Acessibilidade / Reportar erro

O acúmulo de AGEs está relacionado à degeneração muscular e calcificação vascular em pacientes em diálise peritoneal

Resumo

Histórico:

Pacientes com doença renal crônica (DRC) são afetados pela dinapenia, sarcopenia e calcificação vascular. Produtos finais da glicação avançada (AGEs) podem se acumular em pacientes em diálise peritoneal (DP) e favorecer a sarcopenia por meio de alterações em ligações cruzadas do colágeno, quebra da proteína muscular e calcificação das células do músculo liso arterial por meio da ativação da p38-MAPK. O objetivo deste estudo é explorar as relações entre AGEs, degeneração muscular e calcificação da artéria coronária.

Métodos:

Este foi um estudo clínico observacional em pacientes com DRC submetidos à DP, no qual foram medidos os AGEs séricos e teciduais (AGEs-sAF), a carga cumulativa de glicose, a força muscular e testes funcionais, ultrassonografias musculares com elastografia, quantificação do cálcio da artéria coronária (CAC), e a densidade muscular por tomografia computadorizada multislice.

Resultados:

27 pacientes com idade entre 48±16 anos, tempo de diálise entre 27±17 meses, tinham níveis de AGEs-sAF de 3,09±0,65 UA (elevado em 13 [87%] pacientes), níveis de força de preensão de 26,2±9,2 kg (11 [42%] pacientes com dinapenia), velocidade de marcha de 1,04±0,3 m/s (anormal em 14 [58%] pacientes) e teste "timed-up-and-go" (TUG) de 10,5±2,2s (anormal em 7 [26%] pacientes). Foram detectadas correlações entre os níveis AGEs-sAF e a elastografia do reto femoral (R=-0,74; p=0,02), a elastografia tibial anterior (R= -0,68; p=0,04) e a CAC (R=0,64; p=0,04). A carga cumulativa de glicose se correlacionou com a elastografia do reto femoral (R=-0,6; p=0,02), as concentrações séricas de hemoglobina glicada se correlacionaram com a densidade muscular do psoas (R= -0,58; p=0,04) e o CAC se correlacionou com a densidade do músculo psoas (R=-0,57; p=0,01) e a densidade do músculo quadrado lombar (R=-0,63; p=0,005).

Conclusões:

O estudo revelou associações entre o acúmulo de AGEs e menor rigidez/densidade muscular. Foram observadas associações que ligavam parâmetros de degeneração muscular com a calcificação vascular.

Descritores:
Insuficiência Renal Crônica; Força Muscular; Uremia; Calcificação Vascular

Abstract

Background:

Patients with chronic kidney disease (CKD) are affected by dynapenia, sarcopenia, and vascular calcification. Advanced glycation end products (AGEs) may accumulate in peritoneal dialysis (PD) patients and favor sarcopenia via changes in collagen cross-linking, muscle protein breakdown, and the calcification of arterial smooth muscle cells via p38-MAPK activation. The aim of this study is to explore the relationships between AGEs, muscle degeneration, and coronary artery calcification.

Methods:

This was a clinical observational study in patients with CKD undergoing PD, in which serum and skin AGEs (AGEs-sAF), cumulative glucose load, muscle strength and functional tests, muscle ultrasounds with elastography, coronary artery calcium (CAC) quantification, and muscle density by multislice computed tomography were measured.

Results:

27 patients aged 48±16 years, dialysis vintage of 27±17 months, had AGEs-sAF levels of 3.09±0.65 AU (elevated in 13 [87%] patients), grip strength levels of 26.2±9.2 kg (11 [42%] patients with dynapenia), gait speed of 1.04±0.3 m/s (abnormal in 14 [58%] patients) and "timed-up-and-go test" (TUG) of 10.5±2.2s (abnormal in 7 [26%] patients). Correlations between AGEs-sAF levels and femoral rectus elastography (R=-0.74; p=0.02), anterior-tibialis elastography (R= -0.68; p=0.04) and CAC (R=0.64; p=0.04) were detected. Cumulative glucose load correlated with femoral rectal elastography (R=-0.6; p=0.02), and serum glycated hemoglobin concentrations correlated with psoas muscle density (R= -0.58; p=0.04) and CAC correlated with psoas muscle density (R=0.57; p=0.01) and lumbar square muscle density (R=-0.63; p=0.005).

Conclusions:

The study revealed associations between AGEs accumulation and lower muscle stiffness/density. Associations that linked muscle degeneration parameters with vascular calcification were observed.

Keywords:
Renal Insufficiency, Chronic; Muscle Strength; Uremia; Vascular Calcification

Introdução

A doença renal crônica (DRC) é altamente prevalente em todo o mundo e está associada a altas taxas de morbidade e mortalidade como resultado de numerosas complicações11 Thomé FS, Sesso RC, Lopes AA, Lugon JR, Martins CT. Brazilian chronic dialysis survey 2017. J Bras Nefrol. 2019 Jun;41(2):208-14. DOI: https://doi.org/10.1590/2175-8239-JBN-2018-0178
https://doi.org/10.1590/2175-8239-JBN-20...

2 Zhang QL, Rothenbacher D. Prevalence of chronic kidney disease in population-based studies: systematic review. BMC Public Health. 2008 Apr;8:117.

3 Hill NR, Fatoba ST, Oke JL, Hirst JA, O'Callaghan CA, Lasserson DS, et al. Global prevalence of chronic kidney disease: a systematic review and meta-analysis. PLoS One. 2016 Jul;11(7):e0158765.

4 Garg AX, Clark WF, Hayes RB, House AA. Moderate renal insufficiency and the risk of cardiovascular mortality: results from the NHANES I. Kidney Int. 2002 Apr;61(4):1486-94.

5 Weiner DE, Tighiouart H, Amin MG, Stark PC, Macleod B, Griffith JL, et al. Chronic kidney disease as a risk factor for cardiovascular disease and all-cause mortality: a pooled analysis of community-based studies. J Am Soc Nephrol. 2004 May;15(5):1307-15.
-66 Viegas C, Araújo N, Marreiros C, Simes D. The interplay between mineral metabolism, vascular calcification and inflammation in chronic kidney disease (CKD): challenging old concepts with new facts. Aging (Albany NY). 2019;11(12):4274-99..

