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Escore de avaliação de risco pré-transplante: metodologia e a importância das características socioeconômicas

Resumos

Introdução:

O transplante renal é realizado em condições de urgência em uma população com elevado risco perioperatório. Instrumentos de avaliação de risco pré-transplante nesta população são escassos.

Objetivo:

Construir um escore com variáveis pré-transplante para estimar a probabilidade de sucesso do transplante renal, definido como sobrevida do receptor e do enxerto, com creatinina < 1,5 mg/dl no 6º mês.

Métodos:

Análise das variáveis de pacientes de um centro único e especializado em transplante renal em São Paulo. A regressão logística foi utilizada para construção da equação com as variáveis capazes de estimar a probabilidade de sucesso. Atribuímos pontos inteiros às variáveis para a construção do escore.

Resultados:

Dos 305 pacientes analisados, 176 (57,7%) atingiram o sucesso. Das 23 variáveis identificadas pela análise univariada, 21 foram incluídas no modelo de regressão logística e as 10 que se mantiveram independentemente associadas com o sucesso foram utilizadas na construção do escore. Quatro destas 10 variáveis eram socioeconômicas. Foi ótimo (área sob a curva ROC = 0,817) o poder de discriminação entre os grupos sucesso e não sucesso e adequado (teste de Hosmer e Lemeshow = 0,672) o grau de concordância entre as frequências das probabilidades estimadas pela equação e as frequências das probabilidades reais observadas. Houve correlação (0,982) entre as probabilidades estimadas via sistema de pontuação e regressão logística.

Conclusão:

O escore de pontos apresentado simplificou a estratificação do risco do candidato ao transplante conforme a probabilidade de sucesso. As variáveis socioeconômicas exerceram influência no sucesso, demonstrando a necessidade da criação de instrumentos prognósticos utilizando as variáveis clínico-demográficas da nossa população.

fatores de risco; medidas de associação; exposição; risco; desfecho; razão de chances; transplante de rim


Introduction:

Kidney transplantation is performed in emergency conditions in a population with high perioperative risk. Instruments for risk assessment before transplantation in this population are scarce.

Objective:

To develop a score with pretransplant variables to estimate the probability of success of kidney transplantation, defined as survival of the recipient and the graft with creatinine < 1.5 mg/dl at 6 months.

Methods:

Analysis of variables of patients from a unique kidney transplantation center in São Paulo. Logistic regression was used to construct an equation with variables able to estimate the probability of success. Integer points were assigned to variables for score construction.

Results:

Of the 305 patients analyzed, 176 (57.7%) achieved success. Of the 23 variables identified by univariate analysis, 21 were included in the logistic regression model and 10 that remained independently associated with success, were used in the score. Four of these 10 variables were socioeconomic. It was great (area under the ROC curve 0.817) the power of discrimination between groups success and not success and adequate (Hosmer and Lemeshow = 0.672) the agreement between frequencies of the probabilities estimated by equation and frequencies of probabilities actual observed. There were correlation (0.982) between the estimated probability via the scoring system and the estimated probabilities via logistic regression.

Conclusion:

Point score simplified risk stratification of transplant candidate according to their probability of success. Socioeconomic variables influence the success, demonstrating the need for creation of prognostic tools utilizing clinical and demographic variables of our population.

kidney transplantation; measures of association; exposure; risk; outcome; odds ratio; risk factors


