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Associação entre hipopotassemia, desnutrição e mortalidade em pacientes em diálise peritoneal contínua

Resumos

INTRODUÇÃO: A hipopotassemia pode ser um problema grave e promover a mortalidade de pacientes em diálise peritoneal (DP). Vários fatores podem desencadear a hipopotassemia nesses pacientes, como a desnutrição pré-existente, a baixa ingestão alimentar de proteínas e de potássio, e o uso de certos medicamentos. OBJETIVOS: Verificar a prevalência da hipopotassemia e sua associação com a mortalidade, estado nutricional, indicadores clínicos, testes laboratoriais e eletrocardiograma em pacientes em diálise peritoneal. MÉTODOS: Este foi um estudo observacional. Um questionário foi aplicado para identificar seis sinais e sintomas associados à hipopotassemia (definida como potássio sérico < 3,5 mEq/L). O estado nutricional foi avaliado pela avaliação subjetiva global (SGA) e pelo índice de massa corporal (IMC). Dados demográficos, testes laboratoriais, características da diálise e taxa de sobrevida foram coletados. Também foi realizada a análise de eletrocardiograma. RESULTADOS: Dos 110 pacientes avaliados, a hipopotassemia foi detectada em 13,6% (n = 15). A sobrevida foi menor no grupo hipocalêmico (p = 0,002). A hipopotassemia teve associação significativa somente com a albumina e ureia séricas, e com os resultados da SGA. CONCLUSÃO: Baixos níveis de potássio sérico foram associados com pior sobrevida em pacientes em DP e pareceu estar relacionada à desnutrição.

desnutrição; diálise peritoneal; hipopotassemia; mortalidade; potássio


INTRODUCTION: Hypokalemia is found in peritoneal dialysis (PD) patients. The problem may be severe and promote mortality. Several factors may trigger the hypokalemia in PD patients, such as preexisting malnutrition and the low protein and potassium food intake. OBJECTIVES: To verify the prevalence of hypokalemia and its association with mortality, nutrition status, clinical, laboratory and electrocardiographic variables in PD patients. METHODS: Serum K+ levels were evaluated retrospectively in PD patients. Hypokalemia was defined when the average of serum K+ was < 3.5 mEq/L in six consecutive measurements. Other available biochemical tests were also evaluated. Subjective Global Assessment (SGA) and body mass index (BMI) were used to assess the nutrition status. A questionnaire was applied to identify the most common symptoms and signals associated to hypokalemia. An electrocardiogram was performed. Demographic data, dialysis characteristics and survival rate were collected. RESULTS: Hypokalemia was present in 15 out of 110 patients (13.6%). The survival rate was lower in the hypokalemic group (p = 0.002). Hypokalemia was only associated with serum levels of albumin and urea, and with the SGA results. CONCLUSION: Low levels of serum potassium were associated to lower survival in PD patients and it seems to be related to malnutrition.

hypokalemia; malnutrition; mortality; peritoneal dialysis; potassium


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Associação entre hipopotassemia, desnutrição e mortalidade em pacientes em diálise peritoneal contínua

Ana Maria VavrukI; Cristina MartinsII; Marcelo Mazza NascimentoII; Shirley Yumi HayashiII; Miguel Carlos RiellaI,III

ICentro de Ciências Biológicas e da Saúde, Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)

IICentro de Pesquisa em Renal, Diabetes e Hipertensão (RDH). Fundação Pró-Renal Brasil. Fundação de Amparo à Pesquisa em Enfermidades Renais e Metabólicas

IIIFundação Pró-Renal Brasil

RESUMO

INTRODUÇÃO: A hipopotassemia pode ser um problema grave e promover a mortalidade de pacientes em diálise peritoneal (DP). Vários fatores podem desencadear a hipopotassemia nesses pacientes, como a desnutrição pré-existente, a baixa ingestão alimentar de proteínas e de potássio, e o uso de certos medicamentos.

OBJETIVOS: Verificar a prevalência da hipopotassemia e sua associação com a mortalidade, estado nutricional, indicadores clínicos, testes laboratoriais e eletrocardiograma em pacientes em diálise peritoneal.

