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Tradução e adaptação cultural do Peds QL TM ESRD para a língua portuguesa

Resumos

OBJETIVO: Traduzir e adaptar a versão 3.0 do questionário Peds QL TM - End Stage Renal Disease para a língua portuguesa. METODOLOGIA: A metodologia adotada foi proposta pelo idealizador do questionário original e é composta por 4 fases: tradução da versão original, retradução para o idioma inglês, aplicação em grupos de pacientes e prova de leitura e finalização, sendo que, as traduções e a revisão foram realizadas por profissionais especialistas nas línguas portuguesa e inglesa. Os questionários são compostos pelas versões de relato da criança e do adolescente e relato dos pais, e divididos em faixas etárias de 2 a 4 anos (apenas relato dos pais), 5 a 7 anos, 8 a 12 anos e 13 a 18 anos. Ao todo, foram realizadas 35 entrevistas, sendo 15 de crianças e adolescentes e 20 dos responsáveis. CONCLUSÕES: O processo de tradução e adaptação cultural, que consistiu na equivalência semântica (equivalência entre as palavras), equivalência idiomática (expressões equivalentes não encontradas ou itens que precisavam ser substituídos) e equivalência experimental (palavras e situações adequadas ao contexto cultural brasileiro), resultaram em uma versão de fácil compreensão e administração.

Qualidade de Vida; Questionários; Criança; Insuficiência Renal


OBJECTIVE: To translate into and adapt to Brazilian Portuguese the Peds QL TM - End Stage Renal Disease version 3.0 questionnaire. METHOD: The methodology proposed by the creator of the original questionnaire was adopted. It consisted of 4 phases: translation from English into Brazilian Portuguese, back-translation into English, application to a population sample and proof-reading and completion. The translations and review were made by professional experts in Portuguese and English. The questionnaires were composed of versions for children and adolescents' reports and parents' reports, and were divided according to age ranges: 2-4 years (parents' report only), 5-7 years, 8-12 years and 13-18 years. 35 interviews were conducted with 15 children and adolescents and 20 carergivers. CONCLUSIONS: The process of translation and cultural adaptation, which consisted of semantic equivalence (equivalence between words), idiomatic equivalence (no equivalent expressions found or items that needed to be replaced) and experimental equivalence (words and situations appropriate to the Brazilian cultural context), resulted in a version that was understandable and easy to apply.

Quality of Life; Questionnaires; Child; Renal Insufficiency


ARTIGO ORIGINAL

Tradução e adaptação cultural do Peds QLTM ESRD para a língua portuguesa

Translation and cultural adaptation of Peds QLTM ESRD to Portuguese

Marcos LopesI; Vera Hermina Kalika KochI; James W. VarniII

IServiço de Nefrologia Pediátrica do Instituto da Criança - Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HC/FMUSP

IIDepartament of Pediatrics, College of Medicine, and Department of Landscape Architecture and Urban Planning, College of Architecture - Texas A&M University

Correspondência para Correspondência para: Marcos Lopes Instituto da Criança do HC-FMUSP Rua Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 647 São Paulo - SP - Brasil CEP 04013-043 E-mail: m.thomazin@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Traduzir e adaptar a versão 3.0 do questionário Peds QLTM - End Stage Renal Disease para a língua portuguesa.

METODOLOGIA: A metodologia adotada foi proposta pelo idealizador do questionário original e é composta por 4 fases: tradução da versão original, retradução para o idioma inglês, aplicação em grupos de pacientes e prova de leitura e finalização, sendo que, as traduções e a revisão foram realizadas por profissionais especialistas nas línguas portuguesa e inglesa. Os questionários são compostos pelas versões de relato da criança e do adolescente e relato dos pais, e divididos em faixas etárias de 2 a 4 anos (apenas relato dos pais), 5 a 7 anos, 8 a 12 anos e 13 a 18 anos. Ao todo, foram realizadas 35 entrevistas, sendo 15 de crianças e adolescentes e 20 dos responsáveis.