Introdução

O transplante renal é o tratamento de escolha para a maioria dos pacientes em diálise.1Wolfe RA, Ashby VB, Milford EL, Ojo AO, Ettenger RE, Agodoa LY, et al. Comparison of mortality in all patients on dialysis, patients on dialysis awaiting transplantation, and recipients of a first cadaveric transplant. N Engl J Med 1999;341:1725-30. PMID: 10580071 DOI: http://dx.doi.org/10.1056/NEJM199912023412303
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Entretanto, dados da literatura apontam uma taxa de mortalidade cirúrgica geral de 1% a 4% para os pacientes com doença renal crônica terminal (DRC). Esta taxa é ainda maior para os pacientes diabéticos e idosos, podendo quintuplicar em situações de emergência.2Krishnan M. Preoperative care of patients with kidney disease. Am Fam Physician 2002;66:1471-6.,3Gill JS, Schaeffner E, Chadban S, Dong J, Rose C, Johnston O, et al. Quantification of the early risk of death in elderly kidney transplant recipients. Am J Transplant 2013;13:427-32. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/j.1600-6143.2012.04323.x
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No transplante renal com doador falecido, o procedimento cirúrgico é realizado em condições de urgência. O candidato com a melhor compatibilidade HLA com o doador é conhecido horas antes da cirurgia ser realizada. Além disso, trata-se de uma população com elevado risco de morbidade e mortalidade pré-operatória, pois, além da DRC, essa população geralmente possui outras morbidades. Os riscos perioperatórios somados aos riscos associados à terapia imunossupressora resultaram em risco de óbito quase três vezes maior quando comparado aos pacientes que permaneceram em diálise durante as duas primeiras semanas após o transplante.1Wolfe RA, Ashby VB, Milford EL, Ojo AO, Ettenger RE, Agodoa LY, et al. Comparison of mortality in all patients on dialysis, patients on dialysis awaiting transplantation, and recipients of a first cadaveric transplant. N Engl J Med 1999;341:1725-30. PMID: 10580071 DOI: http://dx.doi.org/10.1056/NEJM199912023412303
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Os escores são instrumentos amplamente aplicados em diferentes áreas médicas para estimar a probabilidade de um desfecho de forma quantitativa.4Breslow MJ, Badawi O. Severity scoring in the critically ill: part 1--interpretation and accuracy of outcome prediction scoring systems. Chest 2012;141:245-52. PMID: 22215834 DOI: http://dx.doi.org/10.1378/chest.11-0330
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Casey BM, McIntire DD, Leveno KJ. The continuing value of the Apgar score for the assessment of newborn infants. N Engl J Med 2001;344:467-71. PMID: 11172187 DOI: http://dx.doi.org/10.1056/NEJM200102153440701
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Teasdale G, Jennett B. Assessment of coma and impaired consciousness. A practical scale. Lancet 1974;2:81-4. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(74)91639-0
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Christensen E, Schlichting P, Fauerholdt L, Gluud C, Andersen PK, Juhl E, et al. Prognostic value of Child-Turcotte criteria in medically treated cirrhosis. Hepatology 1984;4:430-5. DOI: http://dx.doi.org/10.1002/hep.1840040313
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-8Yates JW, Chalmer B, McKegney FP. Evaluation of patients with advanced cancer using the Karnofsky performance status. Cancer 1980;45:2220-4. PMID: 7370963 No transplante renal, diversos modelos matemáticos foram publicados com o objetivo de predizer sobrevida e função renal após o transplante. Entretanto, a falta de simplicidade na utilização destes modelos e a necessidade de realização de cálculos complexos ou de informações não disponíveis no momento da avaliação tornou a aplicação destas ferramentas pouco difundida nos centros transplantadores. van Walraven et al.9van Walraven C, Austin PC, Knoll G. Predicting potential survival benefit of renal transplantation in patients with chronic kidney disease. CMAJ 2010;182:666-72. DOI: http://dx.doi.org/10.1503/cmaj.091661
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publicaram um escore de pontos para estimar o risco de óbito em 5 anos de pacientes que estavam em diálise inscritos para o transplante renal. O autor utilizou uma metodologia estatística semelhante a nossa para atribuir pontos inteiros aos riscos relativos de 12 variáveis demográficas associadas com o desfecho. Entretanto, para a sua utilização era necessário o conhecimento de informações precisas sobre tempo total em lista, tempo até ser listado para transplante, da albumina sérica e de 8 comorbidades, o que pode dificultar a rapidez e aplicabilidade do escore. Além disso, escores também foram criados para quantificar o risco de perda do enxerto renal conforme diferentes características do doador.1010 Akkina SK, Asrani SK, Peng Y, Stock P, Kim WR, Israni AK. Development of organ-specific donor risk indices. Liver Transpl 2012;18:395-404. DOI: http://dx.doi.org/10.1002/lt.23398
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Nyberg et al.1111 Nyberg SL, Matas AJ, Kremers WK, Thostenson JD, Larson TS, Prieto M, et al. Improved scoring system to assess adult donors for cadaver renal transplantation. Am J Transplant 2003;3:715-21. propuseram um escore para identificar os enxertos renais de doadores falecidos com alto risco de disfunção renal precoce. Entretanto, a estratificação arbitrária das categorias de risco pode ter contribuído para diminuição da acurácia deste escore.

