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Associação entre níveis de ferritina e peroxidação lipídica em pacientes em hemodiálise

Resumo

Introdução:

A suplementação de ferro é uma das importantes recomendações em pacientes com doença renal crônica (DRC), contudo, uma sobrecarga desse mineral pode contribuir para o estresse oxidativo, condição essa bastante relacionada com o risco cardiovascular nesses pacientes.

Objetivo:

O objetivo desse trabalho foi investigar se os níveis de ferritina estão associados ao estresse oxidativo avaliado pelo malondialdeído (MDA) em pacientes em hemodiálise (HD).

Métodos:

Vinte pacientes em tratamento de HD (55,0 ± 15,2 anos, tempo de diálise de 76,5 ± 46,3 meses, IMC 23,6 ± 3,0 kg/m2) foram comparados com 11 indivíduos saudáveis (50,9 ± 8,0 anos, IMC 23,8 ± 1,9 kg/m2). O nível de MDA foi medido pela reação com o ácido tiobarbitúrico e os dados bioquímicos de rotina foram obtidos por meio do prontuário médico.

Resultados:

Os pacientes em HD apresentaram elevados níveis de MDA (13,2 ± 5,3 nmol/mL) quando comparados aos indivíduos saudáveis (5,1 ± 2,7 nmol/mL; p < 0,01). Doze pacientes (60%) apresentaram valores de ferritina superiores a 500 ng/mL e houve correlação positiva entre ferritina e MDA nos pacientes HD (r = 0,66; p = 0,005; n = 17).

Conclusão:

O excesso dos estoques de ferro em pacientes em HD resulta em um aumento da peroxidação lipídica e, consequentemente, contribui para um maior estresse oxidativo nesses pacientes.

Palavras-chave:
diálise renal; estresse oxidativo; ferritinas; malondialdeído

Abstract

Introduction:

Iron supplementation is one of the recommendations found in patients with chronic kidney disease (CKD), however, an overload of this mineral can contribute to oxidative stress, a condition closely related to the cardiovascular risk in these patients, as well as disease progression.

Objective:

The objective of this study was to investigate whether ferritin levels are associated with oxidative stress marker MDA in patients on hemodialysis (HD).

Methods:

Twenty HD patients (55.0 ± 15.2 years, time of dialysis 76.5 ± 46.3 months, BMI 23.6 ± 3.0 kg/m2) were compared with 11 healthy subjects (50.9 ± 8.0 years, BMI 23.8 ± 1.9 kg/m2). Malondialdehyde (MDA) was measured by reaction with thiobarbituric acid and routine biochemical data were obtained from medical records.

Results:

MDA levels were significantly higher in HD patients compared to the control group (13.2 ± 5.3 nmol/mL vs. 5.1 ± 2.7nmol/mL, p < 0.01). Twelve patients (60%) had ferritin values greater than the 500 ng/mL and there was a positive correlation between ferritin and MDA in HD (r = 0.66, p = 0.005, n = 17) patients.

Conclusion:

The excess iron stores in HD patients results in increased lipid peroxidation, and consequently contributes to increased oxidative stress in these patients.