Estudos recentes revelaram uma alta prevalência de sarcopenia em pacientes com DRC, cuja presença pode levar a desfechos desfavoráveis como fraturas ósseas, altas taxas de hospitalização e mortalidade77 Souza VA, Oliveira D, Barbosa SR, Corrêa JOA, Colugnati FAB, Mansur HN, et al. Sarcopenia in patients with chronic kidney disease not yet on dialysis: analysis of the prevalence and associated factors. PLoS One. 2017 Apr;12(4):e0176230.,88 Moorthi RN, Avin KG. Clinical relevance of sarcopenia in chronic kidney disease. Curr Opin Nephrol Hypertens. 2017;26(3):219-28.. A DRC induz um estado catabólico mediado por mecanismos inflamatórios e desarranjos metabólicos, incluindo desnutrição, resistência à insulina/fator de crescimento insulina-símile 1, e expressão de citocinas pró-inflamatórias. Os processos inflamatórios desencadeados pela redução da função renal e das toxinas urêmicas resultam em desequilíbrios entre a reparação e a degradação do tecido muscular. Uma consequência de tal desequilíbrio é uma redução da síntese muscular99 Wang XH, Mitch WE. Mechanisms of muscle wasting in chronic kidney disease. Nat Rev Nephrol. 2014;10(9):504-16.

10 Gordon BS, Kelleher AR, Kimball SR. Regulation of muscle protein synthesis and the effects of catabolic states. Int J Biochem Cell Biol. 2013 Oct;45(10):2147-57. DOI: https://doi.org/10.1016/j.biocel.2013.05.039
https://doi.org/10.1016/j.biocel.2013.05...

11 Adey D, Kumar R, McCarthy JT, Nair KS. Reduced synthesis of muscle proteins in chronic renal failure. Am J Physiol Endocrinol Metab. 2000 Feb;278(2):E219-25.
-1212 Holliday MA, Chantler C, MacDonnell R, Keitges J. Effect of uremia on nutritionally-induced variations in protein metabolism. Kidney Int. 1977 Apr;11(4):236-45..

Esta complexa fisiopatologia da degradação do músculo esquelético na DRC tem características comuns com os mecanismos de desenvolvimento de doenças cardiovasculares, a saber, a interação de múltiplos fatores como estresse oxidativo/nitrativo, inflamação e toxinas urêmicas1313 Sárközy M, Kovács ZZA, Kovács MG, Gáspar R, Szücs G, Dux L. Mechanisms and modulation of oxidative/nitrative stress in type 4 cardiorenal syndrome and renal sarcopenia. Front Physiol. 2018 Nov;9:16486. DOI: https://doi.org/10.3389/fphys.2018.01648
https://doi.org/10.3389/fphys.2018.01648...
. Especula-se que os produtos finais da glicação avançada (AGEs) estejam envolvidos na gênese da calcificação vascular e sarcopenia1414 Zhu Y, Ma WQ, Han XQ, Wang Y, Wang X, Liu NF. Advanced glycation end products accelerate calcification in VSMCs through HIF-1α/PDK4 activation and suppress glucose metabolism. Sci Rep. 2018 Sep;8:13730. DOI: https://doi.org/10.1038/s41598-018-31877-6
https://doi.org/10.1038/s41598-018-31877...

15 Wang ZQ, Jing LL, Yan JC, Sun Z, Bao ZY, Shao C, et al. Role of AGEs in the progression and regression of atherosclerotic plaques. Glycoconj J. 2018 Jul;35:443-50. DOI: https://doi.org/10.1007/s10719-018-9831-x
https://doi.org/10.1007/s10719-018-9831-...

16 Payne GW. Effect of inflammation on the aging microcirculation: impact on skeletal muscle blood flow control. Microcirculation. 2006;13(4):343-52.

17 Snow LM, Fugere NA, Thompson LV. Advanced glycation end-product accumulation and associated protein modification in type II skeletal muscle with aging. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2007 Nov;62(11):1204-10.
-1818 Mori H, Kuroda A, Matsuhisa M. Clinical impact of sarcopenia and dynapenia on diabetes. Diabetol Int. 2019 Jun;10:183-7. DOI: https://doi.org/10.1007/s13340-019-00400-1
https://doi.org/10.1007/s13340-019-00400...
.

Acredita-se que os AGEs atuem por meio de seu receptor específico (RAGEs) nos músculos e vasos, resultando em inflamação, disfunção endotelial, calcificação vascular e alteração patológica do fluxo sanguíneo dos músculos esqueléticos1515 Wang ZQ, Jing LL, Yan JC, Sun Z, Bao ZY, Shao C, et al. Role of AGEs in the progression and regression of atherosclerotic plaques. Glycoconj J. 2018 Jul;35:443-50. DOI: https://doi.org/10.1007/s10719-018-9831-x
https://doi.org/10.1007/s10719-018-9831-...
,1616 Payne GW. Effect of inflammation on the aging microcirculation: impact on skeletal muscle blood flow control. Microcirculation. 2006;13(4):343-52.. Além disso, proteínas musculares como beta-enolase, actina e creatina quinase têm sido observadas para visar a glicação com o envelhecimento ou a DRC1717 Snow LM, Fugere NA, Thompson LV. Advanced glycation end-product accumulation and associated protein modification in type II skeletal muscle with aging. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2007 Nov;62(11):1204-10..Evidências de ambientes clínicos mostram que o acúmulo de AGEs no corpo está associado à baixa força de preensão manual, velocidade de marcha lenta e aumento da fraqueza muscular1919 Dalal M, Ferrucci L, Sun K, Beck J, Fried LP, Semba RD. Elevated serum advanced glycation end products and poor grip strength in older community-dwelling women. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2009 Jan;64(1):132-7.,2020 Semba RD, Bandinelli S, Sun K, Guralnik JM, Ferrucci L. Relationship of an advanced glycation end product, plasma carboxymethyl-lysine, with slow walking speed in older adults: the InCHIANTI study. Eur J Appl Physiol. 2010 Jan;108(1):191-5..

Os pacientes com DRC em diálise peritoneal (DP) são potencialmente mais propensos a formar e acumular AGEs porque os compostos carbônicos reativos presentes no corpo se difundem na cavidade peritoneal e se unem aos compostos carbônicos reativos no dialisato2121 Ishida M, Kakuta T, Miyakogawa T, Tatsumi R, Matsumoto C, Fukagawa M. Association between asymmetric dimethylarginine and pentosidine in dialysis effluent of peritoneal dialysis patients. Tokai J Exp Clin Med. 2016 Jun;41(2):97-100.. As soluções usadas para DP possuem altos níveis de glicose em sua composição; a esterilização por calor usada para essas soluções pode causar a geração de AGEs e moléculas pró-oxidantes2222 Roumeliotis S, Eleftheriadis T, Liakopoulos V. Is oxidative stress an issue in peritoneal dialysis? Semin Dial. 2019 Sep;32(5):463-6..

O objetivo deste estudo foi explorar a relação entre o acúmulo de AGEs (teciduais e séricos) e parâmetros relacionados à qualidade, quantidade e função do músculo esquelético, bem como com o acúmulo de cálcio na artéria coronária em pacientes com DRC em DP.