Diferentes estudos observacionais identificaram as variáveis pré-transplante do receptor e do doador que estiveram associadas com diferentes desfechos do transplante.1212 Ojo AO, Hanson JA, Wolfe RA, Leichtman AB, Agodoa LY, Port FK. Long-term survival in renal transplant recipients with graft function. Kidney Int 2000;57:307-13. PMID: 10620213 DOI: http://dx.doi.org/10.1046/j.1523-1755.2000.00816.x
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13 Meier-Kriesche HU, Kaplan B. Waiting time on dialysis as the strongest modifiable risk factor for renal transplant outcomes: a paired donor kidney analysis. Transplantation 2002;74:1377-81. DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00007890-200211270-00005
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14 Gill JS, Pereira BJ. Death in the first year after kidney transplantation: implications for patients on the transplant waiting list. Transplantation 2003;75:113-7. PMID: 12544882 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00007890-200301150-00021
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-1515 Wu C, Evans I, Joseph R, Shapiro R, Tan H, Basu A, et al. Comorbid conditions in kidney transplantation: association with graft and patient survival. J Am Soc Nephrol 2005;16:3437-44. DOI: http://dx.doi.org/10.1681/ASN.2005040439
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Descreveu-se também a significativa influência das variáveis socioculturais e econômicas nesses desfechos.1616 Axelrod DA, Dzebisashvili N, Schnitzler MA, Salvalaggio PR, Segev DL, Gentry SE, et al. The interplay of socioeconomic status, distance to center, and interdonor service area travel on kidney transplant access and outcomes. Clin J Am Soc Nephrol 2010;5:2276-88. DOI: http://dx.doi.org/10.2215/CJN.04940610
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17 Goldfarb-Rumyantzev AS, Koford JK, Baird BC, Chelamcharla M, Habib AN, Wang BJ. Role of socioeconomic status in kidney transplant outcome. Clin J Am Soc Nephrol 2006;1:313-22. DOI: http://dx.doi.org/10.2215/CJN.00630805
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-1818 Garg J, Karim M, Tang H, Sandhu GS, DeSilva R, Rodrigue JR, et al. Social adaptability index predicts kidney transplant outcome: a single-center retrospective analysis. Nephrol Dial Transplant 2012;27:1239-45. DOI: http://dx.doi.org/10.1093/ndt/gfr445
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As variáveis socioeconômicas sempre exerceram influência nos desfechos relacionados à saúde no Brasil. Entretanto, apesar das disparidades socioeconômicas entre os 26 estados e as 5 regiões do país, o programa de transplantes consolidou-se como um dos maiores do mundo, permitindo um amplo acesso da população a este tratamento.1919 Silva HT Jr, Felipe CR, Abbud-Filho M, Garcia V, Medina-Pestana JO. The emerging role of Brazil in clinical trial conduct for transplantation. Am J Transplant 2011;11:1368-75. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/j.1600-6143.2011.03564.x
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Em 2012, foram realizados 7426 transplantes de órgãos no país e, destes, 5385 foram de rim.2020 Registro Brasileiro de Transplantes. Ano XVIII, 4. 2012 (jan-dez). Disponível em: http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/file/RBT/2012/rbt2012-parciall.pdf
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Contudo, não existem muitos dados na literatura sobre a associação das variáveis socioeconômicas com os desfechos pós-transplante no país. As publicações científicas são provenientes da população de transplantados de poucos centros e praticamente restritas às regiões Sudeste (80%) e Sul (16%). As regiões Sudeste e Sul concentraram em 2009 mais de 80% dos transplantes realizados no país. Além disso, enquanto, em 2007, São Paulo, Santa Catarina e o Rio Grande do Sul apresentaram mais de 10 doadores por milhão de população, em estados do Norte, como o Amazonas, não ocorreu nenhuma captação de órgãos de doadores falecidos. Desta maneira, apesar da existência de um Sistema nacional de transplante bem organizado e do aumento no número absoluto de transplantes renais, as diferenças na atividade transplantadora dos estados brasileiros ainda persistem como reflexo das diferenças socioeconômicas e culturais das regiões do país.2121 Medina-Pestana JO, Galante NZ, Tedesco-Silva H Jr, Harada KM, Garcia VD, Abbud-Filho M, et al. Kidney transplantation in Brazil and its geographic disparity. J Bras Nefrol 2011;33:472-84. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0101-28002011000400014
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Reconhecidamente, a função renal no sexto mês após o transplante foi um fator de risco independentemente associado com a perda do enxerto ao final de 24 meses do transplante na nossa população de transplantados.2222 Harada KM, Mandia-Sampaio EL, de Sandes-Freitas TV, Felipe CR, Park SI, Pinheiro-Machado PG, et al. Risk factors associated with graft loss and patient survival after kidney transplantation. Transplant Proc 2009;41:3667-70. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.transproceed.2009.04.013
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Confirmando este dado, um estudo retrospectivo utilizando dados do UNOS/OPTN de 105.742 pacientes transplantados renais demonstrou que a pior função renal, estimada pelo nível sérico da creatinina > 1,5 mg/dL no sexto e no décimo segundo mês após o transplante, correlacionou-se com uma menor sobrevida do enxerto renal em longo prazo.2323 Hariharan S, McBride MA, Cherikh WS, Tolleris CB, Bresnahan BA, Johnson CP. Post-transplant renal function in the first year predicts long-term kidney transplant survival. Kidney Int 2002;62:311-8. PMID: 12081593 DOI: http://dx.doi.org/10.1046/j.1523-1755.2002.00424.x
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A estimativa da probabilidade de sucesso de um transplante utilizando um desfecho intermediário como a função renal no sexto mês do transplante e variáveis selecionadas da população brasileira forneceria uma informação a mais no aconselhamento destes pacientes. Assim, o nosso objetivo foi desenvolver um escore de avaliação de risco com as variáveis pré-transplante do receptor e do doador que estimasse a probabilidade de sucesso do transplante renal.

