Acessibilidade / Reportar erro

Nefropatia por IgA em Salvador, Brasil. Apresentação clínica e laboratorial no momento do diagnóstico

RESUMO

Introdução:

A nefropatia por IgA (NIgA) é a glomerulopatia primária mais prevalente no mundo, mas grande variação é relatada em diferentes países. No Brasil, a prevalência relatada é alta nos estados do Sudeste e baixa em Salvador, Bahia, Brasil.

Objetivos:

Este estudo investigou os padrões clínicos e histológicos de pacientes com NIgA em Salvador, Brasil.

Métodos:

Trata-se de um estudo descritivo que incluiu todos os pacientes com diagnóstico de NIgA, realizados em biópsias de rins nativos, coletados nos serviços de referência em nefrologia dos hospitais públicos de Salvador, entre 2010 e 2015. Resultados: Foram identificados 32 casos de NIgA, correspondendo a 6% de glomerulopatias primárias. Houve uma ligeira predominância do sexo masculino (56%) e a mediana da idade foi de 30 [22-40] anos. Hematúria esteve presente em 79%, proteinúria não nefrótica esteve presente em 61% e hipertensão esteve presente em 69% dos pacientes. A esclerose segmentar (lesão S1) estava presente em 81% dos casos, e lesões túbulo-intersticiais crônicas (lesões T1 e T2) estavam presentes em 44% dos casos. Pacientes com escores M1 e T2 MEST-C exibiram maior ureia e creatinina séricas que outros pacientes.

Conclusão:

A prevalência de NIgA foi menor em Salvador do que em outras regiões do Brasil. Lesões histológicas crônicas e marcadores laboratoriais de doença grave foram frequentes. Os escores M1 e T2 MEST-C foram correlacionados com marcadores de disfunção renal.

Palavras-chave:
Glomerulonefrite; Glomerulopatia, IgA; Classificação

ABSTRACT

Introduction:

IgA nephropathy (IgAN) is the most prevalent primary glomerulopathy in the world, but great variation is reported in different countries. In Brazil, the reported prevalence is high in the Southeastern States and low in Salvador, Bahia State, Brazil.

Objectives:

This study investigated the clinical and histological patterns of patients with IgAN in Salvador, Brazil.

Methods:

This is a descriptive study that included all patients with a diagnosis of IgAN performed in native kidney biopsies collected from referral nephrology services of public hospitals in Salvador between 2010 and 2015. Results: Thirty-two cases of IgAN were identified, corresponding to 6% of primary glomerulopathies. There was a slight male predominance (56%) and the median age was 30 [22-40] years. Hematuria was present in 79%, non-nephrotic proteinuria was present in 61%, and hypertension was present in 69% of patients. Segmental sclerosis (S1 lesions) was present in 81% of cases, and chronic tubulo-interstitial lesions (T1 and T2 lesions) were present in 44% of cases. Patients with M1 and T2 MEST-C scores exhibited higher serum urea and creatinine than other patients.

Conclusion:

The prevalence of IgAN was lower in Salvador than other regions of Brazil. Chronic histological lesions and laboratory markers of severe disease were frequent. M1 and T2 MEST-C scores were correlated with markers of renal dysfunction.

