Acessibilidade / Reportar erro

Ultrassonografia point-of-care em nefrologia: uma pesquisa nacional transversal entre nefrologistas brasileiros

Resumo

Introdução:

A ultrassonografia (US) pointof-care (POCUS) tem sido utilizada emvárias especialidades, particularmente na urgência médica. Apesar da constatação de seus numerosos benefícios, a utilização da POCUS ainda é tímida na nefrologia. No presente estudo, objetivamos fazer um levantamento sobre a utilização da POCUS pelos nefrologistas brasileiros.

Métodos:

Levantamento realizado entre os sócios da Sociedade Brasileira de Nefrologia, por meio do e-mail institucional, utilizando a plataforma SurveyMonkey. Foram incluídas 12 perguntas autoadministradas, cujas respostas se deram de forma anônima.

Resultados:

Ficou evidente que a maioria (64%) dos participantes não teve oportunidade de praticar a US durante sua formação nefrológica na residência, especialização ou mesmo em estágios; que aqueles com experiência com a US usam o método, principalmente, para implantação de acesso vascular central (68%), realização de biópsia renal (58%) e avaliação da morfologia renal (50%); e que as principais barreiras para os nefrologistas que ainda não utilizam a US são o preço elevado das máquinas de US (26%) e a falta de tempo para aprender sobre US (23%). Além disso, o uso da POCUS para exames de outros órgãos, como pulmão (31%) e coração (18%), fundamentais na avaliação cardiovascular e volêmica dos pacientes com doenças renais, ainda é mais limitado. Porém, 95% dos participantes expressaram interesse em aprender a POCUS para aplicação na sua prática médica.

Conclusão:

A maioria dos nefrologistas brasileiros entrevistados não foi treinada em US, contudo, a quase totalidade dos participantes da pesquisa manifestou interesse em aprender a utilizar a POCUS na prática nefrológica.

Palavras-chave:
Ultrassonografia; Nefrologia; Ultrassom; Educação; Tutoria; Pesquisa.

Abstract

Introduction:

Point-of-care ultrasonography (US) (POCUS) has been used in several specialties, particularly in medical emergency. Despite the confirmation of its numerous benefits, the use of POCUS is still timid in nephrology. In the present study, we aim to investigate the use of POCUS by Brazilian nephrologists.

Methods:

A survey carried out among the members of the Brazilian Society of Nephrology, through institutional e-mail, using the SurveyMonkey platform. We included 12 self-administered questions, which answers were given anonymously.

Results:

It was evident that the majority (64%) of the participants did not have the opportunity to practice US during their nephrological training in their residency, specialization, or even in internships; those with experience with US use the method mainly for implanting central vascular accesses (68%), performing a renal biopsy (58%) and evaluating renal morphology (50%); and the main barriers for nephrologists who do not yet use US are the high price of US machines (26%) and the lack of time to learn about US (23%). Also, POCUS use for examinations of other organs, such as the lung (31%) and heart (18%), which are fundamental in the cardiovascular and volume assessment of patients with kidney diseases, is even more limited. However, 95% of the participants expressed an interest in learning POCUS for use in their medical practice.

Conclusion:

Most of the Brazilian nephrologists interviewed were not trained in US; however, almost all of the research participants expressed an interest in learning to use POCUS in nephrological practice.

Keywords:
Ultrasonography; Nephrology; Ultrasonics; Education; Mentoring; Research

Introdução

A realização de um exame físico (EF) de qualidade é fundamental no processo diagnóstico. Embora seja indiscutível, é importante reconhecer que o EF tradicional tem incorporado poucas tecnologias novas, tendo sido o estetoscópio, em 1816, a mais importante delas.11 Ramsay J. Bock's stethoscope as an aid to determining the efficiency of myocardium. Br Med J 1916;2:521-2.