Materiais e Métodos

Definição de sucesso

Desfecho composto de sobrevida do receptor com enxerto funcionante com o valor de creatinina menor ou igual a 1,5 mg/dl após 6 meses de transplante.

Desenho

Estudo de coorte prospectivo com pacientes transplantados renais com doador falecido entre o período de fevereiro a novembro de 2011. Foram incluídos pacientes adultos com idade > 18 anos e excluídos os receptores de múltiplos órgãos. Os pacientes foram entrevistados no dia do transplante e as informações questionadas e extraídas de prontuários médicos relacionaram-se a características demográficas e das condições de saúde pertinentes à própria avaliação pré-transplante. A dispensa do TCLE foi aprovada juntamente com o projeto do estudo pelo Comitê de ética em pesquisa da UNIFESP (Nº 1139/10).

Analise estatística

Selecionamos 60 variáveis pré-transplante divididas em 7 categorias: Demografia, Comorbidades, Sócioeconômicas, Propedêutica, Qualidade de vida, Doador e Medicamentos (Quadro 1).

Quadro 1
60 variáveis pré transplante

Realizamos a análise univariada das 60 variáveis de risco entre os dois grupos de estudo e identificamos aquelas associadas com o sucesso com significância estatística de 10%. Para as variáveis categóricas, utilizamos o teste de qui-quadrado ou o teste exato de Fisher. Para as variáveis numéricas, utilizamos o teste t de Student para amostras independentes.

Análise de múltiplas variáveis

Utilizamos a análise de regressão logística para identificar as variáveis pré-transplante da nossa população independentemente associadas com o sucesso. Inicialmente, todas as variáveis com associação com o sucesso do transplante significativa a 10% foram incluídas no modelo logístico. Em seguida, as variáveis não significativas a 5% foram excluídas na equação final. Optamos pelo recurso estatístico de inclusões com a ordem de acréscimo definida pelo método stepwise forward da regressão.

Construímos a equação da regressão logística para a amostra populacional estudada com os coeficientes ß de cada uma das variáveis de risco identificados pelo modelo logístico. Os coeficientes ß exponenciados [exp (ß)] são interpretados como "odds ratio" (OR) ou razão de chances. Por meio desta equação, pudemos calcular a probabilidade de sucesso no transplante como função exponencial das variáveis de risco para qualquer conjunto de características de um dado indivíduo.

O teste de Hosmer e Lemeshow foi utilizado para avaliar o grau de concordância da equação ao comparar as frequências das probabilidades estimadas pela equação e as frequências das probabilidades observadas. A área sob a curva ROC foi utilizada para avaliar a habilidade da equação de discriminação entre o grupo sucesso e não sucesso.

Escore de pontuação

Utilizando a metodologia descrita por Sullivan,1919 Silva HT Jr, Felipe CR, Abbud-Filho M, Garcia V, Medina-Pestana JO. The emerging role of Brazil in clinical trial conduct for transplantation. Am J Transplant 2011;11:1368-75. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/j.1600-6143.2011.03564.x
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construímos um escore de pontos utilizando as variáveis identificadas pela análise de regressão logística. Seguimos 7 etapas de ajustes estatísticos para a realização da conversão das unidades de medidas entre dois sistemas (conversão da unidade da regressão logística em unidade do escore), conservando o grau de associação de cada variável de risco na estimativa da probabilidade de sucesso do transplante.

Etapa 1: obtivemos os coeficientes de regressão ß das variáveis (ß0, ß1,.....,ßx) associadas com o sucesso. Etapa 2: estratificamos os valores das variáveis para a criação de subcategorias e determinamos os valores de referência destas subcategorias (ɯij i = nº de variáveis de risco, j = nº total de subcategorias para i variáveis de risco). Etapa 3: determinamos a subcategoria de referência da variável (ɯref). Etapa 4: calculamos a "distância" em unidades de regressão das outras subcategorias em relação à subcategoria de referência [ßiij - ɯref)]. Etapa 5: definimos a constante (ʗ) do sistema (número de unidades de regressão logística que corresponde a 1 ponto no sistema de pontos). Etapa 6: calculamos o número de pontos de cada subcategoria das variáveis utilizando o coeficiente ß e a ʗ do sistema [Pontosij = ßiij - ɯref)/ʗ]. Etapa 7: multiplicamos as possíveis pontuação por ʗ e, por meio de ajustes estatísticos, obtivemos as probabilidades de sucesso.

O coeficiente de correlação intraclasse foi utilizado para quantificar o grau de concordância entre as estimativas das probabilidades obtidas via regressão logística e via o sistema de pontuação para cada indivíduo.

Para todos os testes estatísticos foi utilizado um nível de significância de 5%. O software estatístico utilizado para a análise foi o SPSS 17.0.