Material e Métodos

Este foi um estudo piloto clínico, observacional e transversal conduzido entre pacientes com DRC clinicamente estáveis em DP no Serviço de Nefrologia do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), de junho de 2018 a abril de 2019. Foi obtido consentimento informado por escrito de todos os sujeitos de pesquisa, e o comitê de ética da UNICAMP aprovou o protocolo de estudo sob o número CAAE 79826317.8.0000.5404. O estudo foi realizado de acordo com os preceitos da Declaração de Helsinque.

Durante o período de inclusão do estudo, 45 pacientes estavam em um programa de DP na unidade. Todos os pacientes foram convidados a participar do estudo e avaliados de acordo com os seguintes critérios de inclusão: ter DRC estágio 5 de acordo com os critérios do KDIG2323 Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO). CKD Work Group. KDIGO 2012 - Clinical practice guideline for the evaluation and management of chronic kidney disease. Kidney Int. 2013 Jan;3(1):1-163., estar em um programa de DP crônica por mais de 3 meses, idade > 18 anos, e capaz de outorgar consentimento livre e informado por meio de um formulário. Os critérios de exclusão foram: presença de doença infecciosa ou inflamatória grave e não controlada, um diagnóstico de câncer hematológico ou de órgãos sólidos, doença hepática crônica ou icterícia, histórico de transplante de órgãos, presença de amputação, restrição de mobilidade ou sequelas de acidentes e doença cerebrovascular que dificultassem ou impossibilitassem o caminhar.

Foram avaliados dados clínicos, demográficos e laboratoriais, como idade, sexo, índice de massa corporal (faixa de referência: 18,5 a 24,9 kg/m2), diagnóstico de diabetes mellitus, tempo de DP, Kt/V, função renal, diurese residual e carga cumulativa de glicose. Os pacientes foram tratados por diálise peritoneal ambulatorial contínua (DPAC) ou diálise peritoneal automatizada (DPA). O dialisato utilizado pelos pacientes tinha concentração de glicose variando de 1,5 a 4,25% e concentração de íons de cálcio de 2,5 a 3,5%. Para calcular a carga cumulativa de glicose, a exposição diária de glicose foi estimada a partir da concentração de glicose no dialisato em relação ao volume total infundido no dia e multiplicada por 30 e pelo número de meses em tratamento de DP, obtendo-se um valor em quilogramas de glicose. Os testes laboratoriais foram realizados utilizando os seguintes métodos: hemoglobina - automatizado (faixa de referência: 10 - 12 g/dL); albumina - colorimétrica (verde de bromocresol) (referência: > 3,5 g/dL); cálcio - colorimétrica (faixa de referência: 8,8 - 10,2 mg/dL); fósforo - fosfomolibidato UV (referência: < 5,5 g/dL); hemoglobina glicada - cromatografia líquida de alta performance (HPLC) (referência: < 5,7%), e paratormônio (PTH) por eletroquimioluminescênciaa (Roche(r), EUA) (faixa de referência: 15 - 65 pg/mL).

Avaliação do acúmulo de cálcio em artérias coronárias e densidade muscular

A tomografia computadorizada (TC) cardíaca multislice sem contraste foi empregada para realizar a detecção e quantificação do cálcio da artéria coronária (CAC) através de um modo de aquisição volumétrico conduzido eletrocardiograficamente com uma tensão de tubo de 120 kV e largura de colimação de 3,0 mm (Canon Aquilion CT 64, Canon System, Japão). As imagens foram analisadas utilizando o software dedicado ao escore CAC (Vitrea, Calcium Scoring, Vital Images, Japão). O método de Agatston foi utilizado para expressar os valores de calcificação coronária (valor de referência: = 0)2424 Agatston AS, Janowitz WR, Hildner FJ, Zusmer NR, Viamonte Junior M, Detrano R. Quantification of coronary artery calcium using ultrafast computed tomography. J Am Coll Cardiol. 1990 Mar;15(4):827-32.. Foram avaliadas as densidades dos músculos quadrado lombar e psoas (expressas em unidades Hounsfield).

Avaliação da qualidade, quantidade e função dos músculos esqueléticos

Foi realizada a elastografia (Toshiba Aplio 500; transdutor linear de alta frequência 14 MHz) dos seguintes músculos dos membros inferiores: reto femoral, gastrocnêmio e tibial anterior. Isto gerou dados sobre espessura muscular (em mm), elastografia (rigidez muscular expressa pela velocidade de condução do tecido, em m/s), e intensidade do sinal de ultrassom. Foram então realizados testes funcionais de força muscular e desempenho, nos quais avaliações da força de preensão manual (em kg) foram realizadas utilizando um dinamômetro hidráulico Saehan SH5001 (Saehan Corporation, Changwon, 51342, Coréia). As medidas foram tomadas no braço dominante, com o paciente na posição sentada e o cotovelo em um ângulo de 90 graus. As médias entre os resultados de três medições foram consideradas para análise. Valores de 30 kg para homens e 20 kg para mulheres foram considerados como o ponto de corte2525 Cruz-Jentoft AJ, Baeyens JP, Bauer JM, Boirie Y, Cederholm T, Landi F, et al. Sarcopenia: European consensus on definition and diagnosis: report of the European working group on sarcopenia in older people. Age Ageing. 2010 Jul;39(4):412-23.. Pacientes com força de preensão manual abaixo desses valores foram diagnosticados com dinapenia. A dinapenia foi considerada como a perda de força ou potência muscular, independentemente do tamanho do músculo88 Moorthi RN, Avin KG. Clinical relevance of sarcopenia in chronic kidney disease. Curr Opin Nephrol Hypertens. 2017;26(3):219-28..

Para avaliações funcionais, foram aplicados o teste "timed-up-and-go" (TUG) e o teste de velocidade de marcha. No teste de TUG, o paciente foi instruído a se levantar de uma cadeira, percorrer um caminho linear de 3 m, depois retornar e sentar-se na posição original. Estabeleceu-se um tempo de 9,2 s como referência de corte, correspondente ao 25º percentil da curva de distribuição deste parâmetro na amostra do estudo. No teste de velocidade de marcha, o paciente foi instruído a percorrer uma distância cronometrada de 10 m em ritmo normal a partir da qual os 2 m iniciais (aceleração) e os 2 m finais (desaceleração) foram desconsiderados. O tempo médio entre as três medições foi considerado como a velocidade média de marcha de cada paciente. O ponto de corte foi ajustado na velocidade de 1 m/s2525 Cruz-Jentoft AJ, Baeyens JP, Bauer JM, Boirie Y, Cederholm T, Landi F, et al. Sarcopenia: European consensus on definition and diagnosis: report of the European working group on sarcopenia in older people. Age Ageing. 2010 Jul;39(4):412-23..