Mas o EF tradicional não nos permite “olhar sob a pele” do paciente. Para tal, são necessárias técnicas de imagens. Entre os métodos de imagem, a ultrassonografia vem ganhando grande aceitação e utilização, particularmente entre os médicos não radiologistas, por não utilizar radiação ionizante, permitir estudos dinâmicos, não ser invasiva e ser utilizada para orientar procedimentos. Adicionalmente, a excelente portabilidade (hoje já existem unidades que cabem na palma da mão), o desenvolvimento de aplicativos de ultrassonografia (US) que funcionam em smartphones e a diminuição gradativa do custo tornam a ultrassonografia um método com enorme potencialidade de incorporação na prática clínica diária.22 Moore CL, Copel JA. Point-of-Care Ultrasonography. N Engl J Med 2011;364:749-57.

A US tem evoluído sobremaneira nas últimas décadas como modalidade de exame de imagem e, em todo o mundo, 25% das imagens médicas geradas são ultrassonográficas.33 Isherwood I. Radiologic education in Europe - New challenges and new opportunities. Invest Radiol;28:S94-5. Diretrizes têm encorajado a incorporação da US como método propedêutico adicional, na orientação de procedimentos e no treinamento de residentes de diferentes especialidades médicas.44 Price S, Via G, Sloth E, Guarracino F, Breitkreutz R, Catena E,et al. Echocardiography practice, training and accreditation in the intensive care: document for the World Interactive Network Focused on Critical Ultrasound (WINFOCUS). World Interactive Network Focused On Critical UltraSound ECHO-ICU Group. Cardiovasc Ultrasound 2008;6:49.

5 Expert Round Table on Ultrasound in ICU. International expert statement on training standards for critical care ultrasonography. Intensive Care Med 2011;37:1077-83.
-66 Via G, Hussain A, Wells M, Reardon R, ElBarbary M, Noble VE, et al. International evidence-based recommendations for focused cardiac ultrasound. International Liaison Committee on Focused Cardiac UltraSound (ILC-FoCUS); International Conference on Focused Cardiac UltraSound (IC-FoCUS). J Am Soc Echocardiogr. 2014;27:683.e1-683.e33

Alterações encontradas no exame físico podem ser complementadas, à beira do leito, com a US permitindo ampliar a informação clínica e direcionar intervenções diagnósticas e terapêuticas. Por isso, é necessário estimular o aprendizado desta nova tecnologia na formação médica, especialmente na nefrologia. Residentes e estagiários de nefrologia devem ser expostos não somente a interpretação de imagens ultrassonográficas geradas por especialistas, mas também habilitados a manusear o equipamento de ultrassom com o fim de torná-los competentes para obter e interpretar imagens ultrassonográficas quando da realização do EF.

A nossa hipótese é de que a maioria dos nefrologistas em formação ou no exercício da especialidade tem conhecimento limitado sobre a POCUS, mas tem interesse em adquirir treinamento para incluir essa propedêutica na avaliação de pacientes e realização de procedimentos.

O presente estudo objetiva fazer um levantamento acerca da prática da US entre médicos em formação ou no exercício da nefrologia no Brasil.

Métodos

Conduzimos estudo nacional transversal on-line sobre a utilização da US por nefrologistas, em colaboração com a Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN). Um questionário estruturado usando a plataforma SurveyMonkey foi enviado por e-mail institucional aos nefrologistas que constam da base de dados de membros ativos da SBN. Cada link eletrônico foi restringido de maneira a permitir a resposta do participante somente uma vez. Os e-mails foram enviados cinco vezes no período de março a agosto de 2019, como estratégia para aumentar a taxa de respondentes. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Barbacena (CAAE: 02789818.0.0000.8307).

Foram incluídas 12 perguntas autoadministradas, cujas respostas se deram de forma anônima, e os participantes não receberam nenhum pagamento ou outro benefício para responderem ao questionário. As perguntas foram elaboradas para identificar potenciais barreiras/desafios e pré-requisitos para a utilização da US na prática clínica, garantida a confidencialidade das respostas. O questionário abrangeu dados demográficos, condições/locais da prática nefrológica, anos de exercício da nefrologia, experiência prévia na utilização da US do trato urinário e outros órgãos/sistemas (coração, pulmão, veia cava inferior, outros), oportunidade de uso da US no período da formação profissional e disponibilidade atual de máquinas de ultrassom no local de trabalho. A pergunta final se referiu ao interesse do respondente em aprender sobre a US para avaliar os pacientes e realizar procedimentos.

