Resumos
Introdução:
A doença renal crônica (DRC), considerada por alguns autores como uma epidemia deste século, relaciona-se diretamente com as doenças crônicas como diabetes (DM) e hipertensão arterial sistêmica (HAS) e ao aumento global da expectativa de vida da população.
Objetivo:
O objetivo deste estudo foi traçar o perfil epidemiológico dos pacientes em programa de hemodiálise (HD) em uma capital brasileira.
Métodos:
Foi realizado um estudo transversal de amostra aleatória de conveniência, utilizando um questionário aplicado em 245 pacientes entre agosto de 2011 e março de 2012. Todos pacientes entrevistados estavam em programa de HD nos três serviços de Nefrologia credenciados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em João Pessoa - PB.
Resultados:
Dos entrevistados, 61% eram do sexo masculino, 66% apresentavam união estável e 44,5% eram brancos. Aproximadamente 50% eram da faixa etária de 40 a 59 anos e 51% não moravam no município de João Pessoa. As etiologias mais prevalentes foram HAS (38%) e DM (13%). As comorbidades mais prevalentes foram retinopatia diabética (15,5%) e neuropatia periférica (13,5%). Noventa e dois por cento referiram algum episódio de internação hospitalar. O acesso vascular temporário foi usado em 100% dos pacientes na primeira diálise.
Conclusão:
Os resultados deste estudo sinalizam a importância do melhor acompanhamento pré-dialítico desses pacientes, o que poderia reduzir a morbimortalidade.
acesso aos serviços de saúde; diálise renal; insuficiência renal crônica
Introduction:
Chronic kidney disease (CKD), considered by some authors as an epidemic of this century, relates directly to chronic diseases such diabetes (DM) and high blood pressure (HBP) and increase the life expectancy of the population.
Objective:
The aim of this study was to delineate epidemiological profile of patients on hemodialysis (HD) in a Brazilian capital.
Methods:
We conducted a cross-sectional study of a random sample of convenience, using a questionnaire in 245 patients between August 2011 and March 2012. All patients interviewed were in HD program in three Nephrology services at the Unified Health System (UHS) in João Pessoa.
Results:
Of the respondents, 61% were male, 66% were married and 44.5% were white. Approximately 50% were aged 40-59 years and 51% were living out of João Pessoa. The main etiologies were HBP (38%) and DM (13%). Main comorbidities were diabetic retinopathy (15.5%) and peripheral neuropathy (13.5%). Ninety-two percent reported an episode of hospitalization. Temporary vascular access was used in 100% of patients in first dialysis.
Conclusion:
Results of this study indicate the importance of better monitoring of these pre-dialysis patients, which could reduce morbimortality.
health services accessibility; kidney failure, chronic; renal dialysis
Introdução
Para compreender a doença renal crônica (DRC), importante epidemia deste século, é
necessário para integrá-la à abordagem das doenças crônicas como diabetes
mellitus (DM) e hipertensão arterial sistêmica (HAS) e ao aumento global da
expectativa de vida da população.11 Levey AS, Atkins R, Coresh J, Cohen EP, Collins AJ, Eckardt KU, et al.
Chronic kidney disease as a global public health problem: approaches and initiatives
- a position statement from Kidney Disease Improving Global Outcomes. Kidney Int
2007;72:247-59. PMID: 17568785 DOI:
http://dx.doi.org/10.1038/sj.ki.5002343
http://dx.doi.org/10.1038/sj.ki.5002343...
A maioria dos
portadores de DRC vai a óbito por doença cardiovascular ou para uma das modalidades de
terapias renais substitutivas (TRS), como a hemodiálise (HD), a diálise peritoneal (DP)
e o transplante renal.
No Brasil, de 2004 a 2011, houve um aumento da prevalência de 59.153 usuários em
programas de diálise para 91.314, segundo censo da Sociedade Brasileira de Nefrologia
(SBN).22 Sociedade Brasileira de Nefrologia. Censo SBN 2011 [Acesso 8 Jul 2014].
Disponível em: http://www.sbn.org.br/pdf/censo_2011_publico.pdf
http://www.sbn.org.br/pdf/censo_2011_pub...
A incidência anual estimada de doentes
em TRS é de 8% e aproximadamente 90% desses pacientes ingressam em programa de HD,
estando 85% deles em unidades conveniadas do Sistema Único de Saúde (SUS).
