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Persistência de anormalidades comportamentais após corticoterapia em crianças com episódio inicial de síndrome nefrótica idiopática: uma observação longitudinal prospectiva

Resumo

Introdução:

O tratamento da síndrome nefrótica com corticosteroide pode causar vários efeitos colaterais, incluindo anormalidades comportamentais. Os objetivos do estudo foram observar a proporção de não-recidivos com persistência de anormalidades comportamentais após conclusão do tratamento do episódio inicial, comparar as anormalidades com os recidivos, e determinar fatores de risco para persistência.

Métodos:

75 crianças com primeiro episódio de síndrome nefrótica idiopática e 60 crianças normais foram avaliadas pelos pais por problemas comportamentais usando o Checklist de Comportamento Infantil. O Índice de Estresse Parental também foi avaliado. As crianças foram avaliadas antes do tratamento, 12 e 36 semanas após.

Resultados:

Tanto recidivos quanto não recidivos mostraram anormalidades nos domínios de internalização e externalização às 12 semanas de terapia com esteroides. Não-recidivos apresentaram pontuações anormais no domínio de internalização em 63,5%, e no domínio de externalização, em 48,1% dos casos em 36 semanas. Recidivos tiveram pontuações anormais em todos os três domínios de comportamento, mas uma proporção significativamente maior de recidivos apresentou pontuações anormais em relação ao comportamento total (65,2% vs 28,8%, p<0,01) e domínios infantis (100% vs 57,7%, p<0,001) do Índice de Estresse Parental em comparação com não recidivos às 36 semanas. A ocorrência de recidiva aumentou o risco (odds ratio 5,76, 95% IC 1,35-10,76, p< 0,001) de persistência de comportamento total anormal em 36 semanas de acompanhamento.

Conclusão:

A persistência de anormalidades foi observada não apenas em recidivos, mas também em não recidivos. A recidiva foi um fator de risco significativo para a persistência de comportamentos anormais nesses pacientes.

Descritores:
Transtornos do Comportamento Infantil; Criança; Corticosteroides; Síndrome Nefrótica

Abstract

Introduction:

Treatment of nephrotic syndrome with corticosteroid can cause several side- effects including behavioral abnormalities. The objectives of the study were to observe the proportion of non-relapsers having persistence of behavioral abnormalities after completion of treatment of initial episode and compare the abnormalities with relapsers, and to determine risk factors for persistence.

Methods:

Seventy-five children with a first episode of idiopathic nephrotic syndrome and 60 normal children were rated by parents for behavioral problems using the Child Behavior Checklist. The Parenting Stress Index was also evaluated. The children were rated before treatment and 12 and 36 weeks after.

Results:

Both relapsers and non-relapsers showed abnormalities in internalizing and externalizing domains at 12 weeks of steroid therapy. Non-relapsers had abnormal scores in the internalizing domain in 63.5 % and externalizing domain in 48.1% of cases at 36 weeks. Relapsers had abnormal scores in all the three behavior domains, but a significantly higher proportion of relapsers had abnormal scores regarding total behavior (65.2% vs 28.8%, p<0.01) and child domains (100% vs 57.7%, p<0.001) of Parenting Stress Index in comparison to non-relapsers at 36 weeks. Occurrence of relapse increased the risk (odds ratio 5.76, 95% CI 1.35-10.76, p< 0.001) for persistence of abnormal total behavior at 36 weeks follow-up.

Conclusion:

Persistence of abnormalities was observed not only in relapsers but also in non-relapsers. Relapse was found to be a significant risk factor for persistence of abnormal behaviors in these patients.