Utilizando estatística descritiva, os dados obtidos são apresentados como frequência.

Resultados

Após cinco rodadas de envio de e-mails para os 3.500 contatos da lista de correspondência da SBN, foram registradas 3.425 aberturas do questionário, com 609 cliques e 517 respondentes que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, perfazendo uma taxa total de 15% de participantes. Entre os respondentes, a taxa de conclusão da pesquisa foi de 100% e o tempo médio de resposta ao questionário foi de dois minutos e cinco segundos.

Seções do levantamento revelaram resultados referentes a diversos aspectos. No que tange aos dados demográficos, do total de nefrologistas participantes da pesquisa, 55,5% eram do sexo masculino, com o maior percentual de respondentes (40%) correspondendo à faixa etária entre 31 e 40 anos, e 75% com 11 ou mais anos de formados. Setenta e um por cento exercem a prática da nefrologia em instituições públicas e privadas, 78% das quais dispõem de máquina de ultrassom, que poderiam ser utilizadas pela grande maioria (72%) dos nefrologistas em caso de necessidade (Tabela 1).

Tabela 1
Dados demográficos e disponibilidade de máquinas de ultrassom incluídos no questionário enviado aos nefrologistas sócios da Sociedade Brasileira de Nefrologia

Já quanto ao aprendizado da US durante a formação em nefrologia, 64% responderam que não tiveram oportunidade de utilização da US. A maioria (70%) respondeu que não havia instrutor/preceptor com experiência na realização da US quando do seu treinamento em nefrologia (Figura 1).

Figura 1
Aprendizado da ultrassonografia durante a formação nefrológica.

Quanto aos procedimentos com a utilização da US realizados pelos nefrologistas, o acesso vascular central (68%), a biópsia renal (58%) e a avaliação renal (50%) constituem os procedimentos que os nefrologistas que já utilizam a POCUS (50% dos respondentes) realizam mais frequentemente. Já a US da veia cava inferior (32%), dos pulmões (31%) e do coração (18%) ainda é relativamente subutilizada (Tabela 2).

Tabela 2
Utilização clínica pelos respondentes relativamente ao uso ou não a ultrassonografia na prática da nefrologia

No que concerne à utilização da US pelos nefrologistas, as barreiras citadas foram: preço elevado das máquinas de US (26%); falta de tempo para aprender sobre US (23%); percepção de ser um procedimento de difícil realização (7%); aumento do tempo de consulta (4,5%) e falta de interesse em aprender US (2%) (Figura 2). Quando questionados sobre o interesse em aprender US para avaliar seus pacientes e realizar procedimentos, 95% dos participantes responderam afirmativamente.

Figura 2
Barreiras para utilização da ultrassonografia pelo nefrologista.

Os participantes fizeram também várias sugestões e muitos comentários sobre a utilização da US pelos nefrologistas, entre os quais destacamos alguns depoimentos: 1. “Difundir a importância do US na prática nefrológica e incentivar a obrigatoriedade do ensino dessa modalidade nos programas de Residência Médica em Nefrologia”; 2. “A SBN poderia promover cursos itinerantes de capacitação/atualização em USG aos seus associados”; 3. “Criação de cursos específicos ou durante eventos, como curso pré-congresso, incluindo avaliação de adultos e crianças“; 4. “Mesas-redondas e temáticas em US nos congressos maiores”; 5. “Venho praticando POCUS há 2 anos e acredito ser fundamental não somente para o nefrologista, mas para todo e qualquer médico. Mudança de paradigma como extensão do exame clínico do doente. É um absurdo ainda não dispormos amplamente de US portátil em todas as UTIs, emergências, enfermarias de clínicas e clínicas nefrológicas. A prática do US é prazerosa e abre novos caminhos ... é o terceiro olho do médico e suplanta em muito a visão e o raciocínio quando se compara ao mais exímio propedeuta... Estamos em 20 anos de atraso em relação à Europa e aos EUA... corramos atrás…”; e 6. “Extremamente importante na prática atual. Acho que não apenas os acessos vasculares, porém precisamos de cursos para pulmão, cava e estimar volemia com mais segurança”.