O Brasil detém provavelmente o terceiro maior programa crônico de diálise do mundo e
engloba uma população mais jovem, com menor prevalência de DM do que aquela descrita nos
países desenvolvidos, apresentando melhores índices de morbimortalidade que centros
norte-americanos e europeus.33 Grassmann A, Gioberge S, Moeller S, Brown G. ESRD patients in 2004:
global overview of patient numbers, treatment modalities and associated trends.
Nephrol Dial Transplant 2005;20:2587-93. DOI:
http://dx.doi.org/10.1093/ndt/gfi159
http://dx.doi.org/10.1093/ndt/gfi159...
Entretanto, como
sugerem Cherchiglia et al.,44 Cherchiglia ML, Machado EL, Szuster DA, Andrade EI, Assis Acúrcio Fd,
Caiaffa WT, et al. Epidemiological profile of patients on renal replacement therapy
in Brazil, 2000-2004. Rev Saude Publica 2010;44:639-49. DOI:
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102010000400007
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102010...
ainda há déficits de investimentos e estrutura em saúde, com um número
de transplantes renais duas vezes menor que o de novos pacientes que entram anualmente
em tratamento dialítico.
Há, ainda, problemas no encaminhamento dos pacientes para atendimento especializado,
aumentando a necessidade de diálise de urgência e de internações hospitalares.55 Bastos MG, Kirsztajn GM. Doença renal crônica: importância do
diagnóstico precoce, encaminhamento imediato e abordagem interdisciplinar estruturada
para melhora do desfecho em pacientes ainda não submetidos à diálise. J Bras Nefrol
2011;33:93-108. DOI:
http://dx.doi.org/10.1590/S0101-28002011000100013
http://dx.doi.org/10.1590/S0101-28002011...
A rede de apoio a pacientes em HD deveria atender
as demandas de complicações infecciosas, cerebrovasculares, entre outras, e intervir na
qualidade de vida dos indivíduos, melhorando o prognóstico global da DRC, o que nem
sempre se consegue pelo baixo financiamento do SUS.
No Estado da Paraíba, que tem uma população de aproximadamente 3 milhões de
habitantes,66 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010-
Paraíba [Acesso 8 Jul 2014]. Disponível em:
http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?sigla=pb
http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil....
existem nove serviços de
hemodiálise credenciados pelo SUS, sendo três deles em João Pessoa. Nesses três centros,
estão 360 pacientes em HD na cidade. Existem, ainda, dois outros serviços em João Pessoa
que não trabalham com pacientes do SUS, apenas com convênios de saúde suplementar.
O objetivo deste estudo foi traçar o perfil epidemiológico dos pacientes de programas de HD do SUS de nossa região, abordando características socioeconômicas e de acesso aos serviços de saúde, além de alguns dados relacionados à assistência médica. Não há relato na literatura de realização de trabalho semelhante no estado.
Os resultados obtidos permitirão comparar estratégias de cuidado e controle de qualidade dos serviços de TRS com outras regiões do país, a partir de dados dos censos da SBN e, principalmente, conhecer a realidade do paciente em nossa região.
Métodos
Trata-se de um estudo transversal de amostra aleatória de conveniência. Este estudo foi realizado no período de agosto de 2011 a março de 2012, sendo entrevistados 245 pacientes de um total de cerca de 360 pacientes prevalentes em programa crônico de HD nos três serviços de Nefrologia credenciados pelo SUS em João Pessoa - PB e região metropolitana.
Os pacientes responderam um questionário-padrão com o auxílio de um pesquisador que coletou os dados nas unidades de HD. Foram incluídos todos os pacientes maiores de 18 anos em programa crônico de HD pelo SUS e excluídos pacientes com problemas de comunicação/cognição (i.e. demenciados, comatosos, ou pacientes que não conseguiam responder pelo menos 50% das perguntas do questionário). Todos os pacientes preencheram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
As informações eram colhidas diretamente com o paciente, devido à dificuldade encontrada de localizar os dados registrados nos prontuários dos pacientes. Apenas os dados de sorologias, cálcio, fósforo, PTH e etiologia da doença de base foram obtidos diretamente do prontuário. Com relação aos sintomas, havia no questionário uma lista com os sintomas mais comuns descritos na literatura que eram lidos para o paciente e ele escolhia aquele ou aqueles que tinha apresentado com maior frequência no último mês. O número de internações hospitalares era relatado pelo paciente e era lida uma lista com as principais causas de internação em pacientes em HD e o paciente selecionava o motivo que ele compreendia que havia sido a causa da internação. Era, então, solicitado que trouxesse Resumos de alta na sessão seguinte, quando eram confirmadas ou não as afirmações. Se o paciente não trouxesse os Resumos de alta, era mantida a afirmação do paciente.
