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Situação do hiperparatireoidismo secundário autônomo no Brasil: dados do censo brasileiro de paratireoidectomia

Resumos

INTRODUÇÃO: O hiperparatireoidismo secundário (HPS) é uma complicação comum e grave no curso da doença renal crônica (DRC), com impacto direto sobre a morbidade e mortalidade desses pacientes. Apesar dos avanços no tratamento clínico do HPS a falência terapêutica ocorre em parcela significativa dos pacientes. Nesses casos, a paratireoidectomia (PTx) é indicada. OBJETIVO: Este trabalho visa abordar a situação atual no Brasil de pacientes com HPS em hemodiálise com indicação de PTx. MÉTODOS: Estudo observacional, descritivo, com dados obtidos de questionário enviado a 660 centros de diálise (CD). RESULTADOS: Os resultados estão expressos em valores absolutos, médias e desvio padrão; 226 (34%) CD responderam ao questionário, representando 32.264 pacientes em hemodiálise (HD). A prevalência de pacientes com paratormônio (PTH) > 1.000pg/mL foi de 3.463 (10,7%). Em 49 (21,7%) CD não é possível encaminhar os pacientes para PTx. Cerca de 40% dos serviços que realizam PTx são ligados a centros universitários. Em 74 (33%) CD o tempo de espera para que um paciente seja operado é superior a 6 meses. Foram contabilizados 68 serviços que realizam PTx. Os principais problemas relacionados para a realização de PTx foram: dificuldades com a realização dos exames pré-operatórios, escassez de cirurgiões de cabeça e pescoço, e longa fila de espera. CONCLUSÕES: a prevalência de HPS grave é elevada em nosso meio. Uma parcela significativa de pacientes não tem acesso ao tratamento cirúrgico. Uma melhor organização das políticas de saúde pública, além de um maior entrosamento entre nefrologistas e cirurgiões de cabeça e pescoço, em torno dessa questão, são necessários para a mudança dessa realidade.

Insuficiência Renal Crônica; Hiperparatireoidismo Secundário; Paratireoidectomia


INTRODUCTION: Secondary hyperparathyroidism (SHP) is a common and serious complication of chronic kidney disease (CKD), with a negative impact on morbidity and mortality. Despite advances in the clinical management of SHP, treatment failure still occurs in a significant number of patients. In such cases, parathyroidectomy (PTx) is indicated. OBJECTIVE: To have an overview of the prevalence of severe SHP and of its surgical treatment in hemodialysis (HD) patients in Brazil. METHODS: This was an observational and descriptive study. Data were obtained from questionnaires posted to 660 dialysis units (DU). RESULTS: Results are expressed in absolute values and percentages, or means and standard deviation, as appropriate. 226 (34%) DU answered the questionnaire, providing data about 32,264 HD patients. The prevalence rate of severe SHP (PTH > 1,000 pg/mL) was 10.7 % (n = 3,463). 68 hospitals countrywide perform PTX. Around 40% of them are university centers. 49 (21.7%) DU reported not to have a specialized medical center to refer their patients with severe SHP. 74 (33%) DU reported that the time interval between surgery indication and its performance was over 6 months. The main recognized obstacles to surgery performance were: difficulty to perform the preoperative exams, lack of head and neck surgeons and the long waiting time. CONCLUSIONS: Although severe SHP is highly prevalent in Brazil, a significant number of patients do not have access to PTx. Better public health policies and liaison between nephrologists and head and neck surgeons are urgently required to change this reality.

