A nefropatia por imunoglobulina A (NIgA) foi descrita pela primeira vez na França por Berger e Higlais, em 1968. Desde então, estudos em todo o mundo demonstraram que ela é a glomerulonefrite mais comum em todos os países.11 Rodrigues JC, Haas M, Reich HN. IgA Nephropathy. Clin J Am Soc Nephrol 2017;12:677-86. A nefropatia por IgA é definida por depósitos de complexo imune com IgA predominantemente ou co-dominante no rim. Como tal, o seu diagnóstico requer a avaliação patológica de biópsias renais por microscopia óptica e imunofluorescência. Foi inicialmente pensado como uma doença benigna, como é evidente a partir de seu sinônimo anterior de "hematúria benigna" e confinado na França. No entanto, estudos subsequentes de acompanhamento em longo prazo em todo o mundo demonstraram que ambas as suposições acima estão erradas, porque essa doença tem desfechos variáveis.11 Rodrigues JC, Haas M, Reich HN. IgA Nephropathy. Clin J Am Soc Nephrol 2017;12:677-86.,22 D´Amico G. Natural history of idiopathic IgA nephropathy and factors predictive of disease outcome. Semin Nephrol 2004;24:179-96.
Estudos epidemiológicos conduzidos em diferentes partes do mundo demonstraram que a NIgA tem distribuição global, e é a doença glomerular primária mais comum. Há, no entanto, uma variabilidade significativa nas incidências e prevalências relatadas em diferentes países. Altas taxas de 20 a 47 por cento foram relatadas em estudos com biópsias na Europa Ocidental, partes da Ásia e Austrália. Por outro lado, foram relatadas taxas muito baixas nos Estados Unidos, África, Oriente Médio e algumas partes da Ásia.33 McGrogan A, Franssen CF, de Vries CS. The incidence of primary glomerulonephritis worldwide: a systematic review of the literature. Nephrol Dial Transplant 2011;26:414-30. Essas aparentes taxas variáveis mais provavelmente refletem diferenças na constituição étnica da população, práticas médicas, políticas de condução de biópsias e falta de equipamento de IF em alguns países. No Brasil, os dados referentes à prevalência e impacto da NIgA são escassos. Um artigo recente envolvendo 9.617 biópsias renais no país mostrou uma prevalência de 20,1% de NIgA entre glomerulopatias primárias.44 Polito MG, de Moura LA, Kirsztajn GM. An overview on frequency of renal biopsy diagnosis in Brazil: clinical and pathological patterns based on 9,617 native kidney biopsies. Nephrol Dial Transplant 2010;25:490-6. O Registro Paulista de Glomerulonefrite relatou a prevalência de 17,8%55 Malafronte P, Mastroianni-Kirsztajn G, Betônico GN, Romão JE Jr, Alves MA, Carvalho MF, et al. Paulista Registry of Glomerulonephritis: 5-year data report. Nephrol Dial Transplant 2006;21:3098-105. e as NIgA respondem por variações de 2-25% nas glomerulonefrites primárias, de acordo com outros relatos locais.55 Malafronte P, Mastroianni-Kirsztajn G, Betônico GN, Romão JE Jr, Alves MA, Carvalho MF, et al. Paulista Registry of Glomerulonephritis: 5-year data report. Nephrol Dial Transplant 2006;21:3098-105.,66 Soares MF, Caldas ML, Dos-Santos WL, Sementelli A, Furtado P, Araujo S, et al. IgA nephropathy in Brazil: apropos of 600 cases. Springerplus 2015;4:547.
Embora esta doença tenha sido inicialmente considerada benigna, sabe-se agora que ela leva a um declínio lento, mas progressivo, da função renal e à doença renal terminal, desenvolvendo-se em até 30% dos pacientes 20 anos após o diagnóstico.11 Rodrigues JC, Haas M, Reich HN. IgA Nephropathy. Clin J Am Soc Nephrol 2017;12:677-86.,22 D´Amico G. Natural history of idiopathic IgA nephropathy and factors predictive of disease outcome. Semin Nephrol 2004;24:179-96. Dados de resultados de longo prazo mostram taxas variáveis na progressão da doença em todo o mundo. Tentativas foram feitas para identificar características clínicas, laboratoriais e morfológicas em biópsias renais, que podem predizer o resultado.
No artigo publicado nesta edição da Revista Brasileira de Nefrologia, Souza et al. analisaram os padrões clínicos e histológicos de 32 pacientes com NIgA em Salvador, Brasil 77 Souza BN, Tavares MB, Soares MFS, Santos WLC. IgA Nephropathy in Salvador, Brazil. Clinical and laboratory presentation at diagnosis. J Bras Nefrol 2018;40:241-6. A prevalência da NIgA foi de 6% nos casos de glomerulonefrite primária; e lesões histológicas crônicas e marcadores laboratoriais pobres foram freqüentes. Constatou-se proteinúria significativa (> 2,0 g/24 horas) e hipertensão na maioria dos pacientes, e os dados sugerem desfechos ruins da doença renal crônica.
