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Associação entre trabalho, renda e qualidade de vida de receptores de transplante renal no município de Teresina, PI, Brasil

Resumos

Introdução:

Avaliar qualidade de vida de receptores de transplante renal tem sido uma maneira de determinar o impacto do transplante no cuidado de saúde e no tratamento subsequente de caráter crônico.

Objetivo:

Analisar a associação entre renda, trabalho e qualidade de vida de pessoas submetidas a transplante renal.

Métodos:

A amostra foi composta por 147 pessoas, com média de 74,3 meses de realização do transplante. Na coleta de dados, foram utilizados: instrumento de avaliação socioeconômica e o questionário Medical Outcome Study 36 - Item Short - Form Health Survey, validado no Brasil. Realizou-se análise bivariada por meio do teste U de Mann-Whitney.

Resultados:

A média da qualidade de vida relacionada à saúde para o componente físico foi 63,8 (DP = 29,4), e para o componente mental, 65,6 (DP = 29,2). A análise bivariada mostrou que o exercício da atividade laboral e renda familiar superior a três salários mínimos associaram-se significativamente com uma melhor qualidade de vida.

Conclusão:

A atividade laboral é significativa para os receptores de transplante renal, e atenção especial deve ser dada pela equipe multiprofissional na busca de estratégias que favoreçam e incentivem sua manutenção e reinserção no mercado de trabalho.

qualidade de vida; renda; trabalho; transplante de rim


Introduction:

Evaluate the quality of life of kidney transplant recipients has been a way to determine the impact of transplantation in health care and subsequent treatment of chronic character.

Objective:

To analyze the association between income, work and quality of life of kidney transplant recipients.

Methods:

The sample consisted of 147 people, with an average of 74.3 months of realization of the transplantation. Data was collected using the following methods: socioeconomic assessment tool and the Medical Outcome Study 36 - Item Short - Form Health Survey, validated for use in Brazil. A bivariate analysis was performed using the Mann-Whitney's U test.

Results:

The average quality of life related to health for the physical component was 63.8 (SD = 29.4), and for the mental component, 65.6 (SD = 29.2). The bivariate analysis showed that the exercise of labor activity and family income higher than three minimum wages were significantly associated with a better quality of life.

Conclusion:

Labor activities are significant for kidney transplant recipients and special attention must be given by the multidisciplinary team in the search for strategies that promote and encourage their maintenance and reintegration into the labor market.


Introdução

A avaliação da qualidade de vida tem se tornado uma ferramenta auxiliar para identificar e priorizar os problemas do paciente nos aspectos físico, social e psicológico, permitindo adequar intervenções terapêuticas ao objetivo de melhorar o grau de satisfação do indivíduo com sua saúde e seu tratamento.1Santos MC, Moreira FCFS, Rodrigues MR. Estudo sobre qualidade de vida com pacientes pós-TMO: aplicação do questionário WHOQOL-Bref. Mundo Saúde 2008;32:146-56.

Nos últimos anos, o transplante renal tornou-se uma intervenção cirúrgica amplamente aceita, que fornece anos de vida com alta qualidade para pacientes com insuficiência renal irreversível, e os maiores centros transplantadores localizam-se nos Estados Unidos, China, Brasil e Índia.2Garcia GG, Harden P, Chapman J. The global role of kidney transplantation. J Bras Nefrol 2012;34:1-7. Considerando a evolução de programas preventivos e terapêuticos e o aumento da sobrevida dos receptores de transplante renal, tem-se buscado mensurar a qualidade de vida após a realização dos transplantes.3Barbosa LM, Andrade MP Jr, Bastos KA. Predictors of quality of life in chronic hemodialysis patients. J Bras Nefrol 2007;29:222-9.

