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Detecção quantitativa de vírus BK em receptores de transplante renal: um estudo prospectivo de validação

Resumo

Introdução:

A infecção pelo vírus BK (BKV) em pacientes de transplante renal pode levar a disfunção do aloenxerto renal e perda do enxerto. A determinação precisa da carga viral do BKV é fundamental para prevenir a nefropatia associada ao BKV (BKVAN), mas o ponto de corte de melhor valor preditivo para BKVAN ainda é foco de debates.

Objetivo:

Avaliar o desempenho de um teste de qPCR comercial e outro desenvolvido internamente para detecção quantitativa de vírus BK em receptores de transplante renal.

Métodos:

O presente estudo prospectivo incluiu receptores de transplante renal de dois grandes hospitais universitários no Brasil. Os pacientes foram testados para infecção por BKV a cada três meses no primeiro ano pós-transplante com um teste comercial de reação em cadeia de polimerase quantitativa em tempo real (qPCR) e outro desenvolvido internamente. A presença de BKVAN foi confirmada com base na histopatologia. A área sob a curva para o qPCR plasmático foi determinada a partir da análise da característica de operação do receptor.

Resultados:

Um total de 200 pacientes foram incluídos. Cinquenta e oito por cento eram do sexo masculino, 19,5% tinham diabetes mellitus e 82% tiveram seus rins transplantados de doadores falecidos. Viremia de BKV foi detectada em 32,5% dos pacientes e oito (4%) foram diagnosticados com BKVAN. BKVAN foi associada a viremia de 4,1 log cópias/mL usando o kit comercial. O corte para o ensaio interno foi de 6,1 log cópias/mL. A linearidade entre o kit comercial e o ensaio interno foi R2 = 0,83.

Conclusão:

Nosso estudo demonstrou uma acentuada variabilidade na carga viral de BKV quando diferentes metodologias de qPCR foram utilizadas. O ensaio interno de qPCR mostrou-se clinicamente útil, além de ser uma opção menos onerosa em relação aos kits comerciais de qPCR. Há uma necessidade urgente de se definir padrões de BKV para a comunidade internacional.

Palavras-chave:
Transplante Renal; Viremia; Reação em Cadeia da Polimerase; Poliomavírus

Abstract

Introduction:

BK virus (BKV) infection in renal transplant patients may cause kidney allograft dysfunction and graft loss. Accurate determination of BKV viral load is critical to prevent BKV-associated nephropathy (BKVAN) but the cut-off that best predicts BKVAN remains controversial.

Objective:

To evaluate the performance of a commercial and an in-house qPCR test for quantitative detection of BK virus in kidney transplant recipients.

Methods:

This was a prospective study with kidney transplant recipients from two large university hospitals in Brazil. Patients were screened for BKV infection every 3 months in the first year post-transplant with a commercial and an in-house real time polymerase chain reaction (qPCR) test. BKVAN was confirmed based on histopathology. The area under the curve for plasma qPCR was determined from receiver operating characteristic analysis.

Results:

A total of 200 patients were enrolled. Fifty-eight percent were male, 19.5% had diabetes mellitus, and 82% had the kidney transplanted from a deceased donor. BKV viremia was detected in 32.5% and BKVAN was diagnosed in 8 patients (4%). BKVAN was associated with viremia of 4.1 log copies/mL, using a commercial kit. The cut-off for the in-house assay was 6.1 log copies/mL. The linearity between the commercial kit and the in-house assay was R2=0.83.

Conclusion:

Our study shows that marked variability occurs in BKV viral load when different qPCR methodologies are used. The in-house qPCR assay proved clinically useful, a cheaper option in comparison to commercial qPCR kits. There is an urgent need to make BKV standards available to the international community.

Keywords:
Kidney Transplantation; Viremia; Polymerase Chain Reaction; Polyomavirus

Introdução

O vírus BK (BKV) é um importante agente infeccioso em receptores de transplante renal. A infecção por BKV pode levar a disfunção grave do enxerto e, eventualmente, à perda de enxerto.11 van Aalderen MC, Heutinck KM, Huisman C, ten Berge IJ. BK virus infection in transplant recipients: clinical manifestations, treatment options and the immune response. Neth J Med 2012;70:172-83. A prevalência da nefropatia associada ao BKV (BKVAN) em pacientes transplantados renais varia de 1-10% no primeiro ano após o transplante; perda de enxerto pode ocorrer em até 80% desses indivíduos.22 Cannon RM, Ouseph R, Jones CM, Hughes MG, Eng M, Marvin MR. BK viral disease in renal transplantation. Curr Opin Organ Transplant 2011;16:576-9.