Keywords:
Glomerulonephritis; Glomerulopathy, IgA; Classification

INTRODUÇÃO

A nefropatia por IgA (NIgA) é a doença glomerular mais prevalente em todo o mundo.11 Rodrigues JC, Haas M, Reich HN. IgA Nephropathy. Clin J Am Soc Nephrol 2017;12:677-86.,22 Fiorentino M, Bolignano D, Tesar V, Pisano A, Van Biesen W, D’Arrigo G, et al.; ERA-EDTA Immunonephrology Working Group. Renal Biopsy in 2015-From Epidemiology to Evidence-Based Indications. Am J Nephrol 2016;43:1-19. No entanto, a prevalência estimada de NIgA em amostras de biópsia apresenta grande variação em diferentes países e em diferentes regiões de um mesmo país, como o Brasil.33 Queiroz MM, Silva Júnior GB, Lopes MSR, Nogueira JOL, Correia JW, Jerônimo ALC. Estudo das doenças glomerulares em pacientes internados no Hospital Geral César Cals - Fortaleza, Ceará, Brasil. J Bras Nefrol 2009;31:6-9.,44 Cardoso ACD, Mastroianni-Kirsztajn G. Padrões histopatológicos das doenças glomerulares no Amazonas. J Bras Nefrol 2006;28:39-43.,55 Ferraz FHRP, Martins CGB, Cavalcanti JC, Oliveira FL, Quirino RM, Chicon R, et al. Perfil das doenças glomerulares em um hospital público do Distrito Federal. J Bras Nefrol 2010;32:249-56. Diferenças na frequência de NIgA são atribuídas à etnia ou viés de seleção, que decorre de políticas de indicação de biópsias heterogêneas.22 Fiorentino M, Bolignano D, Tesar V, Pisano A, Van Biesen W, D’Arrigo G, et al.; ERA-EDTA Immunonephrology Working Group. Renal Biopsy in 2015-From Epidemiology to Evidence-Based Indications. Am J Nephrol 2016;43:1-19. Por exemplo, a prevalência de NIgA é alta no Japão (30%), Itália (35%) e Espanha (15%), e está se tornando a doença glomerular mais prevalente nessas áreas.66 Kitajima T, Murakami M, Sakai O. Clinicopathological features in the Japanese patients with IgA nephropathy. Jpn J Med 1983;22:219-22.,77 Schena FP. Survey of the Italian Registry of Renal Biopsies. Frequency of the renal diseases for 7 consecutive years. The Italian Group of Renal Immunopathology. Nephrol Dial Transplant 1997;12:418-26.,88 Yuste C, Rivera F, Moreno JA, López-Gómez JM. Haematuria on the Spanish Registry of Glomerulonephritis. Sci Rep 2016;6:19732. No entanto, é muito menor na Arábia Saudita (4,7%), África (2,8%), Índia (8,1%), Colômbia (11,8%), Peru (1,5%) e México (7%).99 Khawajah AQ, Al-Maghrabi J, Kanaan HD, Al-Ghamdi S. IgA nephropathy: a clinicopathologic study from two centers in Saudi Arabia. Saudi J Kidney Dis Transpl 2010;21:269-75.,1010 Okpechi IG, Ameh OI, Bello AK, Ronco P, Swanepoel CR, Kengne AP. Epidemiology of Histologically Proven Glomerulonephritis in Africa: A Systematic Review and Meta-Analysis. PLoS One 2016;11:e0152203.,1111 Mittal N, Joshi K, Rane S, Nada R, Sakhuja V. Primary IgA nephropathy in north India: is it different? Postgrad Med J 2012;88:15-20.,1212 Arias LF, Henao J, Giraldo RD, Carvajal N, Rodelo J, Arbeláez M. Glomerular diseases in a Hispanic population: review of a regional renal biopsy database. São Paulo Med J 2009;127:140-4.,1313 Hurtado A, Escudero E, Stromquist CS, Urcia J, Hurtado ME, Gretch D, et al. Distinct patterns of glomerular disease in Lima, Peru. Clin Nephrol 2000;53:325-32.,1414 Chávez Valencia V, Orizaga de La Cruz C, Becerra Fuentes JG, Fuentes Ramírez F, Parra Michel R, Aragaki Y, et al. Epidemiology of glomerular disease in adults: a database review. Gac Med Mex 2014;150:403-8. A prevalência de NIgA nos EUA é alta em populações caucasianas (38%) e do leste asiático (36%), e baixa em populações afro-americanas (3%) e hispânicas (19%).1515 Hall YN, Fuentes EF, Chertow GM, Olson JL. Race/ethnicity and disease severity in IgA nephropathy. BMC Nephrol 2004;5:10. A prevalência estimada de NIgA varia em diferentes estados brasileiros. É alta nos estados de Minas Gerais (16,15%) e São Paulo (17,8%), e é baixa nos Estados do Pará (6,3%), Amazonas (4,3%) e Bahia (5%).1616 Neves PDMM, Machado JR, Silva MV, Abate DTRS, Rodrigues DBR, Faleiros ACG, et al. Nefropatia por IgA: análise histológica e correlação clínico-morfológica em pacientes do Estado de Minas Gerais. J Bras Nefrol 2012;34:101-8.,1717 Malafronte P, Mastroianni-Kirsztajn G, Betônico GN, Romão JE Jr, Alves MA, Carvalho MF, et al. Paulista registry of glomerulonephritis: 5-year data report. Nephrol Dial Transplant 2006;21:3098-105.,1818 Alves Júnior JM, Pantoja RKS, Barros CV, Braz MN. Estudo clínico-patológico das glomerulopatias no Hospital de Clínicas Gaspar Vianna. Rev Para Med 2008;22:39-47.,44 Cardoso ACD, Mastroianni-Kirsztajn G. Padrões histopatológicos das doenças glomerulares no Amazonas. J Bras Nefrol 2006;28:39-43.,1919 Sweet GMM. Glomerulopatias prevalentes na Bahia, um estudo baseado em biópsias [Dissertação de mestrado]. Salvador: Universidade Federal da Bahia; 2011.