Avaliação do acúmulo de ages teciduais (ages-saf) e séricos

O acúmulo de AGEs através da autofluorescência da pele (AGEs-sAF) foi medido usando o dispositivo AGE-ReaderTM (DiagnOptics BV, Groningen, Holanda) de acordo com as recomendações do fabricante. Este dispositivo mede de forma não invasiva a fluorescência emitida pela pele que é influenciada pela intensidade de deposição dos AGEs. O dispositivo calcula a relação entre a luz de excitação emitida e refletida. Neste estudo, os níveis de AGEs-sAF foram expressos em unidades arbitrárias (UA) e medidos em triplicata no lado ventral do antebraço. Áreas com fístulas arteriovenosas, cicatrizes e tatuagens foram evitadas para clareza de leitura. De acordo com o fabricante, o AGE-ReaderTM e seu software foram validados em pacientes com um índice de reflectância de fototipo cutâneo de 6 por cento (Escala de Fitzpatrick classe I a IV). Os indivíduos com a cor da pele preta (classificação de Fitzpatrick V e VI) não foram medidos para AGEs-sAF devido a seu índice de reflectância cutânea <6%, de acordo com as instruções do fabricante2626 Fitzpatrick TB. The validity and practicality of sun-reactive skin types I through VI. Arch Dermatol. 1988 Jun;124(6):869-71.,2727 Smit AJ, Smit JM, Botterblom GJ, Mulder DJ. Skin autofluorescence based decision tree in detection of impaired glucose tolerance and diabetes. PLoS One. 2013 Jun;8(6):e65592..

Os valores de referência dos níveis de AGEs-sAF foram agrupados por idade da seguinte forma: 20 a 29 anos, 1,53 unidades arbitrárias (UA); 30 a 39 anos, 1,73 UA; 40 a 49 anos, 1,81 UA; 50 a 59 anos, 2,09 UA; 60 a 69 anos, 2,46 UA; 70 a 79 anos, 2,73 UA; e > 80 anos, 2,71 UA2828 Koetsier M, Lutgers HL, Jonge C, Links TP, Smit AJ, Graaff R. Reference values of skin autofluorescence. Diabetes Technol Ther. 2010;12(5):399-403.. Os níveis de hemoglobina glicada foram medidos como uma forma direta de quantificar os AGEs circulantes.

Análise estatística

Os dados foram expressos de acordo com a média ± DP ou mediana e intervalo interquartil (mostrado entre parênteses), conforme apropriado. As comparações médias foram realizadas utilizando o teste t de Student ou o teste de Mann-Whitney para variáveis contínuas. O coeficiente de correlação de Spearman foi usado para avaliar as relações entre AGEs-sAF e variáveis selecionadas. O limiar para significância estatística foi estabelecido em p < 0,05. Todas as análises estatísticas foram realizadas usando o software SPSS (versão 22.0, SPSS Inc., Chicago-IL).

Resultados

Vinte e sete pacientes, dos quais 14 eram mulheres (52%), com 48 ± 16 anos de idade, com tempo de diálise de 27 ± 17 meses, foram incluídos no estudo. A hipertensão arterial foi observada como a principal causa de DRC em 8 dos pacientes (30%), seguida por diabetes mellitus em 3 (11%), e causas indeterminadas em 6 (22%). Os níveis de AGEs-sAF estavam acima do valor de idade estimado na maioria dos pacientes (13 [87%]). Não foi possível realizar medições do nível de AGEs-sAF em 5 (18,5%) pacientes devido ao fototipo cutâneo V-VI e em 7 (26%) pacientes devido a mudanças na modalidade de terapia renal substitutiva que ocorreram durante o período de coleta de dados. Os dados clínicos, demográficos e laboratoriais da amostra, assim como os resultados referentes aos parâmetros relacionados ao acúmulo de AGEs, escore CAC, características e testes de desempenho muscular estão registrados na Tabela 1.

Tabela 1
Características clínicas e demográficas, dados laboratoriais gerais e parâmetros relacionados a AGEs, escore CAC e parâmetros do músculo esquelético

Quase metade dos pacientes da amostra foi diagnosticada como tendo dinapenia (11, [42%], dos quais 6 [54,5%] eram mulheres). Entre os pacientes com dinapenia, a densidade do músculo quadrado lombar foi cerca da metade do observado em pacientes sem dinapenia (15,7 vs. 31 UH; p = 0,04). Os pacientes com dinapenia apresentaram uma tendência de maior carga cumulativa de glicose (143 [103 a 184] vs. 81 [39 a 128] kg; p = 0,06) em comparação com aqueles sem um diagnóstico de dinapenia. A velocidade de marcha foi considerada fora da faixa de referência em 14 (58%) pacientes e correlacionada com a idade (R = -0,43; p = 0,03), força de preensão manual (R = 0,5; p = 0,01), e tempo médio para TUG (R = -0,69; p = 0,001). Os resultados do TUG ficaram acima dos valores de referência em 7 (26%) pacientes.

Correlações entre acúmulo de ages, carga cumulativa de glicose e parâmetros do músculo esquelético

Os níveis de AGEs-sAF correlacionam-se negativamente com a elastografia do reto femoral (R = -0,74; p = 0,02) e tibial anterior (R = -0,68; p = 0,04). Cargas cumulativas de glicose também se correlacionaram negativamente com a elastografia do reto femoral (R = -0,6; p = 0,02). Os níveis séricos de hemoglobina glicada correlacionaram-se negativamente com a densidade muscular do psoas (R = -0,58; p = 0,04) (Figuras 1A a 1D).

Figura 1
Correlações entre o acúmulo de produtos finais da glicação avançada (AGEs) na pele, carga cumulativa de glicose e parâmetros do músculo esquelético.

Correlações entre parâmetros do músculo esquelético e escore de cálcio da artéria coronária

Foram observadas correlações negativas moderadas entre a densidade do psoas e do músculo quadrado lombar e CAC (R = -0,57; p = 0,01 e R = -0,63; p = 0,005, respectivamente) (Figuras 2A e 2B).

Figura 2
Correlação entre densidade muscular e escore de cálcio da artéria coronária.

Correlação entre o acúmulo de ages na pele e escore de cálcio da artéria coronária

Dentro da amostra, 18 pacientes (67%) foram submetidos a medições de escore CAC, produzindo um valor mediano de 35 (0 - 291) Agatston. Onze (61%) pacientes tiveram escore CAC positivo. Observou-se uma correlação positiva moderada entre o acúmulo de AGEs-sAF e o escore CAC (R = 0,64; p = 0,04) (Figura 3A).

