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Fatores associados à qualidade de vida de adultos em hemodiálise em uma cidade do nordeste do Brasil

Resumos

INTRODUÇÃO: É conhecida a associação entre baixos escores de qualidade de vida (QV) e maiores taxas de hospitalização, mortalidade em hemodiálise (HD), acesso vascular por cateter, idade mais avançada, ausência de ocupação regular, presença de comorbidades e hipoalbuminemia. Ainda não há concordância sobre a influência do sexo, nível educacional, condição socioeconômica e tempo de tratamento sobre piores níveis de QV. OBJETIVO: Identificar fatores socioeconômicos, demográficos, clínico-nutricionais e laboratoriais associados a piores níveis de QV em adultos em HD em São Luís, Maranhão, Brasil. MÉTODOS: Estudo transversal, que avaliou a QV da população de renais crônicos, entre 20 e 59 anos, submetidos à HD. Foram utilizados o Kidney Disease Quality of Life - Short Form 1.3 (KDQOL-SF TM 1.3) e um questionário com variáveis socioeconômicas, demográficas, clínico-nutricionais e laboratoriais. A confiabilidade do KDQOL-SF TM 1.3 foi avaliada por meio do α de Cronbach. Para análise multivariada foi utilizado o modelo de regressão de Poisson, com ajuste robusto do erro padrão. RESULTADOS: O KDQOL-SF TM 1.3 se apresentou como instrumento confiável para mensuração da QV de pacientes em HD. Os domínios com piores níveis de QV foram 'situação de trabalho', 'sobrecarga da doença renal', 'satisfação do paciente', 'função física' e 'saúde geral'. A escolaridade < 8 anos, procedência do interior do Maranhão e presença de doença cardiovascular estiveram associadas aos domínios com piores níveis de QV. CONCLUSÕES: O KDQOL-SF TM 1.3 é um instrumento confiável para medir a qualidade de vida de pacientes em hemodiálise. Condições demográficas e clínicas podem influenciar negativamente a qualidade de vida de pacientes renais crônicos.

diálise renal; insuficiência renal crônica; qualidade de vida


INTRODUCTION: There is a known association between low scores for quality of life (QOL) and higher rates of hospitalization, mortality in hemodialysis vascular access catheter, older age, lack of regular occupation, presence of comorbidities and hypoalbuminemia. There is still no agreement about the influence of sex, educational level, socioeconomic status and treatment time on the worst levels of QOL. OBJECTIVE: Identify socioeconomic, demographic, clinical, nutritional and laboratory factors associated with worse QOL in adults undergoing hemodialysis in Sao Luís, Maranhão, Brazil. METHODS: A cross-sectional study which evaluated the QOL of patients with chronic renal disease, aged 20-59 years, undergoing hemodialysis. Two instruments were used: the Kidney Disease Quality of Life -Short Form 1.3 (KDQOL-SF TM 1.3) and a questionnaire on socioeconomic, demographic, clinical, nutritional and laboratory data. The reliability of KDQOL-SF TM 1.3 was assessed by Cronbach's alpha. For the multivariable analysis a Poisson regression model with robust adjustment of the standard error was used. RESULTS: The reliability assessment of KDQOL-SF TM 1.3 showed a Cronbach's alpha test greater than 0.8 in all areas. The areas with the worst levels of QOL were "work situation", "burden of kidney disease", "patient satisfaction", "physical function" and "general health". Having less than 8 years of schooling, coming from the countryside and having cardiovascular disease were associated to the areas with the worst levels of QOL. CONCLUSIONS: KDQOL-SF TM 1.3 is a reliable instrument to measure quality of life of hemodialysis patients. Demographic and clinical conditions can negatively influence QOL in chronic renal failure patients.

kidney diseases; quality of life; renal dialysis


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Fatores associados à qualidade de vida de adultos em hemodiálise em uma cidade do nordeste do Brasil

Milady Cutrim Vieira CavalcanteI; Zeni Carvalho LamyI; Fernando Lamy FilhoI; Ana Karina Teixeira da Cunha FrançaI; Alcione Miranda dos SantosI; Erika Bárbara Abreu Fonseca ThomazI; Antonio Augusto Moura da SilvaI; Natalino Salgado FilhoII