Apesar das limitações de um estudo retrospectivo, e seu pequeno tamanho de amostra, o mesmo agrega informações relevantes em relação à análise histológica de acordo com a classificação de Oxford para NIgA.88 Kang SH, Choi SR, Park HS, Lee JY, Sun IO, Hwang HS, et al. The Oxford classification as a predictor of prognosis in patients with IgA nephropathy. Nephrol Dial Transplant 2012;27:252-8..,99 Barbour SJ, Espino-Hernandez G, Reich HN, Coppo R, Roberts IS, Feehally J, et al; Oxford Derivation, North American Validation and VALIGA Consortia. The MEST score provides earlier risk prediction in IgA nephropathy. Kidney Int 2016;89:167-75. Uma alta frequência de escores associados à doença renal progressiva foi relatada nesta coorte: esclerose segmentar em 81% e lesões intersticiais tubulares em 44% dos pacientes.
No geral, os achados acima sugerem algumas questões: existem predisposições/polimorfismos genéticos nesta população de estudo que afetam a presença de uma doença mais agressiva? A alta frequência de escores associados a lesões crônicas está relacionada apenas ao atraso no encaminhamento para recursos médicos e posteriores indicações de biópsias renais? Essas questões, portanto, exigem estratégias de intervenção precoce, bem como programas de rastreamento, não apenas para identificar e tratar os pacientes, mas também para proporcionar uma melhor compreensão dos fatores que levam à progressão da doença.
REFERENCES
-
1Rodrigues JC, Haas M, Reich HN. IgA Nephropathy. Clin J Am Soc Nephrol 2017;12:677-86.
-
2D´Amico G. Natural history of idiopathic IgA nephropathy and factors predictive of disease outcome. Semin Nephrol 2004;24:179-96.
-
3McGrogan A, Franssen CF, de Vries CS. The incidence of primary glomerulonephritis worldwide: a systematic review of the literature. Nephrol Dial Transplant 2011;26:414-30.
-
4Polito MG, de Moura LA, Kirsztajn GM. An overview on frequency of renal biopsy diagnosis in Brazil: clinical and pathological patterns based on 9,617 native kidney biopsies. Nephrol Dial Transplant 2010;25:490-6.
-
5Malafronte P, Mastroianni-Kirsztajn G, Betônico GN, Romão JE Jr, Alves MA, Carvalho MF, et al. Paulista Registry of Glomerulonephritis: 5-year data report. Nephrol Dial Transplant 2006;21:3098-105.
-
6Soares MF, Caldas ML, Dos-Santos WL, Sementelli A, Furtado P, Araujo S, et al. IgA nephropathy in Brazil: apropos of 600 cases. Springerplus 2015;4:547.
-
7Souza BN, Tavares MB, Soares MFS, Santos WLC. IgA Nephropathy in Salvador, Brazil. Clinical and laboratory presentation at diagnosis. J Bras Nefrol 2018;40:241-6
-
8Kang SH, Choi SR, Park HS, Lee JY, Sun IO, Hwang HS, et al. The Oxford classification as a predictor of prognosis in patients with IgA nephropathy. Nephrol Dial Transplant 2012;27:252-8..
-
9Barbour SJ, Espino-Hernandez G, Reich HN, Coppo R, Roberts IS, Feehally J, et al; Oxford Derivation, North American Validation and VALIGA Consortia. The MEST score provides earlier risk prediction in IgA nephropathy. Kidney Int 2016;89:167-75.
Errata
-
Errata
No artigo "IgA nephropathy in Salvador, Brazil: a more aggressive disease?" with DOI code number http://dx.doi.org/10.1590/2175-8239-JBN-2018-00030002 publicado no Brazilian Journal of Nephrology em 2018:
Onde estava escrito:
de 32 pacientes com NIgA em Salvador, Brasil.
Leia-se:
de 32 pacientes com NIgA em Salvador, Brasil.7
Onde estava escrito:
análise histológica de acordo com a classificação de Oxford para NIgA.7 8
Leia-se:
análise histológica de acordo com a classificação de Oxford para NIgA.8,9
Onde estava escrito:
6. Soares MF, Caldas ML, Dos-Santos WL, Sementelli A, Furtado P, Araujo S, et al. IgA nephropathy in Brazil: apropos of 600 cases. Springerplus 2015;4:547.
7. Kang SH, Choi SR, Park HS, Lee JY, Sun IO, Hwang HS, et al. The Oxford classification as a predictor of prognosis in patients with IgA nephropathy. Nephrol Dial Transplant 2012;27:252-8.
8. Barbour SJ, Espino-Hernandez G, Reich HN, Coppo R, Roberts IS, Feehally J, et al; Oxford Derivation, North American Validation and VALIGA Consortia. The MEST score provides earlier risk prediction in IgA nephropathy. Kidney Int 2016;89:167-75.
Leia-se:
6. Soares MF, Caldas ML, Dos-Santos WL, Sementelli A, Furtado P, Araujo S, et al. IgA nephropathy in Brazil: apropos of 600 cases. Springerplus 2015;4:547.
7. Souza BN, Tavares MB, Soares MFS, Santos WLC. IgA Nephropathy in Salvador, Brazil. Clinical and laboratory presentation at diagnosis. J Bras Nefrol 2018;40:241-6
8. Kang SH, Choi SR, Park HS, Lee JY, Sun IO, Hwang HS, et al. The Oxford classification as a predictor of prognosis in patients with IgA nephropathy. Nephrol Dial Transplant 2012;27:252-8.
9. Barbour SJ, Espino-Hernandez G, Reich HN, Coppo R, Roberts IS, Feehally J, et al; Oxford Derivation, North American Validation and VALIGA Consortia. The MEST score provides earlier risk prediction in IgA nephropathy. Kidney Int 2016;89:167-75.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
21 Set 2018 -
Data do Fascículo
Jul-Sep 2018