Keywords:
ferritins; malondialdehyde; oxidative stress; renal dialysis

Introdução

O estresse oxidativo é uma condição comum em pacientes com doença renal crônica (DRC) e apresenta relação com a diminuição da função renal,11 Dounousi E, Papavasiliou E, Makedou A, Ioannou K, Katopodis KP, Tselepis A, et al. Oxidative stress is progressively enhanced with advancing stages of CKD. Am J Kidney Dis 2006;48:752-60. PMID: 17059994 DOI:http://dx.doi.org/10.1053/j.ajkd.2006.08.015
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além de constituir em um importante fator etiológico na aterogênese, o que contribui para um maior risco cardiovascular nesses pacientes.22 Freigang S, Ampenberger F, Spohn G, Heer S, Shamshiev AT, Kisielow J, et al. Nrf2 is essential for cholesterol crystal-induced inflammasome activation and exacerbation of atherosclerosis. Eur J Immunol 2011;41:2040-51. DOI:http://dx.doi.org/10.1002/eji.201041316
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De modo a verificar as prováveis alterações que o estresse oxidativo pode ocasionar em diferentes doenças, a identificação de seus biomarcadores é fundamental. Dentre esses, um dos mais utilizados é o malondialdeído (MDA), um aldeído de cadeia curta que resulta da oxidação dos ácidos graxos poli-insaturados, ou seja, é um produto proveniente da peroxidação lipídica, que pode ser medido pela reação com o ácido tiobarbitúrico (TBA).33 Tucker PS, Dalbo VJ, Han T, Kingsley MI. Clinical and research markers of oxidative stress in chronic kidney disease. Biomarkers 2013;18:103-15. DOI:http://dx.doi.org/10.3109/1354750X.2012.749302
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É considerado um marcador de estresse oxidativo adequado na DRC, apresentando relação inversa com a função renal e correlação positiva com toxinas urêmicas.33 Tucker PS, Dalbo VJ, Han T, Kingsley MI. Clinical and research markers of oxidative stress in chronic kidney disease. Biomarkers 2013;18:103-15. DOI:http://dx.doi.org/10.3109/1354750X.2012.749302
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4 Yilmaz MI, Saglam M, Caglar K, Cakir E, Sonmez A, Ozgurtas T, et al. The determinants of endothelial dysfunction in CKD: oxidative stress and asymmetric dimethylarginine. Am J Kidney Dis 2006;47:42-50. PMID: 16377384 DOI:http://dx.doi.org/10.1053/j.ajkd.2005.09.029
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-55 Rutkowski P, Slominska EM, Szolkiewicz M, Aleksandrowicz E, Smolenski RT, Wolyniec W, et al. Relationship between uremic toxins and oxidative stress in patients with chronic renal failure. Scand J Urol Nephrol 2007;41:243-8. DOI:http://dx.doi.org/10.1080/00365590601017170
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Muitos são os fatores que levam ao estresse oxidativo na DRC, dos quais podem ser citadas a proteinúria, doenças associadas, as toxinas urêmicas e a própria hemodiálise (HD).66 Teixeira PJM. Stress oxidativo na doença renal crónica [Mestrado Integrado em Medicina]. Porto, Universidade do Porto 2010. Além disso, a ferritina, uma proteína globular de reserva de ferro, também parece ser outro fator a contribuir com o estresse oxidativo nesses pacientes.77 Lobo JC, Mafra D, Farage NE, Faulin Tdo E, Abdalla DS, de Nóbrega AC, et al. Increased electronegative LDL and decreased antibodies against electronegative LDL levels correlate with inflammatory markers and adhesion molecules in hemodialysed patients. Clin Chim Acta 2011;412:1788-92. PMID: 21676364 DOI:http://dx.doi.org/10.1016/j.cca.2011.05.034
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,88 Lim PS, Wei YH, Yu YL, Kho B. Enhanced oxidative stress in haemodialysis patients receiving intravenous iron therapy. Nephrol Dial Transplant 1999;14:2680-7. PMID: 10534512 DOI: http://dx.doi.org/10.1093/ndt/14.11.2680
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A suplementação de ferro é uma recomendação comum para pacientes com doença renal, no entanto, o excesso de ferro pode agir como fator pró-oxidante, contribuindo, assim, para a oxidação de moléculas, como por exemplo, para a peroxidação lipídica.99 Sengoelge G, Sunder-Plassmann G, Hörl WH. Potential risk for infection and atherosclerosis due to iron therapy. J Ren Nutr 2005;15:105-10. DOI:http://dx.doi.org/10.1053/j.jrn.2004.09.018
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,1010 Mimic-Oka J, Savic-Radojevic A, Pljesa-Ercegovac M, Opacic M, Simic T, Dimkovic N, et al. Evaluation of oxidative stress after repeated intravenous iron supplementation. Ren Fail 2005;27:345-51. Isto é importante, dado que a anemia é uma complicação comumente observada em pacientes renais e a administração de eritropoetina recombinada humana (EPO) e de ferro intravenoso são recomendadas pelo Kidney Disease Outcomes Quality Initiative (KDOQI) Clinical Practice Guidelines.1111 KDOQI; National Kidney Foundation. KDOQI Clinical Practice Guidelines and Clinical Practice Recommendations for Anemia in Chronic Kidney Disease. Am J Kidney Dis 2006;47:S11- 145. PMID: 16678659 Diante disso, estudos que abordam a possível ligação entre o estresse oxidativo e os estoques de ferro em pacientes em HD são importantes, visto que níveis elevados de ferro podem agravar o estresse oxidativo já presente nesses pacientes. Assim, o objetivo do presente trabalho foi investigar se os níveis de ferritina estão associados aos de MDA nos pacientes em HD.

