Relação dos produtos finais de glicação avançada na hipertensão de pacientes com diabetes: uma revisão sistemática

Resumo

Diabetes mellitus e hipertensão arterial estão entre os cinco fatores de risco que elevam a mortalidade no mundo. Ambas são doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) que têm associação fisiopatológica. Os produtos finais de glicação avançada (AGEs), produzidos pela falta de controle glicêmico nos pacientes diabéticos, interagem com seus receptores para AGEs (RAGE) resultando no aumento da rigidez arterial e da inflamação e em alterações endoteliais, fatores que intensificam o risco do desenvolvimento da hipertensão e de demais complicações. Realizou-se uma revisão sistemática nas bases de dados Pubmed, SciELO, Cochrane Library e Web of Science utilizando descritores e operadores booleanos para otimizar a busca, com o objetivo de fornecer o mecanismo da glicação não enzimática de proteínas presente em pacientes com diabetes e sua correlação com o aparecimento da hipertensão, expondo todo o dano endotelial e celular ocasionado pelos AGEs. Foram encontrados 719 artigos, dos quais 99 foram lidos na íntegra, e 26 atenderam aos critérios de elegibilidade e foram incluídos na presente revisão. Os AGEs devem ser considerados um dos principais fatores de risco cardiometabólico. A redução da interação AGE-RAGE resultará na proteção cardiovascular e no aumento da expectativa de vida.

Descritores:
Complicações do Diabetes; Diabetes Mellitus; Hipertensão; Produtos Finais de Glicação Avançada; Revisão Sistemática

Abstract

Diabetes mellitus and arterial hypertension are among the five risk factors that increase mortality in the world. Both are chronic, non-communicable diseases (NCDs), that have a pathophysiological association. Advanced glycation end products (AGEs), produced by the lack of glycemic control in diabetic patients, interact with their AGE receptors (AGER) resulting in increased arterial stiffness, inflammation and endothelial changes - which increases the risk of developing hypertension and other complications. We ran a systematic review in Pubmed, SciELO, Cochrane Library and Web of Science databases using keywords and Boolean operators to optimize the search, with the objective of assessing the mechanism of non-enzymatic glycation of proteins present in patients with diabetes and its correlation with the onset of hypertension, exposing all the endothelial and cellular damage caused by AGEs. We found 719 papers, of which 99 were read in full, and 26 met the eligibility criteria and were included in the present review. AGEs should be considered one of the main cardiometabolic risk factors. Reducing the AGE-AGER interaction will result in cardiovascular protection and increased life expectancy.

Keywords:
Diabetes Complications; Diabetes Mellitus; Hypertension; Glycation End Products, Advanced; Systematic Review

Introdução

O diabetes mellitus (DM) e suas complicações associadas representam um problema global em termos de saúde humana e economia¹. Atualmente, o diabetes atinge 463 milhões de pessoas no mundo, e a projeção para 2045, feita pela Federação Internacional de Diabetes, é que alcance mais de 700 milhões de pessoas. Esse aumento na prevalência e incidência é atribuído ao envelhecimento, sedentarismo, tabagismo, urbanização e mudanças na dieta da população².

A hiperglicemia decorrente da deficiência absoluta ou relativa da insulina pode afetar diversos tecidos e órgãos do corpo, causando complicações crônicas de múltiplos sistemas e órgãos, principalmente o cardiovascular¹. As complicações micro e macrovasculares podem provocar disfunção endotelial implicada na gênese da hipertensão, comumente associada ao diabetes. A combinação da hiperglicemia e hipertensão do diabetes promovem maior disfunção cardiovascular, que se tornam a principal causa de morbimortalidade da doença³.

Estudos demonstram que existe uma estreita relação entre diabetes e hipertensão, sendo que a elevação da pressão arterial é duas vezes mais frequente em pacientes com diabetes em comparação com aqueles não diabéticos⁴. Mecanismos comuns, como aumento da formação de produtos finais de glicação avançada (AGEs), ativação do receptor para produtos finais de glicação avançada (RAGE), aumento do estresse oxidativo, inflamação crônica, disfunção endotelial e ativação do sistema reninaangiotensina contribuem para a estreita relação entre diabetes e hipertensão¹, ⁴.