3 Hirsch HH, Brennan DC, Drachenberg CB, Ginevri F, Gordon J, Limaye AP, et al. Polyomavirus-associated nephropathy in renal transplantation: Interdisciplinary analyses and recommendations. Transplantation 2005;79:1277-86.
-44 Egli A, Binggeli S, Bodaghi S, Dumoulin A, Funk GA, Khanna N, et al. Cytomegalovirus and polyomavirus BK posttransplant. Nephrol Dial Transplant 2007;22:viii72-viii82. O BKV é geralmente adquirido no início da vida através de aerossóis, resultando principalmente em infecção assintomática. Estima-se que 80-90% da população adulta apresenta anticorpos contra BKV.33 Hirsch HH, Brennan DC, Drachenberg CB, Ginevri F, Gordon J, Limaye AP, et al. Polyomavirus-associated nephropathy in renal transplantation: Interdisciplinary analyses and recommendations. Transplantation 2005;79:1277-86.,77 Brennan DC, Agha I, Bohl DL, Schnitzler MA, Hardinger KL, Lockwood M, et al. Incidence of BK with tacrolimus versus cyclosporine and impact of preemptive immunosuppression reduction. Am J Transplant 2005;5:582-94.,88 Knowles WA, Pipkin P, Andrews N, Vyse A, Minor P, Brown DW, et al. Population-based study of antibody to the human polyomaviruses BKV and JCV and the simian polyomavirus SV40. J Med Virol 2003;71:115-23.

Uma vez que nenhuma terapia antiviral eficaz está disponível para tratar a infecção pelo BKV, a melhor estratégia depende da prevenção da BKVAN. A prevenção pode ser realizada através de monitoramento frequente da carga de DNA de BKV em amostras de urina e/ou plasma, seguido da redução da terapia imunossupressora sempre que replicação viral significativa for detectada.99 Kuypers DR. Management of polyomavirus-associated nephropathy in renal transplant recipients. Nat Rev Nephrol 2012;8:390-402. As sociedades internacionais recomendam 4 log de DNA de BKV no plasma como o melhor valor de corte preditor de BKVAN. No entanto, os testes comerciais baseados em reação em cadeia da polimerase quantitativa em tempo real (qPCR) podem ser onerosos para uso rotineiro na prática clínica e dados limitados estão disponíveis sobre o desempenho de testes de qPCR desenvolvidos internamente para BKV. Portanto, é fundamental que as instituições conduzam estudos de validação clínica para garantir que seus métodos sejam úteis para orientar com precisão a tomada de decisões clínicas.1010 Bechert CJ, Schnadig VJ, Payne DA, Dong J. Monitoring of BK viral load in renal allograft recipients by real-time PCR assays. Am J Clin Pathol 2010;133:242-50.

11 Hassan S, Mittal C, Amer S, Patel A, Delbusto R, Samuel L, et al. Currently recommended BK virus (BKV) plasma viral load cutoff of ≥ 4 log10/mL underestimates the diagnosis of BKV-associated nephropathy: a single transplant center experience. Transpl Infect Dis 2014;16:55-60.

12 Hirsch HH, Drachenberg CB, Steiger J, Ramos E. Polyomavirus-associated nephropathy in renal transplantation: critical issues of screening and management. Adv Exp Med Biol 2006;577:160-73.

13 Hirsch HH, Knowles W, Dickenmann M, Passweg J, Klimkait T, Mihatsch MJ, et al. Prospective study of polyomavirus type BK replication and nephropathy in renal-transplant recipients. New Eng J Med 2002;347:488-96.

14 Kudose S, Dong J. Clinical validation study of quantitative real-time PCR assay for detection and monitoring of BK virus nephropathy. Ann Clin Lab Sci 2014;44:455-60.

15 Mitui M, Leos NK, Lacey D, Doern C, Rogers BB, and Park JY. Development and validation of a quantitative real time PCR assay for BK virus. Mol Cell Probes 2013;27:230-6.

16 Pollara CP, Corbellini S, Chiappini S, Sandrini S, De Tomasi D, Bonfanti C, et al. Quantitative viral load measurement for BKV infection in renal transplant recipients as a predictive tool for BKVAN. New Microbiol 2011;34:165-71.
-1717 Randhawa P, Kant J, Shapiro R, Tan H, Basu A, Luo C. Impact of genomic sequence variability on quantitative PCR assays for diagnosis of polyomavirus BK infection. J Clin Microbiol 2011;49:4072-6.