Discussão

A POCUS, ou seja, a obtenção, interpretação e utilização de imagens ultrassonográficas pelo médico quando realiza exame físico do paciente, tem sido utilizada por médicos não especialistas em imagem como instrumento diagnóstico de extraordinário valor em várias especialidades médicas. Até onde sabemos, este é o primeiro estudo sobre levantamento transversal relativo ao uso da POCUS no diagnóstico multissistêmico entre os nefrologistas brasileiros. O estudo mostra que a maioria dos participantes não foi treinada em US, contudo, a quase totalidade dos entrevistados manifestou interesse em aprender a utilizar a POCUS na prática nefrológica.

Os resultados observados em várias especialidades médicas têm demonstrado o uso benéfico da POCUS relativamente a desfechos clínicos, redução dos insucessos e das complicações durante procedimentos invasivos, bem como para auxílio no diagnóstico e gerenciamento dos processos agudos de doenças.77 Kanji HD, McCallum J, Sirounis D, MacRedmond R, Moss R, Boyd JH. Limited echocardiography-guided therapy in subacute shock is associated with change in management and improved outcomes. J Crit Care 2014;29:700-5.

8 Hind D, Calvert N, McWilliams R, Davidson A, Paisley S, Beverley C, Thomas S. Ultrasonic locating devices for central venous cannulation: meta-analysis. BMJ 2003;327:361.

9 Al Deeb M, Barbic S, Featherstone R, Dankoff J, Barbic D. Point-of-care ultrasonography for the diagnosis of acute cardiogenic pulmonary edema in patients presenting with acute dyspnea: a systematic review and meta-analysis. Acad Emerg Med 2014;21:843-52.

10 Melniker LA, Leibner E, McKenney MG, Lopez P, Briggs WM, Mancuso CA. Randomized controlled clinical trial of point-of-care, limited ultrasonography for trauma in the emergency department: the first sonography outcomes assessment program trial. Ann Emerg Med 2006;48:227-35.
-1111 Parker L, Nazarian LN, Carrino JA, Morrison WB, Grimaldi G, Frangos AJ, et al. Musculoskeletal imaging: Medicare use, costs, and potential for cost substitution. J Am Coll Radiol 2008;5:182-8.) Contudo, na nefrologia, particularmente na praticada no Brasil, a integração da POCUS na avaliação clínica está pouco difundida. No estudo apresentado, ficou evidente que a maioria dos nefrologistas participantes ainda não é treinada em POCUS, mesmo trabalhando em instituições em que há equipamentos de ultrassom. Entre os que já realizam a POCUS, a US é utilizada mais frequentemente para guiar procedimentos invasivos e fazer avaliação renal. Também ficou claro que as principais barreiras para incorporar a POCUS na avaliação nefrológica são os preços das máquinas de ultrassom e a falta de tempo para aprender sobre a US. Contudo, 95% dos respondentes se interessam em aprender a utilizar a US e deram sugestões preconizando maior inserção da POCUS nas programações dos congressos de nefrologia, regionais ou nacional, assim como em cursos de treinamento pré-congressos e/ou itinerantes.

Um achado interessante foi o alto percentual de disponibilidade de máquinas de ultrassom nas instituições, públicas e privadas, com potencial de utilização pelos nefrologistas em caso de necessidade. Embora não tenha sido perguntado especificamente, não é difícil imaginar que tal disponibilidade de máquinas de ultrassom ocorra, quase que exclusivamente, em unidades de diálise, enfermaria e ambulatório em ambiente hospitalar, e não nas clínicas de terapia renal substitutiva e consultórios extra-hospitalares. No entanto, para realizar US, é necessário saber como operar o equipamento, seja na realização de procedimentos guiados pelo método (biópsia renal, acesso venoso central) como também na obtenção de imagens no ambiente de atuação do nefrologista.