A prevalência estimada de NIgA em Salvador, BA, é de 7% das doenças glomerulares primárias (dos-Santos et al., sendo publicado).[1]1 Rodrigues JC, Haas M, Reich HN. IgA Nephropathy. Clin J Am Soc Nephrol 2017;12:677-86. O histórico étnico de Salvador pode ser responsável por esse número baixo: aproximadamente 73% da população se autodeclara como sendo de descendência africana, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Comparativamente, a população estimada autodeclarada de descendência africana é de 27,2% e 45,4% em São Paulo e Minas Gerais (IBGE), respectivamente, onde a prevalência de NIgA é de 17,8% e 16,15%, respectivamente.1616 Neves PDMM, Machado JR, Silva MV, Abate DTRS, Rodrigues DBR, Faleiros ACG, et al. Nefropatia por IgA: análise histológica e correlação clínico-morfológica em pacientes do Estado de Minas Gerais. J Bras Nefrol 2012;34:101-8.,1717 Malafronte P, Mastroianni-Kirsztajn G, Betônico GN, Romão JE Jr, Alves MA, Carvalho MF, et al. Paulista registry of glomerulonephritis: 5-year data report. Nephrol Dial Transplant 2006;21:3098-105. Por outro lado, a descendência africana autodeclarada, estimada no Estado do Pará é de 71,9% (IBGE), enquanto a prevalência de NIgA é de 6,3%.1818 Alves Júnior JM, Pantoja RKS, Barros CV, Braz MN. Estudo clínico-patológico das glomerulopatias no Hospital de Clínicas Gaspar Vianna. Rev Para Med 2008;22:39-47. No entanto, não está claro se essas diferenças se devem às origens étnicas ou a critérios diferentes para indicar a biópsia renal.

O presente estudo investigou o padrão de apresentações clínicas e histológicas de pacientes com NIgA de Salvador, Brasil, no diagnóstico da doença. Nosso objetivo foi estudar a prevalência real da doença nesta área altamente povoada no Nordeste do Brasil.

MÉTODOS

Casos: Este relato é um estudo exploratório descritivo de todos os casos de NIgA comprovados por biópsia, diagnosticados em serviços de nefrologia de referência de hospitais públicos de Salvador, Bahia, Brasil, e examinados no Instituto Gonçalo Moniz, Fiocruz (IGM-Fiocruz) entre 2010 e 2015. Apenas biópsias de rins nativos com material histológico disponível e suficiente e registros clínicos foram incluídos.

Biópsias renais: Todas as biópsias renais foram submetidas a: 1) processamento para microscopia óptica de rotina (fixado em solução de Bouin, embebido em parafina, seccionado com 2 µm de espessura e corado com hematoxilina e eosina, Ácido Periódico de Schiff, Prata de Schiff-Metenamina Periódica, Azan e Picro Sirius vermelho); e 2) processamento para imunofluorescência (incorporado em meio de criopreservação e incubado com soros anti -IgA, -IgG, -IgM, cadeias kapa, cadeias lambda, C1q, C3 e fibrinogênio). Todas as amostras foram fixadas em glutaraldeído a 1% em tampão cacodilato, pós-fixadas em tetróxido de ósmio, e embebidas em Poly/Bed® para análise ultraestrutural, quando necessário.

Análise histológica: Dois patologistas (MFSS e WLCS) sem conhecimento prévio do padrão relatado de lesão renal, revisaram independentemente as lâminas histológicas de cada paciente. As discrepâncias nas análises independentes entre os dois patologistas foram resolvidas em uma análise de consenso. As análises histológicas são classificadas de acordo com a classificação Oxford de NIgA (escore MEST-C).2020 Working Group of the International IgA Nephropathy Network and the Renal Pathology Society, Cattran DC, Coppo R, Cook HT, Feehally J, Roberts IS, Troyanov S, et al. The Oxford classification of IgA nephropathy: rationale, clinicopathological correlations, and classification. Kidney Int 2009;76:534-45.,2121 Trimarchi H, Barratt J, Cattran DC, Cook HT, Coppo R, Haas M, et al.; IgAN Classification Working Group of the International IgA Nephropathy Network and the Renal Pathology Society; Conference Participants. Oxford Clasification of IgA nephropathy 2016: an update from the IgA Nephropathy Classification Working Group. Kidney Int 2017;91:1014-21.