CONCLUSÕES: O processo de tradução e adaptação cultural, que consistiu na equivalência semântica (equivalência entre as palavras), equivalência idiomática (expressões equivalentes não encontradas ou itens que precisavam ser substituídos) e equivalência experimental (palavras e situações adequadas ao contexto cultural brasileiro), resultaram em uma versão de fácil compreensão e administração.

Palavras-chave: Qualidade de Vida. Questionários. Criança. Insuficiência Renal.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To translate into and adapt to Brazilian Portuguese the Peds QLTM - End Stage Renal Disease version 3.0 questionnaire.

METHOD: The methodology proposed by the creator of the original questionnaire was adopted. It consisted of 4 phases: translation from English into Brazilian Portuguese, back-translation into English, application to a population sample and proof-reading and completion. The translations and review were made by professional experts in Portuguese and English. The questionnaires were composed of versions for children and adolescents' reports and parents' reports, and were divided according to age ranges: 2-4 years (parents' report only), 5-7 years, 8-12 years and 13-18 years. 35 interviews were conducted with 15 children and adolescents and 20 carergivers.

CONCLUSIONS: The process of translation and cultural adaptation, which consisted of semantic equivalence (equivalence between words), idiomatic equivalence (no equivalent expressions found or items that needed to be replaced) and experimental equivalence (words and situations appropriate to the Brazilian cultural context), resulted in a version that was understandable and easy to apply.

Keywords: Quality of Life. Questionnaires. Child. Renal Insufficiency.

INTRODUÇÃO

Os avanços tecnológicos têm propiciado maior sobrevida a um grande número de crianças portadoras de doenças crônicas. O convívio com a doença, a necessidade de comparecimento rotineiro a consultas ambulatoriais e as internações eventuais modificam a rotina da criança e de sua família, criando uma vivência de infância e adolescência muito diferente daquela experimentada por uma criança saudável.1-7

O cuidado prestado à criança com doença renal crônica (DRC) apresenta peculiaridades potencialmente modificadoras da rotina familiar e da inserção social do paciente, principalmente relacionadas às necessidades dietéticas especiais, à utilização diária e crônica de múltiplas medicações e à susceptibilidade à descompensações clínicas frequentes.8 Além disso, em algumas ocasiões, faz-se necessário o estabelecimento de um acesso dialítico, que leva a alterações na aparência corpórea do paciente, seja pela presença de cateter de Tenckhoff, na região abdominal, ou de fístula arteriovenosa, em geral, na região dos membros superiores. Com isso, os pacientes acometidos tornam-se muito dependentes de seus cuidadores, com grande repercussão na sua qualidade de vida (QV) e na de sua família.9-18

A fase escolar e a adolescência são caracterizadas por intensa atividade em grupo. Pacientes portadores de doença renal em fase terminal ou em estágio avançado (DREA) podem apresentar comportamentos antissociais, motivados por medo da discriminação potencial por parte dos colegas a partir da descoberta de alterações em sua aparência, em decorrência de suas condições clínicas. Assim, viabilizar a QV dos portadores de DREA implica, entre outras ações, em selecionar opções terapêuticas, considerando os aspectos multidimensionais de cada paciente, como: idade, estilos de vida, condições de moradia e situação socioeconômica.19-24

A definição de QV proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS) considera a subjetividade do indivíduo na percepção de seu bem-estar.2,25-28 Porém, a utilização de instrumentos "genéricos" compromete a sua mensuração. O uso de instrumentos "específicos", no entanto, constitui-se em uma tentativa de aproximação às reais expressões de cada paciente.22,29-31 Existem instrumentos específicos capazes de avaliar a QV de crianças e adolescentes portadores de DREA, porém, a ausência desses instrumentos, em nosso país, tem dificultado diversas ações, como o entendimento da doença como incapacitante nas atividades diárias, a identificação de problemas específicos, a avaliação do impacto do tratamento decorrente da adesão e a comparação entre os diferentes tratamentos.16

O objetivo deste artigo foi apresentar os resultados obtidos no processo de tradução e adaptação cultural, para a língua portuguesa, da versão 3.0 do questionário Peds QLTM - DREA, destinado à avaliação da QV de crianças e adolescentes portadores de DREA.