Resultados

Dos 311 pacientes incluidos, 6 perderam seguimento antes de completarem 6 meses de transplante. Cento e setenta e seis atingiram o sucesso. Dos 129 que não atingiram, 13 foram por óbito, 15 por falência do enxerto renal e 101 possuiam um nível sérico de creatinina > 1,5mg/dL (Figura 1).

Figura 1
Algoritmo da população do estudo.

A idade média dos pacientes foi 47,5 anos, a maioria homens (60,7%), brancos (47,9%), portadores de DRC de etiologia indeterminada (37%) e que realizaram o seu primeiro transplante renal (94,8%) pelo Sistema Único de Saúde (87,3%). A modalidade terapêutica preponderante antes do transplante foi a hemodiálise (88,2%), com a duração média de 4,3 anos (Tabela 1).

Tabela 1
Variáveis demográficas dos pacientes

As análises descritivas e de frequências das 60 variáveis pré-transplante dos grupos sucesso e não sucesso foram organizadas conforme as sete categorias. Por meio da. Por meio da análise univariada, identificamos que 21 das 60 variáveis demográficas, clínicas e socioeconômicas do receptor e do doador estavam associadas com o "sucesso". Cinco variáveis de demografia, duas socioeconômicas, três de qualidade de vida, duas comorbidades, três de propedêutica e seis do doador (Tabela 2).

Tabela 2
Vinte e uma variáveis associadas com o sucesso do transplante na análise univariada (p ≤ 0,10)

A seguir, analisamos a influência individual da cada uma dessas 21 variáveis utilizando a análise de regressão logística e identificamos 10 variáveis que se associaram de forma independente com o desfecho. Dessas 10 variáveis, 2 eram socioeconômicas, 2 demográficas, uma da categoria de comorbidades, 1 propedêutica; 2 de qualidade de vida e duas do doador (Tabela 3).

Tabela 3
Dez variáveis associadas de forma independente com o sucesso no modelo de regressão logística final

Utilizando os coeficientes β das 10 variáveis, construímos a equação da regressão logística (Figura 2) para a estimativa de probabilidade de sucesso de um transplante.

Figura 2
Equação da regressão logística.

O teste de Hosmer-Lemeshow demonstrou que não houve diferença entre as frequências das probabilidades estimativas pela equação e as frequências das probabilidades observadas para os 305 pacientes (p = 0, 672). A área sob a curva ROC foi 0,817, indicando que a equação com as 10 variáveis pré-transplante possui um ótimo poder de discriminação entre os grupos sucesso e não sucesso.

O escore de pontos construído com as 10 variáveis associadas de forma independente com o sucesso está na Tabela 4. Na organização do sistema de pontos, mantivemos as estratificações das variáveis categóricas e estratificamos as variáveis contínuas em subcategorias. A variação de 5 anos na idade do doador na probabilidade de sucesso foi considerado como a ʗ do nosso sistema. Portanto, 1 ponto do escore correspondeu a um aumento de probabilidade de sucesso equivalente a ser transplantado com o enxerto de um doador renal 5 anos mais jovem. Na Tabela 5, exemplificamos a atribuição dos pontos para os dois perfis de pacientes que alcançaram a maior e a menor pontuação. O escore de pontos variou de 0 a 56 pontos. Na amostra populacional do estudo, a variação de pontos foi de 8 (probabilidade de sucesso de 1,9%) a 46 (probabilidade de sucesso de 98,5%) (Tabela 6).

Tabela 4
Escore de pontos

Tabela 5
Pontos do paciente ID 200 e ID 70

Tabela 6
Probabilidade de sucesso por total de pontos

A análise de concordância entre a probabilidade estimada via regressão logística e a probabilidade estimada via sistema de pontuação foi considerada adequada [0,982, IC 95% (0,978-0,986)].

Discussão

Este estudo desenvolveu um escore pré-transplante com 10 variáveis demográficas do doador e do receptor. O escore foi capaz de estimar a probabilidade de um paciente alcançar o "sucesso" no transplante renal, que foi definido como estar vivo no sexto mês após o transplante e possuir o enxerto funcionante com creatinina abaixo ou igual a 1,5 mg/dL.