IPrograma de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Maranhão

IIUniversidade Federal do Maranhão. Campus Universitário do Bacanga

Correspondência para Correspondência para: Milady Cutrim Vieira Cavalcante Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva/UFMA. Hospital Universitário da UFMA Rua Barão de Itapary, nº 227, Centro, (sala da Residência Integrada Multiprofissional em Saúde - HUUFMA) São Luís, MA, Brazil. CEP: 65020-070 Tel: (98) 2109-1223 E-mail: miladycutrim@yahoo.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: É conhecida a associação entre baixos escores de qualidade de vida (QV) e maiores taxas de hospitalização, mortalidade em hemodiálise (HD), acesso vascular por cateter, idade mais avançada, ausência de ocupação regular, presença de comorbidades e hipoalbuminemia. Ainda não há concordância sobre a influência do sexo, nível educacional, condição socioeconômica e tempo de tratamento sobre piores níveis de QV.

OBJETIVO: Identificar fatores socioeconômicos, demográficos, clínico-nutricionais e laboratoriais associados a piores níveis de QV em adultos em HD em São Luís, Maranhão, Brasil.

MÉTODOS: Estudo transversal, que avaliou a QV da população de renais crônicos, entre 20 e 59 anos, submetidos à HD. Foram utilizados o Kidney Disease Quality of Life - Short Form 1.3 (KDQOL-SFTM 1.3) e um questionário com variáveis socioeconômicas, demográficas, clínico-nutricionais e laboratoriais. A confiabilidade do KDQOL-SFTM 1.3 foi avaliada por meio do α de Cronbach. Para análise multivariada foi utilizado o modelo de regressão de Poisson, com ajuste robusto do erro padrão.

RESULTADOS: O KDQOL-SFTM 1.3 se apresentou como instrumento confiável para mensuração da QV de pacientes em HD. Os domínios com piores níveis de QV foram 'situação de trabalho', 'sobrecarga da doença renal', 'satisfação do paciente', 'função física' e 'saúde geral'. A escolaridade < 8 anos, procedência do interior do Maranhão e presença de doença cardiovascular estiveram associadas aos domínios com piores níveis de QV.

CONCLUSÕES: O KDQOL-SFTM 1.3 é um instrumento confiável para medir a qualidade de vida de pacientes em hemodiálise. Condições demográficas e clínicas podem influenciar negativamente a qualidade de vida de pacientes renais crônicos.

Palavras-chave: diálise renal, insuficiência renal crônica, qualidade de vida.

INTRODUÇÃO

A doença renal terminal (DRT) tem recebido atenção global enquanto problema de saúde pública. Estimativas da Sociedade Brasileira de Nefrologia indicam que no Brasil há 91.314 pacientes em hemodiálise, com um aumento de 114,4% no número de casos de 2000 a 2011.1

A DRT é caracterizada pela presença de lesões renais associadas ou não a decréscimo na taxa de filtração glomerular para valores inferiores a 60 mL/min/1,73 m2 por períodos de três ou mais meses. Com o progresso da doença, são utilizadas modalidades de terapia renal substitutiva,2 hemodiálise ou transplante, para proporcionar alívio de sintomas e preservar a vida do paciente, ainda que tais abordagens não sejam curativas.3 A hemodiálise (HD) é o método mais comumente utilizado,4 apesar de afetar negativamente a qualidade de vida (QDV) do paciente.5

Ciconelli6 afirmou que a avaliação de QDV é baseada na percepção do indivíduo sobre sua própria saúde, que também é influenciada pelo contexto. Estudos revelaram associação entre vários fatores de risco e pontuações baixas de QDV em pacientes com insuficiência renal crônica. Lopes et al.7 e Barbosa8 observaram pontuações de QDV mais baixas em associação a uso de acesso vascular, presença de comorbidades, nível de escolaridade e falta de ocupação regular. Além disso, sexo e idade foram identificados como fatores associados a pior QDV nas pesquisas de Barbosa8 e Moreira.9

Vale notar que alguns desses fatores associados a piora da QDV respondem a tratamento quando identificados no início da terapia, o que pode influenciar positivamente a experiência e o progresso da doença.10

O presente estudo pretendeu identificar fatores sócio-econômicos, demográficos, nutricionais e laboratoriais associados a baixa QDV em adultos submetidos a tratamento por HD na cidade de São Luís, no Maranhão. A faixa etária de 20 a 59 anos foi escolhida por representar a população economicamente ativa que sente impactos maiores da doença em suas vidas diárias.