A Qualidade de Vida Relacionada à Saúde (QVRS) sofre influência de fatores relacionados ao nível socioeconômico e às características individuais, como renda, educação, ocupação, determinantes da saúde individual, importantes na prevenção de agravos e planejamento de intervenções em saúde.4Santos PR. Relação do sexo e da idade com nível de qualidade de vida em renais crônicos hemodialisados. Rev Assoc Med Bras 2006;52:356-9. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-42302006000500026
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No país, as pesquisas sobre avaliação da QVRS após a realização do transplante renal tendem a comparar pacientes em tratamento hemodialítico com receptores de transplante renal. Entretanto, há controvérsia sobre a melhora na qualidade de vida após o transplante.5Ravagnani LMB, Domingos NAM, Miyazaki MCOS. Qualidade de vida e estratégias de enfrentamento em pacientes submetidos a transplante renal. Estud Psicol (Natal) 2007;12:177-84. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-294X2007000200010
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,6Martins MR, Cesarino CB. Quality of life in chronic kidney failure patients receiving hemodialysis treatment. Rev Lat Am Enfermagem 2005;13:670-6. O aspecto socioeconômico exerce impacto significativo na vida das pessoas. Fatores como baixa renda, nível de escolaridade baixo, residência em áreas de risco social e dificuldade de acesso aos cuidados de saúde são fortes preditores para o desenvolvimento da insuficiência renal crônica terminal, e que poderá interferir na QVRS de receptores de transplante renal.7Zambonato TK, Thomé FS, Gonçalves LFS. Socioeconomic status of patients with end-stage renal disease on dialysis in northwestern Rio Grande do Sul - Brazil. J Bras Nefrol 2008;30:192-9.

No caso específico da ocupação, a importância de a pessoa exercer uma atividade laboral ultrapassa as necessidades de capital, pois envolve também as necessidades humanas individuais. Por meio do trabalho, a pessoa exerce influência em sua estrutura sociopessoal, determinando seus rendimentos, lazer, relações pessoais, nível de satisfação, recompensa, direito e deveres. Diante deste contexto, objetivou-se analisar a associação entre renda, trabalho e qualidade de vida de receptores de transplante renal.

Métodos

Trata-se de estudo transversal, desenvolvido em três clínicas credenciadas para o atendimento ambulatorial pré e pós-transplante renal, pertencentes à rede pública estadual e privada de Teresina, PI, que atendem a pacientes provenientes das zonas rural e urbana das regiões Norte e Nordeste do Brasil.

A população do estudo foi constituída por 238 usuários do Sistema Único de Saúde, submetidos ao transplante renal e em acompanhamento clínico ambulatorial. A amostra, do tipo probabilística, estratificada e proporcional, constou de 147 pessoas[C1], com intervalo de confiança de 95%, incidência de 50%, com erro amostral de 5%. Foram incluídas, no estudo, pessoas de ambos os sexos, alfabetizados, com idade superior a 18 anos, que realizaram o transplante renal há pelo menos seis meses, com enxerto funcionante. Foram excluídas aquelas com dificuldade de comunicação ou de compreensão do questionário. Procedeu-se à abordagem das pessoas conforme agendamento ambulatorial pós-transplante e antes da realização da consulta médica. O estudo em todas as etapas atendeu ao disposto na Resolução 196/96, e o projeto foi aprovado no CEP/UFPI sob o CAAE- 0012.045.000-10.

Foram utilizados dois instrumentos: um formulário com questões fechadas, para obter dados relativos a aspectos socioeconômicos e demográficos, com as seguintes variáveis de interesse: idade, sexo, procedência, situação conjugal, escolaridade, renda familiar e pessoal, atividade laboral anterior ao período de adoecimento; e o Questionário Genérico de Qualidade de Vida Medical Outcome Study 36- Item Short- Form Health Survey, que avalia a QVRS, abordando os seguintes domínios: capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais, saúde mental. Os dados foram mensurados considerando a variabilidade de escores entre 0 a 100, sendo os resultados mais próximos de 100 sugestivos de melhor qualidade de vida do respondente. O SF-36 é um dos instrumentos genéricos mais comumente utilizados e de fácil aplicação, adaptado culturalmente para o Brasil.8Ciconelli RM, Ferraz MB, Santos W, Meinão I, Quaresma MR. Tradução para a língua portuguesa e validação do questionário genérico de avaliação da qualidade de vida da SF-36 (Brasil SF-36). Rev Bras Reumatol 1999;39:143-50.