O uso clínico do escore desenvolvido dispensou o uso de softwares estatísticos e de calculadoras. Para a atribuição dos valores inteiros (pontos), as 10 variáveis de risco do escore conforme o grau de associação que cada uma possuía com o desfecho, utilizamos uma metodologia estatística avançada combinada à análise de regressão logística.2424 Sullivan LM, Massaro JM, D'Agostino RB Sr. Presentation of multivariate data for clinical use: The Framingham Study risk score functions. Stat Med 2004;23:1631-60. DOI: http://dx.doi.org/10.1002/sim.1742
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A revisão publicada por Kasiske em 2010 demonstrou a variedade de apresentações das informações obtidas em 20 trabalhos que utilizaram as equações matemáticas de análise de múltiplas variáveis para o cálculo dos riscos associados aos diversos desfechos no transplante renal. Estas análises das combinações dos riscos relativos das variáveis do receptor, do doador ou de ambas foram apresentadas em algoritmos, escores e tabelas.2525 Jassal SV, Schaubel DE, Fenton SS. Predicting mortality after kidney transplantation: a clinical tool. Transpl Int 2005;18:1248-57. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/j.1432-2277.2005.00212.x
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26 Hernández D, Rufino M, Bartolomei S, Lorenzo V, González-Rinne A, Torres A. A novel prognostic index for mortality in renal transplant recipients after hospitalization. Transplantation 2005;79:337-43. DOI: http://dx.doi.org/10.1097/01.TP.0000151003.30089.31
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27 Rao PS, Schaubel DE, Guidinger MK, Andreoni KA, Wolfe RA, Merion RM, et al. A comprehensive risk quantification score for deceased donor kidneys: the kidney donor risk index. Transplantation 2009;88:231-6. PMID: 19623019 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/TP.0b013e3181ac620b
http://dx.doi.org/10.1097/TP.0b013e3181a...

28 Kasiske BL. Epidemiology of cardiovascular disease after renal transplantation. Transplantation 2001;72:S5-8. PMID: 11585242 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00007890-200109271-00003
http://dx.doi.org/10.1097/00007890-20010...
-2929 Tiong HY, Goldfarb DA, Kattan MW, Alster JM, Thuita L, Yu C, et al. Nomograms for predicting graft function and survival in living donor kidney transplantation based on the UNOS Registry. J Urol 2009;181:1248-55. PMID: 19167732 DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.juro.2008.10.164
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No entanto, as complexas equações matemáticas descritas em alguns destes estudos não foram utilizadas na prática clínica pelos centros transplantadores.

van Walraven et al. também utilizaram a metodologia descrita por Sullivan para construir um escore de estimativa de risco de óbito em 5 anos para candidatos ao transplante renal em diálise. As 12 variáveis utilizadas eram exclusivamente do receptor.9van Walraven C, Austin PC, Knoll G. Predicting potential survival benefit of renal transplantation in patients with chronic kidney disease. CMAJ 2010;182:666-72. DOI: http://dx.doi.org/10.1503/cmaj.091661
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É interessante notar que exceto pela idade do receptor, o restante das variáveis identificadas por van Walraven et al. não foi igual às identificadas no nosso estudo. A observação deste resultado demonstra a específica relação de associação entre as variáveis com o desfecho analisado. As variáveis do escore de van Walraven et al. estavam associadas com o desfecho de sobrevida em longo prazo analisado pelo autor. Tal como as 10 variáveis do nosso estudo encontram-se associadas com o desfecho de sobrevida e função renal satisfatória no sexto mês do transplante renal.

As duas variáveis do doador associadas com o sucesso foram idade e etiologia do óbito e este resultado está de acordo com os dados existentes na literatura.3030 Cosio FG, Qiu W, Henry ML, Falkenhain ME, Elkhammas EA, Davies EA, et al. Factors related to the donor organ are major determinants of renal allograft function and survival. Transplantation 1996;62:1571-6. PMID: 8970609 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00007890-199612150-00007
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,3131 Port FK, Bragg-Gresham JL, Metzger RA, Dykstra DM, Gillespie BW, Young EW, et al. Donor characteristics associated with reduced graft survival: an approach to expanding the pool of kidney donors. Transplantation 2002;74:1281-6. DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00007890-200211150-00014
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Houve redução de 4% na chance de sucesso do receptor para cada ano de idade acima dos 30 anos do doador. Além disso, observou-se que receptores de rins de doadores com óbito por causa cardiovascular tiveram 50% a menos de chance de sucesso do que os que receberam rins de doadores com óbito por outra etiologia. Conforme já relatado em outros estudos, tanto a idade como a causa de óbito do doador são responsáveis em grande parte pela variabilidade dos desfechos do transplante renal, pois são características que se relacionam diretamente com a qualidade do órgão utilizado.3232 Patzer RE, McClellan WM. Influence of race, ethnicity and socioeconomic status on kidney disease. Nat Rev Nephrol 2012;8:533-41. DOI: http://dx.doi.org/10.1038/nrneph.2012.117
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Das 18 comorbidades do receptor avaliadas, somente o peso associou-se com o desfecho analisado. Acreditamos que um tempo maior de acompanhamento seria necessário para tornar evidente a influência das comorbidades crônicas e de evolução insidiosa nos desfechos do transplante. Como o objetivo deste trabalho foi estimar a viabilidade de um transplante renal e não sobrevida em longo prazo, o breve período de acompanhamento dos pacientes não permitiu que essa associação se manifestasse.

