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Doença renal e calibração da dosagem de creatinina no Brasil: onde estamos?

Recomenda-se que a creatinina sérica seja medida por kit específico com calibração rastreável em relação a padrões de referência internacionais a partir da metodologia IDMS (espectrometria de massa de diluição isotópica). De acordo com organizações envolvidas com programas de gerenciamento da qualidade de laboratórios, recomenda-se a monitorização rotineira do erro analítico total ligado ao método de dosagem da creatinina. E, finalmente, que os laboratórios forneçam a taxa de filtração glomerular (TFG) estimada por meio de fórmulas (CKD-EPI, por exemplo) juntamente com o resultado da dosagem da creatinina sérica.11 Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) CKD Work Group. KDIGO 2012 clinical practice guideline for the evaluation and management of chronic kidney disease. Kidney Int Suppl 2013;3:1-150.

Essas recomendações visam tornar mais precisa a estimativa da TFG baseada na dosagem de creatinina, considerada como o parâmetro que melhor reflete o conjunto das funções dos rins.

Em termos práticos, quando as recomendações não são seguidas ocorrem distorções na avaliação da TFG e no julgamento clínico subsequente. Por exemplo, utilizando-se os vários métodos modificados a partir da reação de Jaffé, os valores da creatinina sérica podem ser subestimados naqueles pacientes que estão com bilirrubinas séricas elevadas, ou superestimados em até 20% em pacientes que se encontram em uso de cefalosporinas, devido a interferências analíticas.22 Stevens LA, Levey AS. Measured GFR as a confirmatory test for estimated GFR. J Am Soc Nephrol 2009;20:2305-13. DOI: http://dx.doi.org/10.1681/ASN.2009020171
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Possíveis consequências deletérias são esperadas nesses dois cenários, como diagnósticos incorretos de doença renal, ajuste inadequado da dose de medicações cuja excreção é renal, além de referenciamento tardio ao nefrologista.

No Brasil, desconhece-se qual é a proporção de laboratórios que seguem essas recomendações. Conforme consulta pessoal à Agência Nacional de Vigilância Sanitária [(ANVISA), protocolo 2014676521] e à Sociedade de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial [(SBPC/ML), serviço fale conosco], os dois órgãos não dispõem dessas informações.

De acordo com levantamento independente envolvendo 42 laboratórios consultados em diferentes regiões do País, 14 (33%) deles não utilizavam a metodologia rastreável a IDMS para medição da creatinina sérica (Alcântara FFP, 2010). Supomos que essa proporção seja ainda maior em cidades do interior do Brasil, considerando a larga disponibilidade de kits provenientes de fornecedores nacionais que não são apropriadamente calibrados para dosagem de creatinina. Acredita-se que laboratórios que não participam de programas de avaliação da qualidade possuam índices de erro analítico total além do recomendado.

Esse panorama torna-se preocupante por diversas razões. Primeiramente, a estimativa da TFG a partir da creatinina sérica é a base para o diagnóstico e a estratificação de pacientes com doença renal crônica (DRC) e lesão renal aguda (LRA). Além disso, a TFG é mais do que um indicador de função renal, ela tem relação direta com o risco de mortalidade cardiovascular e mortalidade global.11 Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) CKD Work Group. KDIGO 2012 clinical practice guideline for the evaluation and management of chronic kidney disease. Kidney Int Suppl 2013;3:1-150.,33 Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) Acute Kidney Injury Work Group. KDIGO Clinical Practice Guideline for Acute Kidney Injury. Kidney Int Suppl 2012;2:1-138.

Recentemente, o Ministério da Saúde da República Federativa do Brasil publicou lei que trata especificamente da política de atenção ao paciente portador de DRC.44 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria Nº 389, de 13 de março de 2014 [citada 17 de fevereiro de 2015]. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/prt0389_13_03_2014.html
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Nela, o diagnóstico de DRC e a estratificação do risco são baseados na TFG. Considerando-se que no Brasil existam 10 milhões de pessoas com algum grau de DRC ou mais, o encaminhamento e cuidados destinados a essa população podem ser negativamente afetados se baseados em dosagens inexatas da creatinina sérica.

O incentivo à padronização da dosagem da creatinina em todo o território nacional pode ser um instrumento útil no processo de diagnóstico e estratificação da DRC e LRA. Acreditamos que essa medida teria um papel importante na prevenção e redução da progressão da doença renal. Além disso, o fornecimento automático da estimativa da TFG quando o médico solicita a dosagem sérica de creatinina é um recurso que sensibiliza a detecção de déficit de função renal, expresso pela TFG.55 Mastroianni-Kirsztajn G, Bastos MG, Burdmann EA. Strategies of the Brazilian chronic kidney disease prevention campaign (2003-2009). Nephron Clin Pract 2011;117:c259-65. PMID: 20861650 DOI: http://dx.doi.org/10.1159/000320741
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Referências

  • 1
    Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) CKD Work Group. KDIGO 2012 clinical practice guideline for the evaluation and management of chronic kidney disease. Kidney Int Suppl 2013;3:1-150.
  • 2
    Stevens LA, Levey AS. Measured GFR as a confirmatory test for estimated GFR. J Am Soc Nephrol 2009;20:2305-13. DOI: http://dx.doi.org/10.1681/ASN.2009020171
    » http://dx.doi.org/10.1681/ASN.2009020171
  • 3
    Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) Acute Kidney Injury Work Group. KDIGO Clinical Practice Guideline for Acute Kidney Injury. Kidney Int Suppl 2012;2:1-138.
  • 4
    Brasil. Ministério da Saúde. Portaria Nº 389, de 13 de março de 2014 [citada 17 de fevereiro de 2015]. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/prt0389_13_03_2014.html
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/prt0389_13_03_2014.html
  • 5
    Mastroianni-Kirsztajn G, Bastos MG, Burdmann EA. Strategies of the Brazilian chronic kidney disease prevention campaign (2003-2009). Nephron Clin Pract 2011;117:c259-65. PMID: 20861650 DOI: http://dx.doi.org/10.1159/000320741
    » http://dx.doi.org/10.1159/000320741

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    24 Abr 2015
  • Aceito
    01 Jun 2015
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