Materiais e métodos

Sujeitos

Foram estudados 20 pacientes renais crônicos em tratamento de HD (média de idade de 55,0 ± 15,2 anos, tempo médio em diálise de 76,5 ± 46,3 meses) na Clínica Nefrológica, Niterói, RJ, Brasil. A seleção dos pacientes foi feita com base em uma estratégia de amostragem por conveniência. Os pacientes realizavam três sessões semanais de HD com duração média de 4 horas, fluxo de sangue superior a 250 mL/min e fluxo de dialisato de 500 mL/min. Todos os indivíduos elegíveis foram previamente informados sobre a pesquisa e utilização do material biológico para realização do trabalho, bem como convidados a assinar o termo de consentimento. O protocolo do estudo foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina/HUAP - Universidade Federal Fluminense como adendo do projeto nº 018/09. Onze indivíduos sem DRC (cinco homens, com média de idade 50,9 ± 8,0 anos de idade, IMC 23,8 ± 1,9 kg/m2), sem uso de qualquer medicamento ou presença de doença pré-existente compuseram o grupo controle.

Foram incluídos no estudo homens e mulheres acima de 18 anos, do primeiro e segundo turno de HD, em tratamento de HD por pelo menos 6 meses e com fístula arteriovenosa (FAV) como acesso vascular. Foram excluídos pacientes com doenças inflamatórias, neoplásicas, AIDS, doença autoimune, fumantes, pacientes em uso de drogas catabolizantes e de suplementos vitamínicos antioxidantes.

Avaliação nutricional

Os seguintes parâmetros antropométricos foram medidos: o peso corporal, estatura e a circunferência da cintura. A aferição do peso foi realizada com auxílio de balança calibrada, especificamente, Filizola, com capacidade máxima de 150 kg e subdivisões a cada 100 gramas. O participante era posicionado de pé, no centro da base da balança e descalço. Já a estatura foi obtida com o auxílio de estadiômetro acoplado à balança, referida anteriormente, ficando o participante descalço, com os calcanhares juntos, costas retas e braços estendidos ao lado do corpo. O índice de massa corporal (IMC) foi calculado a partir da razão entre o peso seco e o quadrado da estatura.1212 Obesity: preventing and managing the global epidemic. Report of a WHO consultation. World Health Organ Tech Rep Ser 2000;894:i-xii. PMID: 11234459

Para a aferição da circunferência da cintura (CC), o paciente manteve-se de pé e, com auxílio de fita métrica não extensível, o participante foi circundado na linha natural da cintura, na região mais estreita entre o tórax e o quadril, no ponto médio entre a última costela e a crista ilíaca. A leitura foi feita no momento da expiração.1313 Lohman TJ, Roche AF, Martorell R, eds. Anthropometric standardization reference manual. Champaign: Human Kinetics; 1991. O risco de complicações associadas à obesidade encontra-se elevado quando os valores de CC são maiores que 94 cm para homens e 80 cm para mulheres e é considerado muito elevado quando os valores são superiores a 102 cm para homens e 88 cm para mulheres.1414 Expert Panel on Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Cholesterol in Adults. Executive Summary of The Third Report of The National Cholesterol Education Program (NCEP) Expert Panel on Detection, Evaluation, And Treatment of High Blood Cholesterol In Adults (Adult Treatment Panel III). JAMA 2001;285:2486-97. DOI: http://dx.doi.org/10.1001/jama.285.19.2486
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As medições foram feitas após a sessão de diálise por um membro do pessoal treinado.