Figura 3
Correlação entre o acúmulo de produtos finais da glicação avançada (AGEs) na pele e escore de cálcio da artéria coronária.

Discussão

Este estudo revelou os seguintes achados principais: primeiro, níveis elevados de AGEs-sAF e escore CAC anormal foram detectados na maioria dos pacientes. Em segundo lugar, verificou-se que o acúmulo de AGEs se correlacionava negativamente com a elastografia por ultrassom e a densidade muscular. Terceiro, a densidade muscular foi negativamente correlacionada com o escore CAC. Finalmente, verificou-se que o acúmulo de AGEs se correlacionava tanto aos parâmetros do músculo esquelético quanto ao escore CAC.

A degeneração do músculo esquelético na DRC é multifatorial, envolvendo toxinas urêmicas, inflamação crônica, resistência à insulina, desnutrição e estresse oxidativo2929 Avin KG, Moorthi RN. Bone is not alone: the effects of skeletal muscle dysfunction in chronic kidney disease. Curr Osteoporos Rep. 2015 Feb;13:173-9. DOI: https://doi.org/10.1007/s11914-015-0261-4
https://doi.org/10.1007/s11914-015-0261-...
. Os resultados da interação desses fatores com o músculo esquelético podem ser expressos através da perda de massa, força (dinapenia), ou funcionalidade muscular. A aplicação dos resultados dos exames de elastografia por ultrassom às anormalidades estruturais do tecido muscular pode ser bastante complexa3030 Drakonaki EE, Sudoł-Szopińska I, Sinopidis C, Givissis P. High resolution ultrasound for imaging complications of muscle injury: is there an additional role for elastography?. J Ultrason. 2019;19(77):137-44..

O significado da velocidade de propagação da onda de ultrassom dentro do músculo esquelético ainda não foi totalmente estabelecido. O tipo de músculo, sua demanda funcional, a natureza da lesão e sua fase evolutiva podem influenciar a interpretação dos resultados da elastografia3030 Drakonaki EE, Sudoł-Szopińska I, Sinopidis C, Givissis P. High resolution ultrasound for imaging complications of muscle injury: is there an additional role for elastography?. J Ultrason. 2019;19(77):137-44.

31 Hatta T, Giambini H, Uehara K, Okamoto S, Chen S, Spreling JW, et al. Quantitative assessment of rotator cuff muscle elasticity: reliability and feasibility of shear wave elastography. J Biomech. 2015;48(14):3853-8.

32 Gilbert F, Klein D, Weng AM, Köstler H, Schmitz B, Schmalzl J, et al. Supraspinatus muscle elasticity measured with real time shear wave ultrasound elastography correlates with MRI spectroscopic measured amount of fatty degeneration. BMC Musculoskelet Disord. 2017;18:549.
-3333 Rosskopf AB, Ehrmann C, Buck FM, Gerber C, Flück M, Pfirrmann CW. Quantitative shear-wave US elastography of the supraspinatus muscle: reliability of the method and relation to tendon integrity and muscle quality. Radiology. 2016 Feb;278(2):465-74.. Os dados clínicos sugerem que a velocidade de propagação reduzida da onda de ultrassom nos músculos esqueléticos pode indicar menor rigidez, lipossubstituição, edema ou atrofia, enquanto o aumento da velocidade pode se traduzir em inflamação e fibrose3030 Drakonaki EE, Sudoł-Szopińska I, Sinopidis C, Givissis P. High resolution ultrasound for imaging complications of muscle injury: is there an additional role for elastography?. J Ultrason. 2019;19(77):137-44..

No presente estudo, a velocidade de propagação reduzida da onda de ultrassom observada nos músculos reto femoral e tibial anterior teve uma correlação negativa com o acúmulo de AGEs, o que indica menor rigidez muscular devido à atrofia e lipossubstituição; estes resultados são compatíveis com o processo de sarcopenia. O mesmo raciocínio se aplica à interpretação da correlação negativa entre a densidade muscular analisada pela TC e o acúmulo de AGEs.

Evidências na literatura sugerem uma relação entre o acúmulo de AGEs e função muscular reduzida, dinapenia, ou sarcopeni1919 Dalal M, Ferrucci L, Sun K, Beck J, Fried LP, Semba RD. Elevated serum advanced glycation end products and poor grip strength in older community-dwelling women. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2009 Jan;64(1):132-7.,3434 Haus JM, Carrithers JA, Trappe SW, Trappe TA. Collagen, cross-linking, and advanced glycation end products in aging human skeletal muscle. J Appl Physiol. 2007;103(6):2068-76.,3535 Drenth H, Zuidema S, Bunt S, Bautmans I, Van Der Schans C, Hobbelen H. The contribution of advanced glycation end product (AGE) accumulation to the decline in motor function. Eur Rev Aging Phys Act. 2016 Mar;13:3. DOI: https://doi.org/10.1186/s11556-016-0163-1
https://doi.org/10.1186/s11556-016-0163-...
, possivelmente mediada por indução de estresse e inflamação2929 Avin KG, Moorthi RN. Bone is not alone: the effects of skeletal muscle dysfunction in chronic kidney disease. Curr Osteoporos Rep. 2015 Feb;13:173-9. DOI: https://doi.org/10.1007/s11914-015-0261-4
https://doi.org/10.1007/s11914-015-0261-...
,3636 Yan SF, Ramasamy R, Schmidt AM. Mechanisms of disease: advanced glycation end-products and their receptor in inflammation and diabetes complications. Nat Clin Pract Endocrinol Metab. 2008;4(5):285-93.. No entanto, atualmente não há dados sobre a relação entre o acúmulo de AGEs e a sarcopenia em pacientes com DRC em DP.

Estudos clínicos documentaram a relação entre sarcopenia e índices de risco cardiovascular, tais como espessura da íntima carotídea, adiposidade epicárdica e menor dilatação fluxo-mediada da artéria braquial3737 Lai S, Muscaritoli M, Andreozzi P, Sgreccia A, De Leo S, Mazzaferro S, et al. Sarcopenia and cardiovascular risk indices in patients with chronic kidney disease on conservative and replacement therapy. Nutrition. 2019 Jun;62:108-14.