MÉTODOS

O presente estudo transversal foi conduzido com pacientes renais crônicos submetidos a HD na cidade de São Luís. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (HUUFMA) e os pacientes foram solicitados a assinar formulários de consentimento informado (Protocolo 262/2008).

O estudo incluiu adultos de ambos os sexos submetidos a HD há pelo menos três meses no HUUFMA ou no Centro de Nefrologia do Maranhão (CENEFRON). Estes dois centros tratam 85% dos pacientes em hemodiálise na cidade. Um terceiro centro atende apenas 15% dos pacientes, na maioria idosos, e se recusou a participar do estudo.

O período mínimo de observação foi determinado para excluir pacientes em início do tratamento de hemodiálise, dada a sua instabilidade clínica e as influências fisiológicas inerentes à recente interrupção das atividades, que podem afetar a avaliação de QDV. Esta prática também foi adotada em outros estudos.11,12

O número total de adultos incluídos no programa de tratamento regular por hemodiálise atendidos pelos dois centros pesquisados era de 332 indivíduos, 79 no HUUFMA e 253 no CENEFRON. Pacientes internados (n = 1), indivíduos com membros amputados (n = 2), disfunção visual grave (n = 11), dificuldades de comunicação (n = 10) e/ou sequelas neurológicas graves (n = 2) não foram incluídos no estudo. Assim, 306 pacientes foram declarados aptos a entrar no estudo. Deste total, dois foram transferidos para outros estados, seis se recusaram a participar, dois passaram por suspensão temporária da HD e cinco foram a óbito, representando uma perda de 5,9%. O número final de participantes foi 291.

O desfecho de interesse foi QDV. Ela foi medida através de um instrumento específico de aferição de QDV em pacientes em hemodiálise (KDQOL-SFTM1.3). O questionário cobre 80 itens e consiste de um instrumento genérico (SF-36), mais 43 itens específicos para doença renal crônica (DRC).13 Seus resultados são analisados através de 19 escalas, 11 das quais específicas para DRC (lista de sintomas/problemas, efeitos da doença renal, papel profissional, função cognitiva, qualidade da interação social, função sexual, sono, apoio social, estímulo por parte da equipe de hemodiálise e satisfação do paciente) e oito referentes ao SF-36 (função física, aspecto físico, dor, saúde geral, bem-estar emocional, aspectos emocionais, aspectos sociais e energia/fadiga).7 As questões do KDQOL-SFTM 1.3 foram lidas pelos pesquisadores utilizando material de apoio para permitir melhor visualização e facilitar o entendimento dos pacientes.

Duas questões do KDQOL-SFTM 1.3 foram analisadas separadamente, não fazendo parte da formação dos domínios do questionário e sendo analisadas apenas descritivamente com o uso de percentuais: o item número dois, que se refere à comparação da saúde atual com a saúde de que o paciente desfrutava um ano antes, e o item 22, uma escala de zero a dez usada para avaliar a saúde geral atual.14 Assim, estes itens não fizeram parte da análise de fatores de risco.

Os domínios do KDQOL-SFTM 1.3 variam de zero a cem. Pontuações mais altas correspondem a melhores percepções de QDV.13,14 Valores iguais ou abaixo da pontuação mediana em cada domínio (< 50) indicam baixa QDV.

Um questionário estruturado desenvolvido para o presente estudo, que consistia de itens sócio-econômicos e demográficos, foi administrado aos pacientes. Cor de pele foi auto-relatada segundo os critérios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Naturalidade, estado civil e número de pessoas na residência também foram verificados. O nível de escolaridade foi avaliado em função do número de anos de comparecimento à escola. Neste quesito, os pacientes foram divididos em grupos com < 8 e > 8 anos de escola. Aos pacientes foram atribuídas classes específicas segundo sua situação sócio-econômica em função do Critério de Classificação Econômica Brasil (CCEB) da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP). Eles foram divididos em classes A-B, classe C e classes D-E. Pacientes que declararam ter fumado nos últimos seis meses foram considerados tabagistas. Indivíduos que afirmaram ter consumido bebidas alcoólicas nos últimos seis meses foram incluídos no grupo de etilistas.