Com relação ao grau de escolaridade, foram considerados analfabetos os pacientes que não frequentaram a escola e, para os demais níveis de escolaridade, foram considerados mesmo que não tivesse sido concluído.
Para estimar a qualidade da assistência pré-dialítica, foram usados os parâmetros de acesso vascular pré-HD, do conhecimento das principais causas de DRC e do tempo em que foi acompanhado por nefrologista no período pré-dialítico. A maior parte dos pacientes tinha perfeita lembrança dos acontecimentos próximos ao período em que iniciou o programa de HD, caracterizando como um dos períodos mais difíceis de suas vidas.
As informações coletadas foram inseridas em planilha do Microsoft Excel 2007 (versão 9.0), onde foram interpretados. Os dados são descritos com número absoluto/porcentagem ou com média e desvio-padrão (DP).
Aspectos éticos
Todos os pacientes preencheram termo de consentimento, permitindo a divulgação científica das informações. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Universitário Lauro Wanderley e não possui conflitos de interesse.
Resultados
Dos 360 pacientes iniciais, seis foram excluídos por terem convênio médico, 22 por terem menos de 18 anos e os demais por não conseguir responder pelo menos 50% do questionário, na grande maioria dos casos, por não saber responder as perguntas, restando 245 pacientes.
Entre os 245 pacientes participantes do estudo, 150 (61%) eram do sexo masculino, 161 (66%) apresentavam união estável e 109 (44,5%) eram brancos. A idade média dos pacientes era de 51,2 ± 2 anos, com aproximadamente 122 (50%) dos pacientes na faixa etária de 40 a 59 anos e 55 (23%) maiores de 60 anos. Em relação à escolaridade, 138 (56%) declararam ter frequentado o ensino fundamental e 19 (8%) o curso superior. A remuneração mensal média foi de dois salários mínimos. Os dados de perfil sociodemográfico estão apresentados na Tabela 1.
Em relação ao deslocamento às unidades de HD, 124 (51%) não moravam no município de João Pessoa e 113 (46%) pacientes eram transportados com recursos de suas prefeituras de origem. Praticamente todos os pacientes 240 (98%) recebiam auxílio doença e cinco (2%) referiram estar à espera do auxílio previdenciário (Tabela 2).
A biópsia renal foi realizada em apenas dois (1%) dos pacientes e 147 (60%) declararam atendimento especializado com nefrologista apenas imediatamente ou no máximo um mês antes da primeira sessão de HD. Todos os pacientes entrevistados realizaram a primeira sessão de HD através de cateter venoso central temporário. Nenhum dos pacientes referiu conhecer previamente ao início da HD a associação entre DRC e HAS e/ou DM. Grande parte dos pacientes (109/44%) não visualizava uma perspectiva de transplante renal, estando incluídos nesse grupo os pacientes com contraindicação médica e pacientes que, a despeito de não apresentarem contraindicação médica, não tinham interesse em realizar transplante ou não acreditavam que conseguiriam ter acesso a um serviço de transplante. Setenta e nove por cento dos pacientes (193) não possuíam doadores previstos dentro ou fora da família. Apenas 35 (14%) apresentavam parentes com história de ter realizado HD (Tabela 2).