Keywords:
Child Behavior Disorders; Child; Adrenal Cortex Hormones; Nephrotic Syndrome

Introdução

O corticosteroide é a base da terapia em crianças com síndrome nefrótica idiopática e 90% dos pacientes respondem aos esteroides11 Eddy AA, Symons JM. Nephrotic syndrome in childhood. Lancet. 2003 Aug;362(9384):629-39.. Cerca de 60-90% dos pacientes com resposta inicial a esteroides vivenciam um curso de recidiva que requer ciclos repetidos de terapia com esteroides22 Tarshish P, Tobin JN, Bernstein J, Edelmann Junior CM. Prognostic significance of the early course of minimal change nephrotic syndrome: report of the International Study of Kidney Disease in Children. J Am Soc Nephrol. 1997 May;8(5):769-76.,33 Hodson EM, Willis NS, Craig JC. Corticosteroid therapy for nephrotic syndrome in children. Cochrane Database Syst Rev. 2007;4(1):CD001533.. Os benefícios terapêuticos do esteroide são acompanhados de vários efeitos colaterais. A atenção tem se concentrado em efeitos colaterais como fácies cushingoide, retardo de crescimento, catarata, hirsutismo, obesidade e anormalidades comportamentais33 Hodson EM, Willis NS, Craig JC. Corticosteroid therapy for nephrotic syndrome in children. Cochrane Database Syst Rev. 2007;4(1):CD001533.,44 Bender BG, Lerner JA, Kollasch E. Mood and memory changes in asthmatic children receiving corticosteroids. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1988 Nov;27(6):720-5..

Usando o Checklist de Comportamento Infantil (CBCL, do inglês Child Behavior Checklist), alguns estudos avaliaram anormalidades comportamentais em crianças com síndrome nefrótica e encontraram escores significativamente mais altos para diferentes domínios comportamentais, tais como ansiedade, depressão, queixas somáticas, comportamento agressivo e hiperativo55 Neuhaus TJ, Langlois V, Licht C. Behavioural abnormalities in children with nephrotic syndrome: an underappreciated complication of a standard treatment?. Nephrol Dial Transplant. 2010 Aug;25(8):2397-9.

6 Soliday E, Grey S, Lande MB. Behavioral effects of cortico-steroids in steroid sensitive nephrotic syndrome. Pediatrics. 1999 Oct;104(4):e51.
-77 Hall AS, Thorley G, Houtman PN. The effects of corticosteroids on behavior in children with nephrotic syndrome. Pediatr Nephrol. 2003 Dec;18(12):1220-3.. Ruth et al. (2004)88 Ruth EM, Landolt MA, Neuhaus TJ, Kemper MJ. Health-related quality of life and psychosocial adjustment in steroid-sensitive nephrotic syndrome. J Pediatr. 2004 Dec;145(6):778-83. relataram que os pais de crianças que sofrem de síndrome nefrótica avaliaram a qualidade de vida como anormal e o clima familiar, especialmente o estresse materno, afetou negativamente o ajuste comportamental. Além disso, também pode afetar a qualidade de vida dos pais em múltiplos domínios de funcionamento99 Mishra K, Ramachandran S, Firdaus S, Rath B. The impact of pediatric nephrotic syndrome on parent's quality of life and family functioning: an assessment made by PedsQL 4.0 family impact module. Saudi J Kid Dis Transplant. 2015 Mar; 26(2):285-92..

Usando o CBCL, relatamos anormalidades comportamentais em crianças com síndrome nefrótica idiopática. Pacientes de grupos etários mais jovens e mais velhos apresentaram pontuações mais altas na maioria dos domínios, em comparação com controles saudáveis1010 Mishra OP, Basu B, Upadhyay SK, Prasad R, Schaefer F. Behavioural abnormalities in children with nephrotic syndrome. Nephrol Dial Transplant. 2010 Aug;25(8):2537-41.. Também foi observado que pacientes em seu primeiro episódio desenvolveram problemas comportamentais logo nas primeiras 6 semanas de prednisolona diária1111 Upadhyay A, Mishra O P, Prasad R, Upadhyay SK, Schaefer F. Behavioural abnormalities in children with new-onset nephrotic syndrome receiving corticosteroid therapy: results of a prospective longitudinal study. Pediatr Nephrol. 2016 Feb;31(2):233-8.. No entanto, não se sabe se esses problemas comportamentais persistem após a descontinuação do tratamento do primeiro episódio, especialmente em pacientes com curso sem recidiva e que não necessitam de outro ciclo de tratamento com esteroides.