Os dados foram colhidos de janeiro e julho de 2009. Ambos os instrumentos foram administrados durante sessões de hemodiálise, prática também adotada em outros estudos, particularmente por conta do tempo despendido pelos pacientes na unidade de tratamento.15,16

Exames antropométricos também foram realizados. Dados clínicos e laboratoriais foram colhidos dos prontuários. Os exames são conduzidos mensalmente segundo a rotina do serviço. Apenas albumina sérica era medida a cada três meses. Foram utilizados os resultados dos exames feitos na data mais próxima do dia de aplicação do questionário. Patologia subjacente, duração do tratamento de hemodiálise, presença e número de comorbidades, peso (kg), altura (m), níveis de albumina sérica e níveis de hemoglobina (g/dL) foram determinados. A duração do tratamento de hemodiálise foi avaliada em anos. Os pontos de corte adotados para albumina sérica e hemoglobina foram < 4 g/dL e > 4 g/dL17 e < 11 g/dL e > 11 g/dL, respectivamente.18 A adequação da hemodiálise foi avaliada pelo Kt/V single pool segundo a fórmula proposta por Daugirdas.

O estado nutricional foi avaliado pelo índice de massa corporal (IMC), que é o peso do paciente dividido pelo quadrado de sua altura. O peso utilizado foi o valor médio registrado nas últimas três sessões de HD. Os pontos de corte adotados foram IMC abaixo de 18,5 kg/m2 para baixo peso, entre 18,5 kg/m2 e 24,9 kg/m2 para peso normal e valores > 25 kg/m2 para sobrepeso/obesidade.

Na análise descritiva, as variáveis categóricas foram apresentadas em termos de frequências e percentuais, enquanto as variáveis quantitativas foram exibidas em termos de média e desvio padrão (média ± DP). As divisões do KDQOL-SFTM 1.3 foram apresentadas em medianas (Md), mínimos e máximos por não se encaixarem numa distribuição normal.

De modo a identificar os fatores associados a baixos níveis de QDV, foi utilizado um modelo de regressão de Poisson com ajuste robusto de erro padrão. Dados sócio-econômicos, demográficos, nutricionais e laboratoriais foram incluídos como variáveis explicativas. Os seguintes dados foram selecionados para análise univariada: sexo, idade, origem, estado civil, escolaridade, número de moradores na residência da família, consumo de álcool, duração do tratamento de HD, IMC, hemoglobina, Kt/V, albumina sérica e presença de doença cardiovascular (DCV), hipertensão e diabetes mellitus (DM).

A confiabilidade do KDQOL-SFTM 1.3 foi avaliada através do alfa de Cronbach. Foi adotado nível de significância de 5%. As variáveis que exibiram p-valor inferior a 0,20 na análise univariada foram consideradas no modelo multivariado. Apenas as variáveis com p-valor inferior a 0,05 permaneceram no modelo final. As taxas de prevalência e seus respectivos intervalos de confiança de 95% também foram estimados. Os dados foram analisados com o programa estatístico STATA 10.0.

RESULTADOS

Houve predomínio de pacientes do sexo masculino (55,3%) na faixa etária de 40 a 59 anos (63,9%), casados (56,0%), faiodermas (60,5%) e moradores do interior do estado (63,6%). Houve maior prevalência de indivíduos com ensino fundamental incompleto (1ª a 8ª séries; 69,4%) e pertencentes às classes D e E (48,1%), com 39,2% na classe C. Quanto ao número de moradores por residência familiar, 31,0% dos entrevistados moravam com até três pessoas. O percentual de tabagistas foi de 7,6% e o de consumidores de álcool nos últimos seis meses foi 8,3% (Tabela 1).

A duração média do tratamento de HD foi 3,3 ± 3,3 anos. A principal doença subjacente foi hipertensão (33,7%), seguida de DM (22,3%). Hipertensão foi a comorbidade mais frequente (86,2%). A avaliação do estado nutricional revelou peso normal em 62,9% dos indivíduos, segundo o IMC. Os exames laboratoriais revelaram baixos níveis de hemoglobina em 63,6% e baixos níveis de albumina em 85,3% dos entrevistados. Houve predomínio de pacientes com bons níveis de hemodiálise com Kt/V > 1,2 (93,8%) (Tabela 1).