Parâmetros bioquímicos

Resultados referentes às dosagens bioquímicas de rotina: albumina, ureia, creatinina, fósforo, potássio, paratormônio (PTH), hemoglobina (Hb), hematócrito (Ht), ferritina, ferro (Fe) e saturação de transferrina (SatFe) foram obtidos do prontuário médico.

Para pacientes em HD, o diagnóstico de anemia foi feito com base apenas nos valores de Hb, sendo valores de 11 - 13 g/dL considerados normais. Para Fe e saturação de transferrina (SatFe), os valores de referência são de 50 a 150 mcg/100 mL e 20 - 40%, respectivamente. Valores de ferritina entre 200 e 500 ng/mL foram considerados adequados.1111 KDOQI; National Kidney Foundation. KDOQI Clinical Practice Guidelines and Clinical Practice Recommendations for Anemia in Chronic Kidney Disease. Am J Kidney Dis 2006;47:S11- 145. PMID: 16678659

Dosagens sanguíneas

As amostras de sangue foram coletadas de cada participante do grupo controle no período da manhã, depois de jejum de 12 horas antes do início da HD. Nos pacientes submetidos à HD, o material biológico foi coletado nessas mesmas condições e ainda antes da sessão de diálise. O sangue foi coletado em tubos (Vacutainer®) contendo EDTA como anticoagulante. O plasma foi separado (15 min, 3000 rpm, 4 ºC) e armazenado em -80 ºC para análises posteriores.

Os níveis séricos de fator de necrose tumoral alfa (TNF - α) foram medidos por ELISA usando Kits Cayman - TNF - α (human) EIA Kit® - Cayman Chemical Company (Ann Arbor, MI, USA). Para a dosagem de interleucina-6 (IL - 6) e Proteína C reativa (PCR), foram utilizados kits comerciais DuoSet® ELISA development system - R&D Systems (Minneapolis, MN, EUA).

Determinação de malondialdeído

A peroxidação lipídica foi estimada pela reação entre MDA e o ácido tiobarbitúrico, utilizando-se o método de Ohkawa modificado.1515 Ohkawa H, Ohishi N, Yagi K. Assay for lipid peroxides in animal tissues by thiobarbituric acid reaction. Anal Biochem 1979;95:351-8. DOI:http://dx.doi.org/10.1016/0003-2697(79)90738-3
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Em eppendorfs, foram adicionados 70 µL dos padrões de MDA diluídos, 35 µL de SDS 8,1% (m/v), 385 µL de ácido fosfórico 1% (v/v), 70 µL de plasma de cada paciente e 210 µL de ácido tiobarbitúrico (TBA) 0,6% (m/v). Os eppendorfs foram agitados vigorosamente e em seguida levados a banho-maria seco a 95 ºC por 1 hora. Após esse período, os eppendorfs foram centrifugados a 4000 rpm por 5 minutos, o sobrenadante foi separado e a absorbância medida em leitor de microplacas Synergy H1M (Biotek®) a 532 nm. Os níveis plasmáticos de MDA são expressos como nanomoles por mililitro.

Análise estatística

A distribuição normal dos dados foi determinada utilizando o teste de Shapiro-Wilk. Os dados são expressos como média ± desvio padrão, mediana (intervalo interquartil) e os dados categóricos foram apresentados como percentual. Comparações entre grupos foram realizadas através do teste t bicaudal de Student não pareado, para variáveis paramétricas, ou Mann-Whitney, para as não paramétricas. A correlação entre variáveis de interesse foi realizada por meio do coeficiente de correlação de Pearson ou Spearman, conforme adequado. A análise de regressão múltipla foi usada para determinar quais possíveis parâmetros influenciavam os níveis de MDA. Os testes foram fixados com níveis de significância em 5% (p < 0,05). A análise estatística foi realizada com o uso do programa SPSS 19.0 (SPSS, Inc., Chicago, IL, EUA).