MÉTODO

O processo de tradução e adaptação linguística e cultural, para a língua portuguesa, da versão 3.0 dos questionários Peds QLTM, destinados à avaliação da QV de crianças e de adolescentes portadores de DREA, foi desenvolvido em quatro fases. Esse processo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina (FM) da Universidade de São Paulo (USP), como adendo no trabalho de doutorado do pesquisador executante. Obteve-se, também, autorização do MAPI Research Trust, responsável pelas permissões de uso do questionário original, em língua inglesa.

FASE 1. TRADUÇÃO DA VERSÃO ORIGINAL

A tradução do questionário original, do idioma inglês para a língua portuguesa, foi realizada por dois tradutores brasileiros que são bilíngues e não pertencentes à área da saúde. As traduções foram realizadas de maneira independente, sendo os tradutores informados, apenas, do objetivo dos questionários e de seus públicos-alvo. O comitê local, composto por enfermeiro e médico nefrologistas pediátricos, analisou as duas versões da tradução e elaborou uma versão única, com equivalência linguística e conceitual.

FASE 2. RETRADUÇÃO PARA O IDIOMA INGLÊS

A versão resultante da fase 1 foi retraduzida para o idioma original, por tradutor bilíngue, cuja língua nativa era a inglesa e com bom domínio da língua portuguesa. O tradutor, não pertencente à área da saúde, foi informado sobre o objetivo dos questionários e de seus públicos-alvo e não teve acesso à versão original. Ao final desta fase, foi obtida a segunda versão do questionário e confeccionado um relatório, o qual foi enviado ao instituto responsável pelos questionários.

FASE 3. APLICAÇÃO EM GRUPO DE PACIENTES

A versão do questionário para a língua portuguesa, resultante da fase 1, foi aplicada numa amostra de pacientes. Os objetivos dessa fase foram: determinar se a versão era aceitável, compreensível, com linguagem simples e apropriada, além de identificar itens ou instruções mal-entendidas, por parte das crianças, dos adolescentes e de seus responsáveis.

FASE 4. PROVA DE LEITURA E FINALIZAÇÃO

A última fase consistiu na discussão das impressões obtidas durante a aplicação da versão portuguesa do questionário, acrescidas das análises linguística e gramatical, realizadas por profissional brasileiro, com amplo conhecimento da língua portuguesa. Este, não pertencente à área da saúde, também foi informado sobre o objetivo dos questionários. As versões definitivas foram finalizadas após o término da fase 4.

PEDS QLTM VERSÃO 3.0 - VERSÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Esse conjunto de questionários foi desenvolvido por James W. Varni et al., na língua inglesa, e consiste na tentativa de mensurar a QV de crianças e de adolescentes portadores de DREA, de acordo com uma autoavaliação feita pela criança ou pelo adolescente e pelo relato dos pais. As avaliações foram realizadas com suporte de uma escala que expressa diferentes níveis de percepção quanto aos problemas ocorridos no último mês. O Peds QLTM 3.0 é composto de questionários específicos para as faixas etárias de 5 a 7, de 8 a 12 (Apêndice 1 Apêndice 1 ) e de 13 a 18 anos, com linguagem adequada para cada nível de desenvolvimento.

Cada questionário contém 34 questões, agrupadas em 7 itens, que abrangem a percepção relacionada à saúde nas áreas de "fadiga geral", "sobre minha doença", "problemas no tratamento", "interação com família e amigos", "preocupação", "percepção da aparência física" e "comunicação". O questionário destinado às crianças com idade entre 5 e 7 anos é aplicado com o auxílio de um cartão contendo três faces (Apêndice 2 Apêndice 2 ), cujo objetivo é expressar a satisfação com as variações "nunca" (sendo zero), "às vezes" (sendo dois) e "muito" (sendo quatro). Para as faixas etárias mais avançadas, a escala de satisfação vai de 0 a 4, sendo zero "se nunca é um problema", 1 "se quase nunca é um problema", 2 "se algumas vezes é um problema", 3 "se frequentemente é um problema" e 4 "se quase sempre é um problema".