MÉTODOS: Este foi um estudo observacional. Um questionário foi aplicado para identificar seis sinais e sintomas associados à hipopotassemia (definida como potássio sérico < 3,5 mEq/L). O estado nutricional foi avaliado pela avaliação subjetiva global (SGA) e pelo índice de massa corporal (IMC). Dados demográficos, testes laboratoriais, características da diálise e taxa de sobrevida foram coletados. Também foi realizada a análise de eletrocardiograma.

RESULTADOS: Dos 110 pacientes avaliados, a hipopotassemia foi detectada em 13,6% (n = 15). A sobrevida foi menor no grupo hipocalêmico (p = 0,002). A hipopotassemia teve associação significativa somente com a albumina e ureia séricas, e com os resultados da SGA.

CONCLUSÃO: Baixos níveis de potássio sérico foram associados com pior sobrevida em pacientes em DP e pareceu estar relacionada à desnutrição.

Palavras-chave: desnutrição, diálise peritoneal, hipopotassemia, mortalidade, potássio.

Introdução

Comparada à hemodiálise, a diálise peritoneal (DP) tem a vantagem de retirar líquidos e metabólitos plasmáticos diariamente, diminuindo o risco de grandes alterações hemodinâmicas. Por outro lado, na DP pode ocorrer redução significativa dos níveis séricos de potássio.1-6

A remoção diária de potássio pelo dialisato da DP é de aproximadamente 30-40 mmoL.7 E a perda do mineral aumenta significativamente com o uso de diuréticos, presença de diarreia, vômitos ou outros, como fístulas e drenos. Por outro lado, os pacientes podem apresentar ingestão baixa de proteínas e de alimentos ricos em potássio, desnutrição pré-existente e condições comórbidas. A ingestão do potássio na dieta pode variar significativamente entre indivíduos e em diferentes dias para uma mesma pessoa.8 A combinação entre a perda elevada e a baixa reserva ou ingestão pode contribuir para a hipopotassemia grave em pacientes em DP.

A absorção constante de glicose da DP é acompanhada pelo aumento dos níveis sanguíneos de insulina. Em consequência, ocorre movimento constante do potássio para dentro das células.9-12 No entanto, talvez devido ao equilíbrio sérico temporário, pode ser difícil a detecção de déficit sanguíneo do eletrólito. Com isso, a hipopotassemia pode não ser facilmente detectada na avaliação laboratorial de rotina dos pacientes em DP.

A hipopotassemia é definida como a concentração de potássio sérico menor que 3,5 mEq/L.13 Quando há déficit pequeno, o paciente pode estar assintomático ou apresentar sintomas leves. Neste caso, os principais sintomas da hipopotassemia são a fraqueza generalizada, a fadiga muscular, a apatia, mal-estar, náuseas, vômitos e, às vezes, distensão abdominal. Porém, em situações de redução acentuada das concentrações séricas de potássio (abaixo de 3,0 mEq/L), podem ocorrer sintomas como contrações e paralisias musculares. Os indivíduos, especialmente aqueles com história de cardiopatia, podem apresentar arritmias cardíacas. E quando o potássio sérico diminui abaixo de 2,5 mEq/L, as manifestações clínicas podem progredir para a fraqueza muscular grave, o íleo paralítico, a paralisia respiratória e as arritmias atriais e ventriculares.13 Portanto, o paciente com hipopotassemia grave apresenta alto risco de morte súbita devido à parada respiratória ou cardíaca.

O objetivo desse estudo foi verificar a frequência da hipopotassemia em pacientes em DP e buscar associações dela com a mortalidade, com sintomas, com marcadores nutricionais e com outros testes laboratoriais.

Métodos

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Brasil. Todos os pacientes incluídos no estudo assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.

O estudo foi qualiquantitativo. Os pacientes envolvidos estavam em programa de DP crônica na Fundação Pró-Renal, situada em Curitiba, Paraná, Brasil. O estudo foi realizado entre novembro de 2004 e outubro de 2007.