Dos entrevistados, 100 (41%) estavam entre 1 a 5 anos em HD e 64 (26%) há menos de 1 ano. O tempo médio em programa de HD foi de 1,9 ± 0,6 anos. Cento e cinquenta e quatro pacientes (63%) referiram já ter realizado hemotransfusão durante o período dialítico. Sobre os sintomas ocorridos durante as sessões de HD, 125 (51%) apresentavam dor em membro inferior recorrente e 114 (46,5%) apresentavam câimbras musculares (Tabela 3). Cerca de metade dos pacientes (130/53%) responderam que são oligúricos e negaram usar dieta específica para pacientes em HD, apesar das orientações nutricionais. Cerca de 180 pacientes (73%) usam dieta normossódica em seus domicílios (Tabela 3). Apenas 10 (4%) eram portadores de hepatite C, dois (1%) de hepatite B e um (1%) tinha sorologia positiva para vírus da imunodeficiência humana (HIV).
A HAS foi a etiologia da DRC em 94 (38%) casos e diabetes mellitus em 32 (13%), sendo que em 24 (10%) dos pacientes essas duas doenças foram postas como causas presumidas. Sessenta e oito pacientes (28%) tinham etiologias desconhecidas para DRC. As comorbidades mais prevalentes foram retinopatia diabética (15,5%) e neuropatia periférica (13,5%) e 10 pacientes (4%) relataram ser portadores de alguma sequela de eventos isquêmicos, como Acidente Vascular Encefálico (AVE) e Infarto Agudo do Miocárdio (IAM), doze pacientes (5%) referiram algum grau de vasculopatia periférica.
Nos pacientes diabéticos, encontrou-se que 235 (96%) foram diagnosticados antes do período dialítico e 172 (70%) referiram ter mais de 10 anos de diagnóstico. Cerca de 140 pacientes (57%) referiram seguir dieta específica para DM, 196 (80%) faziam uso de medicação oral e 140 (57%) usavam insulina.
Entre os hipertensos, 120 (47,5%) foram diagnosticados como portadores dessa patologia há mais de 10 anos e 130 (52,5%) tinham entre 5 e 10 anos de diagnóstico. A maioria dos pacientes (179/73%) não fazia uso de dieta específica para HAS e 189 (77%) estavam em uso anti-hipertensivos orais.
Ao avaliarmos a frequência de internamentos hospitalares, excluindo-se cuidados em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), identificamos que 225 (92%) dos pacientes foram internados alguma vez durante o período de HD, sendo que 135 (55%) tiveram uma internação, 93 (38%) entre duas e dez, e 15 (6%) apresentavam histórico de mais de 10 hospitalizações por eventos relacionados à HD. Uremia e distúrbios metabólicos foram as causas presumidas mais comuns em 137 (56%) pacientes; as causas infecciosas representaram 64 (26,5%) casos; urgência hipertensivas corresponderam a 46 (18,5%) casos; hipovolemia (anasarca; derrames cavitários; edema agudo de pulmão) motivou 34 (14%) das internações e os eventos isquêmicos (AVE/IAM) foram motivos da hospitalização em 10 (4%) dos entrevistados (Figura 1).
Distribuição de causas de internação hospitalar (%) - Valores em percentual. AVE: Acidente vascular encefálico; IAM: Infarto agudo do miocárdio.
Aproximadamente 83 pacientes (33,5%) responderam que foram internados em Terapia Intensiva (UTI) pelo menos uma vez. Destes, identificou-se que 174 (71%) tiveram um episódio de internação em ambiente de terapia intensiva e 71 (29%) foram internados duas ou mais vezes em UTI. Os motivos mais comuns de internamentos nesse setor foram emergência hipertensiva em 120 casos (49%); distúrbios metabólicos e uremia em 93 (38%) dos casos, eventos isquêmicos (IAM/AVE) em 83 (34%) e hipervolemia em 56 (23%) casos. Complicações infecciosas responderam por apenas 10 (4%) desses internamentos, e outras causas como cirurgias urológicas responderam por mais dez (4%) casos.
Discussão
Traçar o perfil dos pacientes em programa crônico de HD em nossa região nos permite
conhecer a população submetida a esse tratamento e inferir sobre alguns aspectos da
realidade psicossocial e da qualidade da assistência médica oferecida a eles. Nesse
estudo, não encontramos divergências sociodemográficas do cenário nacional exposto no
CENSO-2011 da Sociedade Brasileira de Nefrologia, que indicava ser a maioria dos
pacientes de idade jovem (66,9%) entre 19-64 anos, e com discreta predominância do sexo
masculino.22 Sociedade Brasileira de Nefrologia. Censo SBN 2011 [Acesso 8 Jul 2014].