Resultados

Os parâmetros bioquímicos dos pacientes encontramse na Tabela 1. Onze pacientes (55%) apresentavam anemia (Hb < 11 g/dL) e 12 (60%) apresentaram valores de ferritina superiores a 500 ng/mL. Apenas cinco pacientes (25%) apresentavam valores de ferritina considerados ideais (200 - 500 ng/mL) e três pacientes (15%) apresentavam valores inferiores à meta a ser atingida (ferritina < 2 00 ng/mL).Em relação ao Fe e SatFe, 16 pacientes (80%) apresentaram valores adequados de Fe e 15 (75%) de SatFe.

Tabela 1
Perfil bioquímico dos pacientes estudados

As características demográficas, antropométricas e laboratoriais dos participantes são apresentadas na Tabela 2. Com base na classificação do risco de complicações metabólicas associadas à obesidade, avaliado segundo a CC, 10 pacientes (50%) apresentaram elevados valores de CC (sendo cinco homens e cinco mulheres).

Tabela 2
Características demográficas, antropométricas e laboratoriais dos participantes

Os níveis de PCR, TNF - α, IL - 6 e MDA foram significativamente maiores nos pacientes em HD quando comparados ao grupo controle. Houve uma correlação positiva entre ferritina e MDA nos pacientes HD (r = 0,66; p = 0,005; n = 17, Figura 1) e não houve correlação entre ferritina e marcadores inflamatórios como PCR, TNF - α e IL - 6. De acordo com a análise de regressão, a única variável que afetou os níveis de MDA foi a ferritina (β = 0,8; p = 0,02).

Figura 1.
Correlação entre níveis de Ferritina e de MDA em pacientes HD.

Discussão

Pacientes em HD estão comumente expostos ao estresse oxidativo, que constitui importante fator de risco cardiovascular, e um dos fatores que tem sido associado a essa condição nos pacientes com DRC é a ferritina. De fato, nossos resultados mostraram uma associação positiva entre os níveis séricos de ferritina e os de MDA nos pacientes estudados. Assim, parece que a ferritina pode agravar o estresse oxidativo nos pacientes em HD e, consequentemente, contribuir para um maior risco cardiovascular nesses pacientes.

Segundo o National Kidney Foundation,1111 KDOQI; National Kidney Foundation. KDOQI Clinical Practice Guidelines and Clinical Practice Recommendations for Anemia in Chronic Kidney Disease. Am J Kidney Dis 2006;47:S11- 145. PMID: 16678659 não existem evidências suficientes quanto aos potenciais riscos e benefícios de elevados níveis de ferritina. Todavia, apesar de alguns estudos não encontrarem uma relação entre níveis de ferritina e marcadores de estresse oxidativo em pacientes em HD,1616 Senol E, Ersoy A, Erdinc S, Sarandol E, Yurtkuran M. Oxidative stress and ferritin levels in haemodialysis patients. Nephrol Dial Transplant 2008;23:665-72. DOI: http://dx.doi.org/10.1093/ndt/gfm588
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,1717 Almeida SG, Veiga JP, Arruda SF, Neves CF, Siqueira EM. The association of markers of oxidative-inflammatory status with malnutrition in hemodialysis patients with serum ferritin lower than 500 ng/mL. J Bras Nefrol 2013;35:6-12. DOI: http://dx.doi.org/10.5935/01012800.20130002
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a maioria deles corroboram com nossos resultados. Lim et al.,88 Lim PS, Wei YH, Yu YL, Kho B. Enhanced oxidative stress in haemodialysis patients receiving intravenous iron therapy. Nephrol Dial Transplant 1999;14:2680-7. PMID: 10534512 DOI: http://dx.doi.org/10.1093/ndt/14.11.2680
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semelhante ao que encontramos, também verificaram uma correlação positiva entre os níveis séricos de ferritina e os níveis plasmáticos de MDA. Esses autores avaliaram 50 pacientes em HD que foram divididos em grupos 1, 2 e 3, de acordo com os níveis basais de ferritina < 300, 301 - 600 e > 601 µg/L, respectivamente, e verificaram ainda que os níveis de MDA foram significativamente maiores nos três grupos de pacientes quando comparados ao grupo controle, sendo mais elevados naqueles com níveis de ferritina maiores que 601 µg/L e, mais importante, houve um aumento significativo nos níveis de MDA após infusão de ferro. Em nosso trabalho, os níveis do marcador de estresse oxidativo MDA também foram significativamente maiores nos pacientes em HD quando comparados ao grupo controle.

