44 pacientes foram admitidos no hospital por sintomas gripais e critérios de DRAG. O teste rápido para influenza A ou B foi realizado em apenas dez pacientes, sendo positivo para influenza A em seis (60%). A infecção por influenza A H1N1 foi confirmada por ensaio molecular em 14 pacientes. Outros cinco pacientes previamente internados por outras indicações (um por rejeição aguda do enxerto e quatro por complicações infecciosas não-relacionadas ao aparelho respiratório) desenvolveram sintomas respiratórios compatíveis com influenza, e receberam confirmação diagnóstica de infecção por influenza A H1N1 pelo ensaio molecular. Os 44 pacientes admitidos com DRAG e os 19 com diagnóstico de infecção por influenza A H1N1 confirmado representaram 1,1 e 0,5%, respectivamente, da população de 4.091 receptores em seguimento ambulatorial na instituição no mesmo período. Os 19 pacientes com infecção confirmada pelo vírus influenza A H1N1 eram predominantemente adultos (38,6 ± 17 anos – 8-63), do sexo masculino (79%), brancos (63%) e portadores de pelo menos uma comorbidade (53%), como pode ser visto na Tabela 1. A infecção por influenza A H1N1 foi diagnosticada em média 41,6 ± 49,6 (0-170) meses após o transplante, porém cinco pacientes (26%) haviam realizado o transplante há menos de três meses. A maioria dos pacientes (37%) recebia tacrolimus, prednisona e micofenolato (sódico ou mofetil) no momento do diagnóstico da influenza A H1N1.

Os sintomas mais comuns foram: tosse (100%), febre (84%), dispneia (79%) e mialgia (42%) (Tabela 2). O tempo médio entre o início dos sintomas e a admissão hospitalar foi de 3,3 ± 2,4 (1-10) dias. No momento da admissão hospitalar, oito pacientes (42%) apresentaram disfunção do enxerto renal e três (16%) evoluíram com disfunção aguda do enxerto durante a internação. Cinco pacientes (26%) relataram ter tido contato com caso suspeito ou confirmado de influenza A H1N1. Apenas um paciente (5%) referiu ter recebido vacinação contra influenza sazonal e dois (10%), contra pneumococo. O principal achado radiológico foi infiltrado intersticial (79%). Avaliação radiológica do tórax normal foi observada em apenas um (5%) paciente (Tabela 2).

Apenas um paciente não recebeu tratamento com fosfato de oseltamivir, cujo diagnóstico da infecção viral foi realizado post-mortem, por meio da realização do RT-PCR de secreção das vias respiratórias, colhida pelo Serviço de Verificação de Óbitos. A coleta de secreção das vias aéreas para pesquisa de influenza A H1N1 pelo Serviço de Verificação de Óbitos era procedimento de rotina à época da pandemia. Agentes antimicrobianos foram utilizados em 16 (84%) pacientes por suspeita de infecção bacteriana associada à infecção viral. Cefalosporinas de terceira ou quarta gerações associadas a antibióticos macrolídeos foram os medicamentos mais utilizados, ocorrendo em 42% dos casos (Tabela 3).

Cinco pacientes (26%) foram admitidos em Unidade de Terapia Intensiva, dois (10%) necessitaram de suporte com ventilação invasiva e dois (10%) receberam drogas vasoativas. Dois pacientes (10%) apresentaram evolução desfavorável do quadro respiratório evoluindo ao óbito no primeiro e sétimo dias de acompanhamento. O tempo médio de internação hospitalar foi de 13 ± 12,4 dias (Tabela 3).

DISCUSSÃO

O monitoramento clínico e epidemiológico da infecção por influenza A H1N1 em receptores de transplante renal, nesta casuística, evidenciou características demográficas semelhantes ao perfil demográfico descrito em pacientes da população geral que necessitaram de internação hospitalar referidos por outros centros.8-10

De acordo com Oliveira et al., um percentual elevado de pacientes com formas graves da doença na população geral são adultos jovens com outras comorbidades associadas, incluindo doenças respiratórias crônicas, desordens metabólicas e endócrinas, gestantes, ou ainda, imunossuprimidos por doenças ou medicamentos.11 Os pacientes deste trabalho também apresentaram comorbidades, predominando doenças crônicas pulmonares, cardíacas e o diabetes melito. Nenhum paciente era obeso, embora grande parte dos receptores de transplante apresente ganho de peso significativo no pós-operatório12 e esse tenha sido um grupo de risco na população geral.11