Dados clínicos: Os seguintes dados foram obtidos dos formulários de solicitação de biópsia: Idade, gênero, presença de hipertensão arterial sistêmica, síndrome nefrótica, presença e quantidade de proteinúria, presença de hematúria macroscópica e microscópica, marcadores de função renal (ureia sérica e creatinina), albumina sérica, colesterol total, triglicerídeos, data da biópsia e registro do material recebido para exame (microscopia óptica). O limite superior da idade para casos pediátricos foi estabelecido como menor ou igual a 16 anos. A síndrome nefrótica e a presença de proteinúria e hematúria macroscópica foram consideradas quando listadas no formulário de solicitação de biópsia. A proteinúria nefrótica foi considerada quando > 3,5 g/24h, ou sua presença foi descrita no formulário de solicitação de biópsia. A hematúria microscópica foi considerada quando a presença de mais de cinco hemácias por campo foi relatada no exame de urina rotina ou descrita no formulário de solicitação da biópsia.

Análise de dados: Os dados são reportados como porcentagens e números absolutos e sumarizados como média ± desvio padrão ou mediana e percentis 25% e 75%. Os dados foram resumidos usando o Prism 5.01 (GraphPad, San Diego, CA, EUA) e o software StataIC11.

Considerações éticas: O estudo foi realizado de acordo com a resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e do Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos do Instituto Gonçalo Moniz; A Fiocruz aprovou o procedimento (Protocolo nº 1642146).

RESULTADOS

Características gerais do paciente: Foram analisadas 1.045 biópsias renais no IGM-Fiocruz entre 2010 e 2015. No entanto, 134 biópsias foram de rins transplantados, 110 tinham parênquima renal sub-representado (principalmente devido à ausência de glomérulos para imunofluorescência), sete casos tiveram diagnóstico inconclusivo, e dois casos foram recebidos para uma segunda opinião. Um total de 253 casos foi excluído do estudo e 792 casos foram incluídos. Dos casos incluídos, 556 eram glomerulopatias primárias e 236 glomerulopatias secundárias. Trinta e dois casos foram diagnosticados como NIgA, e um caso apresentou achados clínicos sugestivos de vasculite de Henoch-Shoenlein. Portanto, a prevalência de NIgA foi de 6% nos casos de glomerulopatia primária e de 4% nas biópsias renais dos rins nativos.

A Tabela 1 mostra as principais características clínicas e demográficas desses pacientes. A idade variou entre 2 e 59 anos, com mediana de 30 (22-40; primeiro e terceiro quartis, respectivamente) anos. Quatro (12,5%) pacientes eram crianças e 28 (87,5%) pacientes eram adultos, com leve predomínio do sexo masculino.

Tabela 1
Características gerais dos pacientes com nefropatia por IgA submetidos à renal em Salvador, BA, entre 2010 e 2015

As principais apresentações clínicas relatadas foram hematúria em 22/28 (79%), hipertensão arterial sistêmica em 18/26 (69%) e proteinúria não-nefrótica em 17/28 (61%) dos casos.

A Tabela 2 mostra a distribuição dos escores MEST-C das biópsias renais dos pacientes com NIgA. A lesão mais comum observada foi a esclerose segmentar (26; 81%). Houve predomínio de esclerose crônica nas lesões glomerulares proliferativas. Como esperado, as lesões intersticiais tubulares crônicas foram associadas à disfunção renal (Fig. 1). As concentrações séricas de uréia e creatinina foram maiores nos pacientes com a combinação dos escores M1 e T2 (Tabela 2 e Fig. 2). Houve uma tendência para o aumento da proteinúria, ureia sérica e concentrações de creatinina em indivíduos com S1 em comparação com pacientes com S0, mas essa diferença não foi estatisticamente significativa. Além disso, todos os seis pacientes com S0 também tinham T0, enquanto 14/26 (54%) pacientes com S1 tinham T1 ou T2. Tal associação foi estatisticamente significativa (teste de Fisher p = 0,02).

Tabela 2
Escores MEST-C e distribuição de variáveis laboratoriais de pacientes com NIgA submetidos a biópsia renal em Salvador, Brasil, 2010-2015

Figura 1
Escores glomerular e túbulo-intersticial do MEST-C e concentrações de creatinina sérica. As cores representam as pontuações positivas do MEST-C: M1-vermelho, E1-verde, S1-azul.

Figura 2
Combinações de escores M1 e T1 / 2 e concentrações de creatinina sérica. As cores representam as pontuações positivas do MEST-C: M1-vermelho, E1-verde, S1-azul.