Levantamos a hipótese de que as anormalidades comportamentais devem desaparecer após a descontinuação do ciclo de esteroides em não-recidivos e uma proporção maior de recidivos pode ter escores de comportamento anormais. A ocorrência de recidiva, com cursos repetidos de terapia com esteroides, pode ser um fator de risco para a persistência de anormalidades. Portanto, o presente estudo foi realizado, como objetivo principal, para observar a proporção de não-recidivos com persistência de anormalidades comportamentais após a conclusão do tratamento do episódio inicial. Os objetivos secundários foram comparar as anormalidades comportamentais de não-recidivos e recidivos e identificar os fatores de risco, incluindo o estresse parental, para a persistência de anormalidades comportamentais nesses pacientes.

Materiais e Métodos

O presente estudo, prospectivo e longitudinal, foi realizado na Divisão de Nefrologia Pediátrica do Departamento de Pediatria de um centro de cuidados terciários de um hospital universitário. O diagnóstico de síndrome nefrótica idiopática foi baseado na presença de edema generalizado, proteinúria maciça (proteína urinária 3+ ou mais pelo teste de fita reagente e/ou relação proteína/creatinina >2 mg/mg em amostra isolada de urina), hipoalbuminemia (albumina sérica <2,5 g/dL) e hipercolesterolemia (colesterol sérico >200mg/dL). Foram excluídos os pacientes com hematúria macroscópica, hipertensão persistente (pressão arterial sistólica e/ou diastólica acima do percentil 95 para idade, sexo e altura em 3 ou mais ocasiões), infecções do sistema nervoso central e vasculite (diagnóstico baseado em exames clínicos e investigações) e os casos que haviam recebido corticosteroides no período anterior de mais de 7 dias. Os pacientes foram tratados de acordo com as diretrizes do Grupo de Nefrologia Pediátrica Indiano com prednisolona a uma dose de 2 mg/kg/d (máximo de 60 mg) em uma dose única administrada durante 6 semanas, seguida de 1,5 mg/kg (máximo de 40 mg) em dias alternados nas 6 semanas seguintes1212 Indian Pediatric Nephrology Group. Indian Academy of Pediatrics (IAP). Management of steroid sensitive nephrotic syndrome. Revised guidelines. Indian Pediatr. 2008 Mar;45:203-14.. O fluxo do estudo é mostrado na Figura 1. Assumindo a prevalência de problemas comportamentais após a terapia com esteroides como 68% na síndrome nefrótica e 21,6% nos controles normais1313 Guha P, De A, Ghosal M. Behavior profile of children with nephrotic syndrome. Indian J Psychiatry. 2009 Apr;51(2):122-6., um tamanho de amostra de 60 casos foi calculado em α de 5% e potência (1-β) de 90%, representando 20% de desistências. Uma vez que durante o período do estudo foi relatado um número maior de pacientes elegíveis, tínhamos 39 pessoas nos grupos etários mais jovens e 36 nos mais velhos. O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Instituto e o consentimento informado foi obtido de um dos pais (mãe/pai) de cada criança.

Figura 1
Fluxo do estudo de pacientes nas faixas etarias de 1,5 a 5 e 6 a 15 anos (n- numero de casos, SNI- sindrome nefrotica idiopatica).