Como mencionado, uma das barreiras para a inserção da US na avaliação nefrológica é a falta de tempo do nefrologista. Contudo, é importante enfatizar que, na POCUS, o objetivo são respostas do tipo “sim” ou “não” a perguntas focadas, como, por exemplo, no paciente dispneico que não compareceu às duas últimas sessões de hemodiálise, existe congestão pulmonar? Sim ou não? Para tanto, o treinamento de curta duração pode ser suficiente para habilitar o nefrologista a responder a tais perguntas.

Publicações recentes sugerem que grupos de médicos residentes adquirem habilidades para a geração e interpretação de imagens ultrassonografias após treinamentos de curta duração (de 3 a 16 horas) em POCUS, estruturados com aulas teóricas e sessões práticas.1212 Caronia J, Panagopoulos G, Devita M, Tofighi B, Mahdavi R, Levin B, et al. Focused renal sonography performed and interpreted by internal medicine residents. J Ultrasound Med 2013;32:2007-12.

13 Nunes AA, Pazeli Jr, Rodrigues AT, Vieira ANS, Ezequiel OS, Colugnati FAB, et al. Development of skills to utilize point-of-care ultrasonography in nephrology practice. J Bras Nefrol 2016;38:209-14.
-1414 Koratala A, Bhattacharya D, Kazory A. Helping patients and the profession: Nephrology oriented point-of-care ultrasound program for internal medicine residents. Clin Nephrol 2019;91:321-2.) Até o momento, não está estabelecida a quantidade de exames necessários para habilitar o nefrologista a realizar a POCUS em nefrologia, mas, como acontece com a aquisição de outras habilidades médicas, a curva de aprendizagem está diretamente relacionada ao número de exames realizados e à frequência de uso da US.

Um aspecto que tem dificultado a POCUS na nefrologia é a falta de treinamento do residente (ou estagiário ou pós-graduando) decorrente da inexperiência dos seus preceptores/instrutores em realizar a US. Tal dificuldade poderia ser facilmente contornada, pois o treinamento em POCUS exige apenas um médico familiarizado com o procedimento e uma máquina de ultrassom mais simples, do tipo portátil ou até mesmo modelos ultraportáteis, cujas imagens são geradas em smartphones ou tablets. Por ser uma habilidade relativamente nova, mas útil em praticamente todas as especialidades médicas,22 Moore CL, Copel JA. Point-of-Care Ultrasonography. N Engl J Med 2011;364:749-57. encontrar preceptores adequadamente treinados para ensinar a POCUS ainda constitui uma limitação importante. Atualmente, a interpretação de imagens ultrassonográficas geradas por especialistas faz parte da lista de conhecimentos a serem adquiridos na formação do nefrologista; contudo, não se exige a execução do procedimento pelo residente.

Chama a atenção a observação de que, entre os nefrologistas que já realizam a US, esse exame é mais frequentemente utilizado para guiar procedimentos (biópsia renal e acesso venoso central) e limitado ao estudo dos rins, como sugerido até recentemente.22 Moore CL, Copel JA. Point-of-Care Ultrasonography. N Engl J Med 2011;364:749-57.,1515 O'Neill WC. Atlas of Renal Ultrasonography. Philadelphia, PA: W.B. Saunders; 2000.,1616 Gosmanova EO, Wu S, O'Neill WC. Application of ultrasound in nephrology practice. Adv Chronic Kidney Dis 2009;16:396-404. Contudo, por serem os rins órgãos multifuncionais que, quando disfuncionais, determinam repercussões agudas e/ou crônicas em vários setores da economia, a POCUS na nefrologia deveria transcender os limites do trato urinário.1414 Koratala A, Bhattacharya D, Kazory A. Helping patients and the profession: Nephrology oriented point-of-care ultrasound program for internal medicine residents. Clin Nephrol 2019;91:321-2.,2424 Koratala A, Bhattacharya D, Kazory A. Point of care renal ultrasonography for the busy nephrologist: A pictorial review. World J Nephrol 2019;8:44-58.,2525 O'Neill WC, Ross DW. Retooling Nephrology with ultrasound. Clin J Am Soc Nephrol 2019;14:771-3.