DISCUSSÃO

Este estudo é o primeiro relato sobre as características dos pacientes com NIgA em Salvador, Brasil. Essa doença glomerular é considerada rara no Estado da Bahia, pois não foi relatada na maioria dos estudos anteriores sobre doenças glomerulares nessa parte do país.2222 Martinelli R, Okumura AS, Pereira LJ, Rocha H. Primary focal segmental glomerulosclerosis in children: prognostic factors. Pediatr Nephrol 2001;16:658-61.,2323 Queiroz PF, Brito E, Martinelli R, Rocha H. Nephrotic syndrome in patients with Schistosoma mansoni infection. Am J Trop Med Hyg 1973;22:622-8. Uma pesquisa recente entre 2003 e 2010 demonstrou uma prevalência de 5% de doenças renais e 7% de doenças glomerulares primárias (dos-Santos et al., sendo publicado)[1]1 Rodrigues JC, Haas M, Reich HN. IgA Nephropathy. Clin J Am Soc Nephrol 2017;12:677-86., o que é semelhante aos resultados deste estudo, bem como quanto às taxas reportadas em populações não caucasianas e não asiáticas. No entanto, é menor do que as taxas relatadas em outras partes do Brasil. Essa baixa prevalência de NIgA pode ser explicada pela constituição étnica da população de Salvador, que é em grande parte afrodescendente. Outra possível explicação pode ser o critério de indicação da biópsia renal utilizado por nefrologistas, que favorecem a biópsia renal em pacientes com síndrome nefrótica, mantendo o padrão de prática no Brasil.2424 Polito MG, de Moura LA, Kirsztajn GM. An overview on frequency of renal biopsy diagnosis in Brazil: clinical and pathological patterns based on 9,617 native kidney biopsies. Nephrol Dial Transplant 2010;25:490-6. A apresentação clínica da maioria dos pacientes deste estudo foi hematúria e pequenas alterações urinárias, o que mostra que essas condições também são relevantes para indicação de biópsia renal em centros de referência em nefrologia em Salvador. No entanto, a proporção de hematúria macroscópica e proteinúria nefrótica relatada neste trabalho está entre as mais altas relatadas na literatura, o que sugere que os casos de hematúria microscópica, isolada ou combinada com outras alterações urinárias menores, podem ser preteridos.2525 Coppo R, Troyanov S, Bellur S, Cattran D, Cook HT, Feehally J, et al.; VALIGA study of the ERA-EDTA Immunonephrology Working Group. Validation of the Oxford classification of IgA nephropathy in cohorts with different presentations and treatments. Kidney Int 2014;86:828-36.,2626 Nasri H, Mortazavi M, Ghorbani A, Shahbazian H, Kheiri S, Baradaran A, et al. Oxford-MEST classification in IgA nephropathy patients: A report from Iran. J Nephropathol 2012;1:31-42. Estudos adicionais são necessários para excluir um potencial viés de seleção para indicação de biópsia.

As características demográficas e a apresentação clínica dos pacientes neste trabalho, como idade, gênero, frequência de hematúria e proteinúria não-nefrótica, são semelhantes aos estudos publicados anteriormente.2020 Working Group of the International IgA Nephropathy Network and the Renal Pathology Society, Cattran DC, Coppo R, Cook HT, Feehally J, Roberts IS, Troyanov S, et al. The Oxford classification of IgA nephropathy: rationale, clinicopathological correlations, and classification. Kidney Int 2009;76:534-45.,2727 Soares MF, Caldas ML, Dos-Santos WL, Sementilli A, Furtado P, Araújo S, et al. IgA nephropathy in Brazil: apropos of 600 cases. Springerplus. 2015;4:547.