O sistema de Achenbach de avaliação de base empírica (ASEBA, do inglês Achenbach system of empirically based assessment) foi utilizado para classificar o comportamento da criança com a aplicação do CBCL como ferramenta1414 Achenbach TM, Rescorla LA. Achenbach system of empirically based assessment (ASEBA). Manual for the Child Behaviour Checklist pre-school (1.5-5 year), 2000 and school (6-18 year). Burlington: University of Vermont/Research Centre for Children Youth and Families; 2001., o qual já foi amplamente utilizado anteriormente e também possui validação intercultural1515 Heubeck BG. Cross-cultural generalizability of CBCL syndromes across three continents: from the USA and Holland to Australia. J Abnorm Child Psychol. 2000 Oct;28(5):439-50.,1616 Ivanova MY, Dobrean A, Dopfner M, Erol N, Fombonne E, Fonseca AC, et al. Testing the 8-syndrome structure of the CBCL in 30 societies. J Clin Child Adolesc Psychol. 2007 Jul/Sep;36(3):405-17.. Crianças saudáveis que vieram ao departamento do ambulatório pediátrico para o check-up médico de rotina em cada grupo etário também foram incluídas como participantes controle. Foram utilizadas diferentes escalas CBCL para duas faixas etárias diferentes (1,5 a 5 anos e 6-15 anos). A ferramenta CBCL compreende 100 itens para crianças mais jovens e 113 itens para o grupo de crianças mais velhas. Foi solicitado aos entrevistados que classificassem o comportamento de seus filhos usando uma escala Likert de três pontos: 0 (não verdadeiro), 1 (um pouco ou às vezes verdadeiro) e 2 (muito verdadeiro ou frequentemente verdadeiro). Na faixa etária mais jovem, os domínios comportamentais são descritos como emocionalmente reativos, ansiosos/depressivos, queixas somáticas, retraimento, problemas de atenção e comportamento agressivo. Os domínios comportamentais para o grupo de 6-15 anos foram ansiedade/depressão, retraimento/depressão, queixas somáticas, problemas sociais, problemas de pensamento, problemas de atenção, comportamento de violação de regras e comportamento agressivo. Os pais não foram informados sobre a mudança nas pontuações do comportamento da criança após o tratamento com esteroides durante o período do estudo. Os pacientes foram avaliados por seu comportamento quando estavam livres de qualquer infecção ou disnatremia (hiponatremia ou hipernatremia). Ao preencher o questionário, os pais foram solicitados a avaliar o comportamento de seu filho no mês precedente, antes de iniciar a terapia, no momento da inscrição para obter dados basais, e a ferramenta foi novamente administrada solicitando ao mesmo pai ou mãe que completasse o CBCL às 12 semanas e 36 semanas de acompanhamento. A pontuação total bruta para cada medição foi obtida pela soma das pontuações de todos os itens individuais para um determinado domínio. Estas pontuações brutas foram convertidas em pontuações "T" normalizadas. Os domínios comportamentais individuais foram posteriormente subagrupados em amplos grupos de síndromes como problemas comportamentais de internalização e externalização em ambas as faixas etárias. A pontuação total do problema comportamental foi obtida pela soma das pontuações dos domínios de internalização e de externalização. O escore T <60 foi considerado normal, entre 60 a 63, limítrofe, e mais de 63 como anormalidade clínica para internalização, externalização e problemas de comportamento total.