Os AGEs estão estabelecidos como os principais fatores implicados na fisiopatologia das complicações vasculares do diabético. A hiperglicemia persistente aumenta diretamente a formação de AGEs, resultando em inflamação, estresse oxidativo, hiperpermeabilidade vascular, aumento da trombogenicidade e redução do vasorrelaxamento, o que leva à perturbação homeostática da vasculatura e consequente desenvolvimento das diversas complicações tardias⁵, ⁶.

Nesta revisão, argumentou-se a associação do diabetes e hipertensão enfatizando o papel patogênico dos AGEs no desenvolvimento da hipertensão nos indivíduos com diabetes. Compilouse os principais artigos e estudos experimentais publicados recentemente, visando demonstrar todos os mecanismos presentes entre os AGEs e a hipertensão arterial (ha), sendo que esses mecanismos ainda não estavam descritos em um único estudo como a presente revisão trouxe. Além de ser uma ferramenta de recurso útil para pesquisadores que desejam investigar mais a fundo o papel dos AGEs nos distúrbios cardiovasculares correlacionados com DM.

Buscou-se expor evidências e mecanismos bioquímicos por trás do diabetes, hipertensão e AGEs, instigando projetos futuros para o desenvolvimento de terapias farmacológicas direcionadas ao controle dos AGEs em pacientes com diabetes visando à proteção cardiovascular e suas complicações.

Metodologia

Tipo de pesquisa

Trata-se de uma revisão sistemática sobre glicação não enzimática de proteínas na gênese da hipertensão em pacientes com diabetes. A revisão pretende responder à questão norteadora formulada através da estratégia PICO “Qual a relação da glicação não enzimática de proteínas presente em pacientes com diabetes para o desenvolvimento da hipertensão?”. Essa revisão sistemática está registrada na base PROSPERO como CRD42021246685.

Critérios de elegibilidade

Foram incluídos na revisão artigos publicados entre 2016 a 2021 (últimos 5 anos), nos idiomas inglês e português, todos relacionados aos produtos finais da glicação avançada de proteínas em pacientes com diabetes relacionado com a hipertensão, sem haver restrição geográfica e de tamanho amostral.

Não houve delineamento para os tipos de estudos incluídos, sendo avaliados todos os artigos encontrados a partir da busca nas bases de dados utilizando os descritores preestabelecidos. Foram priorizados os artigos sobre diabetes mellitus tipo 2, excluídos aqueles que retratavam outros tipos de diabetes.

Foram excluídos da revisão teses, dissertações, documentos, cartas e livros.

Os artigos foram selecionados seguindo uma ordem: leitura do título, leitura do resumo e leitura do artigo na íntegra daqueles em que o resumo atendia aos critérios de inclusão.

Estratégia de busca

Realizaram-se as buscas nas bases de dados Cochrane Library, PubMed/MEDLINE, SciELO e Web of Science pelas autoras [J.C.F] e [M.E.K], no mês de julho de 2021, mediante os descritores selecionados nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): “Hypertension”, “Glycation End Products, Advanced“ e “Diabetes Mellitus”. Foram realizados cruzamentos específicos para cada base de dados, descritos na Tabela 1, e utilizado o operador booleano [AND] para otimizar a busca.

Tabela 1
Estratégias de busca para as bases de dados selecionadas

MEDLINE / PubMed	“Glycation End Products, Advanced” AND “hypertension” “Glycation End Products, Advanced” AND “Diabetes Mellitus” “Glycation End Products, Advanced” AND “Diabetes Mellitus” AND “hypertension”
SciELO	Glycation End Products, Advanced AND hypertension Glycation End Products, Advanced AND Diabetes Mellitus Glycation End Products, Advanced AND Diabetes Mellitus AND hypertension
Cochrane Library	“Glycation End Products, Advanced” AND “hypertension” “Glycation End Products, Advanced” AND “Diabetes Mellitus” “Glycation End Products, Advanced” AND “Diabetes Mellitus” AND “hypertension”
Web of Science	Glycation End Products, Advanced AND *hypertension Glycation End Products, Advanced AND *Diabetes Mellitus Glycation End Products, Advanced AND *Diabetes Mellitus AND *hypertension

• Fonte: a autora (2021).