Na análise dos dados, utilizou-se o programa Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 17.0. A análise descritiva foi realizada para todas as variáveis, e o teste de Kolmogorov-Smirnov foi aplicado para observar se as variáveis numéricas apresentavam distribuição normal. Como a única variável com distribuição normal do estudo foi idade, utilizou-se o teste U de Mann-Whitney, para analisar a correlação entre as dimensões do questionário SF-36 e as variáveis da população do estudo, adotando-se o nível de significância de 0,05.

Resultados

Neste estudo, as características sociodemográficas das pessoas submetidas a transplante, como faixa etária, sexo, escolaridade, procedência, situação conjugal e familiar são apresentadas a seguir:

A média de idade correspondeu a 40,8 anos (DP = 11,6), sendo que a maior parte das pessoas encontrava-se entre 41 a menor que 60 anos. Observou-se a predominância do sexo masculino (62,6%), casados ou união consensual (56,5%), com baixo nível educacional (7,5 anos de estudo formal, em média e DP = 4,7 anos), residentes com familiares (96,6%), procedentes da capital (46,3%) (Tabela 1).

Tabela 1
Características sociodemográficas de receptores de transplante renal. Teresina - PI (n = 147), 2010

Entre os entrevistados, 78,2% trabalhavam antes da realização do transplante, e 61,9% encontravam-se sem trabalho após o transplante, com renda familiar e renda pessoal entre 1 e 3 salários mínimos, 81,6% e 72,1%, respectivamente (Tabela 2).

Tabela 2
Características de trabalho e renda dos receptores de transplante renal. Teresina - PI (n = 147), 2010

Quanto ao tipo de atividade laboral após o transplante, 33,9% referiram-se autônomos, sem vínculo empregatício formal, com ocupações como artesão, cambista, manicure, pedreiro.

Com relação à origem da renda, 38,1% dos entrevistados afirmaram ser provenientes do trabalho; 36,1%, de aposentadoria por invalidez; 8,8%, de auxílio doença; e 17,0% encontravam-se sem renda.

O componente físico, que engloba a capacidade funcional, aspectos físicos, dor e estado geral de saúde, apresentou valores de média e desvio padrão de 63,8 (DP = 29,4), respectivamente, e mostrou como dimensão mais comprometida o domínio aspectos físicos com média de 48,4 (DP = 42,6). Já o componente mental, que engloba a vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental, apresentou média 65,6 (DP = 29,2), respectivamente (Tabela 3).

Tabela 3
Domínios do questionário de qualidade de vida SF-36 de receptores de transplante renal, Teresina - PI (n = 147), 2010

Os valores relacionados ao tipo de doador para o receptor de transplante renal não apresentaram significância estatística quando associados aos domínios de qualidade de vida (Tabela 4).

Tabela 4
Associação entre o tipo de doador e valores dos domínios de qualidade de vida do SF-36, de receptores de transplante renal, Teresina - PI (n = 147), 2010

Os valores relacionados à renda familiar apresentaram-se próximos da significância, com médias superiores nos domínios capacidade funcional (p = 0,06), limitação por aspectos físicos (p = 0,07), para as pessoas com renda familiar acima de 3 salários mínimos em relação àquelas com renda inferior. As pessoas com renda familiar acima de 3 salários mínimos referiram valores superiores para o domínio aspecto emocional (p = 0,02) que aquelas com renda inferior. Quanto às condições de trabalho, os dados são significativos em relação aos domínios: capacidade funcional (p = 0,02), limitação por aspectos físicos (p < 0,01), dor (p = 0,04), aspectos sociais (p = 0,01) e aspectos emocionais (p = 0,02) (Tabela 5).