A ferramenta de avaliação do Índice de Estresse Parental (IEP)1717 Abidin RR. Parenting stress index: professional manual. 3rd ed. Odessa: Psychological Assessment Resources, Inc.; 1995. contém 101 itens gerais (46 itens nos domínios infantis e 55 itens nos domínios parentais) e 19 itens adicionais opcionais de estresse do dia-a-dia, que avaliam uma interação estressante entre pais e filhos. Os domínios da criança são distração/hiperatividade, reforço, humor, adaptabilidade, aceitabilidade e exigibilidade, enquanto os domínios parentais incluem senso de competência, apego, depressão, papel das restrições, relacionamento com o cônjuge, isolamento social e saúde dos pais. Cada questão foi classificada pelos entrevistados em uma escala Likert de 5 pontos: 1 (concordo totalmente), 2 (concordo), 3 (não tenho certeza), 4 (discordo), e 5 (discordo totalmente). Os pais (mãe/pai) foram solicitados a responder aos itens pertencentes a cada domínio. As pontuações totais em cada grupo foram calculadas na planilha de pontuação fornecida, em seguida as pontuações foram resumidas e convertidas em porcentagem. A pontuação de estresse parental tanto do domínio infantil quanto do domínio parental foi considerada alta com pontuações ≥60% e baixa com pontuações <60%. O IEP também foi administrado três vezes, ou seja, no pré-tratamento, 12 semanas após a conclusão da terapia com prednisolona, e 24 semanas após a conclusão (ou seja, com 36 semanas de acompanhamento). O status socioeconômico da família foi registrado pela escala modificada de Kuppuswamy para população urbana1818 Kohli C, Kishore J, Gupta N. Kuppuswamy's socioeconomic scale. Int J Preven Curat Comm Med. 2015 July ; 1(2):26-8. e pela escala revisada para população rural1919 Guru Raj MS, Shilpa S, Maheshwaran R. Revised socio-economic status scale for urban and rural India - revision for 2015. Scientific J Theory Pract Socioeconomic Develop. 2015;4(7):167-74..

Análise Estatística

Os dados foram analisados usando o software SPSS versão 19.0. O status socioeconômico foi agrupado em alto, médio alto com médio baixo, e baixo alto com baixo a fim de ter um número adequado de casos em cada grupo para análise. Foram aplicados os testes Qui-quadrado e exato de Fisher para comparar as variáveis categóricas. O teste t de Student foi usado para comparar os dados entre os controles e o grupo de pré-tratamento. A análise de variância com medidas repetidas (ANOVA) foi utilizada para comparação de variáveis entre pré-tratamento, 12 semanas e 36 semanas. O teste de Bonferroni foi aplicado como análise post-hoc para comparação entre cada dois grupos. Foram realizadas análises de regressão univariada e múltipla para identificar os fatores de risco que afetam os domínios comportamentais. Um valor de p<0,05 foi considerado como significativo.

Resultados

Setenta e cinco crianças com primeiro episódio de síndrome nefrótica idiopática [39 casos de 1,5 a 5 anos (26 não-recidivos e 13 recidivos) e 36 casos de 6 a 15 anos (26 não-recidivos e 10 recidivos)] e 60 crianças normais (30 em cada faixa etária) foram incluídas. Havia 45 pacientes homens e 30 pacientes mulheres e 37 homens e 23 mulheres nos controles. Todos os pacientes apresentaram testes de função renal normais e tinham resposta a esteroides.

Os escores T médios de diferentes domínios do CBCL em grupos de 1,5 a 5 anos e 6 a 15 anos de idade são apresentados nas Tabelas 1 e 2, respectivamente. Os pacientes apresentaram pontuações médias significativamente mais altas em domínios de ansiedade/depressão e queixas somáticas na faixa etária mais jovem, em comparação com os controles. As pontuações médias em crianças do grupo mais jovem em todos os domínios comportamentais, exceto sono e problemas somáticos, foram significativamente mais altas no pós-tratamento às 12 semanas. Na faixa etária mais velha, foram encontradas pontuações significativamente mais altas de ansiedade/depressão, problemas de pensamento, comportamento de violação de regras e domínios comportamentais agressivos às 12 semanas pós-tratamento. Os domínios emocionalmente reativo e ansioso/depressivo em crianças mais jovens e violação de regras e comportamento agressivo em crianças mais velhas mostraram um aumento significativo às 36 semanas em comparação com seus valores de pré-tratamento.

Tabela 1
Pontuações T do CBCL em controles e não-recidivos com 1,5-5 anos (média ±DP)
Tabela 2
Pontuações T do CBCL em controles e não-recidivos com idades entre 6-15 anos (média ±DP)

As comparações de várias características entre não-recidivos e recidivos são apresentadas na Tabela 3. A dose cumulativa média de esteroides e a proporção de casos com domínios infantis de IEP elevados (≥ 60) às 36 semanas foram significativamente mais altas em recidivos em comparação com não recidivos (p<0,001), enquanto outros parâmetros foram comparáveis entre os dois grupos.