Seleção dos estudos e extração dos dados

A seleção dos artigos foi realizada por duas autoras independentes [J.C.F] e [M.E.K]. Os títulos foram transcritos para uma planilha de trabalho, e excluídos os artigos duplicados. Procedeu-se leitura minuciosa de títulos e resumos, de modo que foram para a seleção final os que atenderam aos critérios de elegibilidade supracitados. Os artigos elegíveis foram selecionados para leitura do texto completo e nova avaliação quanto aos critérios de seleção.

A extração dos dados foi realizada pelas autoras em conjunto, copilando as informações, os mecanismos e os resultados de todos os artigos incluídos. Então o revisor [L.O.S] fez uma leitura minuciosa para descartar eventuais divergências.

Risco de Viés

Os artigos incluídos para redação da revisão irão passar por um checklist para avaliação da qualidade e a confiança dos resultados expostos por eles. Para isso, será utilizado o checklist AMSTAR 2, proposto por Shea et al.⁷. A ferramenta é uma lista de verificação de 16 itens para validação de estudos randomizados e não randomizados, sendo utilizada na avaliação da qualidade metodológica de revisões sistemáticas ou como guia para realizar uma revisão sistemática⁷.

No fim da análise, os artigos serão classificados como de alta, moderada, baixa ou criticamente baixa confiança nos resultados expostos pelo estudo ou revisão. Para interpretação dos resultados, a ferramenta propõe alguns itens críticos (2,4,7,9,11,13 e 15), ou seja, esses itens devem estar presentes no artigo e o restante dos itens são considerados como não críticos, pois não afetam diretamente a qualidade do estudo ou revisão.

O artigo apresentará alta confiança nos resultados expostos se não tiver nenhum ou um item não crítico marcado; moderada confiança se mais de um item não crítico for marcado; baixa confiança se tiver um item crítico marcado; e criticamente baixa confiança nos resultados se tiver mais de um item crítico marcado. Conforme apresentado na Tabela 2.