Renal Insufficiency Chronic; Hyperparathyroidism, Secondary; Parathyroidectomy


ARTIGO ORIGINAL

Situação do hiperparatireoidismo secundário autônomo no Brasil: dados do censo brasileiro de paratireoidectomia

Secondary hyperparathyroidism status in Brazil: Brazilian census of parathyroidectomy

Rodrigo Bueno de OliveiraI, II; Eduardo Neves da SilvaII; Douglas Moraes Freire CharpinelII; José Edevanilson Barros GueirosI; Carolina Lara NevesI; Elisa de Albuquerque SampaioI; Fellype de Carvalho BarretoI; Cristina KarohlI; Melani Custódio RibeiroI; Rosa Maria Affonso MoysésI; Vanda JorgettiI; Aluizio Barbosa de CarvalhoI

ISociedade Brasileira de Nefrologia - SBN: Comitê de Distúrbio Mineral e Ósseo na Doença Renal Crônica - DMO-DRC - São Paulo - SP - Brasil

IIUniversidade de Santo Amaro - Unisa

Correspondência para Correspondência para: Rodrigo Bueno de Oliveira Avenida Doutor Arnaldo, 455, 3° andar, sala 3.342 - Cerqueira César São Paulo - SP - Brasil CEP 01246-903 E-mail: rodrigobueno.hc@gmail.com

RESUMO

INTRODUÇÃO: O hiperparatireoidismo secundário (HPS) é uma complicação comum e grave no curso da doença renal crônica (DRC), com impacto direto sobre a morbidade e mortalidade desses pacientes. Apesar dos avanços no tratamento clínico do HPS a falência terapêutica ocorre em parcela significativa dos pacientes. Nesses casos, a paratireoidectomia (PTx) é indicada.

OBJETIVO: Este trabalho visa abordar a situação atual no Brasil de pacientes com HPS em hemodiálise com indicação de PTx.

MÉTODOS: Estudo observacional, descritivo, com dados obtidos de questionário enviado a 660 centros de diálise (CD).

RESULTADOS: Os resultados estão expressos em valores absolutos, médias e desvio padrão; 226 (34%) CD responderam ao questionário, representando 32.264 pacientes em hemodiálise (HD). A prevalência de pacientes com paratormônio (PTH) > 1.000pg/mL foi de 3.463 (10,7%). Em 49 (21,7%) CD não é possível encaminhar os pacientes para PTx. Cerca de 40% dos serviços que realizam PTx são ligados a centros universitários. Em 74 (33%) CD o tempo de espera para que um paciente seja operado é superior a 6 meses. Foram contabilizados 68 serviços que realizam PTx. Os principais problemas relacionados para a realização de PTx foram: dificuldades com a realização dos exames pré-operatórios, escassez de cirurgiões de cabeça e pescoço, e longa fila de espera.

CONCLUSÕES: a prevalência de HPS grave é elevada em nosso meio. Uma parcela significativa de pacientes não tem acesso ao tratamento cirúrgico. Uma melhor organização das políticas de saúde pública, além de um maior entrosamento entre nefrologistas e cirurgiões de cabeça e pescoço, em torno dessa questão, são necessários para a mudança dessa realidade.

Palavras-chave: Insuficiência Renal Crônica. Hiperparatireoidismo Secundário. Paratireoidectomia.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Secondary hyperparathyroidism (SHP) is a common and serious complication of chronic kidney disease (CKD), with a negative impact on morbidity and mortality. Despite advances in the clinical management of SHP, treatment failure still occurs in a significant number of patients. In such cases, parathyroidectomy (PTx) is indicated.

OBJECTIVE: To have an overview of the prevalence of severe SHP and of its surgical treatment in hemodialysis (HD) patients in Brazil.

METHODS: This was an observational and descriptive study. Data were obtained from questionnaires posted to 660 dialysis units (DU).

RESULTS: Results are expressed in absolute values and percentages, or means and standard deviation, as appropriate. 226 (34%) DU answered the questionnaire, providing data about 32,264 HD patients. The prevalence rate of severe SHP (PTH > 1,000 pg/mL) was 10.7 % (n = 3,463). 68 hospitals countrywide perform PTX. Around 40% of them are university centers. 49 (21.7%) DU reported not to have a specialized medical center to refer their patients with severe SHP. 74 (33%) DU reported that the time interval between surgery indication and its performance was over 6 months. The main recognized obstacles to surgery performance were: difficulty to perform the preoperative exams, lack of head and neck surgeons and the long waiting time.

CONCLUSIONS: Although severe SHP is highly prevalent in Brazil, a significant number of patients do not have access to PTx. Better public health policies and liaison between nephrologists and head and neck surgeons are urgently required to change this reality.