O universo do estudo foi constituído por todos os pacientes ativos em programa de DP, tanto em CAPD (continuous ambulatory peritoneal dialysis) como em APD (automated peritoneal dialysis). Como critérios de inclusão, foram utilizados somente pacientes ambulatoriais, com idade maior que 18 anos e tempo de tratamento dialítico acima de três meses.

Foi realizado o levantamento de dados a partir dos prontuários dos pacientes. Os dados coletados foram: idade, sexo, doença de base, programa de tratamento dialítico, volume e concentração de glicose das bolsas de diálise, número de trocas, volume urinário, exames laboratoriais coletados na rotina da Unidade e medicamentos usados pelos pacientes. Para os resultados laboratoriais, foi considerada a média das últimas seis coletas sanguíneas a partir da data de entrevista do indivíduo. As concentrações séricas de potássio < 3,5 mEq/L, de fósforo < 3,5 mEq/L, de cálcio < 8,4 mg/dL e de ureia < 100 mg/dL foram definidas como "níveis baixos". Da mesma forma, os resultados séricos de albumina < 3,5 g/dL e de creatinina < 7,0 mg/dL foram usados para definir níveis baixos. Outros dados coletados foram a presença de peritonite, os resultados do Kt/V e do PET, quando disponíveis. Foram anotados os valores mais recentes de cada paciente.

Os pacientes foram entrevistados uma vez pelos pesquisadores, sobre a ocorrência de seis sintomas comuns em DP: câimbras, vômitos, dores musculares, dificuldades para respirar, confusão mental e episódios de hipotensão. Para essa parte do estudo, foram utilizadas somente informações subjetivas.

Em relação à ingestão alimentar, os pacientes foram questionados sobre a qualidade e a quantidade geral dos alimentos ingeridos. Foi questionado o número usual de refeições diárias, com opções de uma a seis. Também foi perguntado sobre a prática de exercícios físicos. A prática regular foi considerada quando o exercício físico ocorria três vezes, ou mais, por semana, mesmo aqueles leves, como caminhadas, em tempo igual ou superior a 30 minutos. Também foram coletados dados sobre o uso e a frequência de medicamentos. Uma lista pré-estabelecida foi usada para essa coleta de dados. Os medicamentos incluídos foram: anti-hipertensivos antagonistas de cálcio, antagonistas dos receptores da angiotensina II, anti-hipertensivos inibidores da ECA, anti-hipertensivos agonistas α-2 de ação central, anti-hipertensivos β-bloqueador, anti-hipertensivos vasodilatadores diretos, antiarrítmicos, diuréticos de alça, diuréticos poupadores de potássio, suplementos de ferro, ácido fólico, eritropoietina, multivitamínicos e cloreto de potássio. Também foram registrados o peso (com a cavidade peritoneal vazia) e a altura dos pacientes, e calculado o índice de massa corporal (IMC = kg/m2). E foi aplicada a Avaliação Subjetiva Global (SGA).

Além disso, foi realizado um eletrocardiograma numa amostragem de 85 pacientes. Foram analisados os sinais de infra ST, alteração da repolarização ventricular e inversão da onda T. A avaliação eletrocardiográfica não foi realizada em todos os pacientes pelo fato de 18 deles terem ido a óbito e sete terem sido transferidos de centro e/ou de modalidade dialítica. E, ao final do estudo, foram coletados dados da data inicial de tratamento na DP e do óbito, quando pertinente.