Tabela 2
Artigos incluídos na revisão sistemática

Artigo	Ano	Tipo de estudo	Objetivo do estudo
(1)	2019	Revisão da literatura	Compreender a relação entre estresse oxidativo e AGEs para prevenção e tratamento de complicações cardiovasculares em pacientes com diabetes.
(2)	2017	Revisão da literatura	Analisar evidências emergentes sobre o papel dos produtos finais de glicação avançada (AGEs) na dieta como um fator de risco cardiometabólico.
(3)	2017	Revisão da literatura	Compreender a relação entre a rigidez arterial e a pressão arterial.
(4)	2018	Revisão da literatura	Expor diabetes e hipertensão como comorbidades e discutir as características fisiopatológicas das complicações vasculares associadas a essas condições.
(5)	2018	Revisão da literatura	Relacionar os AGEs com DM e doença coronariana arterial.
(6)	2020	Revisão da literatura	Expor as bases celulares e moleculares das vias de sinalização do eixo AGE-RAGE em doenças relacionadas a AGE e discutir em detalhes os modos de ação de novas biomoléculas e compostos fitoquímicos recém-descobertos, como a reação de Maillard e os inibidores de sinalização AGE-RAGE.
(8)	2019	Estudo transversal com 282 participantes sem diagnóstico prévio de diabetes	Investigar a correlação do receptor solúvel para produtos fnais de glicação avançada e RAGE secretório endógeno (esRAGE) com marcadores de doença cardiovascular em indivíduos com tolerância normal à glicose e glicose pós-carga 1 h ≥ 155 mg/dL após uma dose oral de teste de tolerância à glicose.
(9)	2017	Estudo transversal em 85 pacientes com DM2	Relacionar ingestão de AGE com rigidez arterial, perfil inflamatório e composição de macronutrientes em indivíduos com DM2 sem doença cardiovascular evidente.
(10)	2017	Revisão da literatura	Detalhar os efeitos ocasionados pela ativação dos receptores de AGEs.
(11)	2020	Estudo experimental em 93 pacientes com DM e HA	Determinar os níveis séricos de anticorpos anti-AGEs em pacientes com DM e HA.
(12)	2016	Estudo experimental populacional com 1051 participantes	Associar a concentração plasmática de AGE com as pressões sanguíneas central e periférica e a amplificação da pressão sanguínea central para braquial em uma população chinesa.
(13)	2018	Revisão da literatura	Explorar as ligações fisiopatológicas entre diabetes e hipertensão.
(14)	2017	Revisão da literatura	Destacar os alvos dos AGEs no coração e os mecanismos que levam à insuficiência cardíaca.
(15)	2016	Revisão da literatura	Trazer os principais estudos que expõem os principais efeitos adversos da hiperglicemia.
(16)	2018	Estudo experimental in vitro com linfócitos T	Investigar o papel do ICOS/ICOSL na patogênese do DM2.
(17)	2018	Estudo experimental utilizando uma subcoorte e um subgrupo de caso-controle	Determinar se os níveis plasmáticos de produtos fnais de glicação avançada e produtos de oxidação (OP) predizem a incidência de doença cardiovascular (DCV) no DM2.
(18)	2020	Revisão da literatura	Expor as consequências do estresse oxidativo nas proteínas do músculo esquelético no DM2.
(19)	2019	Revisão da literatura	Revisar o papel fisiopatológico do sistema de estresse oxidativo AGE-RAGE e sua intervenção terapêutica no dano vascular no diabetes.
(20)	2019	Revisão da literatura	Destacar as consequências do aumento sustentado da produção de EROs e inflamação que infuenciam a aceleração da aterosclerose pelo diabetes.
(21)	2016	Estudo experimental em 122 pacientes com DM2	Avaliar a associação da AGE tecidual, avaliada pela FA da pele, com a calcificação da artéria coronária em indivíduos japoneses com diabetes tipo 2.
(22)	2019	Estudo caso-controle em pacientes com DM2	Associar a associação entre os principais tipos de produtos fnais de glicação avançada séricos e marcadores séricos/plasmáticos selecionados de disfunção endotelial em pacientes negros com DM2 em um hospital.
(23)	2018	Revisão da literatura	Sintetizar dados de estudos populacionais sobre tendências de complicações do diabetes.
(24)	2016	Estudo experimental em 862 participantes	Avaliar a associação de AGEs e enrijecimento arterial a partir da medição por autofuorescência cutânea.
(25)	2019	Estudo experimental in vitro em macrófagos	Uso de metilglioxal para investigar a infuência da glicação e AGEs em macrófagos.
(26)	2016	Estudo experimental em camundongos	Investigar os efeitos da dieta de produtos fnais de glicação avançada em complicações vasculares diabéticas utilizando camundongos diabéticos.

• Fonte: a autora (2021).

Essa avaliação não servirá como exclusão dos artigos que apresentarão baixa confiança nos resultados expostos. Ela é apenas um mensurador da qualidade dos artigos disponíveis na literatura atual.

Resultados

Com as estratégias de buscas elaboradas e pesquisadas no mês de julho de 2021 nas quatro bases de dados eletrônicas escolhidas e a pesquisa refinada para artigos publicados nos últimos cinco anos, encontrouse 719 artigos. Após análise dos títulos, seguindo os critérios de elegibilidade, 102 artigos foram selecionados. Contudo, 3 artigos estavam duplicados, restando 99 artigos para leitura do resumo e do artigo na integra.

Os principais motivos de exclusão foram artigos com: 1) abordagens de outras complicações tardias do diabetes, principalmente nefropatia, neuropatia e Alzheimer; 2) outros mecanismos in vivo vinculados ao aparecimento das complicações tardias do diabetes; 3) tecnologias para dosagem de AGEs in vivo; 4) terapias farmacológicas para redução de AGEs. Artigos esses que não promovem a resposta para o objetivo da revisão, que é avaliar o mecanismo da glicação não enzimática de proteínas para o aparecimento da hipertensão (complicação tardia) em pacientes com diabetes.

Por fim, após leitura completa e minuciosa, 26 artigos atenderam aos critérios de elegibilidade para inclusão nessa revisão, conforme sumarizado na Figura 1 e exposto na Tabela 2¹, ², ³, ⁴, ⁵, ⁶, ⁷, ⁸, ⁹, ¹⁰, ¹¹, ¹², ¹³, ¹⁴, ¹⁵, ¹⁶, ¹⁷, ¹⁸, ¹⁹, ²⁰, ²¹, ²², ²³, ²⁴, ²⁵, ²⁶.