Keywords: Renal Insufficiency Chronic. Hyperparathyroidism, Secondary. Parathyroidectomy.

INTRODUÇÃO

A doença renal crônica (DRC) afeta milhões de pessoas em todo o mundo e, atualmente, é considerada um problema de saúde pública.1 Pacientes com DRC apresentam elevadas taxas de mortalidade,2 e uma parcela significativa dessa taxa de mortalidade é atribuída ao distúrbio mineral e ósseo (DMO) da DRC, que engloba alterações bioquímicas, calcificação vascular e doença óssea.1,3

Com a progressão da DRC observa-se a redução da síntese de calcitriol, dos níveis séricos de cálcio (Ca), aumento dos níveis séricos de fósforo (P), FGF-23 e do paratormônio (PTH) levando ao hiperparatireoidismo secundário (HPS).4 Essas alterações podem se associar também à calcificação vascular e a fraturas ósseas.2

Tradicionalmente, o tratamento do HPS baseia-se no controle da hiperfosfatemia com restrição dietética e uso de quelantes de P, da hipocalcemia com sais de cálcio e calcitriol e na redução dos níveis de PTH com calcitriol e, mais recentemente, com o uso de ativadores seletivos dos receptores da vitamina D (VDRA) e calcimiméticos.5,6

Apesar dos avanços no tratamento clínico do HPS, a falência terapêutica ocorre em parcela significativa de pacientes. Estima-se que de 5,5-30% dos pacientes com DRC em diálise necessitem de paratireoidectomia (PTx) devido à resposta inadequada ao tratamento clínico. Essa incidência se eleva quanto maior o tempo de diálise.7-9 Outra opção à PTx é a ablação das paratireoides com injeção percutânea de etanol ou calcitriol, porém, os resultados não foram satisfatórios no único estudo realizado em nosso país.8

De acordo com as Diretrizes da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), a PTx é indicada quando o nível sérico de PTH encontra-se persistentemente acima de 800 pg/mL, associado às seguintes condições: (a) hipercalcemia e/ou hiperfosfatemia refratárias ao tratamento clínico, (b) a calcificações extraósseas (tecidos moles e/ou cardiovasculares) ou à arteriolopatia urêmica calcificante (calcifilaxia), (c) à doença óssea avançada, progressiva e debilitante que não responde ao tratamento clínico e (d) à presença de glândulas paratireoides volumosas ao ultrassom (volume > 1,0 cm3).10

A prevalência de pacientes com HPS com indicação de PTx é conhecida em muitos países. No Japão, 10% dos pacientes em hemodiálise (HD) há mais de 10 anos e 30% daqueles há mais de 20 anos, necessitam de PTx.7 Em 1982, o Registro da Associação Europeia de Diálise e Transplante relatou uma incidência de PTx de, aproximadamente, 5/1.000 pacientes/ano durante o segundo ou terceiro ano em diálise, mas acima de 40/1.000 pacientes/ano naqueles pacientes em diálise há mais de 10 anos.11 O estudo Dialysis Outcomes and Practice Pattern Study (DOPPS), que avaliou a situação e a qualidade da HD de 1996 a 2001 em países Europeus, nos Estados Unidos e no Japão, revelou que a frequência de PTx é menor no Japão quando comparada à Europa (prevalência de 4,1% e incidência de PTx de 0,6/100 pacientes/ano).12

No Brasil, a prevalência de pacientes com HPS com indicação PTx é desconhecida. Especula-se, no entanto, que o acesso ao tratamento clínico e cirúrgico do HPS seja limitado, e, particularmente, restrito a centros universitários. Vale lembrar que o tratamento conservador da DRC é realizado em poucos centros, o que dificulta o controle precoce dos distúrbios do metabolismo mineral, que existe restrição a dosagem do PTH tanto no tratamento conservador como nos pacientes em diálise (a Portaria RDC 154 permite a dosagem de PTH somente a cada 6 meses13), além da restrição a medicações como calcimiméticos e novos análogos da vitamina D. Dessa forma, o HPS é subdiagnosticado e subtratado.