Os resultados foram expressos em frequências e percentuais ou por médias, valores mínimos, máximos e desvios-padrão. Para a comparação entre grupos, definida para as variáveis dicotômicas em relação à probabilidade de ter hipopotassemia, foi usado o teste exato de Fisher. Para essa mesma avaliação, foram estimados os valores de odds ratio e intervalos de 95% de confiança. Para a avaliação conjunta da associação das variáveis com a presença ou não de hipopotassemia, foi ajustado um modelo de Regressão Logística. Foram consideradas as variáveis explicativas que apresentaram valor de p < 0,05 na análise univariada e que tinham, pelo menos, um caso de paciente com hipopotassemia nas duas classificações da variável. Para avaliação da associação da hipopotassemia com a curva de sobrevida, foi ajustado um modelo de Regressão de Cox, que incluiu as variáveis que apresentaram valor de p < 0,05 na avaliação univariada (Teste de Log-rank). Os resultados foram expressos pelas curvas de Kaplan-Meier. Valores de p < 0,05 indicaram significância estatística. Os dados foram analisados pelo programa computacional SPSS v.11.

Resultados

Fizeram parte deste estudo 110 pacientes. Destes, 53,6% (n = 59) eram do sexo feminino. Em relação ao tratamento de DP, 60% (n = 66) dos indivíduos realizavam CAPD, e os demais, APD. A faixa etária variou de 22 a 91 anos (mediana de 62 anos). Média de tempo de tratamento dialítico 43,82 meses (± 28,11).

Quanto à etiologia da doença renal crônica, a nefropatia diabética foi a causa mais prevalente (40,9%), seguida pela nefroesclerose hipertensiva (26,4%). Cerca de 28% dos pacientes se encaixaram em outras causas. E 6,4% não tiveram a etiologia estabelecida.

Os níveis de potássio sérico tiveram variação de 2,7 a 5,6 mEq/L (4,35 ± 0,75). A hipopotassemia foi observada em 13,6% (n = 15). Houve associação significativa da hipocalemia com a SGA (p < 0,05, OR 4,1) e com ureia sérica (p < 0,01) (Tabela 1).

Dos 110 indivíduos estudados, 46,8% (n = 51) foram a óbito. Os óbitos relacionados às causas infecciosas e à doença cardiovascular tiveram a mesma distribuição (43,1%, n = 22), seguidos por neoplasias (2,0%, n = 1). Outras causas de morte foram desconhecidas (11,8%, n = 6).

Houve associação significativa entre morte e níveis baixos de potássio sérico (p = 0,002). Verificou-se que 80% (n = 12) dos pacientes morreram hipocalêmicos, sendo que metade deles por doença cardiovascular. As outras causas de mortes dos pacientes hipocalêmicos foram a infecção (25%, n = 3) e desconhecidas (25%, n = 3).

A SGA também foi significativamente associada com óbito (p < 0,01). Com base na SGA, os pacientes classificados como desnutridos tiveram a pior curva de sobrevida (p = 0,002, HR:3,5, com IC95%: 1,6-7,6). Houve, também, associação significativa entre morte e baixos níveis de albumina sérica (p < 0,05).

Já para a prática de exercício físico, houve associação inversa e significativa com a mortalidade (p = 0,003). Ou seja, o exercício físico regular foi protetor da sobrevida (p = 0,029; HR:2,3 com IC95%: 1,1-4,9).

Em relação aos medicamentos, foi encontrada a seguinte distribuição para o uso: antagonistas de cálcio: n = 23, antagonistas dos receptores de angiotensina: n = 12, inibidores da ECA: n = 59, α-2 agonista de ação central: n = 6, β-bloqueador: n = 20, vasodilatadores de ação direta: n = 1, antiarrítmicos: n = 3, diuréticos de alça: n = 69, diuréticos poupadores de potássio: n = 2, sulfato ferroso: n = 43, ácido fólico: n = 2, eritropoietina: n = 79, suplementos vitamínicos: n = 79, cloreto de potássio: n = 3, insulina: n = 42. Em relação ao assunto, um resultado interessante foi que o uso de suplementos multivitamínicos aumentou significativamente a sobrevida dos pacientes (p < 0,05). E o inverso ocorreu com o uso de diurético poupador de potássio (p < 0,05). E foi observado que nenhum dos indivíduos do estudo ingeria concomitantemente suplementos multivitamínicos e diurético poupador de potássio. Mas não houve associação entre a utilização de suplemento multivitamínico e a hipocalemia. Já os pacientes que estavam tomando anti-hipertensivos, como antagonistas de cálcio e/ou diuréticos poupadores de potássio, foram significativamente menos afetados pela hipocalemia (p < 0,05). A hipocalemia não foi associada aos outros medicamentos utilizados pelos pacientes.