Figura 1
Fluxograma da seleção dos artigos que compõem a revisão.

Risco de Viés

Para analisar o risco de viés dos 26 artigos incluídos foi utilizado o checklist AMSTAR 2⁷.

Os itens 7 e 8 são atribuídos para artigos de revisão, e artigos experimentais não necessitam atender a esses critérios. Por isso, foram excluídos esses itens para os artigos experimentais incluídos nesta revisão.

Os itens 11, 12 e 15 são para artigos que realizaram meta-análise ou síntese quantitativa. Por isso, para os artigos que não realizaram meta-análise nem síntese quantitativa, esses itens não foram atribuídos para a avaliação do viés.

O item 13 foi excluído, pois não é de importância nesta revisão a utilização de um método específico para avaliação de viés nos estudos incluídos, desde que o estudo tenha utilizado alguma ferramenta para diminuir a tendenciosidade, questão abordada no item 9.

A análise do risco de viés está expressa na Tabela 3 abaixo.

Tabela 3
Análise do risco de viés dos estudos incluídos no presente estudo

Autor/ Ano	Item 1	Item 2	Item 3	Item 4	Item 5	Item 6	Item 7	Item 8	Item 9	Item 10	Item 11	Item 12	Item 13	Item 14	Item 15	Resultado
(1)	✓	✓	!	✓	!	!	!	✓	!	✓	-	-	✓	!	✓	BAIXA
(2)	✓	✕	✓	✓	✓	✓	!	✓	✕	✓	-	-	✓	-	✓	C. BAIXA
(3)	✓	✕	!	✓	!	!	✕	✕	✕	✓	-	-	✓	-	✓	C. BAIXA
(4)	✓	✓	✓	✓	✓	!	✓	✓	✓	✓	-	-	✓	✓	✓	ALTA
(5)	✓	✓	✓	✓	✓	✓	✓	✓	✓	✓	-	-	✓	✓	✓	ALTA
(6)	✓	✓	✓	✓	✓	✓	✓	✓	✓	✓	-	-	✓	!	✓	M. BAIXA
(8)	✓	✓	✓	✓	✓	!	-	-	✓	✓	✓	✓	✓	✓	✓	ALTA
(9)	✓	✓	✓	✓	✓	✓	-	-	✓	✓	✓	✓	✓	✓	✓	ALTA
(10)	✕	!	!	!	!	!	!	✓	✕	✓	-	-	✓	!	✓	C. BAIXA
(11)	✓	✓	✓	✓	✓	!	-	-	✓	✓	✓	✓	✓	✓	✓	ALTA
(12)	✓	✓	✓	✓	!	!	✕	✓	!	!	-	-	!	!	✓	BAIXA
(13)	✓	✓	✓	✓	!	!	!	!	✓	✓	-	-	✓	!	✓	M. BAIXA
(14)	✓	✓	✓	✓	✓	!	!	!	!	✓	-	-	✓	!	✓	C. BAIXA
(15)	✓	✓	✓	✓	✓	✓	!	✓	✓	✓	-	-	✓	✓	✓	ALTA
(16)	✓	✓	✓	✓	✓	!	-	-	✓	✓	✓	✓	✓	✓	✓	ALTA
(17)	✓	✓	✓	✓	✓	✓	-	-	✓	✓	✓	✓	✓	✓	✓	ALTA
(18)	✓	✓	✓	✓	✓	✓	✓	✓	✓	✓	-	-	✓	✓	✓	ALTA
(19)	✓	✕	✓	✓	!	!	✕	✓	!	✓	-	-	✓	!	✓	C. BAIXA
(20)	✓	✓	✕	✓	✓	✓	✕	✓	✕	✓	-	-	✓	-	✓	C. BAIXA
(21)	✓	✓	✓	✓	✓	!	-	-	✓	✓	✓	✓	✓	✓	✓	ALTA
(22)	✓	✓	✓	✓	✓	✓	✓	✓	✓	✓	-	-	-	✓	✓	ALTA
(22)	✓	✓	✓	✓	✓	✓	-	-	✓	✓	✓	✓	✓	✓	✓	ALTA
(23)	✓	✓	✓	✓	✓	✓	!	✓	✓	✓	-	-	✓	-	✓	ALTA
(24)	✓	✓	✓	✓	✓	✓	-	-	✓	✓	✓	✓	✓	✓	✓	ALTA
(25)	✓	✓	✓	✓	✓	✓	-	-	✓	✓	✓	✓	✓	✓	✓	ALTA
(26)	✓	✓	✓	✓	✓	!	-	-	✓	✓	✓	✓	✓	✓	✓	ALTA