Nesse contexto, a POCUS pulmonar vem ganhando especial atenção. Por exemplo, Zoccali e cols.1717 Zoccali C, Torino C, Tripepi R, Tripepi G, D'Arrigo G, Postorino M, et al. Pulmonary congestion predicts cardiac events and mortality in ESRD. J Am Soc Nephrol 2013;24:639-46. observaram que a congestão pulmonar assintomática detectada através da US pulmonar em pacientes submetidos a hemodiálise é um previsor forte e independente de mortalidade e eventos cardíacos. Da mesma forma, a ecocardiografia focada (ECF) é outra habilidade que deve ser incorporada pelos nefrologistas e pode ser realizada inclusive por meio de ultrassom ultraportátil.1818 Han PJ, Tsai BT, Martin JW, Keen WD, Waalen J, Kimura BJ. Evidence Basis for a Point-of-Care Ultrasound Examination to Refine Referral for Outpatient Echocardiography. Am J Med 2019;132:227-33. A ECF permite detectar rapidamente condições de morte eminente, tais como tamponamento cardíaco, assim como situações de hipervolemia e hipovolemia, hipertrofia ventricular e as disfunções diastólica e sistólica do ventrículo esquerdo, frequentes em pacientes nos diferentes estágios da doença renal crônica.1919 Barberato SH, Pecoits Filho R. Prognostic value of left atrial volume index in hemodialysis patients. Arq Bras Cardiol 2007;88:643-50.

20 Kim MK, Kim B, Lee JY, Kim JS, Han B-G, Seung Ok, et al. Tissue Doppler-derived E/e' ratio as a parameter for assessing diastolic heart failure and as a predictor of mortality in patients with chronic kidney disease. Korean J Intern Med 2013;28:35-44.

21 Jones AE, Aborn LS, Kline JA. Severity of emergency department hypotension predicts adverse hospital outcome. Shock 2004;22:410-14.

22 Shokoohi H, Boniface KS, Pourmand A, Liu YT, Davison DL, Hawkins KD, et al. Bedside ultrasound reduces diagnostic uncertainty and guides resuscitation in patients with undifferentiated hypotension. Crit Care Med 2015 Dec;43:2562-9.

23 Mullangi S, Sozio SM, Hellmann DB, Martire C, Lohani S, Segal P, et al. Integrative Point-of-Care Ultrasound Curriculum to Impact Diagnostic Skills Relevant to Nephrology. Am J Kidney Dis 2019;73:894-6.
-2424 Koratala A, Bhattacharya D, Kazory A. Point of care renal ultrasonography for the busy nephrologist: A pictorial review. World J Nephrol 2019;8:44-58.

Vale ressaltar que, até o momento, não existem estudos internacionais sobre o uso da US em nefrologia, o que dificulta avaliar comparativamente os nossos achados. Contudo, a percepção da importância da POCUS no diagnóstico multissistêmico em nefrologia poderia ser sintetizada nas palavras de O’Neill e Ross2525 O'Neill WC, Ross DW. Retooling Nephrology with ultrasound. Clin J Am Soc Nephrol 2019;14:771-3.:

"Não deveríamos continuar a praticar a nefrologia e treinar futuros nefrologistas da mesma forma que fizemos há 25 anos. A ultrassonografia point-of-care está rapidamente sendo incorporada à prática médica e não incluí-la no treinamento dos jovens nefrologistas vai deixar-nos para trás, de modo parecido com o que aconteceu com os médicos que nunca adotaram o estetoscópio."