Este estudo teve por objetivo avaliar a prevalência de pacientes em HD com HPS e indicação de PTx no Brasil, bem como identificar os fatores que influenciam a disponibilidade do tratamento cirúrgico do HPS.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo observacional, descritivo e transversal. No período de agosto de 2010 a março de 2011, o Comitê de Distúrbio Mineral e Ósseo na Doença Renal Crônica da SBN enviou um questionário por meio dos correios aos responsáveis técnicos de 660 unidades de diálise no Brasil. As questões foram relativas ao HPS e solicitou-se que os médicos responsáveis pelos centros de diálise (CD) fornecessem dados clínicos e bioquímicos relativos ao segundo semestre de 2010.

Nesse questionário, perguntou-se: (1) Qual o número de pacientes em HD no referido CD, (2) quantos pacientes tinham níveis de PTH superior a 1.000 pg/mL, (3) qual o método bioquímico utilizado para a dosagem do PTH, (4) uma vez diagnosticado o HPS com indicação de PTx, qual era o encaminhamento dado ao paciente, (5) qual o tempo médio de espera para a realização de PTx, (6) após a realização da PTx, como os pacientes obtinham os medicamentos necessários para o tratamento da "fome óssea", e (7) quais as principais dificuldades enfrentadas para a realização de PTx? Para cada pergunta, não existia a escolha de opções de resposta, e sim espaço livre para o registro da informação.

Definiu-se como ponto de corte com alta probabilidade para a indicação de PTx uma dosagem laboratorial de PTH superior a 1.000 pg/mL.

Os resultados foram descritos em valores absolutos, porcentagem, média e desvio padrão (DP).

RESULTADOS

Dos 660 questionários enviados, foram obtidas 226 respostas (34%), o que correspondeu a uma amostra de 32.264 pacientes, 35% do número total estimado de pacientes em diálise no Brasil, de acordo com o Censo Brasileiro de Diálise de 2010.14

Na Tabela 1, estão descritos o número de CD e de pacientes distribuídos por regiões do país, cujos níveis de PTH eram superiores a 1.000 pg/mL. São Paulo foi o estado mais representativo da amostra, com 60 CD e 9.420 pacientes, enquanto o Pará foi o menos representativo, uma vez que apenas 1 CD, com 58 pacientes respondeu ao questionário.A prevalência de pacientes com níveis séricos de PTH superior a 1.000 pg/mL foi de 10,7% (3.463 pacientes em 32.264), com maior prevalência no estado do Rio de Janeiro (22,9%; n = 689) e menor no estado do Pará (1,7%, n = 1).

A técnica de quimioluminescência foi a mais empregada para a dosagem do PTH, sendo utilizada em 165 (73%) CD. Em 43 (19%) dos CD usa-se outro método de dosagem de PTH, e 17 (8%) CD não informaram o método utilizado.

Na Tabela 2, estão descritos o encaminhamento dado aos pacientes com HPS e indicação de PTx. Quarenta e nove centros (21,7%) não têm como referenciar esses pacientes, o que correspondeu a um total de 6.440 pacientes, sendo que destes, 650 (10,1%) apresentavam níveis séricos de PTH superiores a 1.000 pg/mL, portanto, com indicação cirúrgica e que não serão operados. Quanto aos serviços que realizam PTx, 28 (41,2%) pertencem a hospitais universitários. A Tabela 3 mostra a distribuição de serviços que realizam PTx por região. A Região Norte não dispõe de serviço e, portanto, não tem como encaminhar os pacientes, e na Região Centro-Oeste, apenas 2 serviços estão disponíveis. Essas duas regiões possuem 74 CD, com um total de 7.771 pacientes.14 O estado com maior número de serviços é São Paulo, com 18 (26,4%) serviços.O tempo de espera para a realização de PTx está descrito na Tabela 4. Em 74 (32%) CD, o tempo de espera é superior a seis meses. Em relação à obtenção de medicamentos, pelos pacientes, para tratamento da "fome óssea" (calcitriol e sais de cálcio), 156 clínicas de diálise (69%) o fazem por meio da solicitação de medicamentos especiais (SME) do Sistema Único de Saúde (SUS), 41 (18%) remanejam as medicações dentro da própria clínica, ou seja, recuperam medicações de outros pacientes que tiveram a prescrição suspensa devido à hipercalcemia e hiperfosfatemia, e 18 (8%) com custeio da própria clínica. O restante dos CD (5%) não forneceu informações.