PEDS QLTM VERSÃO 3.0 - VERSÃO DOS PAIS

O questionário destinado aos pais também tem versões para as faixas etárias de 5 a 7, de 8 a 12 (Apêndice 3 Apêndice 3 ) e de 13 a 18 anos, cada qual composta por 34 questões agrupadas em 7 itens, que abrangem a percepção relacionada à saúde nas áreas de "fadiga geral", "sobre a doença renal", "problemas no tratamento", "interação com família e amigos", "preocupação", "percepção da aparência física" e "comunicação".

Há, ainda, um questionário específico para pais de crianças na faixa etária dos 2 aos 4 anos de idade, que se diferencia dos demais pela quantidade total de questões (13 questões), agrupadas nos domínios "fadiga geral", "sobre a doença renal", "problemas no tratamento" e "preocupação". Esse questionário possui a mesma escala de satisfação dos questionários destinados às crianças com idades acima de 8 anos, com os respectivos valores de 0 a 4.

As alternativas são convertidas em escores, cujos valores são proporcionalmente atribuídos e o somatório varia de 0 a 100 pontos. Os itens são agrupados em diferentes domínios que, depois de obtida a média, têm seus valores finais entre 0 e 100 pontos. Embora não haja um valor de corte, entende-se que os aproximados ao somatório superior são considerados positivos para QV. Se mais de 50% dos itens de cada domínio não forem respondidos, o somatório do módulo não será computado.5

CASUÍSTICA

Foram incluídas crianças e adolescentes em seguimento na Unidade de Nefrologia do Instituto da Criança do HC-FMUSP, com idade entre 2 e 18 anos, portadores de DREA (estágio 4 ou 5) e um de seus responsáveis. As aplicações dos questionários ocorreram no Ambulatório da Unidade de Nefrologia Pediátrica, na Unidade de Diálise e na Enfermaria Geral do Instituto. Os questionários para as crianças de 5 a 7 anos foram aplicados pelo entrevistador executante, experiente na aplicação de questionários de QV pediátricos. Os demais, em sua maioria, foram autoaplicados pelos pacientes ou pais, de acordo com o instrumento específico para a faixa etária. O entrevistador executante esteve presente durante todas as aplicações e, ao final, solicitava aos entrevistados que expressassem quaisquer dificuldades encontradas na compreensão do instrumento.

RESULTADOS

A Tabela 1 apresenta o perfil demográfico das crianças e dos adolescentes entrevistados, segundo a faixa etária, o gênero e o tratamento dispensado à DRC. Foram convidados a participar do projeto, e incluídos nele, 20 responsáveis e 15 crianças ou adolescentes, sendo 5 de cada faixa etária, de acordo com os questionários, conforme orientação do autor dos instrumentos, totalizando 35 entrevistas. Foi utilizada a versão definitiva obtida na fase 4 do processo de tradução. Nenhum paciente ou responsável manifestou recusa em participar dessa fase de validação do instrumento. Todos os participantes foram capazes de compreender e responder aos questionários, não sendo identificada nenhuma dificuldade considerada significativa por ambos os grupos. A aplicação de cada questionário durou cerca de 5 minutos.

ADAPTAÇÃO CULTURAL

As questões propostas pelos questionários Peds QLTM 3.0 são específicas para crianças e para adolescentes portadores de DREA. Procurou-se obter equivalência semântica (equivalência entre as palavras), equivalência idiomática (expressões equivalentes não encontradas ou itens que precisavam ser substituídos) e equivalência experimental (palavras e situações adequadas ao contexto cultural brasileiro).32,33

A língua portuguesa apresenta particularidades quanto ao uso dos pronomes. O pronome inglês your, por exemplo, pode ser traduzido por "seu", mantendo a neutralidade de gênero, ou por "sua", especificando o feminino, de acordo com o contexto. Considerando a baixa escolaridade predominante nos entrevistados, que poderia ser um obstáculo na leitura e na interpretação das questões, mantivemos a diferença de gênero, incluindo os pronomes "seu/sua" na formulação das questões. O mesmo ocorreu com os pronomes he/she e his/her, que foram traduzidos por "ele/ela" e "dele/dela".