Disponível em: http://www.sbn.org.br/pdf/censo_2011_publico.pdf
http://www.sbn.org.br/pdf/censo_2011_pub...
A remuneração familiar média desses pacientes é de apenas dois salários mínimos e praticamente todos eles recebem auxílio da previdência social. Aproximadamente metade dos pacientes depende dos transportes oferecidos por suas prefeituras e fazem viagens longas, muitas vezes permanecendo o dia inteiro fora da cidade de origem, aguardando os demais pacientes que vêm no mesmo transporte. Isso reflete a estrutura centralizada de distribuição dos centros de diálise do país, o que é consequência principalmente da falta de investimentos públicos na abertura de novos centros de HD em cidades menores. O estudo do programa Nefro-Bahia (2006) avaliou que, em média, os pacientes gastam 4 horas por dia só no deslocamento aos centros de HD, viajando cerca de 80 km por dia.77 Ritt GF, Braga PS, Guimarães EL, Bacelar T, Schriefer A, Kraychete AC, et al. terapia renal substitutiva em pacientes do interior da Bahia: avaliação da distância entre o município de moradia e a unidade de hemodiálise mais próxima. J Bras Nefrol 2007;9:59-63. Essas estimativas provavelmente atuam de maneira negativa sobre a qualidade de vida dos pacientes.
Ao avaliarmos a assistência médica oferecida aos clientes pré-HD, identificamos que 60% foram acompanhados por um médico nefrologista imediatamente ou apenas um mês antes da primeira sessão de HD, e apenas dois pacientes (cerca de 1%) relataram ter realizado biópsia renal. Esses dados sugerem um déficit importante no acompanhamento clínico durante o período de tratamento conservador dos pacientes. A maioria dos pacientes sequer sabia que HAS e DM são causas de DRC.
Em um inquérito norte-americano, que avaliou o tratamento clínico pré-dialítico e os
acessos aos serviços de saúde, encontrou-se que 18% dos usuários sem seguro de saúde
tratavam síndrome metabólica e HAS, enquanto 38% dos clientes com seguro tratavam esses
fatores de risco modificáveis para evolução da DRC.88 Hall YN, Rodriguez RA, Boyko EJ, Chertow GM, O'Hare AM. Characteristics
of uninsured Americans with chronic kidney disease. J Gen Intern Med 2009;24:917-22.
DOI: http://dx.doi.org/10.1007/s11606-009-1028-3
http://dx.doi.org/10.1007/s11606-009-102...
Os pacientes não segurados, com menor acesso aos serviços de saúde, foram
menos propensos a controlar doenças como diabetes, HAS e obesidade, semelhante ao
observado nessa população.
Em relação ao acesso para HD, todos os entrevistados relataram uso de acesso vascular
temporário no início do processo dialítico, mesmo aqueles que já acompanhavam com
nefrologista. De acordo com as diretrizes da National Kidney
Foundation, o acesso vascular definitivo, por fístula ou prótese, deve ser
confeccionado 6 meses antes da primeira sessão de diálise e, conforme Kimball et
al.,99 Kimball TA, Barz K, Dimond KR, Edwards JM, Nehler MR. Efficiency of the
kidney disease outcomes quality initiative guidelines for preemptive vascular access
in an academic setting. J Vasc Surg 2011;54:760-5. DOI:
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvs.2011.03.006
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvs.2011.03....
há um importante benefício do
uso das fístulas arteriovenosas no prognóstico dos pacientes. O acesso vascular por
cateter é a principal causa de eventos infecciosos nesses pacientes e, como mostrado por
Lukowsky et al.,1010 Lukowsky LR, Kheifets L, Arah OA, Nissenson AR, Kalantar-Zadeh K.
Patterns and predictors of early mortality in incident hemodialysis patients: new
insights. Am J Nephrol 2012;35:548-58. DOI:
http://dx.doi.org/10.1159/000338673
http://dx.doi.org/10.1159/000338673...