Tabela 3
Comparação de várias características entre não-recidivos e recidivos (n: número de casos)

De acordo com a ferramenta CBCL, na faixa etária mais jovem, emocionalmente reativo, ansioso/depressivo, queixas somáticas, retraído/depressivo e problemas de sono foram agrupados no domínio de internalização e, problemas de atenção e comportamento agressivo, no domínio do comportamento de externalização. Da mesma forma, ansioso/depressivo, retraído/depressivo, queixas somáticas, problemas sociais, problemas de pensamento e problemas de atenção foram categorizados no domínio da internalização e, violação de regras e comportamentos agressivos no domínio da externalização, na faixa etária mais velha. A proporção de crianças com comportamentos anormais de internalização, externalização e total às 12 semanas foi semelhante entre não-recidivos e recidivos. Com 36 semanas, os não-recidivos apresentaram comportamento de internalização anormal em 63,5% e de externalização em 48,1% dos casos, enquanto os recidivos apresentaram anormalidades em todos os três domínios (pontuação ≥60). Apenas a pontuação do comportamento total foi significativamente maior em recidivos do que em não recidivos (65,2 vs 28,8%, p<0,01) (Tabela 4, Figura 2).

Tabela 4
Comparação de domínios comportamentais entre não-recidivos e recidivos (n: número de casos)

Figura 2
Diagrama de barras mostrando a porcentagem de dominios comportamentais anormais em nao-recidivos e recidivos no pre-tratamento, 12 semanas e 36 semanas de acompanhamento (n- numero de casos).

A análise univariada para diferentes variáveis em relação à persistência de comportamento anormal de internalização, externalização e total com 36 semanas é apresentada na Tabela 5. A PA sistólica média diferiu significativamente entre comportamento de internalização anormal e normal (p<0,01), enquanto a PA sistólica (p<0,05) e a recidiva (p<0,01) apresentaram relações significativas com comportamento total anormal. Embora casos com comportamentos anormais de internalização, externalização e total tenham recebido uma dose cumulativa média maior de esteroide em 36 semanas, estes não conseguiram alcançar a significância estatística. Na análise de regressão múltipla, apenas a ocorrência de recidiva teve um risco aumentado [odds ratio (OR) 5,76, 95%IC 1,35-10,76, p< 0,001) para persistência de comportamento total anormal às 36 semanas. Embora a PA sistólica tivesse relações significativas na análise univariada, a mesma não afetou o comportamento de internalização (OR 0,999, 95%IC 0,929-1,073, p=970) e total (OR 1,038, 95%ICI 0,961-1,122, p=0,343) na análise de regressão.

Tabela 5
Análise univariada de fatores que afetam os domínios comportamentais (n: número de casos).