O questionário em inglês, denominado End Stage Renal Disease (ESRD), teve suas duas primeiras traduções como Doença Renal em Estágio Final e Doença Renal em Estágio Terminal. Optou-se, no entanto, por manter a tradução como Doença Renal em Estágio Avançado, para evitar a impressão negativa que as palavras "final" e "terminal" pudessem causar nos pacientes e nos seus responsáveis.

Houve alteração no nome do domínio "Sobre minha doença renal" (About my kidney disease) dos questionários destinados ao relato dos pais. Entendeu-se que a expressão mais apropriada seria "Sobre a doença renal", uma vez que o pronome possessivo "minha" se refere ao portador de doença renal, nesse caso, o paciente pediátrico.

A presença de cãibras musculares é frequente em pacientes com hipopotassemia ou hipovolemia, condições clínicas encontradas naqueles submetidos à diálise peritoneal intermitente ou hemodiálise. No questionário para a faixa de 5 a 7 anos, à palavra "cãibras" acrescentou-se a expressão "fisgadas nos músculos", com o intuito de facilitar a compreensão por parte das crianças, que ainda não associam os sintomas provocados pela cãibra com contraturas musculares.

O questionário original, em inglês, apresenta uma categoria de profissionais conhecida como child life specialist. Esse profissional, especialista nos aspectos psicológicos e educacionais que envolvem o crescimento e o desenvolvimento infantis, não se encontra inserido na equipe multiprofissional que presta atendimento pediátrico em nosso país. Sendo assim, procurou-se uma categoria que tivesse atribuições aproximadas, optando-se em nomear, no questionário, para este fim, o psicólogo, uma vez que este se encontra inserido na equipe e presente na maioria dos serviços de saúde brasileiros.

Um dos recursos utilizados na língua portuguesa para evitar repetições nas orações é o uso de elipses, como ocultar sujeitos e verbos. Porém, crianças em fase inicial de alfabetização tendem a apresentar dificuldade na leitura e na compreensão de frases muito elaboradas. Embora a omissão do sujeito e do verbo, por exemplo, no final da frase, deixasse subentendido que ela se referia ao sujeito inicial, mantivemos a oração completa - e apenas nos questionários autoaplicáveis dessa faixa etária. Assim, a pergunta "É difícil para você beber a quantidade de líquidos que você deveria beber?", por exemplo, manteve-se, gramaticalmente, redundante, com o intuito de facilitar a compreensão pela população em estudo.

Crianças e adolescentes portadores de DREA convivem com alterações em sua rotina diária, marcadas por ingestão diária de grande quantidade de medicamentos, restrições dietéticas e, em casos selecionados, restrição, pela doença de base ou pelo tipo de diálise, a alguns tipos de atividade física.11 Além disso, o contato prolongado com a equipe de saúde faz com que os pacientes e seus familiares passem a dominar o vocabulário técnico, que inclui expressões como pressão arterial (PA), cãibras e infecção, o que facilitou a compreensão das perguntas.

Ainda assim, a preocupação em adequar a linguagem para o cotidiano, dentro do nosso contexto cultural, justificou o uso de expressões como "tratamento médico estar funcionando", "ficar de fora das atividades", "pegar infecções" e "ser picado(a) por agulhas". Essas expressões, quando escritas, se aproximam das verbalizadas rotineiramente pelos pacientes e por seus responsáveis. Dessa forma, ao utilizá-las nas traduções dos questionários, pretendeu-se atingir o objetivo de facilitar a autoaplicação pelo público-alvo.

DISCUSSÃO

O presente trabalho apresentou o resultado do processo de tradução e adaptação cultural para a língua portuguesa do questionário Peds QLTM 3.0. Esse instrumento é utilizado na avaliação da QV de crianças e de adolescentes portadores de DREA, por meio da autoavaliação realizada pelos pacientes e por seus responsáveis.