Chamou a atenção o fato de que das 8 variáveis do receptor associadas com o sucesso, quatro (auxílio financeiro, renda mensal do paciente, presença de filhos e suporte familiar) foram características socioeconômicas e de qualidade de vida. Os receptores que não necessitaram de auxílio financeiro público tiveram o dobro de chance de sucesso em comparação com aqueles que necessitaram. Além disso, possuir uma renda mensal superior a R$ 3.000,00 esteve quatro vezes mais associado com o sucesso do que não possuir. Sabe-se que o nível socioeconômico inferior está associado com o aumento da incidência de doenças crônicas, progressão da doença renal, tratamento dialítico inadequado, chances reduzidas de acesso ao transplante e piores desfechos de saúde de uma forma geral.3333 Axelrod DA, Dzebisashvili N, Schnitzler MA, Salvalaggio PR, Segev DL, Gentry SE, et al. The interplay of socioeconomic status, distance to center, and interdonor service area travel on kidney transplant access and outcomes. Clin J Am Soc Nephrol 2010;5:2276-88. DOI: http://dx.doi.org/10.2215/CJN.04940610
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Além disso, pacientes de níveis socioeconômicos inferiores tiveram menor aderência aos medicamentos e piores resultados após o transplante.3434 Bohlke M, Nunes DL, Marini SS, Kitamura C, Andrade M, Von-Gysel MP. Predictors of quality of life among patients on dialysis in southern Brazil. São Paulo Med J 2008;126:252-6. PMID: 19099157

Observamos também que os pacientes com filhos apresentaram uma chance de sucesso 3 vezes maior do que os sem filhos e pacientes com suporte familiar tiveram chances 2 vezes maior do que aqueles sem esse suporte. Demonstrando que fatores relacionados à qualidade de vida influenciaram os desfechos do transplante renal. Presumimos que possuir filhos, para a maioria dos pacientes estudados, seria um indicativo de pertencer a famílias mais estáveis. Em estudos anteriores, pacientes em diálise ou transplantados com ambiente familiar acolhedor, com um relacionamento conjugal estável, vínculo empregatício e que possuíam nível educacional maior, apresentaram, além de maior satisfação com o tratamento, melhor capacidade mental.3333 Axelrod DA, Dzebisashvili N, Schnitzler MA, Salvalaggio PR, Segev DL, Gentry SE, et al. The interplay of socioeconomic status, distance to center, and interdonor service area travel on kidney transplant access and outcomes. Clin J Am Soc Nephrol 2010;5:2276-88. DOI: http://dx.doi.org/10.2215/CJN.04940610
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,3434 Bohlke M, Nunes DL, Marini SS, Kitamura C, Andrade M, Von-Gysel MP. Predictors of quality of life among patients on dialysis in southern Brazil. São Paulo Med J 2008;126:252-6. PMID: 19099157 Acredita-se que esses fatores estejam associados à maior aderência ao tratamento e melhores resultados em longo prazo.3535 Goldfarb-Rumyantzev AS, Koford JK, Baird BC, Chelamcharla M, Habib AN, Wang BJ, et al. Role of socioeconomic status in kidney transplant outcome. Clin J Am Soc Nephrol 2006;1:313-22. DOI: http://dx.doi.org/10.2215/CJN.00630805
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,3636 Lamb KE, Lodhi S, Meier-Kriesche HU. Long-term renal allograft survival in the United States: a critical reappraisal. Am J Transplant 2011;11:450-62. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/j.1600-6143.2010.03283.x
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Nossos resultados demonstraram que os receptores com piores condições socioeconômicas ou de qualidade de vida possuíram menores chances de viabilidade do transplante. Essas características não são rotineiramente avaliadas ou registradas porque são subjetivas e de difícil quantificação. Entretanto, como demonstraram nossos resultados, os fatores de risco não tradicionais estão associados a piores resultados em curto prazo e foram mais relevantes do que nós assumíamos.

Consideramos que o escore que desenvolvemos apresentou um desempenho satisfatório para ser utilizado na nossa população. Houve capacidade de discriminação dos pacientes do grupo sucesso e não sucesso com uma acurácia de 81,7% e, além disso, demonstrou-se que não houve diferença entre as frequências das probabilidades estimadas e as frequências das probabilidades observadas para os 305 pacientes.

Estimar a probabilidade de sucesso antes de uma intervenção terapêutica com precisão é objetivo almejado de longa data na história da Medicina. Entretanto, a decisão de realizar um transplante tem sido embasada em informações não quantitativas provenientes da experiência clínica e conhecimento científico e apesar dos comprovados benefícios no longo prazo, o transplante renal ainda está associado com altas taxas de mortalidade no período perioperatório.