Estudos mais recentes também relatam que níveis elevados de ferritina são um forte preditor de peroxidação lipídica em pacientes em HD, e que os marcadores de peroxidação lipídica também aumentam significativamente após infusão de ferro.1010 Mimic-Oka J, Savic-Radojevic A, Pljesa-Ercegovac M, Opacic M, Simic T, Dimkovic N, et al. Evaluation of oxidative stress after repeated intravenous iron supplementation. Ren Fail 2005;27:345-51.,1818 Van Campenhout A, Van Campenhout C, Lagrou A, Manuel-y-Keenoy B. Iron-induced oxidative stress in haemodialysis patients: a pilot study on the impact of diabetes. Biometals 2008;21:159-70. DOI: http://dx.doi.org/10.1007/s10534-007-9104-9
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Em estudo conduzido por Lobo et al.,1919 Lobo JC, Farage NE, Abdalla DS, Velarde LG, Torres JP, Mafra D. Association between circulating electronegative low-density lipoproteins and serum ferritin in hemodialysis patients: a pilot study. J Ren Nutr 2012;22:350-6. DOI:http://dx.doi.org/10.1053/j.jrn.2011.05.002
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foi descrita uma correlação positiva entre lipoproteína de baixa densidade (LDL) eletronegativa e ferritina, independente da inflamação. Nesse estudo, os pacientes também foram divididos segundo os níveis de ferritina (< 500 ng/mL, 500 - 1000 ng/mL e > 1000 ng/mL) e aqueles com valores de ferritina superiores a 1000 ng/mL apresentaram níveis elevados de LDL eletronegativa.

Quando os níveis de ferritina forem superiores a 500 ng/mL, as decisões quanto à administração de ferro devem ser analisadas considerando-se a resposta aos agentes estimulantes da eritropoiese (AEEs), assim como os níveis de Hb e SatFe e o estado clínico dos pacientes para se evitar assim uma sobrecarga de ferro.1111 KDOQI; National Kidney Foundation. KDOQI Clinical Practice Guidelines and Clinical Practice Recommendations for Anemia in Chronic Kidney Disease. Am J Kidney Dis 2006;47:S11- 145. PMID: 16678659 Em nosso estudo, foram observados elevados valores de ferritina, em média superiores a 500 ng/mL e valores adequados de Fe e de SatFe na maioria dos pacientes, o que induz a dizer que os estoques encontram-se elevados.

Porém, uma questão que deve ser considerada quanto a esse assunto é a inflamação. Nos pacientes com DRC, a presença da inflamação leva à chamada deficiência funcional de ferro, caracterizada por uma ferritina normal ou aumentada, e paradoxalmente, por uma concentração de Fe sérico e de SatFe reduzidas. Isso porque a inflamação leva ao aumento da produção hepática de hepcidina, um peptídeo que inibe a absorção intestinal de ferro, bem como a mobilização de ferro dos seus estoques. Todavia, apesar da inflamação induzir a essa ocorrência, ao mesmo tempo, pode mascarar tais resultados, visto que a ferritina, por ser uma proteína de fase aguda, pode ser afetada diante de um estado inflamatório.2020 Abensur H. Deficiência de ferro na doença renal crônica. Rev Bras Hematol Hemoter 2010;32:95-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1516-84842010005000047
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Assim, diante do estado inflamatório crônico observado nos pacientes submetidos à HD, níveis aumentados de ferritina são esperados nesses pacientes. Na vigência de estado inflamatório dosagens de ferritina entre 500 ng/mL e 1200 ng/mL são esperadas, embora valores maiores que 1200 ng/mL possam estar relacionados à sobrecarga de ferro mesmo nos pacientes em HD.2121 Kalantar-Zadeh K, Streja E, Miller JE, Nissenson AR. Intravenous iron versus erythropoiesis-stimulating agents: friends or foes in treating chronic kidney disease anemia? Adv Chronic Kidney Dis 2009;16:143-51. PMID: 19233073