é a causa de
34% das mortes no primeiro ano de HD, chegando a explicar, junto a hipoalbuminemia, até
1/3 das mortes nesses pacientes.1111 Quori A, Baamonde-Laborda E, García-Cantón C, Lago-Alonso MM,
Toledo-González A, Monzón-Jiménez E, et al. Surveillance for infections and other
adverse events in dialysis patients in southern Gran Canaria. Nefrologia
2011;31:457-63. Esses achados
refletem um atraso de encaminhamento ao nefrologista e mesmo quando o paciente tem
acesso ao profissional não há uma estrutura de assistência para confecção de fistulas
pré-HD. Os dados do Censo da SBN 2011 revelam que aproximadamente 14% dos pacientes
prevalentes em HD naquele ano têm como acesso cateter vascular temporário, entretanto,
não é descrito o percentual entre pacientes incidentes, dificultando a comparação entre
os valores.
Em nossa abordagem, encontramos entrevistados em vários períodos de tratamento, com
aproximadamente 26% dos usuários no primeiro ano de HD e 33% tinham mais de 5 anos de
HD. A partir do uso de hemoderivados, como indicador indireto do controle da anemia,
verificamos que 63% realizaram hemotransfusões e 31% relataram ter usado mais de cinco
bolsas durante o período dialítico, por causas relacionadas à DRC terminal. O
monitoramento dos níveis de hemoglobina deve ser realizado de rotina nesse grupo de
pacientes, pois a anemia é um preditor de mortalidade e precisa ser abordada com
múltiplas estratégias como uso de eritropoetina, ferro exógeno e menos comumente com o
uso de hemotransfusões.1212 De Nicola L, Minutolo R, Chiodini P, Borrelli S, Zoccali C, Postorino M,
et al.; Italian Society of Nephrology Study Group Target Blood pressure Levels
(TABLE) in CKD. The effect of increasing age on the prognosis of non-dialysis
patients with chronic kidney disease receiving stable nephrology care. Kidney Int
2012;82:482-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1038/ki.2012.174
http://dx.doi.org/10.1038/ki.2012.174...
13 Schmid H, Schiffl H, Lederer SR. New strategies for managing anemia of
chronic kidney disease. Cardiovasc Hematol Agents Med Chem 2012;10:339-51. DOI:
http://dx.doi.org/10.2174/187152512803530342
http://dx.doi.org/10.2174/18715251280353...
-1414 Wong CF, McCarthy M, Howse ML, Williams PS. Factors affecting survival
in advanced chronic kidney disease patients who choose not to receive dialysis. Ren
Fail 2007;29:653-9. PMID: 17763158 DOI:
http://dx.doi.org/10.1080/08860220701459634
http://dx.doi.org/10.1080/08860220701459...
Ainda segundo o CENSO 2011 (SBN), a hipertensão acomete 35,1% dos pacientes com DRC em
processo dialítico, sendo a principal causa de DRC no Brasil, seguida de
diabetes mellitus (28,4%) e glomerulonefrite crônica com 11,4%.22 Sociedade Brasileira de Nefrologia. Censo SBN 2011 [Acesso 8 Jul 2014].
Disponível em: http://www.sbn.org.br/pdf/censo_2011_publico.pdf
http://www.sbn.org.br/pdf/censo_2011_pub...
Refere também que 9,3% tem causas desconhecidas.
Nos nosso dados, encontramos prevalência mais baixa de DM como causa e um índice
consideravelmente maior (28%) de causas desconhecidas para DRC. Isso pode refletir o
fato desses pacientes não terem acesso a acompanhamento nefrológico durante os estágios
iniciais de DRC e a ausência de realização de biópsias renais em nosso meio.
Em relação a informações sobre hospitalização, excluindo-se internações em UTI, 92% dos entrevistados referiram ter se internado pelo menos uma vez durante o período de tratamento dialítico e destes, 45% relataram mais de três internamentos hospitalares. As causas mais comuns foram distúrbios metabólicos (56%); eventos infecciosos (26,5%) e urgência hipertensiva. Verificou-se, também, que um terço dos pacientes relataram internamentos em UTI, tendo como causas mais frequentes emergência hipertensiva (49%), distúrbios metabólicos (38%) e eventos isquêmicos (IAM/AVE).
Avaliando internações em hospital terciário americano encontrou-se 46,6% dos
internamentos relacionados à DRC terminal, com 24% de internações recorrentes,
principalmente em diabéticos.1515 Thakar CV, Quate-Operacz M, Leonard AC, Eckman MH. Outcomes of
hemodialysis patients in a long-term care hospital setting: a single-center study. Am
J Kidney Dis 2010;55:300-6. DOI:
http://dx.doi.org/10.1053/j.ajkd.2009.08.021
http://dx.doi.org/10.1053/j.ajkd.2009.08...