Nenhuma associação significativa foi encontrada entre potássio sérico e idade, sexo, IMC, padrão de exercício físico, ocorrência de sintomas, presença de diabetes ou terapia com insulina, tipo de diálise, volume urinário, resultado do teste de PET e do Kt/V, episódios de peritonite, número de refeições diárias e níveis séricos de creatinina, fósforo e cálcio. E não houve associação significativa entre óbito e essas variáveis.

Anormalidades no eletrocardiograma ocorreram em 5,1% dos pacientes hipocalêmicos quando a variável infra ST (p = 0,683, OR 0,6) foi avaliada. Quando foi avaliada a alteração da repolarização ventricular, os resultados foram de 4,9% (p = 0,344, OR 0,4). E quando analisada a inversão da onda T, houve 10,5% (p = 0,612, OR 1,8) de anormalidades no eletrocardiograma. No entanto, não foi encontrada associação entre a hipocalemia e os achados do eletrocardiograma. E não houve associação significativa entre a mortalidade e as variáveis de infra ST, alteração da repolarização ventricular e inversão da onda T.

Discussão

No presente estudo, a hipocalemia foi encontrada em 13,6% dos 110 indivíduos estudados em DP. Outras investigações anteriores mostraram resultados semelhantes. No estudo de Kim et al.,6 10,3% (n = 7) dos pacientes apresentaram níveis baixos de potássio sérico. Szeto et al.3 mostraram que 20,3% (n = 54) dos pacientes eram hipocalêmicos. A prevalência do problema foi de 23,6% no estudo de Chuang et al.5 No estudo de Oreopoulos et al.,10 dos 152 pacientes estudados, 25 apresentaram histórico de hipopotassemia. Os pacientes hipocalêmicos foram divididos em dois grupos: Grupo 1 (n = 20), com potássio sérico > 3 mmol/L, e Grupo 2 (n = 5), com potássio sérico < 3 mmol/L. Portanto, a hipocalemia é problema para a população em DP em diferentes localidades, e merecedora de atenção especial na rotina clínica.

Em nossa população, não houve diferença significativa entre as causas de mortalidade. As maiores causas foram as infecciosas e as cardiovasculares. No estudo de Szeto et al.,3 as maiores causas de morte foram a doença cardiovascular e a peritonite, que resultaram, cada uma, em 14,8% das mortes. Naquele estudo, foi observado que 80% (n = 12) dos pacientes hipocalêmicos foram a óbito. A metade deles devido à doença cardiovascular. Em nosso estudo, os pacientes hipocalêmicos também apresentaram taxas de mortalidade mais altas do que os não hipocalêmicos. Portanto, a avaliação do potássio sérico, que é um teste bioquímico simples, pode ser bom indicador para o risco agudo de morte cardiovascular.

A hipocalemia parece estar diretamente associada à depleção aguda e crônica do estado nutricional. Como em nossos resultados, um estudo mostrou associação significativa entre a desnutrição, avaliada pela SGA, e a hipocalemia.3 Além disso, em nosso e em outros estudos,3,5,6 a hipoalbuminemia foi observada em pacientes hipocalêmicos. E já é bem conhecida a relação forte e significativa entre a hipoalbuminemia e a mortalidade. Desconsiderando a etiologia, a hipoalbuminemia pode refletir depleção proteica visceral e desnutrição global.

