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Revendo o protocolo brasileiro para tratamento do hiperparatireoidismo secundário

EDITORIAL EDITORIAL

Revendo o protocolo brasileiro para tratamento do hiperparatireoidismo secundário

João Egídio Romão Junior

Hospital Beneficência Portuguesa, São Paulo

Correspondência para Correspondência para: João Egídio Romão Junior Hospital Beneficência Portuguesa Rua Cayowaa, nº 560, apto 51 São Paulo, SP, Brasil. CEP: 05018-000 E-mail: joao.egidio@uol.com.br

Os rins têm um importante papel no metabolismo ósseo e mineral, sendo local de ativação da vitamina D e, principalmente, órgão-alvo de diversos hormônios envolvidos no controle do cálcio e fósforo corporais.1 Assim, é esperado que uma grande parte dos pacientes portadores de doença renal crônica (DRC) apresente anormalidades no metabolismo mineral ósseo, especialmente para os mantidos em terapia renal substitutiva.2

No início, esta anormalidade era considerada uma doença óssea específica, relacionada à disfunção das paratireoides, a níveis anormais de paratormônio (PTH) e com a osteíte fibrosa-cística, sendo então denominada "osteodistrofia renal". Entretanto, recentemente, novas funções do tecido ósseo foram descritas, além de suas conhecidas funções na locomoção, regulação do metabolismo mineral e proteção de órgãos internos. Os osteoclastos participam ativamente do metabolismo das gorduras, da homeostase energética e da secreção de insulina, essenciais na integridade do sistema cardiovascular.3,4 Este eixo ósseo-vascular explicaria a elevada prevalência de calcificações vasculares observadas em pacientes com DRC, com risco cardiovascular aumentado e maior morbimortalidade destes doentes.2,5

Assim, na última década, tornou-se amplamente aceito que estas anormalidades do metabolismo mineral ósseo observadas em pacientes portadores de DRC vão muito além do tecido ósseo, sendo proposto um novo conceito: Distúrbio Mineral e Ósseo da DRC (DMO-DRC).6,7 A DMO-DRC é uma condição sistêmica que se manifesta como anormalidades no PTH, cálcio, fósforo, fator de crescimento de fibroblastos (FGF-23) e vitamina D, além de anormalidades ósseas e calcificações extraesqueléticas.1,7

O hiperparatireoidismo secundário (HPTS) é uma das alterações mais constantes e está relacionado à doença óssea de alto remanejamento, a risco elevado de calcificações cardiovasculares e de mortalidade, sendo considerado um fator de risco modificável.2,4,8 A intervenção terapêutica em uma fase mais precoce da DRC, o uso de novos agentes terapêuticos, assim como o uso racional de medicações, têm sido propostos.

Como uma doença sistêmica, gestão destas anormalidades deve visar à redução do risco de eventos cardiovasculares e de fratura óssea, e maior sobrevivência dos pacientes.6,7,9 Com estes objetivos, diversas diretrizes de prática clínica para diagnóstico, prevenção e tratamento da DMO-DRC foram publicadas.6-11 Todas têm ênfase na melhoria da sobrevida e na qualidade de vida de portadores de DRC, definindo intervalos de alvo para os níveis séricos de fósforo, de cálcio e de PTH, com base em dados de sobrevivência de pacientes de diálise, sugerindo uma ordem de prioridades para a gestão clínica: níveis de gestão do fósforo de soro, gestão dos níveis de cálcio do soro e, depois, o controle da função das paratireoides. Estas diretrizes têm contribuído consideravelmente para uma melhor compreensão da DMO-DRC por médicos, outros profissionais da área médica e pelos próprios pacientes.

As primeiras diretrizes pecaram devido à falta de ensaios clínicos randomizados e controlados definitivos para desfechos relacionados à DMO-DRC. A maioria das orientações foi rotulada como de nível fraco ou discricionário, dependendo fortemente da opinião de especialistas. Nos últimos anos, têm sido publicados resultados de ensaios clínicos robustos que trouxeram melhor conhecimento desta doença, de novas medicações e impacto em desfechos de morbidade e de mortalidade em pacientes com DRC, acrescentando evidências científicas nesta área, o que obriga às instituições a atualizarem constantemente suas Diretrizes de diagnóstico, prevenção e de tratamento da DMO-DRC.10,11

Dentro desta lógica, no presente número do Jornal Brasileiro de Nefrologia, o Comitê de Distúrbio Mineral Ósseo da DRC da Sociedade Brasileira de Nefrologia, muito oportunamente, publica uma atualização do Protocolo Clínico e Diretrizes para Tratamento do Hiperparatireoidismo associado à DRC, propondo novas políticas terapêuticas e mudanças importantes em relação às Diretrizes brasileiras publicadas em 2008,12 sempre baseadas em publicações e evidências surgidas nestes últimos cinco anos. Como citado, o HPTS é uma complicação grave da DRC, de causa multifatorial, que acomete vários órgãos e tecidos, exercendo um papel importante na mortalidade desses pacientes e, para sua prevenção e tratamento, necessita da associação de vários medicamentos, e até mesmo de tratamento cirúrgico (paratireoidectomia).

Finalmente, levando em conta que o número de pacientes com DRC em estágios avançados é elevado no Brasil; que mais de cem mil brasileiros são mantidos em TRS no País;13 que a prevalência de alterações do metabolismo mineral é elevada nestas populações de pacientes em DRC e que com as poucas opções terapêuticas atualmente disponíveis muitos pacientes ainda permanecem fora da faixa alvo recomendada para valores de PTH, vitamina D, cálcio e fósforo, é desejável a contínua atualização de diretrizes visando melhor controle da DMO-DRC e de suas consequência na morbidade e na mortalidade destes pacientes, além da incorporação de novos medicamentos menos indutores de hiperfosfatemia e hipercalcemia para um melhor controle da DMO-DRC.

Data de submissão: 21/10/2013.

Data de aprovação: 21/10/2013.

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  • Correspondência para:
    João Egídio Romão Junior
    Hospital Beneficência Portuguesa
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Dez 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2013
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