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Paratireoidectomia na DRC

Parathyroidectomy in CKD

Paratireoidectomia na DRC

Parathyroidectomy in CKD

Elisa de Albuquerque Sampaio; Rosa Maria Affonso Moysés

1 Indicações de Paratireoidectomia (PTx) A PTx deve ser indicada em pacientes com doença renal crônica estágios III-V D e I-V T com hiperparatireoidismo secundário (HPS) ou terciário, respectivamente, não responsivo ao tratamento clínico, assim especificado: 1.1 Pacientes com HPS com nível sérico de PTH, persistentemente acima de 800 pg/mL, associado a uma ou mais das seguintes condições: 1.1.1 Hipercalcemia e/ou hiperfosfatemia refratárias ao tratamento clínico (Evidência). 1.1.2 Hipercalcemia e/ou hiperfosfatemia durante pulsoterapia com calcitriol ou análogos da vitamina D, a despeito do uso de quelante de P sem Ca e da redução da concentração de Ca do dialisato (Evidência). 1.1.3 Calcificações extraósseas (tecidos moles e/ou cardiovasculares) ou arteriolopatia urêmica calcificante (calcifilaxia) (Evidência). 1.1.4 Doença óssea avançada, progressiva e debilitante que não responde ao tratamento clínico (Evidência). 1.1.5 Presença de glândulas paratireoides volumosas ao ultrassom (volume > 1,0 cm3) (Opinião). 1.2 Pacientes com HP terciário, quando: 1.2.1 Associado à hipercalcemia maligna (Ca total > 14 mg/dL ou Ca iônico > 1,80 mmol/L) (Evidência). 1.2.2 Associado a hipercalcemia e perda progressiva e inexplicada da função do enxerto (Evidência). 1.2.3 Hipercalcemia persistente após o primeiro ano de transplante renal. 2 Avaliação pré-operatória 2.1 Identificar as glândulas paratireoides através de ultrassonografia e cintilografia com sestamibi- 99mTc (Opinião). 2.2 Descartar intoxicação alumínica nos pacientes com HPS, por meio do teste a desferroxamina (Evidência). 2.2.1 Nos casos de alta probabilidade dessa associação e na presença de um teste negativo ou duvidoso com desferroxamina, realizar biópsia óssea (Evidência). 3 Tipos de PTx 3.1 A PTx deve ser subtotal ou total com autoimplante de tecido paratireoideano (Evidência). 3.1.1 Nos casos de autoimplante de tecido paratireoideano, este pode ser realizado no antebraço ou na região pré-esternal (Opinião). 4 Tratamento da síndrome da fome óssea no pós-operatório imediato 4.1 Dosar potássio duas vezes ao dia, durante as primeiras 24 horas subsequentes à PTx. Dosar Ca sérico pelo menos duas vezes ao dia até a estabilização dos seus níveis e alta hospitalar. Em pacientes transplantados ou em tratamento conservador, monitorar também P e magnésio na mesma frequência (Opinião). 4.2 Iniciar infusão de gluconato de Ca IV imediatamente após o término da PTx. Utilizar 10 ampolas de gluconato de Ca a 10% diluídas em 250 mL de solução fisiológica a 0,9%, infundido preferencialmente em veia calibrosa, na velocidade de 10 mL/h através de bomba de infusão contínua. Posteriormente, a velocidade de infusão deve ser ajustada para manter o Ca sérico > 7,5 mg/dL ou Ca iônico > 1,0 mmol/L (Opinião). 4.2.1 Fazer uma dose suplementar de gluconato de Ca (uma ampola de gluconato de Ca a 10% IV, diluída em 50 mL de glicose a 5%, em 10 minutos) sempre que o Ca sérico estiver < 7,5mg/dL (< 1,0 mmol/L) ou o paciente apresentar sintomas de hipocalcemia (Opinião). 4.3 Iniciar carbonato de Ca na dose de 48 g/dia (1 colher de sopa = 12 gramas), a cada 6 horas, por via oral, após a liberação da dieta, longe das refeições, ajustando de acordo com o Ca sérico (Opinião). 4.4 Iniciar calcitriol oral na dose de 2,5 µg/dia, fracionada em duas tomadas diárias, concomitante ao uso de carbonato de Ca, ajustando de acordo com o Ca sérico (Opinião). 4.5 Após o segundo pós-operatório, as doses de carbonato de Ca e calcitriol devem ser ajustadas visando à suspensão da infusão de gluconato de Ca, o mais precocemente possível (Opinião). 4.6 Em pacientes transplantados renais, as doses de gluconato de Ca, carbonato de Ca e calcitriol devem ser reduzidas à metade do recomendado nos itens 4.2-4.4. (Opinião). 4.7 Após a PTx, usar dialisato com concentração de Ca de 3,5 mEq/L (Opinião). 5 Cuidados no pós-operatório tardio 5.1 Monitorar Ca e P séricos semanalmente, nas primeiras 4 semanas, após a alta hospitalar, e quinzenalmente até o término da fome óssea (Opinião).