O objetivo do presente estudo foi estabelecer um valor de corte clinicamente significativo para viremia de BKV enquanto preditor de BKVAN em uma coorte de receptores de transplante renal. Também relatamos o desempenho de um teste de qPCR interno para quantificação da carga viral de BKV e o desempenho do teste citado em relação a um kit de qPCR comercialmente disponível.

Material E Métodos

Amostras

Entre abril de 2012 e maio de 2013, 200 pacientes que receberam transplante renal em dois grandes hospitais universitários (Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre e Hospital de Clínicas de Porto Alegre) foram incluídos em um estudo prospectivo. As amostras de plasma foram colhidas nos meses 3, 6 e 9 após o transplante renal para determinação da carga viral de BKV. DNA foi extraído de 140 µL de plasma por meio do QIAamp RNA Mini Kit (QIAGEN, EUA). Em todas as reações, β-globina foi adicionada como controle interno positivo.

Amplificação de DNA com kit de QPCR comercial

A amplificação do DNA de BKV foi realizada por qPCR usando um kit comercial (BKV Q-PCR Alert Ampliprobe, ELITechGroup Nanogen, Buttigliera Alta, Itália) em um termociclador ABI 7500 para qPCR (Applied Biosystems), como descrito anteriormente.1818 Pinto GG, Poloni JA, Carneiro LC, Baethgen LF, Barth AL, Pasqualotto AC. Evaluation of different urine protocols and DNA extraction methods for quantitative detection of BK viruria in kidney transplant patients. J Virol Methods 2013;188:94-6.

Amplificação de DNA com o teste QPCR para BKV desenvolvido internamente

Projetamos um ensaio qPCR com base em química TaqMan em uma região altamente conservada do genoma do BKV tendo como alvo o gene da VP1 (Gene ID: 1489515, Sequência genômica NC_001538.1) com primers 5’-AGTGTTGAGAATCTGCTGTTGCTT-3’ e5’-GGGATGAAGATTTATTTTGCCATGAAGAT-3’; sonda FAM-CATCACTGGCAAACAT-NFQ). Primers e sondas para proteína ácida ribossomal humana (HuPO) foram adquiridos da Applied Biosystems (ABI) (primers 5’-GACAATGGCAGCATCTACAAC-3’ e 5’-GTTGCCAGTGTCTGTCTGC-3’; sonda FAM-ATTGCGGACACCCTCC-NFQ) e utilizados como controle interno. Resumidamente, o ensaio interno de qPCR consistia em 1 µL de ensaio 20X TaqMan, 10 µL de 2X TaqMan® Gene Expression Master Mix, 4 µL de DNA e 5 µL de água sem RNase. A amplificação por PCR foi realizada num termociclador ABI 7500 da seguinte forma: 95ºC por 10 minutos e 40 ciclos a 95ºC por 15 segundos e 60ºC por um minuto.

Para construir com precisão uma curva de calibração, desenvolvemos uma sequência de DNA sintético de 351 pb com base na sequência da cepa JQ713822.1 de poliomavírus BK do GenBank. O DNA sintético foi eluído, quantificado e diluído em série para as curvas de calibração que foram construídas como um painel de nove frascos com concentrações variando de 12,9 a 12,9×109 cópias/mL. O limite de detecção do ensaio foi estabelecido em 12,9 cópias genômicas/mL.

Dados Clínicos

Os prontuários dos pacientes foram analisados ​​para coleta de dados clínicos e informações demográficas. Entre as variáveis de interesse figuraram doenças renais subjacentes, incompatibilidades de HLA, resultados de biópsia renal e alterações nos regimes imunossupressores. As biópsias renais foram realizadas por indicação clínica. A taxa de filtração glomerular (TFG) foi estimada pela equação CKD-EPI.1919 Arlet JB, Ribeil JA, Chatellier G, Eladari D, De Seigneux S, Souberbielle JC, et al. Determination of the best method to estimate glomerular filtration rate from serum creatinine in adult patients with sickle cell disease: a prospective observational cohort study. BMC Nephrol 2012;13:83. O estudo foi aprovado pelo Conselho de Ética Institucional (números de protocolo 3531/11, 12-154 e 915/12) e seguiu as diretrizes e normas regulatórias para pesquisa envolvendo seres humanos do Conselho Nacional de Saúde (Resolução CNS/196).