Limitações do Estudo

O estudo apresenta limitações, particularmente no que se refere à taxa de respondentes, a despeito do envio repetido da mensagem pelo e-mail institucional. Embora 100% dos participantes tenham respondido a todas as perguntas, a taxa de resposta limita a generalização dos resultados. Viés de autosseleção pode ter ocorrido em entrevistados com maior interesse no aprendizado da POCUS e percepção de sua importância, restringindo a generalização dos resultados. Também não nos foi possível identificar as diferentes regiões do Brasil das quais os participantes eram provenientes, o que pode ter impactado no percentual de respostas relativas à disponibilidade das máquinas de US, preceptores previamente treinados e utilização da POCUS. É importante observar que a pesquisa não foi formalmente validada e, por envolver autorrelato retrospectivo, alguns entrevistados podem, de fato, ter respondido diferente sobre como eles realmente utilizam a POCUS.

Conclusão

O estudo com os nefrologistas brasileiros participantes evidencia que um percentual ainda relativamente pequeno dos respondentes já utilizou a POCUS na prática nefrológica e que, entre os que já utilizam a US, o uso mais frequente é para guiar procedimentos invasivos (acesso venoso central e biópsia renal) e avaliar os rins. A natureza não invasiva do método, a portabilidade e os preços mais acessíveis dos equipamentos de US, juntamente com o desejo de obter treinamento em POCUS que a maioria absoluta dos entrevistados manifestou, permitem antever que a US será incorporada rapidamente à prática nefrológica nacional.

Agradecimentos

Os autores agradecem à Sra. Yara Dias e ao Sr. Lucas Norberto, da empresa Follow55, pelo envio dos e-mails aos sócios da Sociedade Brasileira de Nefrologia.