Tabela 5
Associação entre renda familiar, trabalho atual e valores dos domínios de qualidade de vida do SF-36, de receptores de transplante renal, Teresina - PI (n = 147), 2010

Em todos esses domínios, os valores das médias para as pessoas com trabalho após o transplante foram superiores em relação àquelas sem trabalho. Para as dimensões vitalidade (p = 0,09) e saúde mental (p = 0,08), as diferenças entre os valores das médias dos pacientes que trabalham e aqueles que não trabalham ficaram próximos dos valores significativos.

Discussão

A faixa etária compreendida entre 41 anos a menor de 60 anos foi a predominante, com média de idade de 40,8 (DP = 11,6) anos, variando entre 18 a 70 anos, o que configura que a maioria dos receptores de transplante renal encontrava-se em idade produtiva. Estudos mostram que o transplante renal em plena idade produtiva torna a pessoa mais vulnerável a problemas emocionais, o que exige máxima atenção por parte dos profissionais de saúde envolvidos no cuidado.4Santos PR. Relação do sexo e da idade com nível de qualidade de vida em renais crônicos hemodialisados. Rev Assoc Med Bras 2006;52:356-9. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-42302006000500026
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,9Lanza AHB, Chaves APA, Garcia RCP, Brandão JAG. Biopsychological and social profile of chronic renal patients in hemodialysis. Arq Bras Ciênc Saúde 2008;3:141-5.

Observou-se a predominância do sexo masculino, correspondendo a 62,6% da amostra. Os dados são concordantes com outros estudos, que apontam maior prevalência de insuficiência renal em homens do que em mulheres.1010 Pereira LC, Chang J, Fadil-Romão MA, Abensur H, Araújo MRT, Noronha IL, et al. Health-related quality of life in renal transplant patients. J Bras Nefrol 2003;25:10-6.,1111 Barbosa LM, Andrade MP Jr, Bastos KA. Predictors of quality of life in chronic hemodialysis patients. J Bras Nefrol 2007;29 222-9.

Quanto à escolaridade, obteve-se 37,4% de receptores de transplante renal com 4 anos ou menos de estudo, o que confirma a baixa escolaridade, correspondente à realidade brasileira, na qual a grande parcela da população tem poucos anos de estudo.1212 Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de Indicadores Sociais 2009[Acesso: 07 de jan 2011]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/sinteseindicsociais2009/
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A comparação da atividade laboral exercida pelas pessoas antes do transplante com aquelas após o transplante revela que 40,1% deixaram de desenvolver qualquer tipo de trabalho. Essa dificuldade implica restrições orçamentárias que podem comprometer a subsistência e acarretar dependência financeira. Os valores do domínio aspecto físico apresentaram os mais baixos escores, demonstrando comprometimento na execução de atividades realizadas diariamente. Tais achados convergem com o resultado de estudo comparativo da qualidade de vida com o uso do SF-36 em pessoas pré e pós-transplante renal, com média de 44,1 no domínio aspectos físicos no período pós-transplante, indicando prejuízo na realização das atividades diárias.5Ravagnani LMB, Domingos NAM, Miyazaki MCOS. Qualidade de vida e estratégias de enfrentamento em pacientes submetidos a transplante renal. Estud Psicol (Natal) 2007;12:177-84. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-294X2007000200010
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O comprometimento no aspecto físico pode inviabilizar a atividade laboral e, em consequência, afetar a renda.