Análise Estatística

Estatísticas descritivas foram utilizadas para resumir os dados. O testes do qui-quadrado e o teste exato de Fisher foram utilizados na avaliação das variáveis categóricas. A normalidade dos dados foi verificada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. As variáveis escalares normalmente distribuídas foram analisadas utilizando ANOVA ou teste t de Student quando adequado. Variáveis escalares não normalmente distribuídas foram avaliadas como não paramétricas por meio do teste de Mann-Whitney. O desempenho dos testes de qPCR foi avaliado pelas curvas de característica de operação do receptor (COR), usando biópsia renal como padrão-ouro para diagnosticar BKVAN. Gráficos lineares foram utilizados para testar a linearidade entre os testes de qPCR para BKV comercial e interno. Para todas as comparações, significância estatística foi atribuída a diferenças com p <0,05. Os preditores do desenvolvimento de BKVAN foram determinados em um modelo de regressão de Cox. Todas as variáveis com relevância clínica e p ≤ 0,05 na análise univariada foram incluídas no modelo de regressão de Cox. As análises estatísticas foram realizadas no SPSS 20.0.

Resultados

A Tabela 1 resume as principais características dos pacientes incluídos no estudo. Os pacientes transplantados renais que desenvolveram infecção por BKV durante o estudo apresentaram semelhanças em vários aspectos em relação aos que não evoluíram com infecção. Os anticorpos reativo ao painel (ARP) diferiram entre os grupos. O grupo BKV-positivo apresentou percentuais mais baixos de pacientes com ARP <10% e entre 10-49%. A distribuição das incompatibilidades de HLA não diferiu entre os grupos. Noventa e nove pacientes foram submetidos a biópsia renal e oito (4,0%) desenvolveram BKVAN. Perda de enxerto ocorreu em sete pacientes (3,5%), mas BKVAN foi considerada causa de perda de enxerto em apenas um caso (14,3%; incidência geral 0,5%). Sete pacientes foram a óbito durante o estudo (3,5%).

Tabela 1
Características demográficas e clínicas da população estudada. A condição dos pacientes em relação ao BKV refere-se à presença de teste molecular positivo para BKV plasmático

Desempenho dos testes de QPCR comercial e interno

Viremia de BKV foi detectada em 32,5% (66/200) dos pacientes por meio do kit comercial de qPCR. Viremia de BKV foi detectada nos meses 3, 6 e 9 após o transplante em 16,5% (n=33), 19,4% (n=34) e 12,3% (n=18) dos pacientes, respectivamente. A carga viral plasmática de BKV foi mais elevada nos pacientes com BKVAN em comparação aos pacientes sem BKVAN (p<0,05).

A Tabela 2 mostra os valores de corte do qPCR para a predição de BKVAN, tanto para o teste comercial de qPCR quanto para o teste interno de PCR. Houve uma relação linear entre os testes de qPCR (R2 = 0,8389) (Figura 1).

Tabela 2
Desempenho da carga viral de BKV na predição de nefropatia associada ao BKV, utilizando um kit comercial e um teste desenvolvido internamente de QPCR

Figura 1
Relação linear entre testes de qPCR interno e kit comercial.

Preditores de BKVAN

A Tabela 3 mostra os resultados da análise multivariada para fatores de risco para BKVAN usando o kit comercial de qPCR. A viremia de BKV foi associada independentemente a BKVAN (p = 0,018), com o melhor valor de corte determinado em 3,85 log (7169 cópias/mL).

Tabela 3
Resultados do modelo de regressão de Cox para predição de BKVAN usando um kit comercial de qPCR