28 Lee H, Yi SH, Seo MS, Hyun JN, Jeon JS, Noh H, et al. Validation of the Oxford classification of IgA nephropathy: a single-center study in Korean adults. Korean J Intern Med 2012;27:293-300.
-2929 Kang SH, Choi SR, Park HS, Lee JY, Sun IO, Hwang HS, et al. The Oxford classification as a predictor of prognosis in patients with IgA nephropathy. Nephrol Dial Transplant 2012;27:252-8. A hematúria microscópica com proteinúria mínima é a apresentação mais comum de NIgA e está associada a um prognóstico favorável. Em contraste, a presença de proteinúria significativa, hipertensão e diminuição da taxa de filtração glomerular está relacionada a um mau prognóstico. A mediana da concentração proteica na urina foi ligeiramente maior neste estudo do que os estudos publicados anteriormente,2020 Working Group of the International IgA Nephropathy Network and the Renal Pathology Society, Cattran DC, Coppo R, Cook HT, Feehally J, Roberts IS, Troyanov S, et al. The Oxford classification of IgA nephropathy: rationale, clinicopathological correlations, and classification. Kidney Int 2009;76:534-45.,2525 Coppo R, Troyanov S, Bellur S, Cattran D, Cook HT, Feehally J, et al.; VALIGA study of the ERA-EDTA Immunonephrology Working Group. Validation of the Oxford classification of IgA nephropathy in cohorts with different presentations and treatments. Kidney Int 2014;86:828-36.,2828 Lee H, Yi SH, Seo MS, Hyun JN, Jeon JS, Noh H, et al. Validation of the Oxford classification of IgA nephropathy: a single-center study in Korean adults. Korean J Intern Med 2012;27:293-300. e a hipertensão foi registrada em 69% dos pacientes. Esses dados sugerem que pacientes com NIgA relatados neste estudo já teriam evoluído para um estágio tardio de progressão para doença renal crônica no momento da biópsia.

Nossa série demonstrou uma alta frequência de escores positivos MEST-C para esclerose segmentar (81%) e lesão intersticial-tubular (44%). Outros autores relataram proporções semelhantes.2626 Nasri H, Mortazavi M, Ghorbani A, Shahbazian H, Kheiri S, Baradaran A, et al. Oxford-MEST classification in IgA nephropathy patients: A report from Iran. J Nephropathol 2012;1:31-42.,2828 Lee H, Yi SH, Seo MS, Hyun JN, Jeon JS, Noh H, et al. Validation of the Oxford classification of IgA nephropathy: a single-center study in Korean adults. Korean J Intern Med 2012;27:293-300. Juntos, os escores positivos de T ou M foram associados ao aumento das concentrações séricas de uréia e creatinina no presente estudo. Alterações túbulo-intersticiais estão consistentemente associadas à apresentação clínica e ao desfecho da NIgA.2828 Lee H, Yi SH, Seo MS, Hyun JN, Jeon JS, Noh H, et al. Validation of the Oxford classification of IgA nephropathy: a single-center study in Korean adults. Korean J Intern Med 2012;27:293-300.,2929 Kang SH, Choi SR, Park HS, Lee JY, Sun IO, Hwang HS, et al. The Oxford classification as a predictor of prognosis in patients with IgA nephropathy. Nephrol Dial Transplant 2012;27:252-8. Apesar das associações entre M1 e disfunção renal estarem menos bem estabelecidas, Lee et al. demonstraram uma associação M1 com progressão da doença.2525 Coppo R, Troyanov S, Bellur S, Cattran D, Cook HT, Feehally J, et al.; VALIGA study of the ERA-EDTA Immunonephrology Working Group. Validation of the Oxford classification of IgA nephropathy in cohorts with different presentations and treatments. Kidney Int 2014;86:828-36.,2828 Lee H, Yi SH, Seo MS, Hyun JN, Jeon JS, Noh H, et al. Validation of the Oxford classification of IgA nephropathy: a single-center study in Korean adults. Korean J Intern Med 2012;27:293-300. Um modelo para usar os escores MEST para desfecho renal no momento da biópsia foi proposto por Barbour e colaboradores (2016).3030 Barbour SJ, Espino-Hernandez G, Reich HN, Coppo R, Roberts IS, Feehally J, et al.; Oxford Derivation, North American Validation and VALIGA Consortia; Oxford Derivation North American Validation and VALIGA Consortia. The MEST score provides earlier risk prediction in lgA nephropathy. Kidney Int 2016;89:167-75. Os autores propõem que uma combinação do escore MEST com os dados de pressão arterial, proteinúria e TFGe no momento da biópsia pode predizer o desfecho renal de forma semelhante ao uso de dados clínicos ao longo de dois anos de seguimento. O desenvolvimento adicional de modelos de associação entre os escores MEST-C combinados e a apresentação clínica ou o resultado de NIgA ainda são necessários.

A observação de uma alta proporção de escores MEST-C positivos para esclerose segmentar e interstício túbulo-intersticial neste estudo combinada com a gravidade da apresentação clínica indica que pacientes com NIgA em Salvador estão em estágio avançado da doença quando submetidos à biópsia renal. Novos estudos serão úteis para determinar os fatores associados à gravidade da apresentação e prognóstico da NIgA nessa cidade.

CONCLUSÃO

  1. A prevalência de NIgA em pacientes submetidos a biópsia renal em Salvador, Bahia, está entre as mais baixas relatadas no Brasil.