38 Kato A, Ishida J, Endo Y, Takita T, Furuhashi M, Maruyama Y, et al. Association of abdominal visceral adiposity and thigh sarcopenia with changes of arteriosclerosis in haemodialysis patients. Nephrol Dial Transpl. 2011 Jun;26(6):1967-76.
-3939 Delgado-Frías E, González-Gay MA, Muñiz-Montes JR, Rodriguez-Bethencourt MAG, González-Dias A, Diaz-González F, et al. Relationship of abdominal adiposity and body composition with endothelial dysfunction in patients with rheumatoid arthritis. Clin Exp Rheumatol. 2015 Jul/Aug;33(4):516-23.. O acúmulo de tecido adiposo no músculo esquelético ou sua lipossubstituição produz citocinas pró-aterogênicas e pró-inflamatórias com um efeito parácrino que promove a doença coronária4040 Kerr JD, Holden RM, Morton AR, Nolan RL, Hopman WM, Pruss CM, et al. Associations of epicardial fat with coronary calcification, insulin resistance, inflammation, and fibroblast growth factor-23 in stage 3-5 chronic kidney disease. BMC Nephrol. 2013;14:26.. Esta hipótese está de acordo com a densidade muscular mais baixa (como uma tradução da lipossubstituição) e o escore CAC elevado observado no estudo atual.

Também se observou uma relação entre o acúmulo de AGEs e o acúmulo de cálcio nas artérias coronárias. Estudos têm mostrado que os AGEs afetam o endotélio vascular e induzem a formação de células espumosas, apoptose, deposição de cálcio, estresse oxidativo e inflamação1515 Wang ZQ, Jing LL, Yan JC, Sun Z, Bao ZY, Shao C, et al. Role of AGEs in the progression and regression of atherosclerotic plaques. Glycoconj J. 2018 Jul;35:443-50. DOI: https://doi.org/10.1007/s10719-018-9831-x
https://doi.org/10.1007/s10719-018-9831-...
,1919 Dalal M, Ferrucci L, Sun K, Beck J, Fried LP, Semba RD. Elevated serum advanced glycation end products and poor grip strength in older community-dwelling women. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2009 Jan;64(1):132-7.. Estes fenômenos em combinação resultam na progressão da calcificação vascular e da placa aterosclerótica4141 Menini S, Iacobini C, Ricci C, Fantauzzi CB, Salvi L, Pesce CM, et al. The galectin-3/RAGE dyad modulates vascular osteogenesis in atherosclerosis. Cardiovasc Res. 2013 Dec;100(3):472-80.

42 Kay AM, Simpson CL, Stewart Junior JA. The role of AGE/RAGE signaling in diabetes-mediated vascular calcification. J Diabetes Res. 2016;2016:6809703.

43 Molinuevo MS, Fernández JM, Cortizo AM, McCarthy AD, Schurman L, Sedlinsky C. Advanced glycation end products and strontium ranelate promote osteogenic differentiation of VSMCs in vitro: preventive role of vitamin D. Mol Cell Endocrinol. 2017;450:94-104.
-4444 Li G, Xu J, Li Z. Receptor for advanced glycation end products inhibits proliferation in osteoblast through suppression of Wnt, PI3K and ERK signaling. J Biochem Biophys Res Commun. 2012 Jul;423(4):684-9.. Por sua vez, a calcificação de artérias que fornecem tecido muscular pode prejudicar o processo de regeneração muscular1515 Wang ZQ, Jing LL, Yan JC, Sun Z, Bao ZY, Shao C, et al. Role of AGEs in the progression and regression of atherosclerotic plaques. Glycoconj J. 2018 Jul;35:443-50. DOI: https://doi.org/10.1007/s10719-018-9831-x
https://doi.org/10.1007/s10719-018-9831-...
.

Um aspecto controverso na literatura é a exposição cumulativa à glicose por meio de soluções de diálise peritoneal e o acúmulo de AGEs ou consequências potenciais nos músculos. Embora nossos resultados apontem para uma correlação entre a carga cumulativa de glicose e os parâmetros do músculo esquelético, outros autores relataram que pacientes em hemodiálise podem ter um acúmulo maior de AGEs do que pacientes em DP4545 Hörner DV, Selby NM, Taal MW. Factors associated with change in skin autofluorescence, a measure of advanced glycation end products, in persons receiving dialysis. Kidney Int Rep. 2020 Feb;5(5):654-62.,4646 Vongsanim S, Fan S, Davenport A. Comparison of skin autofluorescence, a marker of tissue advanced glycation end-products in peritoneal dialysis patients using standard and biocompatible glucose containing peritoneal dialysates. Nephrology (Carlton). 2019 Aug;24(8):835-40.. Vongsanim et al. não observaram uma relação clara entre dialisatos biocompatíveis e a autofluorescência da pele, sugerindo que outros fatores além do conteúdo de AGEs do fluido de DP parecem mais importantes na determinação deste parâmetro4646 Vongsanim S, Fan S, Davenport A. Comparison of skin autofluorescence, a marker of tissue advanced glycation end-products in peritoneal dialysis patients using standard and biocompatible glucose containing peritoneal dialysates. Nephrology (Carlton). 2019 Aug;24(8):835-40..

O presente estudo piloto teve algumas limitações, tais como uma amostra composta por um número reduzido de pacientes de um único centro. Além disso, não foram realizadas biópsias do músculo esquelético para análise específica. Ademais, a metodologia utilizada para avaliar a qualidade do músculo esquelético por ultrassom com elastografia é uma técnica nova e aguarda validação nesta população. Outra limitação do estudo é a ausência de pacientes em hemodiálise como um grupo de comparação para a análise. Nossos achados não podem ser estendidos a todos os pacientes com DRC, uma vez que a presença do ambiente urêmico com todas as suas repercussões poderia ter um impacto diferente ao longo dos estágios da DRC ou em pacientes em hemodiálise. O ponto forte do estudo é a hipótese gerada a partir dos resultados, pela qual os AGEs têm um papel na fisiopatologia de ambos, os distúrbios do músculo esquelético e a calcificação vascular. De acordo com esta hipótese, existe uma relação recíproca entre a doença muscular na DRC e o desenvolvimento da calcificação vascular (Figura 4A).

Figura 4
Diagrama da hipótese sobre a interação fisiopatológica entre doença muscular, calcificação vascular e acúmulo de AGEs em pacientes com DRC. Os AGEs promovidos pela DRC, além da exposição excessiva à glicose das soluções de DP, contribuem para a degeneração do músculo esquelético. As alterações parácrinas do tecido muscular lipossubstituído estão envolvidas no desenvolvimento da calcificação vascular que, por sua vez, prejudica o suprimento de sangue para os músculos esqueléticos. AGEs: produtos finais da glicação avançada; CKD: doença renal crônica; PD: diálise peritoneal.

Este estudo revela associações entre o acúmulo de AGEs e menor rigidez/densidade muscular (provavelmente devido à lipossubstituição e atrofia) associada à deposição de CAC. Embora interessantes, esses resultados são atualmente inconclusivos em termos da relação causal entre AGEs, sarcopenia e calcificação vascular.