• Fonte: a autora (2021).
• 1. As questões de pesquisa e os critérios de inclusão incluíram os componentes do PICO? 2. A revisão continha uma declaração explícita de que os métodos de revisão foram estabelecidos e justificou quaisquer desvios significativos do protocolo? 3. Os autores explicaram sua seleção dos desenhos de estudo? 4. Os autores usaram uma estratégia abrangente de pesquisa de literatura? 5. Os autores realizaram a seleção do estudo em duplicata ou a seleção dos participantes foi ajustada a fatores interpessoais (sexo/idade/peso)? 6. Os autores executaram a extração de dados em duplicata? 7. Os autores forneceram uma lista de estudos excluídos e justificaram as exclusões? 8. Os autores descreveram os estudos incluídos em detalhes adequados? 9. Os autores usaram uma técnica satisfatória para avaliar o risco de viés? 10. Os autores relataram as fontes de fnanciamento? 11. Se uma meta-análise foi realizada, os autores usaram métodos apropriados para combinação estatística de resultados? 12. Se uma meta-análise foi realizada, os autores usaram métodos apropriados para combinação estatística de resultados? 13. Os autores da revisão forneceram uma explicação satisfatória para, e discussão de, qualquer heterogeneidade observada nos resultados? 14. Se eles realizaram uma síntese quantitativa, os autores realizaram uma investigação adequada de viés de publicação e discutiram seu provável impacto nos resultados da revisão? 15. Os autores relataram quaisquer fontes potenciais de confito de interesse, incluindo qualquer fnanciamento que receberam para conduzir a revisão?
• LEGENDA: ✓ = Sim. ! = Não ficou evidente. ✕ = Não.

Discussão

Diabetes mellitus tipo II e hipertensão

Diabetes mellitus (DM) consiste em um distúrbio metabólico caracterizado por hiperglicemia persistente, decorrente da deficiência na produção de insulina ou na sua ação^27-28. O diabetes mellitus tipo 2 (DM2) possui etiologia multifatorial, envolvendo componentes genético e ambiental. A dieta e o sedentarismo contribuem para o aparecimento da obesidade e destacam-se como os principais fatores de risco para o DM2².

O DM e suas complicações associadas representam um problema mundial para a saúde humana e a economia, cuja prevalência aumenta a uma taxa exponencial em todo o mundo¹, ²³. De acordo com a Federação Internacional de Diabetes²⁸, a DM é um dos desafios de saúde de crescimento mais rápido do século XXI, pois o número de adultos com diabetes mais que triplicou nos últimos 20 anos. Em 2019, somavam-se 463 milhões de adultos com diabetes.

Espera-se que o número de pacientes adultos com DM continue a aumentar nas próximas décadas devido à adoção cada vez mais frequente de estilos de vida associados a baixo gasto de energia e alta ingestão calórica². A estimativa é que o número de pacientes com diabetes aumente para 700 milhões em 2045²⁸.

A hiperglicemia persistente está associada a complicações crônicas micro e macrovasculares que afetam adversamente a qualidade de vida dos pacientes com diabetes¹, ²⁸, sendo que a principal causa de morbidade e mortalidade no diabetes são as doenças cardiovasculares, que são potencializadas pela hipertensão³.

A hipertensão arterial (HA) é condição clínica multifatorial de alta prevalência, caracterizada por elevação sustentada dos níveis pressóricos ≥ 140 e/ou 90 mmHg. A HA está frequentemente associada a distúrbios metabólicos, alterações funcionais e/ou estruturais de órgãos-alvo, sendo agravada pela presença de outros fatores de risco, como dislipidemia, obesidade abdominal, intolerância à glicose e DM²⁹, ³⁰.

Nesse contexto, DM e HA são doenças crônicas facilmente encontradas em um mesmo indivíduo. Consequentemente, ambas as patologias estão intimamente ligadas por terem fatores de risco semelhantes, como dislipidemia, sedentarismo, obesidade, resistência à insulina e genética⁴.