  2. Os pacientes com NIgA nessa série apresentaram altas concentrações proteicas na urina e alta frequência de hipertensão, o que sugere um estágio tardio de progressão da DRC.

  3. Uma alta frequência de escores MEST positivos associados à doença renal progressiva foi observada nesses pacientes: esclerose segmentar (81%) e lesão intersticial-tubular (44%).

  4. Os escores T ou M positivos foram associados ao aumento das concentrações séricas de uréia e creatinina.

LISTA DE ABREVIAÇÕES

NIgA - Nefropatia por IgA DRC - Doença Renal Crônica IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Dra. Marilia Bahiense e ao Dr. Mauricio Teixeira (Hospital Ana Nery), Dr. Reinaldo Martinelli e Sra. Rosimary (Hospital Professor Edgard Santos), Dr. Antonio Raimundo Almeida e Dra. Nadia Khouri (Hospital Geral Roberto Santos), e Dra. Daniela Braga e Dra. Marcia Bessa pelo apoio na coleta de dados clínicos. Este trabalho foi apoiado pelo Laboratório de Referência de Hepatite da FIOCRUZ. Brenda Navarro é bolsista da Agência de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia - FAPESB.

REFERENCES

  • 1
    Rodrigues JC, Haas M, Reich HN. IgA Nephropathy. Clin J Am Soc Nephrol 2017;12:677-86.
  • 2
    Fiorentino M, Bolignano D, Tesar V, Pisano A, Van Biesen W, D’Arrigo G, et al.; ERA-EDTA Immunonephrology Working Group. Renal Biopsy in 2015-From Epidemiology to Evidence-Based Indications. Am J Nephrol 2016;43:1-19.
  • 3
    Queiroz MM, Silva Júnior GB, Lopes MSR, Nogueira JOL, Correia JW, Jerônimo ALC. Estudo das doenças glomerulares em pacientes internados no Hospital Geral César Cals - Fortaleza, Ceará, Brasil. J Bras Nefrol 2009;31:6-9.
  • 4
    Cardoso ACD, Mastroianni-Kirsztajn G. Padrões histopatológicos das doenças glomerulares no Amazonas. J Bras Nefrol 2006;28:39-43.
  • 5
    Ferraz FHRP, Martins CGB, Cavalcanti JC, Oliveira FL, Quirino RM, Chicon R, et al. Perfil das doenças glomerulares em um hospital público do Distrito Federal. J Bras Nefrol 2010;32:249-56.
  • 6
    Kitajima T, Murakami M, Sakai O. Clinicopathological features in the Japanese patients with IgA nephropathy. Jpn J Med 1983;22:219-22.
  • 7
    Schena FP. Survey of the Italian Registry of Renal Biopsies. Frequency of the renal diseases for 7 consecutive years. The Italian Group of Renal Immunopathology. Nephrol Dial Transplant 1997;12:418-26.
  • 8
    Yuste C, Rivera F, Moreno JA, López-Gómez JM. Haematuria on the Spanish Registry of Glomerulonephritis. Sci Rep 2016;6:19732.
  • 9
    Khawajah AQ, Al-Maghrabi J, Kanaan HD, Al-Ghamdi S. IgA nephropathy: a clinicopathologic study from two centers in Saudi Arabia. Saudi J Kidney Dis Transpl 2010;21:269-75.
  • 10
    Okpechi IG, Ameh OI, Bello AK, Ronco P, Swanepoel CR, Kengne AP. Epidemiology of Histologically Proven Glomerulonephritis in Africa: A Systematic Review and Meta-Analysis. PLoS One 2016;11:e0152203.
  • 11
    Mittal N, Joshi K, Rane S, Nada R, Sakhuja V. Primary IgA nephropathy in north India: is it different? Postgrad Med J 2012;88:15-20.
  • 12
    Arias LF, Henao J, Giraldo RD, Carvajal N, Rodelo J, Arbeláez M. Glomerular diseases in a Hispanic population: review of a regional renal biopsy database. São Paulo Med J 2009;127:140-4.
  • 13
    Hurtado A, Escudero E, Stromquist CS, Urcia J, Hurtado ME, Gretch D, et al. Distinct patterns of glomerular disease in Lima, Peru. Clin Nephrol 2000;53:325-32.
  • 14
    Chávez Valencia V, Orizaga de La Cruz C, Becerra Fuentes JG, Fuentes Ramírez F, Parra Michel R, Aragaki Y, et al. Epidemiology of glomerular disease in adults: a database review. Gac Med Mex 2014;150:403-8.
  • 15
    Hall YN, Fuentes EF, Chertow GM, Olson JL. Race/ethnicity and disease severity in IgA nephropathy. BMC Nephrol 2004;5:10.
  • 16