Vale ressaltar que, em nosso trabalho, a contribuição significativa de ferritina para os níveis de MDA foi independente da inflamação. Além disso, apesar da ferritina sofrer influência do estado inflamatório, o que concorre para a necessidade de mais parâmetros para se avaliar adequadamente a homeostase de ferro de modo a evitar sobrecargas desse mineral nos pacientes em HD e, consequentemente, os prejuízos que isso ocasiona, a ferritina, junto à SatFe, ainda continua sendo o principal parâmetro para avaliar o status de ferro no organismo1111 KDOQI; National Kidney Foundation. KDOQI Clinical Practice Guidelines and Clinical Practice Recommendations for Anemia in Chronic Kidney Disease. Am J Kidney Dis 2006;47:S11- 145. PMID: 16678659 e, portanto, deve ser considerada. Assim, tendo em vista o que foi apresentado, parece que de fato os pacientes estudados apresentam uma sobrecarga de ferro, o que consequentemente parece levar ao aumento do estresse oxidativo, avaliado pelos níveis do marcador MDA.

A inflamação, além de ser um fator que pode influenciar na interpretação dos estoques corporais de ferro, é também uma condição comum em pacientes em HD, constituindo, juntamente com o estresse oxidativo, outro importante fator de risco cardiovascular,22 Freigang S, Ampenberger F, Spohn G, Heer S, Shamshiev AT, Kisielow J, et al. Nrf2 is essential for cholesterol crystal-induced inflammasome activation and exacerbation of atherosclerosis. Eur J Immunol 2011;41:2040-51. DOI:http://dx.doi.org/10.1002/eji.201041316
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estando também associada com a progressão da doença.2222 Shankar A, Sun L, Klein BE, Lee KE, Muntner P, Nieto FJ, et al. Markers of inflammation predict the long-term risk of developing chronic kidney disease: a population-based cohort study. Kidney Int 2011;80:1231-8. PMID: 21866089 DOI:http://dx.doi.org/10.1038/ki.2011.283
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No presente estudo, apesar da maioria dos pacientes em HD estar eutrófica, segundo o IMC, a distribuição da gordura corporal, avaliada pela CC, demonstrou que metade dos pacientes apresentavam deposição de gordura abdominal aumentada, a qual está relacionada com aumento da inflamação e do risco de mortalidade nesses pacientes. Os pacientes em HD apresentaram ainda níveis elevados dos marcadores inflamatórios PCR, TNF - α e IL-6 em comparação ao grupo controle. Assim, diante dos efeitos negativos que a inflamação e o estresse oxidativo exercem na DRC, medidas capazes de minimizá-los são imprescindíveis, e o controle dos níveis de ferritina pode ser uma delas.

O presente trabalho tem como importante limitação a informação sobre a dose de ferro recebida pelos pacientes. No entanto, sabe-se que há constante suplementação de ferro para os pacientes nas clínicas de HD. Desta forma, mais estudos neste campo são necessários para que se possa estabelecer uma relação entre o aumento do estresse oxidativo e a reposição de ferro. Sendo a ferritina um marcador inflamatório, não há como afirmar, no presente trabalho, se a elevação de seus valores está associada à reposição de ferro ou ainda se reflete somente a persistência de um estado inflamatório crônico.

Em conclusão, nossos resultados sugerem que elevados níveis de ferritina resultam em aumento da peroxidação lipídica, portanto, monitorar seus níveis, bem como avaliar adequadamente os demais parâmetros envolvidos e realizar a administração de ferro de forma cuidadosa, é crucial para que os pacientes em HD não tenham mais um fator a agravar o estresse oxidativo já presente neles.

  • CAPES, Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).

Agradecimentos

Os autores agradecem à Clínica Nefrológica, Niterói-RJ, por autorizar a participação dos pacientes nesta pesquisa; à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), ao Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) pelo suporte financeiro.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    23 Out 2014
  • Aceito
    10 Fev 2015
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