RACIONAL

O HPS é uma complicação frequente em pacientes com DRC, contribuindo para as altas taxas de morbimortalidade dessa população. Ao longo do curso da DRC, o HPS requer monitoração e medidas de prevenção e tratamento enérgicas, as quais nem sempre são satisfatórias para seu adequado controle, levando à necessidade de tratamento cirúrgico através da PTx.1-3

Devido à falta de estudos randomizados e controlados avaliando tratamento clínico vs. cirúrgico do HPS avançado, torna-se difícil comparar seus benefícios em longo prazo.2 Ressalta-se que o surgimento de novas estratégias terapêuticas, como os calcimiméticos, podem vir a reduzir a necessidade de PTx.4 Entretanto, a PTx cirúrgica permanece a terapia definitiva para o HPS grave refratário ao manejo clínico.2

Os métodos de imagem para a localização das glândulas paratireoides antes da PTx nem sempre são suficientemente sensíveis, sendo a ultrassonografia e a cintilografia de paratireoides consideradas métodos complementares.5-7 Esses procedimentos facilitam a abordagem cirúrgica, apesar de a não visualização de qualquer glândula paratireoide não contraindicar a PTx.

São três tipos de PTx: a subtotal, a total e a total com autoimplante de tecido paratireoideano.8-14 Embora a escolha de um tipo ou outro dependa da experiência e da habilidade do cirurgião, atualmente tem-se optado pela PTx subtotal ou total com autoimplante em razão da alta taxa de hipoparatireoidismo resultante da PTx total.13 Não existe evidência que a PTx total com autoimplante seja superior ou inferior à PTx subtotal. A PTx total sem autoimplante não deve ser realizada em pacientes transplantados ou naqueles que estão na lista de espera para o transplante renal.2

Atualmente, alguns centros utilizam a dosagem do PTH intraoperatório como ferramenta para monitoração da efetividade da PTx.15-17

O autoimplante de tecido paratireoideano pode ser realizado tanto no antebraço como na região pré-esternal, dependendo da experiência do cirurgião. Com relação à PTx subtotal, geralmente o cirurgião escolhe como glândula remanescente aquela de menor tamanho e de melhor aspecto, deixando-a inteira ou efetuando ressecção parcial. Essa glândula remanescente é fixada com fio não reabsorvível para facilitar futuras intervenções em caso de recidiva.12

Após a PTx bem-sucedida, segue um período conhecido como "síndrome da fome óssea", que ocorre geralmente nos primeiros dias de pós-operatório, mas que, não raras vezes, surge tardiamente. As principais características dessa fase são hipocalcemia, hipofosfatemia e elevação da fosfatase alcalina total e óssea. Nessa fase, uma grande reposição de Ca e de calcitriol se faz necessária, por um período que varia desde os primeiros dias de pós-operatório até mesmo meses após a alta do paciente.17 Embora a reposição intravenosa de grandes quantidades de Ca seja objeto de controvérsia na literatura, a maioria dos pacientes, principalmente aqueles com HPS grave, desenvolve hipocalcemia sintomática, necessitando de tal medida.18,19

A administração de Ca e de calcitriol por via oral, tentando manter o Ca sérico na faixa normal, deve ser instituída o mais rapidamente possível, porque além de favorecer a redução dos episódios de hipocalcemia e suspensão mais rápida da infusão venosa de Ca, possibilitará menor tempo de hospitalização.20-22 Durante o período de "fome óssea", atenção especial deve ser dada às dosagens do potássio sérico, pois um significativo percentual desses pacientes desenvolve hipercalemia no pós-operatório imediato, inclusive necessitando de diálise emergencial.19,23,24

Embora a causa da hipercalemia pós-PTx venha sendo atribuída à maciça apoptose de osteoclastos, sua real gênese ainda é obscura na literatura.19 Além disso, alguns pacientes, principalmente aqueles com DRC pré-dialítica ou transplantados, desenvolvem hipomagnesemia, sendo essa complicação, muitas vezes, a causa da hipocalcemia sustentada no pós-operatório.25 A reposição de magnésio é feita com sulfato de magnésio intravenoso ou pindolato de magnésio por via oral, até que seus níveis voltem à normalidade. Quanto à reposição de P para correção da hipofosfatemia, esta deve ser evitada, exceção feita no caso de hipofosfatemia grave e sintomática, em que o nível sérico de P encontra-se abaixo de 1,0 mg/dL.26

Após o primeiro mês da PTx, é essencial a monitoração mensal de Ca e P séricos visando à modificação da posologia do Ca oral e do calcitriol. O Ca oral, inicialmente utilizado como suplemento, deve ter sua dose ajustada de acordo com as necessidades individuais. No decorrer do período pós-operatório tardio, a necessidade da mudança do Ca oral da forma de suplemento para a forma quelante, ou mesmo uma associação de ambas, deve ser sempre considerada. Às vezes, a introdução de quelantes não contendo Ca, como o sevelamer, em substituição ou como coadjuvante do Ca, se faz necessária. Finalmente, a monitoração do PTH deve ser trimestral para identificação e intervenção precoces de possíveis elevações do hormônio e, também, para intervenção no caso de níveis muito reduzidos. Essas medidas são importantes na prevenção de recidivas e detecção precoce de persistência do HPS ou mesmo do hipoparatireoidismo e suas consequências.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Jun 2011
  • Data do Fascículo
    Abr 2011
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