Discussão

Pacientes com síndrome nefrótica podem desenvolver anormalidades comportamentais após terapia com esteroides66 Soliday E, Grey S, Lande MB. Behavioral effects of cortico-steroids in steroid sensitive nephrotic syndrome. Pediatrics. 1999 Oct;104(4):e51.,1010 Mishra OP, Basu B, Upadhyay SK, Prasad R, Schaefer F. Behavioural abnormalities in children with nephrotic syndrome. Nephrol Dial Transplant. 2010 Aug;25(8):2537-41.,1111 Upadhyay A, Mishra O P, Prasad R, Upadhyay SK, Schaefer F. Behavioural abnormalities in children with new-onset nephrotic syndrome receiving corticosteroid therapy: results of a prospective longitudinal study. Pediatr Nephrol. 2016 Feb;31(2):233-8.. Em geral, os não-recidivos de ambas as faixas etárias mostraram um aumento na pontuação média na maioria dos domínios comportamentais nas 12 semanas após o tratamento com esteroides e persistiram até o final do acompanhamento (ou seja, 36 semanas). Nossas observações anteriores1010 Mishra OP, Basu B, Upadhyay SK, Prasad R, Schaefer F. Behavioural abnormalities in children with nephrotic syndrome. Nephrol Dial Transplant. 2010 Aug;25(8):2537-41.,1111 Upadhyay A, Mishra O P, Prasad R, Upadhyay SK, Schaefer F. Behavioural abnormalities in children with new-onset nephrotic syndrome receiving corticosteroid therapy: results of a prospective longitudinal study. Pediatr Nephrol. 2016 Feb;31(2):233-8. foram limitadas a 12 semanas de tratamento, de modo que não foi possível fazer nenhum comentário adicional sobre o status de resolução ou persistência de anormalidades comportamentais. Além disso, pacientes da faixa etária mais jovem apresentaram escores médios significativamente mais altos nos domínios ansioso/depressivo e somático no período de pré-tratamento do que os controles, e o comportamento ansioso/depressivo aumentou ainda mais após a terapia com esteroides, embora isso não tenha sido visto em crianças mais velhas. Soliday et al. (1999)66 Soliday E, Grey S, Lande MB. Behavioral effects of cortico-steroids in steroid sensitive nephrotic syndrome. Pediatrics. 1999 Oct;104(4):e51. relataram escores anormais para ansiedade/depressão e comportamentos agressivos no início do estudo em duas crianças na faixa etária mais jovem, que também pioraram após o tratamento com esteroides. Parece que eles podem ser mais sensíveis em sua percepção e desenvolver ansiedade, depressão ou agressão devido ao desconforto físico com edema generalizado antes do início do tratamento.

Uma análise adicional de diferentes fatores demográficos mostrou que uma proporção significativamente maior de recidivos apresentou escores anormais em domínios infantis de IEP e recebeu uma dose cumulativa média mais alta de esteroides. Isto pode ser porque pacientes que passaram por ciclos recorrentes receberam doses adicionais de esteroides, afetando o IEP no domínio infantil. Mehta et al. (1995)2020 Mehta M, Bagga A, Pande P, Bajaj G, Srivastava RN. Behaviour problems in nephrotic syndrome. Indian Pediatr. 1995 Dec; 32:1281-6. relataram uma relação significativa do escore do CBCL com o escore de ansiedade das mães. Por outro lado, o domínio parental do IEP não foi afetado em nosso estudo. Os outros possíveis fatores de risco que podem afetar as pontuações comportamentais, tais como sexo, local de residência (rural/urbano), status socioeconômico, IEP, nível de hemoglobina e dose cumulativa de esteroides, não foram significativos em nosso estudo. É possível que estes fatores não estejam associados a mudanças no comportamento dos pacientes.

A proporção de casos com comportamentos anormais de internalização e externalização entre não-recidivos e recidivos em 12 semanas foi semelhante. Os recidivos exibiram anormalidades em todos os três domínios com 36 semanas, mas uma proporção significativamente maior do que os não-recidivos apenas em seu comportamento total (p<0,01). No entanto, a persistência de comportamento de internalização anormal em quase sessenta e três por cento e de externalização em cerca da metade dos não-recidivos às 36 semanas é motivo de preocupação, apesar do fato de eles não terem recebido nenhum ciclo de esteroides durante o acompanhamento. Pode ser possível que não-recidivos ainda demorem mais tempo para resolver seus problemas comportamentais.