Os fatores de risco supracitados ativam mecanismos que provocam complicações tardias. Os principais mecanismos bioquímicos implicados na gênese da hipertensão nos pacientes com diabetes incluem: aumento da formação de produtos finais de glicação avançada (AGEs), ativação do receptor para produtos finais de glicação avançada (RAGE) (eixo AGE-RAGE), aumento do estresse oxidativo, inflamação crônica, disfunção endotelial e ativação do sistema renina-angiotensina¹, ⁴. A fisiopatologia compartilhada por ambas as patologias está resumida na Figura 2.

Figura 2
Interligação entre DM e HA.

Os principais estudos que comprovam esses mecanismos no desenvolvimento da hipertensão em pacientes com diabetes estão resumidos na Tabela 4.

Tabela 4
Estudos experimentais incluídos demonstrando os mecanismos correlacionados com o desenvolvimento de complicações cardiovasculares no diabetes

Referência:	Modelo:	Resultado:	Metodologia:
Hangai et al. (2016)21	Humanos	Aumento de AGEs: a autofuorescência cutânea correlação positiva com idade, sexo, duração do diabetes, velocidade da onda de pulso, pressão arterial sistólica, creatinina sérica e escore de cálcio cardíaco.	Cento e vinte e dois indivíduos japoneses com diabetes tipo 2 foram reunidos para verificar a associação de AGE tecidual, avaliada por autofuorescência (FA) cutânea, com calcificação da artéria coronária. Eles foram submetidos à tomografia computadorizada de múltiplos cortes para estimativa dos escores de cálcio da artéria coronária total (CACS) e exame com um leitor de autofuorescência de pele.
Zhang et al. (2018)16	In vitro	Inflamação crônica: Hiperglicemia e AGES causam resposta inflamatória mediada por células T e disfunção endotelial vascular pela regulação positiva da proteína ICOS/ICOSL.	Linfócitos T do sangue periférico humano (CD3) e células endoteliais da veia umbilical (HUVECs) foram tratados com alta concentração de glicose ou produtos fnais de glicação avançada. ELISA e ensaios de produção de NOx foram usados para detectar o nível de citocinas, viabilidade celular e a produção de NOx.
Mogale et al. (2019)22	Humanos	Aumento de AGE (carboximetil-lisina) associado a maiores chances de desenvolver disfunção endotelial	Estudo caso-controle com pacientes africanos diabéticos do tipo II concluiu que a carboximetil-lisina (AGE) predispõe a disfunção endotelial. Através da análise de marcadores soro/plasma de disfunção endotelial.
Bezold et al. (2019)25	In vitro	Inflamação crônica: A glicação levou a um aumento na formação celular de AGEs em macrófagos, aumento da expressão de citocinas pró-inflamatórias interleucinas 1β (IL-1β) e IL-8 e afetou a expressão de IL-10 e TNF-α, resultando em aumento da inflamação.	Linha de células monocíticas humanas THP-1 foram cultivadas, diferenciadas em macrófagos pelo PMA 100 ng/mL e β-ME 50 µM. Os macrófagos foram expostos a metilglioxal (MGO) para investigar o efeito da glicação na célula.
Koska et al. (2018)17	Humanos	Estresse oxidativo: Níveis mais baixos de MetSO (sulfóxido de metionina) e níveis mais altos de AGE selecionados estão associados ao aumento da incidência de doença cardiovascular (DCV) em pacientes diabéticos do tipo II.	Cinco AGEs específicos e dois produtos de oxidação foram medidos na linha de base em dois estudos intensivos de redução de glicose: um subgrupo do Veterans Affairs Diabetes Trial (n= 445) e um subgrupo de casocontrole do estudo Action to Control Cardiovascular Risk in Diabetes (n=271).
Di Pino et al. (2019)8	Humanos	AGE-esRAGE: Indivíduos com hiperglicemia pós-carga 1h apresentam níveis plasmáticos de esRAGE baixos, aumento da velocidade da onda de pulso e espessura da íntima-média.	Estudo transversal com duzentos e oitenta e dois participantes sem diagnóstico prévio de diabetes. Foi realizada a medida de sRAGE, esRAGE e outros marcadores de inflamação nos indivíduos com hiperglicemia pós-prandial de 1h e examinada a associação com marcadores precoces de dano cardiovascular.
Xing et al. (2016)26	Roedores	AGE-RAGE: Dieta rica em AGEs aumentou os níveis de proteína na urina de 24 horas, os níveis séricos de nitrogênio, ureia, creatinina, proteína C-reativa, lipoproteína de baixa densidade, fator de necrose tumoral α (TNF- α) e interleucina-6 (IL-6) também se elevaram. Houve deterioração da histológica do pâncreas, coração e rins e causou alterações estruturais das células endoteliais, células mesangiais e podócitos no córtex renal.	Roedores diabéticos induzidos por estreptozocina (STZ) foram alimentados com dieta rica em AGEs. Foram avaliados as características do diabetes, indicadores das funções renais e cardiovasculares e a anatomopatologia do pâncreas, coração e rins.
Di Pino et al. (2017)9	Humanos	AGE-RAGE e inflamação: Dieta rica em AGE pode levar a uma disfunção vascular e ativação inflamatória, contribuindo para o desenvolvimento de complicações vasculares em indivíduos com diabetes tipo 2.	A rigidez arterial, carboxi-metil-lisina, receptor secretor endógeno para AGEs (esRAGE), proteína C-reativa de alta sensibilidade (hs-CRP), S100A12 e ingestão de macronutrientes foram avaliados em 85 indivíduos diabéticos.
Nikolov et al. (2020)11	Humanos	Níveis séricos de anticorpos anti-AGEs: Os níveis séricos de anticorpos anti-AGEs em pacientes com diabetes mellitus tipo 2 e hipertensão arterial foram estatisticamente significativamente maiores do que no grupo controle, onde a determinação dos níveis de anticorpos anti-AGEs séricos pode ajudar os médicos a fazer o diagnóstico precoce e o prognóstico da gravidade das complicações tardias do diabetes em pacientes hipertensos.	ELISA foi usado para medir os níveis de anticorpos de produtos fnais de glicação avançada em soro de noventa e três pacientes com diabetes mellitus tipo 2 e hipertensão arterial.
Van Eupen et al. (2016)24	Humanos	Autofluorescência da pele correlacionada com enrijecimento da aorta: A associação entre a autofuorescência cutânea, pentosidina e velocidade da onda de pulso carotídeo femoral foram mais pronunciadas em indivíduos com DM2.	Oitocentos e sessenta e dois participantes (469 glicose normal; 140 glicose alterada; 253 diabetes tipo 2) foram avaliados para determinar a associação de AGEs e enrijecimento arterial.