O processo de tradução envolve a interpretação de palavras de um idioma para outro, enquanto adaptação linguística de um questionário envolve a adequação às diferentes culturas, priorizando a clareza, o uso de linguagem comum e a adequação conceitual, além de mensurar se o instrumento é pertinente para outras culturas.32 Para isso, é importante discutir as equivalências, a fim de se obter a relevância dos conceitos apresentados, bem como suas pertinências, que resultarão em instrumentos de fácil operacionalização.

Os instrumentos para a avaliação da QV podem ser classificados como gerais ou específicos. Instrumentos gerais auxiliam na comparação de diferentes grupos de populações, proporcionando ampla avaliação dos diferentes aspectos referentes à QV do indivíduo. Instrumentos específicos são utilizados para inferir QV de portadores de doenças consideradas crônicas, sendo sensíveis às alterações ocorridas durante a evolução de uma determinada doença, o que os tornam excelentes para uso em determinados grupos.2,6,11

A importância da utilização de instrumentos para a avaliação da QV visa a adoção de medidas orientadas pelo e para o paciente, servindo, também, de parâmetros para as equipes que mantêm contato permanente com seus pacientes. Instrumentos desenvolvidos especialmente para a população pediátrica tendem a inferir a percepção da condição de saúde de crianças em diferentes faixas etárias, uma vez que consideram os inúmeros aspectos que envolvem o crescimento e o desenvolvimento.2,11

A ausência de instrumento específico, validado na língua portuguesa, para avaliar crianças e adolescentes portadores de DREA, retardou a reflexão sobre as implicações da doença na QV desse grupo, bem como a obtenção de informações úteis para intervenções em nosso país.2,22,34 A tradução do questionário para pacientes portadores de DREA teve, como preocupação, adequar o atendimento, seja ele em grupo, de acordo com a unidade em que estará sendo aplicado, seja por meio da intervenção individual, por meio do acesso a dados obtidos nas entrevistas.17

AVALIAÇÃO DA QV DE PORTADORES DE DREA NA INFÂNCIA

O interesse nos estudos sobre QV se concentra em conhecer precocemente o impacto das doenças consideradas crônicas, que se estenderão até a vida adulta, além de identificar problemas específicos, tais como o nível de adesão às condutas adotadas. O fracasso no tratamento, juntamente com as limitações provocadas pela doença, comprometem a integridade física e psíquica do indivíduo. Crianças e adolescentes portadores de DRC se veem restritos quanto à participação nas atividades consideradas prazerosas, o que prejudica o desenvolvimento da autoestima, tornando necessárias intervenções pontuais, a fim de reduzir sequelas emocionais.1,13,18,28,35-40

A tentativa de inferir QV na infância representa grande desafio aos profissionais da saúde.19 Diante disso, o uso de instrumentos específicos tem auxiliado na diferenciação entre o impacto provocado por cada uma das terapêuticas utilizadas, estimulando sua adequação ao estilo de vida do paciente, considerando suas necessidades e anseios. Para isso, os instrumentos devem apresentar simplicidade ao se completar as respostas, facilidade na avaliação e capacidade de prover informações úteis a serem utilizadas nas intervenções, considerando que as alternativas de tratamento para pacientes com doença crônica ultrapassam, muitas vezes, a medicamentosa. Neste sentido, conclui-se que o método utilizado na tradução mostrou-se útil em todo o processo de adaptação cultural, resultando em uma versão de fácil compreensão e administração.2,15-17,21-23,27

AGRADECIMENTOS

Agradecemos aos tradutores Guilherme Arruda e Silva, Sérgio dos Santos Abreu Filho e Joel Kenneth Rast e ao revisor Jorge Alves de Lima, pela excelente contribuição na realização deste trabalho.

Data de submissão: 11/07/2011

Data de aprovação: 26/09/2011

O referente estudo foi realizado na Unidade de Nefrologia Pediátrica do Instituto da Criança do HC/FMUSP.

Os autores informam a inexistência de conflitos de interesse.

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Apêndice 1

Apêndice 2

Apêndice 3

  • Correspondência para:

    Marcos Lopes
    Instituto da Criança do HC-FMUSP
    Rua Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 647
    São Paulo - SP - Brasil
    CEP 04013-043
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Dez 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Recebido
      11 Jul 2011
    • Aceito
      26 Set 2011
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