Vários fatores representam barreiras para o retorno às atividades laborais após a realização do transplante e podem contribuir para a dificuldade de acesso ao trabalho por essas pessoas como: as limitações decorrentes da realização do transplante, a baixa escolaridade, o desejo de manter garantida o auxílio-doença e a aposentadoria, a sensação de inabilidade física e psicológica para o trabalho.1313 Lôbo MCSG, Bello VAO. Professional rehabilitation after kidney transplantation. J Bras Nefrol 2007;29:29-32.

Com relação à origem da renda, os dados deste estudo convergem com os obtidos por um estudo realizado em Campinas, segundo o qual a maioria dos receptores de transplante renal (51,9%) encontrava-se em situação de beneficiários da Seguridade Social.1414 Bittencourt ZZ, Alves Filho G, Mazzali M, Santos NR. Quality of life in renal transplant patients: impact of a functioning graft. Rev Saude Publica 2004;38:732-4. PMID: 15499447 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-
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Dentre os sujeitos que trabalham, 33,9% exercem atividade autônoma. Os vínculos informais acomodam melhor os receptores de transplante renal, tendo em vista que podem escolher a atividade a que melhor se adaptam segundo suas capacidades, seu estado geral, e principalmente, horário e períodos mais flexíveis.1515 Pontes L, Guirardello EB, Campos CJ. Demands for attention experienced by a patient in a bone marrow transplants unit. Rev Esc Enferm USP 2007;41:154-60. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342007000100021
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Por outro lado, muitos receptores de transplante renal, após a realização do transplante, passam a condição de beneficiários da seguridade social em gozo de aposentadoria ou auxílio-doença. Esses vínculos podem dificultar o acesso ao mercado formal de trabalho, uma vez que, por lei, o retorno voluntário à atividade laboral implicará em cancelamento automático do benefício previdenciário, a partir da data de retorno.1616 Siqueira JPFH. Benefícios decorrentes de auxílio-doença para empregados rurais, urbanos e domésticos: anotações à legislação básica pertinente. Rev Síntese Trabalhista Previdenciária. 2011;263:71-86.

Vale ressaltar que o transplante renal visa reabilitar as pessoas e torná-las aptas ao trabalho, porém, contraditoriamente, boa parte dos receptores encontra-se na condição de dependência da seguridade social. No Brasil, não há legislação específica sobre os direitos do receptor de transplante renal, nem políticas públicas que favoreçam a reinserção no mercado de trabalho; entretanto, alguns benefícios, como o amparo assistencial, aposentadoria por invalidez e auxílio-doença, aplicam-se a essas pessoas, desde que enquadrados nos critérios exigidos para a concessão de cada um deles.1717 Aliança Brasileira pela Doação de Órgãos e Tecidos. Direito dos Transplantados [Acesso: 06 nov 2010]. Disponível em: http://www.adote.org.br/oque_direitos_transplantados.htm
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Quanto à associação entre o tipo de doador para o receptor de transplante renal e os domínios de qualidade de vida, estudos apontam para maior taxa prevalência de rejeição, tempo de espera e complicações do receptor de doador falecido em relação ao receptor de doador vivo; entretanto, não há relação significativa entre a qualidade de vida e o tipo de doador.1818 Akoh JA. Renal transplantation in developing countries. Saudi J Kidney Dis Transpl 2011;22:637-50.,1919 Rajaeefard AR, Almasi-Hashiani A, Hassanzade J, Salahi H. Graft survival rate following renal transplantation in diabetic patients. Saudi J Kidney Dis Transpl 2012;23:707-14. DOI: http://dx.doi.org/10.4103/1319-2442.98143
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Quanto à associação entre trabalho e valores dos domínios de qualidade de vida, observaram-se resultados significativos ou próximos da significância, quando comparados às condições de trabalho, o que permite inferir que as pessoas que exercem atividade laboral, após a realização do transplante, apresentam melhor capacidade funcional, sentem menos dor e apresentam ganhos no aspecto físico, vitalidade e saúde mental, quando comparados àqueles que não têm trabalho. Estudo evidenciou que o retorno ao trabalho, após a realização do transplante, é de interesse tanto do ponto de vista social, como individual, pois, de modo geral, ocorre redução de perdas financeiras, ampliação nas relações sociais e aumento na autoestima, consequentemente, uma melhoria na qualidade de vida como um todo.2020 Godoy MR, Balbinotto NG, Barros PP, Ribeiro EP. Estimando as perdas de rendimento devido à doença renal crônica no Brasil. Divulg Saúde Debate. 2007;38:68-85.