A Tabela 5 descreve as principais dificuldades referidas pelos CD em relação à realização de PTx. Quanto à multiplicidade de problemas listados na Tabela 5, 136 (60%) CD referiram 2 dificuldades, e 75 (33%) referiram 3 dificuldades.

DISCUSSÃO

Este estudo foi o primeiro realizado no Brasil sobre a situação atual de pacientes com HPS, bem como da necessidade de tratamento pela PTx. O índice de resposta por parte dos CD (34%) foi baixo e com distribuição desigual entre as diferentes regiões do país, sendo menor em estados como o Pará e o Acre.

A prevalência de HPS foi de 10,7%, baseando-se em níveis de PTH maiores que 1.000 pg/mL, quando a indicação de PTx é praticamente inequívoca. Provavelmente, se o ponto de corte dos níveis de PTH fossem os sugeridos pelas Diretrizes Brasileiras de Práticas Clínicas dos DMO-DRC10, que é de 800 pg/mL, a prevalência de pacientes com HPS e indicação de PTx seria mais elevada. Vale ressaltar, ainda, que uma parcela significativa de pacientes com níveis de PTH até 500 pg/mL também não respondem a tratamento clínico, o que aumentaria ainda mais o número de pacientes com necessidade cirúrgica.

Em relação aos serviços que realizam PTx, 28 (41,1%) são ligados a hospitais universitários. Poucos são os serviços pertencentes à saúde suplementar (n = 2; 0,9%). Vale ressaltar que a PTx é uma cirurgia considerada de média complexidade, poucos pacientes necessitam realizar o pós-operatório em ambiente de terapia intensiva, e, dessa forma, hospitais secundários com cirurgiões de cabeça e pescoço e nefrologistas poderiam assumir esse procedimento, diminuindo a sobrecarga dos hospitais universitários.

De acordo com dados do Censo Brasileiro de Diálise, 13,3% dos pacientes em diálise no Brasil têm financiamento pela saúde suplementar (convênios).14 No entanto, são raros os CD que conseguem referenciar seus pacientes para a realização da PTx nos hospitais de convênio, onerando mais ainda o SUS.

No pós-operatório da PTx, a maioria dos pacientes desenvolve a chamada síndrome da "fome óssea", obrigando-o a receber grandes quantidades de sais de cálcio e de calcitriol. Os resultados demonstraram que a maioria das clínicas obtém o calcitriol solicitando ao SUS, pela guia SME. No entanto, os trâmites burocráticos fazem com que as medicações sejam dispensadas com atraso e em quantidades insuficientes, conforme referido por 15 (6,6%) CD. Isso obriga os CD a remanejar a medicação de pacientes que interromperam a droga por causa dos efeitos colaterais, como: hipercalcemia e/ou hiperfosfatemia ou então a pagar com recursos próprios do CD ou do paciente.

No Brasil, 68 serviços realizam PTx, desses, 36 (53%) estão na Região Sudeste. Se considerarmos que o Brasil possui cerca de 92.000 pacientes em diálise, e que a prevalência estimada de HPS com indicação de PTx é de 10,7%, cerca de 9.800 pacientes deveriam ser operados. Estima-se que sejam realizadas entre 350 a 500 PTx por ano no Brasil, contudo, nesse ritmo, levar-se-ia cerca de vinte anos para operar os pacientes com indicação da cirurgia no presente.