O tempo médio de transplante no momento da admissão hospitalar foi de 41,6 meses, e 26% dos pacientes tinham menos de três meses de acompanhamento. A despeito de 52% dos pacientes do nosso serviço receber como esquema de imunossupressão inicial, a combinação de inibidor de calcineurina, prednisona e azatioprina,13 a maioria (37%) dos pacientes da presente série estava recebendo como imunossupressão a combinação de inibidor de calcineurina, prednisona e micofenolato. Apesar de esses dados sugerirem que a imunossupressão mais acentuada predisponha à doença e a formas mais graves de apresentação, com os dados obtidos neste estudo, não é possível concluir acerca desta associação.

A principal peculiaridade encontrada na apresentação clínica da infecção pelo vírus da influenza A H1N1 na população de pacientes transplantados renais aqui estudados foi a maior incidência de disfunção renal (58%), comparada com a de pacientes imunocompetentes.9,14,15 Embora descrita a associação entre infecções virais do trato respiratório e rejeição aguda do enxerto renal,16,17 nenhum destes episódios foi atribuído à rejeição aguda. Nestes pacientes, a disfunção do enxerto foi atribuída à depleção volêmica; necrose tubular aguda secundária à sepse; rabdomiólise; ou nefrotoxicidade pelo inibidor de calcineurina, potencializada por aumento dos níveis sanguíneos resultantes da interação farmacológica destes fármacos com os antimicrobianos utilizados.15 Embora muitos receptores apresentem disfunção do enxerto renal sem etiologia aparente no curso de infecções sistêmicas,18,19 é importante salientar que 73% dos episódios de disfunção do enxerto foram diagnosticados no momento da admissão hospitalar, e que 45% dos pacientes que apresentaram disfunção aguda do enxerto não receberam administração simultânea de inibidor de calcineurina e antibióticos macrolídeos. Ao final do período de observação, apenas um paciente não recuperou integralmente a função renal.

O tratamento com fosfato de oseltamivir foi administrado mesmo após 48 horas do início dos sintomas (mínimo de um dia e máximo de dez, após o início dos sintomas). Embora não exista evidência do benefício da utilização de antivirais no tratamento da infecção em indivíduos saudáveis, quando ultrapassadas 48 horas do início dos sintomas,5,20 pacientes imunossuprimidos apresentam retardo no pico de atividade de replicação viral, bem como prolongamento no tempo necessário para a completa depuração da carga viral, indicando que o benefício terapêutico nesta população pode ser superior.21,22 A dificuldade na definição diagnóstica entre infecção viral e bacteriana no momento da admissão, combinada ao maior risco de associação de pneumonia bacteriana em pacientes com infecção por influenza, resultou em frequência elevada (84%) de utilização de tratamento empírico com agentes antimicrobianos associados ao tratamento antiviral.23,24

A infecção por influenza A e B está associada à significativa morbidade e mortalidade na população de receptores de transplantes de órgãos, principalmente em receptores de medula óssea e pulmão.16,25,26 Neste estudo, a necessidade de admissão em Unidade de Terapia Intensiva, a ventilação mecânica, a utilização de drogas vasoativas e a mortalidade foram semelhantes às da população geral com infecção por influenza A H1N1.9,14,15 Embora a condição de população de risco para complicações clínicas tenha favorecido a internação de um maior número de pacientes com estado geral menos comprometido, os presentes achados indicaram que receptores de transplante renal não apresentam risco adicional para evolução desfavorável da infecção por influenza A H1N1.

Em conclusão, a população de receptores de transplante renal infectados pelo vírus influenza A H1N1 aqui analisada apresentou elevado índice de disfunção aguda do enxerto, sem diferenças nos demais achados clínicos, laboratoriais e evolutivos quando comparada com a população geral.

Data de submissão: 11/08/2010

Data de aprovação: 21/09/2010

O referido estudo foi realizado no Hospital do Rim e Hipertensão da UNIFESP.

Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse.

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  • Correspondência para:
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Ago 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Recebido
      11 Ago 2010
    • Aceito
      21 Set 2010
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