Discussão

O presente estudo definiu valores de corte clinicamente significativos do qPCR para a predição de BKVAN por meio de dois testes moleculares: um kit qPCR comercialmente disponível e um teste interno de qPCR. Aos nove meses pós-transplante, 32,5% dos pacientes apresentavam viremia de BKV, mas apenas oito (4%) desenvolveram BKVAN. Estudos anteriores realizados no Brasil mostraram frequências mais altas de BKVAN em receptores de transplante renal,2020 Zalona AC, Varella RB, Takiya CM, Goncalves RT, Zalis MG, Santoro-Lopes G. A qualitative seminested PCR assay as an alternative to urine cytology for BK polyomavirus screening after renal transplantation. Intervirology 2013;56:249-52.,2121 Maia TM, Silva SF, Silva SL, Holanda MC, Nascimento JM, Ferreira MV. Polyomavirus-infected decoy cells in cytocentrifuged urine cytology specimens from renal transplant recipients. Acta Cytol 2011;55:445-8. o que pode estar relacionado a diferenças na estratégia de triagem (ex.: células decoy na urina utilizadas como referência para colher mais amostras de urina/plasma para qPCR), além de biópsias regulares e tempos de isquemia. A implicação mais relevante da infecção por BKV em receptores de transplante renal é a sua capacidade de levar à fibrose do enxerto, que pode ser seguida de disfunção renal e, eventualmente, perda do enxerto.1313 Hirsch HH, Knowles W, Dickenmann M, Passweg J, Klimkait T, Mihatsch MJ, et al. Prospective study of polyomavirus type BK replication and nephropathy in renal-transplant recipients. New Eng J Med 2002;347:488-96. Portanto, de forma a interpretar corretamente as cargas virais de BKV, as instituições devem validar suas próprias metodologias para determinar os valores de corte ótimos, em vez de usar o corte “universal” recomendado de 4 log cópias/mL enquanto valor clinicamente significativo.33 Hirsch HH, Brennan DC, Drachenberg CB, Ginevri F, Gordon J, Limaye AP, et al. Polyomavirus-associated nephropathy in renal transplantation: Interdisciplinary analyses and recommendations. Transplantation 2005;79:1277-86. Para uma interpretação precisa da carga viral de BKV, os clínicos devem saber qual teste de PCR foi usado e seu desempenho. Vários estudos analisaram o impacto clínico da viremia de BKV usando metodologias as mais diversas. Portanto, os cortes gerados com diferentes ensaios de qPCR não podem ser comparados entre si devido à acentuada variabilidade metodológica.1010 Bechert CJ, Schnadig VJ, Payne DA, Dong J. Monitoring of BK viral load in renal allograft recipients by real-time PCR assays. Am J Clin Pathol 2010;133:242-50.

11 Hassan S, Mittal C, Amer S, Patel A, Delbusto R, Samuel L, et al. Currently recommended BK virus (BKV) plasma viral load cutoff of ≥ 4 log10/mL underestimates the diagnosis of BKV-associated nephropathy: a single transplant center experience. Transpl Infect Dis 2014;16:55-60.

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14 Kudose S, Dong J. Clinical validation study of quantitative real-time PCR assay for detection and monitoring of BK virus nephropathy. Ann Clin Lab Sci 2014;44:455-60.

15 Mitui M, Leos NK, Lacey D, Doern C, Rogers BB, and Park JY. Development and validation of a quantitative real time PCR assay for BK virus. Mol Cell Probes 2013;27:230-6.

16 Pollara CP, Corbellini S, Chiappini S, Sandrini S, De Tomasi D, Bonfanti C, et al. Quantitative viral load measurement for BKV infection in renal transplant recipients as a predictive tool for BKVAN. New Microbiol 2011;34:165-71.
-1717 Randhawa P, Kant J, Shapiro R, Tan H, Basu A, Luo C. Impact of genomic sequence variability on quantitative PCR assays for diagnosis of polyomavirus BK infection. J Clin Microbiol 2011;49:4072-6. Uma ampla gama de fatores contribui para tal diversidade, incluindo diferentes protocolos para extração de DNA, variações no projeto de primers e sondas, alvos virais, condições da PCR, tipo de amostra e uso de diferentes curvas de calibração.1717 Randhawa P, Kant J, Shapiro R, Tan H, Basu A, Luo C. Impact of genomic sequence variability on quantitative PCR assays for diagnosis of polyomavirus BK infection. J Clin Microbiol 2011;49:4072-6.,2222 Hayden RT, Yan X, Wick MT, Rodriguez AB, Xiong X, Ginocchio CC, et al.; College of American Pathologists Microbiology Resource Committee. Factors contributing to variability of quantitative viral PCR results in proficiency testing samples: a multivariate analysis. J Clin Microbiol 2012;50:337-45.,2323 Hoffman NG, Cook L, Atienza EE, Limaye AP, Jerome KR. Marked variability of BK virus load measurement using quantitative real-time PCR among commonly used assays. J Clin Microbiol 2008;46:2671-80.