Em pesquisa de
Behl et al.1616 Behl M, Sun Y, Agaba EI, Martinez M, Servilla KS, Raj DS, et al. Death
during hospitalization in patients on chronic hemodialysis. Hemodial Int
2010;14:S14-21. DOI:
http://dx.doi.org/10.1111/j.1542-4758.2010.00485.x
http://dx.doi.org/10.1111/j.1542-4758.20...
analisando 410
pacientes internados e com DRC, demonstrou-se que 59% eram diabéticos e as causas de
hospitalização, no grupo de usuários que foram a óbito, eram eventos cardiovasculares
(19,2%); vasculopatia periférica (16,7%) e complicações do acesso vascular em 18,3%.
Segundo Quori et al.,1111 Quori A, Baamonde-Laborda E, García-Cantón C, Lago-Alonso MM,
Toledo-González A, Monzón-Jiménez E, et al. Surveillance for infections and other
adverse events in dialysis patients in southern Gran Canaria. Nefrologia
2011;31:457-63. 8%
pacientes em diálise apresentam eventos infecciosos como causas de internamentos e
Lukowsky et al.1010 Lukowsky LR, Kheifets L, Arah OA, Nissenson AR, Kalantar-Zadeh K.
Patterns and predictors of early mortality in incident hemodialysis patients: new
insights. Am J Nephrol 2012;35:548-58. DOI:
http://dx.doi.org/10.1159/000338673
http://dx.doi.org/10.1159/000338673...
ressaltaram
que as infecções acometem principalmente aqueles com baixos níveis de albumina. Em um
estudo dinamarquês, Nielsen et al.1717 Nielsen LH, Jensen-Fangel S, Jespersen B, Ostergaard L, Søgaard OS. Risk
and prognosis of hospitalization for pneumonia among individuals with and without
functioning renal transplants in Denmark: a population-based study. Clin Infect Dis
2012;55:679-86. DOI: http://dx.doi.org/10.1093/cid/cis488
http://dx.doi.org/10.1093/cid/cis488...
demonstraram que, entre pacientes com DRC terminal candidatos a
transplante renal, havia um risco 10,2 vezes maior de hospitalização por pneumonia do
que na população geral.
É de interesse clínico rastrear e tratar esses pacientes para doenças cérebro e
cardiovasculares, por tratar-se de um grupo de risco devido a uma aceleração da doença
vascular aterosclerótica no curso da DRC.1818 Fabbian F, Casetta I, De Giorgi A, Pala M, Tiseo R, Portaluppi F, et al.
Stroke and renal dysfunction: are we always conscious of this relationship? Clin Appl
Thromb Hemost 2012;18:305-11.
19 Lilitkarntakul P, Dhaun N, Melville V, Kerr D, Webb DJ, Goddard J. Risk
factors for metabolic syndrome independently predict arterial stiffness and
endothelial dysfunction in patients with chronic kidney disease and minimal
comorbidity. Diabetes Care 2012;35:1774-80. DOI:
http://dx.doi.org/10.2337/dc11-2345
http://dx.doi.org/10.2337/dc11-2345...
-2020 Toussaint ND, Lau KK, Strauss BJ, Polkinghorne KR, Kerr PG. Associations
between vascular calcification, arterial stiffness and bone mineral density in
chronic kidney disease. Nephrol Dial Transplant 2008;23:586-93. DOI:
http://dx.doi.org/10.1093/ndt/gfm660
http://dx.doi.org/10.1093/ndt/gfm660...
Segundo Levin,2121 Levin A. Clinical epidemiology of cardiovascular disease in chronic
kidney disease prior to dialysis. Semin Dial 2003;16:101-5. DOI:
http://dx.doi.org/10.1046/j.1525-139X.2003.16025.x
http://dx.doi.org/10.1046/j.1525-139X.20...
a doença cardiovascular é a principal causa de
morte entre eles, com 35% dos pacientes apresentando alguma evidência de isquemia
cardíaca e 20% tendo piora função cardiovascular apenas por estarem em HD.