A taxa de óbito durante o período de transição entre a diálise e o transplante com doador falecido (primeiro ao terceiro mês após o transplante) foi maior do que a taxa de óbito em lista de espera (9,57 versus 6,38 óbitos/100 pacientes-ano).3636 Lamb KE, Lodhi S, Meier-Kriesche HU. Long-term renal allograft survival in the United States: a critical reappraisal. Am J Transplant 2011;11:450-62. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/j.1600-6143.2010.03283.x
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Observou-se, também, que a taxa de eventos cardiovasculares durante o período perioperatório foi 8 vezes maior em relação às taxas relativamente constantes do período em diálise (39,6 versus 5,3 a 6,6 eventos cardiovasculares/100 pacientes-ano).3737 Gill JS, Ma I, Landsberg D, Johnson N, Levin A. Cardiovascular events and investigation in patients who are awaiting cadaveric kidney transplantation. J Am Soc Nephrol 2005;16:808-16. DOI: http://dx.doi.org/10.1681/ASN.2004090810
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Diferentemente, no Brasil, as causas infecciosas ainda prevalecem como a principal etiologia de óbito do paciente.3838 Sousa SR, Galante NZ, Barbosa DA, Pestana JO. Incidence of infectious complications and their risk factors in the first year after renal transplantation. J Bras Nefrol 2010;32:75-82. As complicações infecciosas foram observadas em 49% dos receptores renais no primeiro ano após o transplante e, além da imunossupressão, fatores dependentes das condições socioeconômicas, higiênico-sanitárias, de exposições epidemiológicas a doenças contagiosas prévias contribuíram para esses resultados.

Os estudos sobre a utilização de escores na rotina de avaliação pré-transplante com os atuais recursos estatísticos disponíveis ainda são escassos e com dados da população brasileira, praticamente inexistentes. O interesse crescente no desenvolvimento deste recurso pode ajudar a determinar se novos instrumentos prognósticos possuem melhor acurácia do que a avaliação clínica isoladamente em classificar os pacientes em diferentes grupos prognósticos.

Entretanto, a implantação de modelos teóricos deve ser sempre cuidadosamente analisada e feita com cautela, pois existe uma distância entre o desempenho estatístico do escore e seu desempenho prático. Utilizando somente a relação de associação, não podemos afirmar que as variáveis identificadas neste estudo são preditivas dos desfechos. Para tal, os marcadores clínicos devem ser avaliados quanto ao seu valor preditivo positivo3939 Altman DG, Bland JM. Diagnostic tests 2: Predictive values. BMJ 1994;309:102. PMID: 8038641 DOI: http://dx.doi.org/10.1136/bmj.309.6947.102
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,4040 Toll DB, Janssen KJ, Vergouwe Y, Moons KG. Validation, updating and impact of clinical prediction rules: a review. J Clin Epidemiol 2008;61:1085-94. PMID: 19208371 DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.jclinepi.2008.04.008
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e estarem inseridos num contexto pertinente de avaliação. A validação do escore desenvolvido está em andamento numa segunda etapa deste trabalho. O objetivo é averiguar se o mesmo grau de concordância, discriminação e correlação obtidas neste estudo se manterá numa coorte diferente de pacientes. Para a utilização do escore na prática clínica, possivelmente seja interessante a definição de categorias de pontos atrelados a um determinado risco aceitável, pois permitiria a quantificação do risco pré-transplante numa escala contínua, diferentemente do que ocorreria se um valor de corte único fosse definido para se decidir realizar um transplante ou não.

O modelo de regressão logística e a amostra populacional utilizada para construí-lo impõem limitações4040 Toll DB, Janssen KJ, Vergouwe Y, Moons KG. Validation, updating and impact of clinical prediction rules: a review. J Clin Epidemiol 2008;61:1085-94. PMID: 19208371 DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.jclinepi.2008.04.008
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ao uso do escore. O escore foi desenvolvido em uma população que não se distingue por nenhuma característica particular, portanto, seus resultados não podem ser extrapolados para uso em outros segmentos populacionais específicos. Além disso, pode ser aplicado somente em avaliações de receptores de doadores falecidos e desde que estejam disponíveis as informações completas das 10 variáveis pontuadas.

Este é o primeiro estudo brasileiro que utilizou a análise de regressão logística para o desenvolvimento de um instrumento de avaliação de risco pré-transplante renal. Acreditamos que decidir sobre alternativas de tratamento individualmente exige o conhecimento de informações quantitativas de considerável acurácia e os modelos probabilísticos fornecem essas respostas.4141 Braitman LE, Davidoff F. Predicting clinical states in individual patients. Ann Intern Med 1996;125:406-12. PMID: 8702092 DOI: http://dx.doi.org/10.7326/0003-4819-125-5-199609010-00008
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Conclusão

Concluímos que o escore de pontos com 10 variáveis demográficas do doador e do receptor foi capaz de estimar a probabilidade de um paciente alcançar o "sucesso" no transplante renal na nossa população. Além disso, das 10 variáveis que exerceram uma significativa influência no sucesso, 4 eram socioeconômicas, demonstrando a necessidade de criação de instrumentos prognósticos utilizando as variáveis clínicas da nossa própria população.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    15 Ago 2013
  • Aceito
    20 Fev 2014
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