Outra variável que pode refletir a condição nutricional é a ureia sérica. Em nosso estudo, a ureia sérica baixa foi associada à hipocalemia. Os níveis séricos baixos de ureia em pacientes em diálise podem refletir ingestão deficiente de proteínas e, indiretamente, de potássio. Já a creatinina sérica baixa pode refletir a depleção da massa muscular corporal dos pacientes. No estudo de Kim et al.6 e no de Chuang et al.5, os níveis séricos de potássio foram positivamente associados aos da creatinina sérica. Mas em nosso estudo não houve associação entre esses dois testes laboratoriais. Além disso, nossos pacientes que realizavam exercícios físicos regulares apresentaram menor mortalidade. A massa corporal muscular é um marcador importante do estado nutricional. E a depleção da massa muscular corporal reflete a desnutrição crônica, que pode não ter sido a problemática de nossos pacientes. Outro aspecto que apoia essa conclusão é que não houve diferença entre a hipocalemia, ou a mortalidade, em relação ao IMC de nossos pacientes. Portanto, os pacientes hipocalêmicos de nosso estudo, diferente das demais publicações, aparentemente apresentavam depleção nutricional aguda, que foi evidenciada pela SGA e pelos níveis séricos baixos de ureia.

Na desnutrição crônica, espera-se que o IMC e os níveis de creatinina sérica estejam baixos. Esses resultados não foram encontrados em nosso estudo. Além disso, diferentemente de outros estudos,3,5 nossos resultados não encontraram relação entre a hipocalemia e os níveis séricos de fósforo e de cálcio. E não houve associação entre a hipopotassemia e a adequação da diálise, o volume de urina ou os episódios de peritonite. A hipocalemia também não foi associada à idade ou à presença de diabetes. Um estudo6 encontrou que pacientes hipocalêmicos eram significativamente mais velhos e tinham alta prevalência de diabetes mellitus. É bem sabido que os idosos e os diabéticos são grandes grupos de risco para a desnutrição, particularmente a crônica. Do ponto de vista prático, os nossos resultados indicam que os níveis séricos baixos de potássio podem ser bons marcadores da depleção nutricional aguda. E, consequentemente, de morte.

Na hemodiálise, os níveis séricos de potássio tendem a ser elevados. Já na DP, eles são normais ou tendem a ser baixos. Quando ocorre hipercalemia na DP, o problema está, geralmente, associado à inadequação dialítica. Porém, para ambas as modalidades dialíticas, as alterações nos níveis séricos de potássio parecem não levar a anormalidades significativas no eletrocardiograma. Para paciente em hemodiálise, Nakamura et al.14 não encontraram associação entre os níveis séricos de potássio e os resultados do eletrocardiograma. Porém, de nosso conhecimento, nenhum outro estudo havia buscado essa associação em pacientes em DP, que também foi inexistente. Ou seja, a hipocalemia não traz alterações significativas no eletrocardiograma dos pacientes em diálise. Ou o teste não é eficiente para identificar as alterações cardíacas promovidas pelas variações nos níveis séricos de potássio desses pacientes.

Em nossa opinião, a principal limitação deste estudo foi o tempo de acompanhamento. Uma avaliação por maior tempo poderia gerar dados mais completos.

Conclusões

Nosso estudo mostrou que a hipocalemia ocorreu em aproximadamente 14% dos pacientes em DP. O problema foi associado à maior mortalidade. A depleção nutricional aguda, provavelmente associada à baixa ingestão alimentar, foi o principal fator relacionado à hipocalemia. Portanto, os níveis séricos de potássio podem ser usados no diagnóstico da desnutrição aguda e para identificar o risco de morte.

Este estudo também mostrou que os pacientes podem não apresentar sinais e sintomas claros de hipocalemia. Como, infelizmente, os testes laboratoriais não captam todos os momentos de hipocalemia, pois são realizados mensalmente, a atenção nutricional frequente é essencial na DP. O principal foco nutricional deve ser a ingestão alimentar, além da identificação de perdas adicionais de potássio. Assim, a reposição alimentar e medicamentosa do mineral pode ser indicada precocemente, e reduzir o risco de morte desses pacientes.

Agradecimentos

À Fundação Pró-Renal, por disponibilizar o espaço para a pesquisa, e a todas as pessoas que contribuíram direta ou indiretamente para a realização deste estudo.

Data de submissão: 19/06/2012.

Data de aprovação: 16/08/2012.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      19 Jun 2012
    • Aceito
      16 Ago 2012
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