Uma das estratégias de cuidado a saúde desses indivíduos que merece, portanto, destaque é atuar sobre as comorbidades, o que poderia diminuir as taxas de hospitalização. No presente estudo, as principais comorbidades verificadas foram retinopatia, neuropatia periférica e vasculopatia periférica, além de sequelas de eventos isquêmicos (AVE/IAM).
Historicamente, as comorbidades e as taxas de internação foram associadas com
mortalidade em várias pesquisas.2222 Wingard RL, Chan KE, Hakim R. RightReturn. Partnering to reduce the high
rate of hospital readmission for dialysis-dependent patients. Nephrol News Issues
2012;26:20-2.
23 Collins AJ, Hanson G, Umen A, Kjellstrand C, Keshaviah P. Changing risk
factor demographics in end-stage renal disease patients entering hemodialysis and the
impact on long-term mortality. Am J Kidney Dis 1990;15:422-32. PMID:
2333864-2424 Whaley-Connell A, Shlipak MG, Inker LA, Kurella Tamura M, Bomback AS,
Saab G, et al.; Kidney Early Evaluation Program Investigators. Awareness of kidney
disease and relationship to end-stage renal disease and mortality. Am J Med
2012;125:661-9. PMID: 22626510 DOI:
http://dx.doi.org/10.1016/j.amjmed.2011.11.026
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Essa relação nos
permite inferir sobre as dificuldades do manuseio ambulatorial dos distúrbios clínicos
desses pacientes.
Limitações do estudo
Devido à falta de informações dos prontuários médicos e de recursos técnicos, não coletamos dados referentes a níveis laboratoriais, como albumina sérica, proteinúria, hemoglobina, entre outros, além de dados físicos, como níveis pressóricos e ganho de peso pré-HD, sendo essas as principais limitações deste inquérito. As informações prestadas pelos pacientes e pelos seus acompanhantes, geralmente eram confirmadas em sessões seguintes com a avaliação dos prontuários e documentos oferecidos pelos próprios pacientes. A ausência de informações precisas nos prontuários limita a confiabilidade desse estudo. Adicionalmente, o questionário-padrão não é um instrumento validado para esta população.
Conclusões
As informações expostas evidenciam uma realidade preocupante em nossa região que possui baixos índices de acompanhamento conservador na DRC. Indiretamente isso foi demonstrado pelo baixo nível de conhecimento sobre a relação existente entre DRC, DM e HAS, bem como pela pouca adesão a tratamentos dietéticos para essas três patologias.
A maioria dos pacientes depende dos recursos do SUS para realizarem procedimentos clínicos e cirúrgicos, principalmente ambulatoriais e a falta de biópsia renal no curso da investigação clínica e a não confecção dos acessos vasculares definitivos na maioria dos pacientes revelam a dificuldade desses pacientes em terem acesso a esses procedimentos.
Além disso, as dificuldades socioeconômicas dos pacientes e a desestruturação da rede de
atendimento ao portador de DRC tem impacto direto na morbimortalidade desses pacientes.
Como demonstrado por Whaley-Connel et al.,2424 Whaley-Connell A, Shlipak MG, Inker LA, Kurella Tamura M, Bomback AS,
Saab G, et al.; Kidney Early Evaluation Program Investigators. Awareness of kidney
disease and relationship to end-stage renal disease and mortality. Am J Med
2012;125:661-9. PMID: 22626510 DOI:
http://dx.doi.org/10.1016/j.amjmed.2011.11.026
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a informação e a conscientização dos clientes sobre o curso da
DRC relacionam-se diretamente com os índices de mortalidade e as taxas de complicações
dessa condição clínica. Em nosso estado, ficou demonstrada a falta de informações nessa
população.
Agradecimentos
Agradecemos a colaboração dos serviços de hemodiálises que estiveram à nossa disposição durante a coleta de dados, em especial aos nefrologistas Dr. Mario de Oliveira Fiuza Chaves; Dr. Marcelo Barbosa Leite, professor aposentado de Nefrologia-UFPB; Dr. Joaquim Paiva, professor aposentado de Nefrologia, e Dra. Maria das Neves.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jul-Sep 2014
Histórico
-
Recebido
22 Nov 2012 -
Aceito
19 Nov 2013