A avaliação de confiabilidade do KDQOL-SFTM 1.3 indicou alfa de Cronbach superior a 0,8 em todas as áreas. Todas as opções de resposta foram consideradas pelos pacientes na questão dois (referente ao SF-36). As opções "saúde geral muito melhor que há um ano" e "um pouco melhor hoje" tiveram percentuais semelhantes (27,8%) e foram mais comuns. Os itens que faziam referência a piora da saúde em comparação à condição de um ano atrás, "um pouco pior hoje" (12,7%) e "muito pior hoje" (10,0%) corresponderam a cerca de um terço das respostas. Ausência de mudanças na condição de saúde foi declarada por 21,7% dos pacientes.

Quando a escala da questão 22 (escala específica para doença renal) que avalia saúde atual foi considerada, 3,8% dos pacientes responderam "a pior possível" e 11,3% "a melhor possível". Estado de saúde médio, entre pior e melhor, foi indicado por 84,9% dos pacientes.

Os valores medianos dos domínios do KDQOL-SFTM1.3 são descritos na Tabela 2. "Situação ocupacional", "peso da doença renal", "satisfação do paciente", "aspecto físico" e "saúde geral" foram áreas em que foi observado nível mais baixo de QDV.

A Tabela 3 apresenta as análises não ajustadas e ajustadas. Foi observado que, após os ajustes, níveis piores de QDV no domínio "situação ocupacional" apresentaram correlação com escolaridade < 8 anos (PR = 1,26, IC = 1,09 a 1,45). "Função física" apresentou associação com escolaridade < 8 anos (PR = 1,30, IC = 1,04-1,64) e "origem no interior do MA" (PR = 1.47; IC = 1,06 a 2,03). Níveis piores no domínio "peso da doença renal" estiveram associados a "presença de DCV" (PR = 1,23; IC = 1,01 a 1,45) e o domínio "satisfação do paciente" a "origem no interior do MA" (PR = 1,47; IC = 1,06 a 2,03). O domínio "saúde geral" não apresentou associações estatísticas com as variáveis estudadas após ajuste. Sexo e duração do tratamento de hemodiálise não tiveram correlação com QDV.

DISCUSSÃO

As áreas com os níveis mais baixos de QDV (Md < 50) foram situação ocupacional, peso da doença renal, saúde geral, satisfação do paciente e função física. Foi observada associação entre "situação ocupacional" e "escolaridade < 8 anos" e "sexo feminino". "Função física" esteve associada a "escolaridade < 8 anos" e "presença de DM". "Peso da doença renal" foi associado a "presença de DCV" e "escolaridade < 8 anos".

Outros estudos que avaliaram QDV em pacientes renais submetidos a HD em diferentes regiões do Brasil através do KDQOL-SFTM 1.3 também revelaram maior comprometimento nos domínios "situação ocupacional", "peso da doença renal", e "função física".9,19 Resultados semelhantes foram relatados em estudos internacionais.16,20

As questões relacionadas a "função física" avaliaram as limitações e sua intensidade para os tipos e quantidades de trabalho ou outras atividades executadas. Outros estudos descreveram comprometimento desta dimensão de níveis baixos a intermediários,9,16 possivelmente devido a queixas frequentes de fraqueza física, fadiga, mal-estar e desconforto geral com o tratamento.5

Carreira e Marcon21 relataram que após hemodiálise os pacientes precisavam de cerca de duas horas para se recobrarem dos sintomas imediatos do tratamento. Estes autores associaram a presença de sintomas físicos à dificuldade de manter o emprego, o que pode ser estendido às limitações nas atividades relacionadas ao trabalho informal. A imposição de limitações laborais também se faz sentir pela presença compulsória dos pacientes três vezes por semana na unidade de hemodiálise por períodos de quatro horas por sessão, sem perspectiva de suspensão do tratamento.22 O contexto do tratamento isoladamente ou em associação aos sintomas físicos pode contribuir para a percepção de peso da doença.

Van Manen et al.20 indicaram que o maior impacto da HD sobre os pacientes pode ser atribuído ao forte sentimento de sobrecarga e frustração devido à doença e à dificuldade de manter o emprego.

Estudos sobre o domínio "saúde geral" relataram níveis intermediários de QDV.8,16,23 O presente estudo também identificou comprometimento deste domínio. Aparentemente, pacientes em hemodiálise sentem-se doentes o tempo todo, determinando a percepção negativa citada por metade da população incluída neste estudo. Isto pode levar à ampliação do tratamento para além da hemodiálise. Há menções frequentes a restrições nutricionais, medicação e cuidado com o acesso vascular.