References

  • 1
    Ramsay J. Bock's stethoscope as an aid to determining the efficiency of myocardium. Br Med J 1916;2:521-2.
  • 2
    Moore CL, Copel JA. Point-of-Care Ultrasonography. N Engl J Med 2011;364:749-57.
  • 3
    Isherwood I. Radiologic education in Europe - New challenges and new opportunities. Invest Radiol;28:S94-5.
  • 4
    Price S, Via G, Sloth E, Guarracino F, Breitkreutz R, Catena E,et al. Echocardiography practice, training and accreditation in the intensive care: document for the World Interactive Network Focused on Critical Ultrasound (WINFOCUS). World Interactive Network Focused On Critical UltraSound ECHO-ICU Group. Cardiovasc Ultrasound 2008;6:49.
  • 5
    Expert Round Table on Ultrasound in ICU. International expert statement on training standards for critical care ultrasonography. Intensive Care Med 2011;37:1077-83.
  • 6
    Via G, Hussain A, Wells M, Reardon R, ElBarbary M, Noble VE, et al. International evidence-based recommendations for focused cardiac ultrasound. International Liaison Committee on Focused Cardiac UltraSound (ILC-FoCUS); International Conference on Focused Cardiac UltraSound (IC-FoCUS). J Am Soc Echocardiogr. 2014;27:683.e1-683.e33
  • 7
    Kanji HD, McCallum J, Sirounis D, MacRedmond R, Moss R, Boyd JH. Limited echocardiography-guided therapy in subacute shock is associated with change in management and improved outcomes. J Crit Care 2014;29:700-5.
  • 8
    Hind D, Calvert N, McWilliams R, Davidson A, Paisley S, Beverley C, Thomas S. Ultrasonic locating devices for central venous cannulation: meta-analysis. BMJ 2003;327:361.
  • 9
    Al Deeb M, Barbic S, Featherstone R, Dankoff J, Barbic D. Point-of-care ultrasonography for the diagnosis of acute cardiogenic pulmonary edema in patients presenting with acute dyspnea: a systematic review and meta-analysis. Acad Emerg Med 2014;21:843-52.
  • 10
    Melniker LA, Leibner E, McKenney MG, Lopez P, Briggs WM, Mancuso CA. Randomized controlled clinical trial of point-of-care, limited ultrasonography for trauma in the emergency department: the first sonography outcomes assessment program trial. Ann Emerg Med 2006;48:227-35.
  • 11
    Parker L, Nazarian LN, Carrino JA, Morrison WB, Grimaldi G, Frangos AJ, et al. Musculoskeletal imaging: Medicare use, costs, and potential for cost substitution. J Am Coll Radiol 2008;5:182-8.
  • 12
    Caronia J, Panagopoulos G, Devita M, Tofighi B, Mahdavi R, Levin B, et al. Focused renal sonography performed and interpreted by internal medicine residents. J Ultrasound Med 2013;32:2007-12.
  • 13
    Nunes AA, Pazeli Jr, Rodrigues AT, Vieira ANS, Ezequiel OS, Colugnati FAB, et al. Development of skills to utilize point-of-care ultrasonography in nephrology practice. J Bras Nefrol 2016;38:209-14.
  • 14
    Koratala A, Bhattacharya D, Kazory A. Helping patients and the profession: Nephrology oriented point-of-care ultrasound program for internal medicine residents. Clin Nephrol 2019;91:321-2.
  • 15
    O'Neill WC. Atlas of Renal Ultrasonography. Philadelphia, PA: W.B. Saunders; 2000.
  • 16
    Gosmanova EO, Wu S, O'Neill WC. Application of ultrasound in nephrology practice. Adv Chronic Kidney Dis 2009;16:396-404.
  • 17
    Zoccali C, Torino C, Tripepi R, Tripepi G, D'Arrigo G, Postorino M, et al. Pulmonary congestion predicts cardiac events and mortality in ESRD. J Am Soc Nephrol 2013;24:639-46.
  • 18
    Han PJ, Tsai BT, Martin JW, Keen WD, Waalen J, Kimura BJ. Evidence Basis for a Point-of-Care Ultrasound Examination to Refine Referral for Outpatient Echocardiography. Am J Med 2019;132:227-33.
  • 19
    Barberato SH, Pecoits Filho R. Prognostic value of left atrial volume index in hemodialysis patients. Arq Bras Cardiol 2007;88:643-50.
  • 20
    Kim MK, Kim B, Lee JY, Kim JS, Han B-G, Seung Ok, et al. Tissue Doppler-derived E/e' ratio as a parameter for assessing diastolic heart failure and as a predictor of mortality in patients with chronic kidney disease. Korean J Intern Med 2013;28:35-44.
  • 21
    Jones AE, Aborn LS, Kline JA. Severity of emergency department hypotension predicts adverse hospital outcome. Shock 2004;22:410-14.
  • 22
    Shokoohi H, Boniface KS, Pourmand A, Liu YT, Davison DL, Hawkins KD, et al. Bedside ultrasound reduces diagnostic uncertainty and guides resuscitation in patients with undifferentiated hypotension. Crit Care Med 2015 Dec;43:2562-9.
  • 23
    Mullangi S, Sozio SM, Hellmann DB, Martire C, Lohani S, Segal P, et al. Integrative Point-of-Care Ultrasound Curriculum to Impact Diagnostic Skills Relevant to Nephrology. Am J Kidney Dis 2019;73:894-6.
  • 24
    Koratala A, Bhattacharya D, Kazory A. Point of care renal ultrasonography for the busy nephrologist: A pictorial review. World J Nephrol 2019;8:44-58.
  • 25
    O'Neill WC, Ross DW. Retooling Nephrology with ultrasound. Clin J Am Soc Nephrol 2019;14:771-3.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Out 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2021

Histórico

  • Recebido
    05 Fev 2020
  • Aceito
    26 Jul 2020
Sociedade Brasileira de Nefrologia Rua Machado Bittencourt, 205 - 5ºandar - conj. 53 - Vila Clementino - CEP:04044-000 - São Paulo SP, Telefones: (11) 5579-1242/5579-6937, Fax (11) 5573-6000 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: bjnephrology@gmail.com