O presente estudo demonstrou que a viremia de BKV pode prever a ocorrência de BKVAN e que diferentes cortes devem ser aplicados a diferentes ensaios de qPCR (≥3,8 log e ≥6,1 log cópias/mL, respectivamente, para os kits comerciais e internos). Além disso, nosso estudo demonstrou a relação entre ARP e infecção por BKV, considerando pacientes com ARP <50% das classes I e II, embora ARP ≥50 não tenha apresentado associação com BKV (Tabela 1). Estes dados contrastam com os achados de estudos prévios, que consideraram que ARP ≥ 10% não apresenta associação com infecção por BKV.2424 Awadalla Y, Randhawa P, Ruppert K, Zeevi A, and Duquesnoy RJ. HLA mismatching increases the risk of BK virus nephropathy in renal transplant recipients. Am J Transplant 2004;4:1691-6. Em nossa coorte, 11,6% dos pacientes apresentavam DSA, porém 69% desses indivíduos não evoluíram para infecção por BKV (p ≤0,001). Nosso teste interno de qPCR tem vários pontos fortes: (i) baseou-se em uma região altamente conservada do genoma do BKV, tendo como alvo o gene da proteína viral estrutural VP1 que é altamente conservado em cepas de BKV;2525 Krumbholz A, Bininda-Emonds OR, Wutzler P, Zell R. Evolution of four BK virus subtypes. Infect Genet Evol 2008;8:632-43. e (ii) o processo quantitativo utilizou uma sequência de DNA sintético como curva de calibração, não requerendo, portanto, o uso de controles quantificados de DNA de BKV comerciais. Os resultados obtidos com o teste interno de qPCR mostraram linearidade com o kit comercial (ELITechGroup Nanogen, Itália), embora os valores de corte tenham diferido em ~ 2 log cópias/mL. Provavelmente, a principal vantagem do qPCR interno é seu custo reduzido em relação ao teste comercial. Por exemplo, os custos relacionados ao processamento de uma única amostra são US$ 35 e US$ 121 para o teste interno e o kit comercial, respectivamente. Se três amostras foram incluídas num ciclo, reduzindo as despesas com controles positivos, os custos por amostra sairiam a US$ 20 (qPCR interno) e US$ 55 (teste comercial).

Algumas limitações do presente estudo devem ser reconhecidas. O número de pacientes com BKVAN foi limitado, embora a frequência de BKVAN aqui relatada encontre ressonância na literatura.22 Cannon RM, Ouseph R, Jones CM, Hughes MG, Eng M, Marvin MR. BK viral disease in renal transplantation. Curr Opin Organ Transplant 2011;16:576-9.,33 Hirsch HH, Brennan DC, Drachenberg CB, Ginevri F, Gordon J, Limaye AP, et al. Polyomavirus-associated nephropathy in renal transplantation: Interdisciplinary analyses and recommendations. Transplantation 2005;79:1277-86. Além disso, medimos apenas as cargas virais de BKV nos meses 3, 6 e 9 após o transplante. É possível que um acompanhamento mais prolongado possa revelar uma maior incidência de BKVAN, ainda que o pico de incidência de BKVAN ocorra dentro do prazo de nossa observação.2626 Girmanova E, Brabcova I, Bandur S, Hribova P, Skibova J, Viklicky O. A prospective longitudinal study of BK virus infection in 120 Czech renal transplant recipients. J Med Virol 2011;83:1395-400.,2727 Huang G, Chen LZ, Qiu J, Wang CX, Fei JG, Deng SX, et al. Prospective study of polyomavirus BK replication and nephropathy in renal transplant recipients in China: a single-center analysis of incidence, reduction in immunosuppression and clinical course. Clin Transplant 2010;24:599-609.

Em conclusão, o presente estudo multicêntrico prospectivo validou clinicamente dois ensaios de qPCR para quantificação de BKV - um kit comercial e um teste desenvolvido internamente. Com base nos resultados, os clínicos podem manejar melhor os pacientes infectados com BKV, modificando as terapias imunossupressoras em tempo hábil. A baixa frequência de BKVAN observada em nosso estudo (4%) provavelmente está relacionada a níveis adequados de conscientização sobre a doença, bem como ao monitoramento do DNA de BKV.

Agradecimentos

O GGP recebe o apoio de recursos do CAPES. O DDP recebe o apoio de recursos da FAPERGS (04/2013) e do CNPq (445314/2014-1). ACP é cientista 1-D PQ pelo CNPq. Agradecemos o Dr. Leonardo L. da Motta por efetuar os cálculos dos custos associados às reações de PCR, bem como Nadiana Inocente por coletar os dados clínicos e Naili Moreira e Alice Machado por conduzir alguns dos experimentos moleculares.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Abr 2018
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    02 Abr 2017
  • Aceito
    18 Maio 2017
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