Estudos adicionais são necessários para abordar este problema em pacientes com DRC em DP e para estabelecer se os níveis AGEs-sAF, dados de ultrassom com elastografia, ou densidade muscular esquelético por TC podem servir como marcadores substitutos de dinapenia ou sarcopenia. Esses marcadores substitutos poderiam permitir intervenções precoces, como aconselhamento dietético, exercícios de fortalecimento e treinamento muscular funcional, a serem aplicadas em benefício dos pacientes.

Agradecimentos

Os autores agradecem à equipe de Nefrologia do Centro Integrado de Nefrologia, Hospital de Clínicas UNICAMP, em particular à Dra. Carolina Urbini dos Santos, à Dra. Patrícia Schincariol, e aos pacientes incluídos no estudo.

Referências

  • 1
    Thomé FS, Sesso RC, Lopes AA, Lugon JR, Martins CT. Brazilian chronic dialysis survey 2017. J Bras Nefrol. 2019 Jun;41(2):208-14. DOI: https://doi.org/10.1590/2175-8239-JBN-2018-0178
    » https://doi.org/10.1590/2175-8239-JBN-2018-0178
  • 2
    Zhang QL, Rothenbacher D. Prevalence of chronic kidney disease in population-based studies: systematic review. BMC Public Health. 2008 Apr;8:117.
  • 3
    Hill NR, Fatoba ST, Oke JL, Hirst JA, O'Callaghan CA, Lasserson DS, et al. Global prevalence of chronic kidney disease: a systematic review and meta-analysis. PLoS One. 2016 Jul;11(7):e0158765.
  • 4
    Garg AX, Clark WF, Hayes RB, House AA. Moderate renal insufficiency and the risk of cardiovascular mortality: results from the NHANES I. Kidney Int. 2002 Apr;61(4):1486-94.
  • 5
    Weiner DE, Tighiouart H, Amin MG, Stark PC, Macleod B, Griffith JL, et al. Chronic kidney disease as a risk factor for cardiovascular disease and all-cause mortality: a pooled analysis of community-based studies. J Am Soc Nephrol. 2004 May;15(5):1307-15.
  • 6
    Viegas C, Araújo N, Marreiros C, Simes D. The interplay between mineral metabolism, vascular calcification and inflammation in chronic kidney disease (CKD): challenging old concepts with new facts. Aging (Albany NY). 2019;11(12):4274-99.
  • 7
    Souza VA, Oliveira D, Barbosa SR, Corrêa JOA, Colugnati FAB, Mansur HN, et al. Sarcopenia in patients with chronic kidney disease not yet on dialysis: analysis of the prevalence and associated factors. PLoS One. 2017 Apr;12(4):e0176230.
  • 8
    Moorthi RN, Avin KG. Clinical relevance of sarcopenia in chronic kidney disease. Curr Opin Nephrol Hypertens. 2017;26(3):219-28.
  • 9
    Wang XH, Mitch WE. Mechanisms of muscle wasting in chronic kidney disease. Nat Rev Nephrol. 2014;10(9):504-16.
  • 10
    Gordon BS, Kelleher AR, Kimball SR. Regulation of muscle protein synthesis and the effects of catabolic states. Int J Biochem Cell Biol. 2013 Oct;45(10):2147-57. DOI: https://doi.org/10.1016/j.biocel.2013.05.039
    » https://doi.org/10.1016/j.biocel.2013.05.039
  • 11
    Adey D, Kumar R, McCarthy JT, Nair KS. Reduced synthesis of muscle proteins in chronic renal failure. Am J Physiol Endocrinol Metab. 2000 Feb;278(2):E219-25.
  • 12
    Holliday MA, Chantler C, MacDonnell R, Keitges J. Effect of uremia on nutritionally-induced variations in protein metabolism. Kidney Int. 1977 Apr;11(4):236-45.
  • 13
    Sárközy M, Kovács ZZA, Kovács MG, Gáspar R, Szücs G, Dux L. Mechanisms and modulation of oxidative/nitrative stress in type 4 cardiorenal syndrome and renal sarcopenia. Front Physiol. 2018 Nov;9:16486. DOI: https://doi.org/10.3389/fphys.2018.01648
    » https://doi.org/10.3389/fphys.2018.01648
  • 14
    Zhu Y, Ma WQ, Han XQ, Wang Y, Wang X, Liu NF. Advanced glycation end products accelerate calcification in VSMCs through HIF-1α/PDK4 activation and suppress glucose metabolism. Sci Rep. 2018 Sep;8:13730. DOI: https://doi.org/10.1038/s41598-018-31877-6
    » https://doi.org/10.1038/s41598-018-31877-6
  • 15
    Wang ZQ, Jing LL, Yan JC, Sun Z, Bao ZY, Shao C, et al. Role of AGEs in the progression and regression of atherosclerotic plaques. Glycoconj J. 2018 Jul;35:443-50. DOI: https://doi.org/10.1007/s10719-018-9831-x
    » https://doi.org/10.1007/s10719-018-9831-x
  • 16
    Payne GW. Effect of inflammation on the aging microcirculation: impact on skeletal muscle blood flow control. Microcirculation. 2006;13(4):343-52.
  • 17
    Snow LM, Fugere NA, Thompson LV. Advanced glycation end-product accumulation and associated protein modification in type II skeletal muscle with aging. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2007 Nov;62(11):1204-10.
  • 18
    Mori H, Kuroda A, Matsuhisa M. Clinical impact of sarcopenia and dynapenia on diabetes. Diabetol Int. 2019 Jun;10:183-7. DOI: https://doi.org/10.1007/s13340-019-00400-1
    » https://doi.org/10.1007/s13340-019-00400-1
  • 19
    Dalal M, Ferrucci L, Sun K, Beck J, Fried LP, Semba RD. Elevated serum advanced glycation end products and poor grip strength in older community-dwelling women. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2009 Jan;64(1):132-7.
  • 20
    Semba RD, Bandinelli S, Sun K, Guralnik JM, Ferrucci L. Relationship of an advanced glycation end product, plasma carboxymethyl-lysine, with slow walking speed in older adults: the InCHIANTI study. Eur J Appl Physiol. 2010 Jan;108(1):191-5.
  • 21
    Ishida M, Kakuta T, Miyakogawa T, Tatsumi R, Matsumoto C, Fukagawa M. Association between asymmetric dimethylarginine and pentosidine in dialysis effluent of peritoneal dialysis patients. Tokai J Exp Clin Med. 2016 Jun;41(2):97-100.
  • 22
    Roumeliotis S, Eleftheriadis T, Liakopoulos V. Is oxidative stress an issue in peritoneal dialysis? Semin Dial. 2019 Sep;32(5):463-6.
  • 23
    Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO). CKD Work Group. KDIGO 2012 - Clinical practice guideline for the evaluation and management of chronic kidney disease. Kidney Int. 2013 Jan;3(1):1-163.