A análise univariada demonstrou uma relação da PA sistólica com os domínios de comportamento de internalização e total, mas este efeito desapareceu na análise de regressão múltipla. Embora os recidivos tenham recebido uma dose cumulativa média de esteroides maior do que os não-recidivos, não foi encontrada nenhuma associação significativa com a persistência de domínios comportamentais anormais na análise de regressão. Por outro lado, em nosso estudo anterior1010 Mishra OP, Basu B, Upadhyay SK, Prasad R, Schaefer F. Behavioural abnormalities in children with nephrotic syndrome. Nephrol Dial Transplant. 2010 Aug;25(8):2537-41., que também incluiu recidivos e pacientes nefróticos dependentes de esteroides, foi encontrada uma associação significativa de dose cumulativa de esteroides com anormalidades comportamentais. Youssef et al. (2013)2121 Youssef DM, Abdelsalam MM, Bozeid AM, Youssef UM. Assessment of behavior abnormalities of corticosteroids in children with nephrotic syndrome. ISRN Psychiatry. 2013 Apr;2013:921253. DOI: https://doi.org/10.1155/2013/921253
https://doi.org/10.1155/2013/921253...
também encontraram correlações significativas da dose de prednisolona com os escores médios de ansiedade, depressão e agressão na síndrome nefrótica recidiva usando o Inventário de Depressão Infantil e a Escala de Ansiedade para crianças. Além disso, no presente estudo, a ocorrência de recidiva foi encontrada como um fator de risco significativo para a persistência de comportamentos anormais às 36 semanas. Soliday et al. (1999)66 Soliday E, Grey S, Lande MB. Behavioral effects of cortico-steroids in steroid sensitive nephrotic syndrome. Pediatrics. 1999 Oct;104(4):e51. haviam relatado um aumento na pontuação do CBCL para comportamento ansioso/depressivo e/ou comportamento agressivo durante recidivas em cerca de 70% das crianças e significativamente correlacionado com a dose de esteroides. Entretanto, Ghobrial et al. (2013)2222 Ghobrial EE, Fahmey SS, Ahmed MEE, Botrous O. Behavioral changes in Egyptian children with nephrotic syndrome. Iranian J Kid Dis. 2013 Mar;7(2):108-16. relataram que a dose de esteroides e o número de recidivas não afetaram os escores psicológicos em seus pacientes. Assim, parece que a relação da dose de esteroides com problemas comportamentais não é um fenômeno direto. Talvez a recidiva durante o curso da doença possa causar mais estresse e persistência de anormalidades comportamentais nessas crianças. Além disso, pode ser possível que algum outro fator, como a preocupação excessiva dos pais com a doença de seus filhos, afete o comportamento da criança77 Hall AS, Thorley G, Houtman PN. The effects of corticosteroids on behavior in children with nephrotic syndrome. Pediatr Nephrol. 2003 Dec;18(12):1220-3.,2020 Mehta M, Bagga A, Pande P, Bajaj G, Srivastava RN. Behaviour problems in nephrotic syndrome. Indian Pediatr. 1995 Dec; 32:1281-6.. Entretanto, não encontramos no presente estudo nenhuma influência dos parâmetros do Índice de Estresse Parental (domínios infantil e parental) sobre a persistência de comportamentos anormais.

O ponto forte do presente estudo foi o número adequado de casos de ambas as faixas etárias, um longo acompanhamento até 24 semanas após o tratamento do episódio inicial e a utilização de uma ferramenta validada para avaliar o comportamento da criança, que retratou quase um quadro real dos problemas comportamentais nessas crianças. No entanto, o estudo tem certas limitações, como o fato de os achados se basearem nas observações relatadas pelos pais e os participantes de controle serem avaliados apenas uma vez, portanto seu status posterior não pode ser comentado. Além disso, alguns dos pacientes mais jovens já apresentavam uma classificação anormal de comportamento (domínios ansioso/depressivo e somático) no período de pré-tratamento, o que se agravou ainda mais no acompanhamento.

Em conclusão, as anormalidades comportamentais também podem persistir em não-recidivos, mas os recidivos mostraram comportamentos anormais em maior proporção de casos. A ocorrência de recidiva foi encontrada como um fator de risco significativo para a persistência de problemas comportamentais em crianças com síndrome nefrótica. Recomenda-se um acompanhamento de longo prazo quanto à resolução de problemas em não-recidivos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Set 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2022

Histórico

  • Recebido
    22 Fev 2021
  • Aceito
    06 Jun 2021
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