Resultados de estudo realizado no ambulatório de DMO-DRC do Hospital das Clínicas da USP revelaram que a mortalidade dos pacientes em fila de espera para PTx é de, aproximadamente, 25% ao ano, quase o dobro da taxa de mortalidade geral para pacientes em diálise.15

Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço (SBCCP), o Brasil possui 529 médicos com título de especialista nessa área. Nas Regiões Norte e Centro-Oeste, foram encontrados 48 médicos com título de especialista. Nessas regiões existem 74 CD e cerca de 7.771 pacientes em tratamento dialítico, no entanto, nenhuma PTx é realizada. No estado de São Paulo, existem 18 serviços que realizam PTx e 241 especialistas, a maior densidade desses especialistas no Brasil, contudo, nos dois principais ambulatórios de DMO-DRC do estado (HC-FMUSP e UNIFESP) a fila de espera para pacientes que necessitam de PTx supera 18 meses. As possíveis razões para essa realidade passam por razões técnicas, políticas, financeiras e organizacionais entre os órgãos efetores dessa cadeia: gestores da saúde pública, CD, nefrologistas, cirurgiões de cabeça e pescoço (CCP) e centros que realizam PTx.

Dentre as principais dificuldades para a realização de PTx referidas pelas clínicas de diálise, destaca-se a realização de exames pré-operatórios. Em geral, pacientes abaixo de 40 anos, sem diabetes mellitus, sem sintomas de doença coronariana e não tabagistas são considerados de baixo risco para complicações cardiovasculares, o que desobriga a indicação de testes cardiológicos invasivos, como a cineangiocoronariografia. Os exames pré-operatórios específicos para a PTx são a ultrassonografia cervical e a cintilografia de paratireoides para a localização dessas glândulas. Porém, esses exames podem ser dispensados recorrendo-se apenas à localização intraoperatória das glândulas durante a cirurgia. Da mesma forma, a necessidade de leitos de terapia intensiva no pós-operatório de PTx não é frequente. Tais observações poderiam reduzir as filas de espera para a cirurgia.

Ao mesmo tempo, parece ser fundamental a organização do Sistema de Saúde pelos gestores, com a criação de serviços de referência para a realização de PTx, ampliação do acesso ao diagnóstico e tratamento do HPS, com maior liberalidade para a dosagem do PTH, incorporação de medicamentos (calcimiméticos e VDRA) nas medicações dispensadas pelo SUS e ampliar o acesso dos pacientes a médicos nefrologistas e a cirurgiões de cabeça e pescoço. Ações simples poderiam solucionar problemas, como mudança da dispensação de medicamentos para o período de "fome óssea" no pós-operatório, autorização de PTx em hospitais secundários e revisão dos honorários pagos aos profissionais envolvidos no procedimento e seguimento pós-operatório.

Cabem às Associações Médicas, como a Sociedade Brasileira de Nefrologia e a Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço a educação continuada e a disseminação de protocolos assistenciais para o tratamento desses pacientes, além de alertar os gestores de Saúde Pública sobre a situação dos pacientes com e DRC com HPS no país.

As principais limitações deste estudo foram o caráter transversal e observacional, a disparidade das respostas entre as diversas regiões do país e o limite de corte para os níveis de PTH de 1.000 pg/mL como determinante para a indicação de PTx, o que, provavelmente, reduziu a prevalência do HPS. Além disso, o estudo não obteve dados de morbimortalidade imediata, como, por exemplo: dias de internação decorrentes de complicações do HPS e complicações cirúrgicas decorrentes do procedimento naqueles pacientes operados.

AGRADECIMENTOS

A SBN agradece a participação voluntária dos CD que responderam ao questionário e da secretaria executiva da SBN (sra. Rosalina Soares e Wellington Anselmo) pela valiosa ajuda na realização do trabalho.

Data de submissão: 07/10/2011

Data de aprovação: 04/11/2011

O referido estudo foi realizado pela Sociedade Brasileira de Nefrologia.

Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse.

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  • Correspondência para:
    Rodrigo Bueno de Oliveira
    Avenida Doutor Arnaldo, 455, 3° andar, sala 3.342 - Cerqueira César
    São Paulo - SP - Brasil
    CEP 01246-903
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Dez 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Recebido
      07 Out 2011
    • Aceito
      04 Nov 2011
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