    Neves PDMM, Machado JR, Silva MV, Abate DTRS, Rodrigues DBR, Faleiros ACG, et al. Nefropatia por IgA: análise histológica e correlação clínico-morfológica em pacientes do Estado de Minas Gerais. J Bras Nefrol 2012;34:101-8.
  • 17
    Malafronte P, Mastroianni-Kirsztajn G, Betônico GN, Romão JE Jr, Alves MA, Carvalho MF, et al. Paulista registry of glomerulonephritis: 5-year data report. Nephrol Dial Transplant 2006;21:3098-105.
  • 18
    Alves Júnior JM, Pantoja RKS, Barros CV, Braz MN. Estudo clínico-patológico das glomerulopatias no Hospital de Clínicas Gaspar Vianna. Rev Para Med 2008;22:39-47.
  • 19
    Sweet GMM. Glomerulopatias prevalentes na Bahia, um estudo baseado em biópsias [Dissertação de mestrado]. Salvador: Universidade Federal da Bahia; 2011.
  • 20
    Working Group of the International IgA Nephropathy Network and the Renal Pathology Society, Cattran DC, Coppo R, Cook HT, Feehally J, Roberts IS, Troyanov S, et al. The Oxford classification of IgA nephropathy: rationale, clinicopathological correlations, and classification. Kidney Int 2009;76:534-45.
  • 21
    Trimarchi H, Barratt J, Cattran DC, Cook HT, Coppo R, Haas M, et al.; IgAN Classification Working Group of the International IgA Nephropathy Network and the Renal Pathology Society; Conference Participants. Oxford Clasification of IgA nephropathy 2016: an update from the IgA Nephropathy Classification Working Group. Kidney Int 2017;91:1014-21.
  • 22
    Martinelli R, Okumura AS, Pereira LJ, Rocha H. Primary focal segmental glomerulosclerosis in children: prognostic factors. Pediatr Nephrol 2001;16:658-61.
  • 23
    Queiroz PF, Brito E, Martinelli R, Rocha H. Nephrotic syndrome in patients with Schistosoma mansoni infection. Am J Trop Med Hyg 1973;22:622-8.
  • 24
    Polito MG, de Moura LA, Kirsztajn GM. An overview on frequency of renal biopsy diagnosis in Brazil: clinical and pathological patterns based on 9,617 native kidney biopsies. Nephrol Dial Transplant 2010;25:490-6.
  • 25
    Coppo R, Troyanov S, Bellur S, Cattran D, Cook HT, Feehally J, et al.; VALIGA study of the ERA-EDTA Immunonephrology Working Group. Validation of the Oxford classification of IgA nephropathy in cohorts with different presentations and treatments. Kidney Int 2014;86:828-36.
  • 26
    Nasri H, Mortazavi M, Ghorbani A, Shahbazian H, Kheiri S, Baradaran A, et al. Oxford-MEST classification in IgA nephropathy patients: A report from Iran. J Nephropathol 2012;1:31-42.
  • 27
    Soares MF, Caldas ML, Dos-Santos WL, Sementilli A, Furtado P, Araújo S, et al. IgA nephropathy in Brazil: apropos of 600 cases. Springerplus. 2015;4:547.
  • 28
    Lee H, Yi SH, Seo MS, Hyun JN, Jeon JS, Noh H, et al. Validation of the Oxford classification of IgA nephropathy: a single-center study in Korean adults. Korean J Intern Med 2012;27:293-300.
  • 29
    Kang SH, Choi SR, Park HS, Lee JY, Sun IO, Hwang HS, et al. The Oxford classification as a predictor of prognosis in patients with IgA nephropathy. Nephrol Dial Transplant 2012;27:252-8.
  • 30
    Barbour SJ, Espino-Hernandez G, Reich HN, Coppo R, Roberts IS, Feehally J, et al.; Oxford Derivation, North American Validation and VALIGA Consortia; Oxford Derivation North American Validation and VALIGA Consortia. The MEST score provides earlier risk prediction in lgA nephropathy. Kidney Int 2016;89:167-75.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Maio 2018
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2018

Histórico

  • Recebido
    10 Jul 2017
  • Aceito
    23 Ago 2017
Sociedade Brasileira de Nefrologia Rua Machado Bittencourt, 205 - 5ºandar - conj. 53 - Vila Clementino - CEP:04044-000 - São Paulo SP, Telefones: (11) 5579-1242/5579-6937, Fax (11) 5573-6000 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: bjnephrology@gmail.com