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Homenagem da Nefrologia Brasileira a Peter Brian Medawar

Brazilian Nephrology pays homage to Peter Brian Medawar

"The human mind treats a new idea the same way the body treats a strange protein; it rejects it."


Em 28 de fevereiro de 2015, celebramos o centenário do nascimento de Peter Brian Medawar, brasileiro nato, que se tornou um dos maiores cientistas do século XX e foi agraciado com o prêmio Nobel de Medicina, em 1960. Peter nasceu em Petrópolis, estado do Rio de Janeiro, fato que lhe conferiu cidadania brasileira. Seu pai, Name Medawar, libanês maronita, fez fortuna na Inglaterra fabricando instrumentos odontológicos e ópticos. Sua mãe, a inglesa Edith Muriel Dowling, veio com o marido para o Rio de Janeiro em 1913, para instalar uma filial, a Óptica Inglesa. A família Medawar mantinha residências em Copacabana e em Petrópolis. Peter nasceu na cidade Imperial (fundada pelo Imperador Pedro II) às 17h30 do dia 28/02/1915, como consta no registro civil de 10 de março do mesmo ano, no cartório local. Nas suas memórias,1Medawar PB. Memoir of a Thinking Radish: An Autobiography. Oxford: Oxford University Press; 1984. o pesquisador relembrou como gostava do arroz, feijão e farofa, preparados pela babá Dina, que cuidava carinhosamente dele e dos irmãos, Pamela e Philip. Peter também foi registrado no consulado britânico do Rio de Janeiro e viveu no Brasil até os 13 anos, quando foi para a Inglaterra acompanhando sua irmã Pamela, para cursarem os estudos secundários. Pamela foi esposa de Sir David Hunt, secretário particular de Winston Churchill e embaixador da Inglaterra no Brasil entre 1969 e 1973.

Peter se destacou precocemente em biologia e se dedicou à pesquisa. Na época da sua maioridade, recebia uma bolsa de estudos do Governo Britânico. Solicitou a intervenção de seu padrinho, então Ministro da Aeronáutica, Salgado Filho, para obter isenção do serviço militar obrigatório no Brasil. O Ministro da Guerra de Getúlio Vargas, general Eurico Gaspar Dutra, não atendeu ao pleito do jovem petropolitano. Estas questões circunstanciais fizeram com que a cidadania de Peter fosse supostamente perdida e a sua nacionalidade brasileira nunca fosse vinculada ao laureado.

Em 1935, Peter graduou-se em zoologia na Universidade de Oxford. Na School of Pathology trabalhou com Sir Howard Florey (Nobel de Medicina 1945). Em Oxford, conheceu Jean Shinglewood Taylor, com quem se casou em 1937 e teve 4 filhos: Charles, Alexander, Caroline e Louise. Com apenas 24 anos, surpreendeu obtendo o primeiro lugar em concurso para a cadeira de microbiologia em Oxford.

As pesquisas iniciais de Medawar foram dedicadas à cultura de células e à regeneração de nervos periféricos. Foi pioneiro no emprego de modelagem matemática em culturas de tecidos, aplicando-a na análise do crescimento, morfologia e desenvolvimento celular. Durante a Segunda Guerra, prestou serviços na Unidade de Queimados da Glasgow Royal Infirmary. Os intensos bombardeios na Inglaterra causaram muitas vítimas com queimaduras extensas e a rejeição dos enxertos de pele era um dos maiores problemas hospitalares.

O conhecimento médico da época entendia que a prevenção da rejeição de pele era uma questão de habilidade cirúrgica. Estudando pacientes enxertados, Medawar demonstrou que a rejeição era um problema fundamentalmente biológico. Observando o intervalo para a rejeição e verificando a invasão do enxerto por linfócitos, desenvolveu a teoria da imunidade dos transplantes. Foi pioneiro nos mecanismos de tolerância imunológica adquirida e na imunomodulação com corticoides, que produziu o primeiro impacto positivo no aumento da sobrevida dos transplantes renais.

Em 1960, como reconhecimento pela excepcional contribuição científica, Peter Medawar recebeu o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina, juntamente com o australiano Frank Burnet, pelo estabelecimento das bases da tolerância imunológica para a criação do soro antilinfocitário, que modificou definitivamente a história da rejeição pós-transplante de órgãos. Em 1962, foi nomeado chefe do maior laboratório de investigação médica do Reino Unido, o National Institute for Medical Research, e em 1965 recebeu o título de Sir, concedido pela Rainha Elizabeth II. Foi também fundador e primeiro presidente da Sociedade Internacional de Transplantes.

Sua carreira de pesquisador foi interrompida precocemente em 1969, quando teve um acidente vascular cerebral. Além de literatura técnica abundante, Medawar escreveu vários livros (apenas um editado no Brasil*):2Medawar PB. Os Limites da Ciência; tradução Antonio Varlos Bandouk. São Paulo. Editora UNESP; 2008. The Uniqueness of the Individual (1957), The Future of Man (1960), The Art of the Soluble (1967), The Hope of Progress (1972), Life Science (1977), Advice to a Young Scientist (1979), Pluto's Republic (1982), The Limits of Science*(1984). Em 1986 publicou autobiografia, um ano antes de falecer, cujo título destaca o contraste vivido entre a limitação física causada pela doença e sua lucidez preservada: Memoir of a Thinking Radish, ou Memórias de um Rabanete Pensante. Em 1961, o laureado cientista retornou ao Rio de Janeiro quando recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade do Brasil (UB), atual UFRJ.3O Globo. Rio de Janeiro. 15 Dez 1961. Na ocasião, declarou que o retorno ao Brasil, depois de tantos anos, foi uma das maiores emoções de sua vida. Peter se reuniu com cientistas brasileiros proferindo duas palestras, na Academia Brasileira de Ciências e no Instituto de Biofísica da UB.

A Academia de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (ACAMERJ) criou a Medalha Peter Brian Medawar, como uma forma de homenagear o ilustre cientista e perpetuar seu nome nos meios acadêmicos brasileiros. Em 1990, a The Transplantation Society criou o Medawar Prize, uma homenagem ao seu cofundador, considerado um dos maiores prêmios científicos mundiais, que já premiou as maiores expressões acadêmicas da imunologia e da transplantação.

No centenário de seu nascimento, todas as homenagens à memória de Peter Brian Medawar serão justas e merecidas. A Sociedade Brasileira de Nefrologia não poderia deixar de expressar seu reconhecimento e render tributo a Peter Medawar, este brasileiro nato, que com sua capacidade intelectual excepcional contribuiu decisivamente para mudar a história da Medicina.

Referências

  • 1
    Medawar PB. Memoir of a Thinking Radish: An Autobiography. Oxford: Oxford University Press; 1984.
  • 2
    Medawar PB. Os Limites da Ciência; tradução Antonio Varlos Bandouk. São Paulo. Editora UNESP; 2008.
  • 3
    O Globo. Rio de Janeiro. 15 Dez 1961.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    08 Jan 2015
  • Aceito
    12 Jan 2015
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