  • 24
    Agatston AS, Janowitz WR, Hildner FJ, Zusmer NR, Viamonte Junior M, Detrano R. Quantification of coronary artery calcium using ultrafast computed tomography. J Am Coll Cardiol. 1990 Mar;15(4):827-32.
  • 25
    Cruz-Jentoft AJ, Baeyens JP, Bauer JM, Boirie Y, Cederholm T, Landi F, et al. Sarcopenia: European consensus on definition and diagnosis: report of the European working group on sarcopenia in older people. Age Ageing. 2010 Jul;39(4):412-23.
  • 26
    Fitzpatrick TB. The validity and practicality of sun-reactive skin types I through VI. Arch Dermatol. 1988 Jun;124(6):869-71.
  • 27
    Smit AJ, Smit JM, Botterblom GJ, Mulder DJ. Skin autofluorescence based decision tree in detection of impaired glucose tolerance and diabetes. PLoS One. 2013 Jun;8(6):e65592.
  • 28
    Koetsier M, Lutgers HL, Jonge C, Links TP, Smit AJ, Graaff R. Reference values of skin autofluorescence. Diabetes Technol Ther. 2010;12(5):399-403.
  • 29
    Avin KG, Moorthi RN. Bone is not alone: the effects of skeletal muscle dysfunction in chronic kidney disease. Curr Osteoporos Rep. 2015 Feb;13:173-9. DOI: https://doi.org/10.1007/s11914-015-0261-4
    » https://doi.org/10.1007/s11914-015-0261-4
  • 30
    Drakonaki EE, Sudoł-Szopińska I, Sinopidis C, Givissis P. High resolution ultrasound for imaging complications of muscle injury: is there an additional role for elastography?. J Ultrason. 2019;19(77):137-44.
  • 31
    Hatta T, Giambini H, Uehara K, Okamoto S, Chen S, Spreling JW, et al. Quantitative assessment of rotator cuff muscle elasticity: reliability and feasibility of shear wave elastography. J Biomech. 2015;48(14):3853-8.
  • 32
    Gilbert F, Klein D, Weng AM, Köstler H, Schmitz B, Schmalzl J, et al. Supraspinatus muscle elasticity measured with real time shear wave ultrasound elastography correlates with MRI spectroscopic measured amount of fatty degeneration. BMC Musculoskelet Disord. 2017;18:549.
  • 33
    Rosskopf AB, Ehrmann C, Buck FM, Gerber C, Flück M, Pfirrmann CW. Quantitative shear-wave US elastography of the supraspinatus muscle: reliability of the method and relation to tendon integrity and muscle quality. Radiology. 2016 Feb;278(2):465-74.
  • 34
    Haus JM, Carrithers JA, Trappe SW, Trappe TA. Collagen, cross-linking, and advanced glycation end products in aging human skeletal muscle. J Appl Physiol. 2007;103(6):2068-76.
  • 35
    Drenth H, Zuidema S, Bunt S, Bautmans I, Van Der Schans C, Hobbelen H. The contribution of advanced glycation end product (AGE) accumulation to the decline in motor function. Eur Rev Aging Phys Act. 2016 Mar;13:3. DOI: https://doi.org/10.1186/s11556-016-0163-1
    » https://doi.org/10.1186/s11556-016-0163-1
  • 36
    Yan SF, Ramasamy R, Schmidt AM. Mechanisms of disease: advanced glycation end-products and their receptor in inflammation and diabetes complications. Nat Clin Pract Endocrinol Metab. 2008;4(5):285-93.
  • 37
    Lai S, Muscaritoli M, Andreozzi P, Sgreccia A, De Leo S, Mazzaferro S, et al. Sarcopenia and cardiovascular risk indices in patients with chronic kidney disease on conservative and replacement therapy. Nutrition. 2019 Jun;62:108-14.
  • 38
    Kato A, Ishida J, Endo Y, Takita T, Furuhashi M, Maruyama Y, et al. Association of abdominal visceral adiposity and thigh sarcopenia with changes of arteriosclerosis in haemodialysis patients. Nephrol Dial Transpl. 2011 Jun;26(6):1967-76.
  • 39
    Delgado-Frías E, González-Gay MA, Muñiz-Montes JR, Rodriguez-Bethencourt MAG, González-Dias A, Diaz-González F, et al. Relationship of abdominal adiposity and body composition with endothelial dysfunction in patients with rheumatoid arthritis. Clin Exp Rheumatol. 2015 Jul/Aug;33(4):516-23.
  • 40
    Kerr JD, Holden RM, Morton AR, Nolan RL, Hopman WM, Pruss CM, et al. Associations of epicardial fat with coronary calcification, insulin resistance, inflammation, and fibroblast growth factor-23 in stage 3-5 chronic kidney disease. BMC Nephrol. 2013;14:26.
  • 41
    Menini S, Iacobini C, Ricci C, Fantauzzi CB, Salvi L, Pesce CM, et al. The galectin-3/RAGE dyad modulates vascular osteogenesis in atherosclerosis. Cardiovasc Res. 2013 Dec;100(3):472-80.
  • 42
    Kay AM, Simpson CL, Stewart Junior JA. The role of AGE/RAGE signaling in diabetes-mediated vascular calcification. J Diabetes Res. 2016;2016:6809703.
  • 43
    Molinuevo MS, Fernández JM, Cortizo AM, McCarthy AD, Schurman L, Sedlinsky C. Advanced glycation end products and strontium ranelate promote osteogenic differentiation of VSMCs in vitro: preventive role of vitamin D. Mol Cell Endocrinol. 2017;450:94-104.
  • 44
    Li G, Xu J, Li Z. Receptor for advanced glycation end products inhibits proliferation in osteoblast through suppression of Wnt, PI3K and ERK signaling. J Biochem Biophys Res Commun. 2012 Jul;423(4):684-9.
  • 45
    Hörner DV, Selby NM, Taal MW. Factors associated with change in skin autofluorescence, a measure of advanced glycation end products, in persons receiving dialysis. Kidney Int Rep. 2020 Feb;5(5):654-62.
  • 46
    Vongsanim S, Fan S, Davenport A. Comparison of skin autofluorescence, a marker of tissue advanced glycation end-products in peritoneal dialysis patients using standard and biocompatible glucose containing peritoneal dialysates. Nephrology (Carlton). 2019 Aug;24(8):835-40.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    25 Maio 2020
  • Aceito
    20 Nov 2020
Sociedade Brasileira de Nefrologia Rua Machado Bittencourt, 205 - 5ºandar - conj. 53 - Vila Clementino - CEP:04044-000 - São Paulo SP, Telefones: (11) 5579-1242/5579-6937, Fax (11) 5573-6000 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: bjnephrology@gmail.com