O domínio "satisfação do paciente" revelou nível baixo de QDV no estudo, além de estar associado à origem dos pacientes. Outros estudos descreveram níveis mais elevados.9,23 A variável origem, apesar de não ter sido incluída em muitos estudos, foi analisada no presente levando em consideração a necessidade de deslocamento até a capital por conta da limitada disponibilidade de serviços de hemodiálise no interior do estado do Maranhão. É provável que a necessidade de movimentos contínuos do interior para a realização de hemodiálise na capital, três vezes por semana, crie distúrbios nas vidas dos pacientes. Devemos ainda considerar a extensão territorial e as condições geográficas do Maranhão, além das questões relacionadas a acesso a meios de transporte, duração da viagem, riscos das estradas, mudanças na dieta, estar longe da família e sentimentos de ansiedade e insatisfação. Esta condição pode explicar as baixas notas no domínio "satisfação do paciente" observadas neste estudo.

Outro fator de risco que teve influência negativa na QDV foi o baixo nível de escolaridade. Estudos nacionais9,24 e internacionais25,26 identificaram esta mesma associação. Moreira et al.9 sugeriram que quanto maior for a escolaridade, maior seria o acesso a informações e melhor a condição econômica, tornando tais sujeitos mais capazes de assertivamente avaliar eventos traumáticos.

Presume-se ainda que pessoas com nível mais elevado de escolaridade tendem a desenvolver atividades que exigem mais recursos intelectuais que físicos, seja em casa ou no trabalho. Assim, a associação observada no presente estudo pode ser atribuída ao fato de as pessoas de nível de escolaridade mais baixo em hemodiálise provavelmente sentirem mais agudamente o impacto da DRC no desenvolvimento de suas atividades.

A presença de comorbidades também já foi citada como ameaça à QDV.7,10 Em casos de DCV, a associação com pontuações mais baixas de QDV também já foi descrita.7,22 Dados do presente estudo indicam que pessoas com DCV provavelmente encaram o contexto da DRC com maior dificuldade, percebendo a doença como um peso em suas vidas. Medeiros e Pinent10 observaram que devido a limitações cardiovasculares, pessoas com insuficiência renal enfrentam dificuldades físicas no exercício de suas atividades diárias e ao satisfazer as exigências do tratamento e do auto-cuidado.

Os pontos fortes desta pesquisa foram a natureza populacional do estudo, que avaliou a associação entre vários fatores e níveis mais baixos de QDV, permitindo assim o delineamento de medidas terapêuticas específicas para mitigar o impacto negativo da DRC nas vidas dos pacientes. A variação de técnicas laboratoriais analíticas entre centros representa uma dificuldade comum em estudos populacionais.

CONCLUSÃO

O KDQOL-SFTM1.3 é uma importante ferramenta para a avaliação de QDV em pacientes com doença renal crônica submetidos a hemodiálise. As áreas com os níveis mais baixos de QDV foram "situação ocupacional", "peso da doença renal", "saúde geral", "satisfação do paciente" e "função física". Escolaridade < 8 anos, residência no interior e presença de DCV apresentaram associação com níveis mais baixos de QDV. Condições clínicas e demográficas podem influenciar negativamente a QDV de pacientes com insuficiência renal crônica. Assim, o cuidado dispensado aos pacientes renais deve considerar comorbidades, nível de escolaridade e condições de acesso ao local do tratamento, especialmente no caso de pacientes vindos do interior do estado.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem aos pacientes que gentilmente concordaram em participar do estudo e a toda a equipe do HUUFMA e do CENEFRON por sua ajuda e recepção durante todo o processo. Os autores agradecem ainda à Fundação de Pesquisa do Estado do Maranhão (FAPEMA) pelo apoio financeiro (APP 00892/08).

Data de submissão: 07/08/2012.

Data de aprovação: 25/02/2013.

Instituições onde o trabalho foi realizado: Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão. Centro de Nefrologia do Maranhão. Fundação de Amparo e Pesquisa do Estado do Maranhão -FAPEMA (APP 00892/08).

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  • Correspondência para:

    Milady Cutrim Vieira Cavalcante
    Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva/UFMA. Hospital Universitário da UFMA
    Rua Barão de Itapary, nº 227, Centro, (sala da Residência Integrada Multiprofissional em Saúde - HUUFMA)
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      07 Ago 2012
    • Aceito
      25 Fev 2013
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