A melhor QV, sob a forma de melhor saúde física e mental, com menor taxa de utilização de serviços médicos, foi alcançada após implementação de um programa interdisciplinar, cujos objetivos eram o cuidado para evitar comorbidades, o aconselhamento profissional e reforço social.2121 Chang CF, Winsett RP, Gaber AO, Hathaway DK. Cost-effectiveness of post-transplantation quality of life intervention among kidney recipients. Clin Transplant 2004;18:407-14.

O convívio social, conquistado com o trabalho, previne os sentimentos de tristeza e ansiedade, que reduzem a capacidade para o bom desenvolvimento no trabalho e na vida em sociedade e, quando realizado em condições favoráveis, pode proporcional um ganho financeiro e sentimento de competência pessoal.2222 Paris W, Calhoun-Wilson G, Slentz B, Dahr AS, Tebow S, Hart J, et al. Employment and the Transplant Patient. J Rehabil 1997;63:11-4.

A equipe multidisciplinar composta por médicos, enfermeiros, assistentes sociais e psicólogos pode ao planejar a assistência, promover encontros entre pacientes, de modo a proporcionar troca de experiências sobre as atividades relacionadas ao trabalho, informações sobre os limites impostos pelo tratamento, sobre seus direitos. Estas pessoas devem ser incentivadas a perderem a noção de passividade e tornarem-se protagonistas do seu próprio cuidado, o que refletirá em uma melhor qualidade de vida.2323 Oliveira MP, Kusumota L, Marques S, Cássia R, Ribeiro HM, Rodrigues RAP, et al. Trabalho e qualidade de vida relacionada à saúde de pacientes em diálise peritoneal. Acta Paul Enferm 2012;25:352-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-21002012000300006
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As limitações do estudo estão relacionadas ao desenho transversal, que impede o conhecimento sobre as mudanças na qualidade de vida ao longo do tempo e ao fato de ser peculiar a um estado do Brasil.

Conclusão

O estudo evidenciou que o exercício da atividade laboral após o transplante renal associou-se fortemente a uma melhor qualidade de vida em todos os domínios pesquisados. O trabalho é significativo para os receptores de transplante renal, e atenção especial deve ser dada pela equipe multiprofissional na busca de estratégias que favoreçam e incentivem sua manutenção e reinserção no mercado de trabalho.

A variável renda familiar apresentou associação positiva, quando relacionada ao domínio aspecto emocional.

O transplante renal influenciou significativamente a QVRS. Os escores avaliados pelo SF-36 mostraram valores acima da média para o componente físico e mental, contudo, isoladamente, o domínio aspecto físico apresentou valores abaixo da média, o que pode interferir na vida diária, limitando ou impedindo a realização de atividades.

O tipo de doador não apresentou significância estatística quando associado aos domínios de qualidade de vida.

A maioria (61,9%), após a realização do transplante, permaneceu sem atividade laboral e, consequentemente, sem renda ou dependente da seguridade social. Esta realidade aponta para a necessidade de apoio por parte dos diversos setores sociais, no sentido de garantir suporte material, sustento familiar e reinserção destas pessoas a vida social após a realização do transplante.

Futuramente, estudos que avaliem o acesso dos receptores de transplante renal ao mercado de trabalho são necessários, pois o trabalho interfere na QVRS e, por consequência, evolução do transplante renal.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    03 Abr 2013
  • Aceito
    27 Ago 2013
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