• Fonte: a autora (2021).

Em indivíduos saudáveis, os níveis de AGEs são 3% menores que em indivíduos com diabetes. No entanto, nos pacientes com diabetes, esse nível pode aumentar até três vezes, resultando no desenvolvimento das complicações tardias¹⁴, ³¹.

Com isso, os AGEs estão estabelecidos como os principais fatores na patogênese das complicações vasculares diabéticas. A hiperglicemia aumenta diretamente a formação de AGEs, que resulta em inflamação, estresse oxidativo, hiperpermeabilidade vascular, aumento da trombogenicidade e redução do vasorrelaxamento, levando à perturbação homeostática da vasculatura⁵, ⁶.

O estudo conduzido por Huang et al.¹² em Xangai, na China, sobre os níveis pressóricos correlacionados com AGEs de 1.051 participantes (388 homens e 663 mulheres) mostrou a conexão existente entre DM, HA e AGEs. Nesse estudo, a concentração plasmática de AGE foi positivamente associada à pressão arterial sistólica central e naqueles indivíduos diabéticos e pré-diabéticos (90 participantes) a pressão arterial sistólica central foi ainda mais proeminente¹².

Glicação não enzimática de proteínas na gênese da hipertensão em indivíduos com diabetes

Formação de AGEs

A formação endógena de AGEs ocorre durante o metabolismo fisiológico e envelhecimento normal por três vias independentes: a reação de Maillard, a via do poliol e durante o aumento do estresse oxidativo.

Durante todas as três reações, a síntese de AGEs leva à formação de compostos α-dicarbonil, como: glioxal, metilglioxal, 3-desoxiglucosona, glicolaldeído e gliceraldeído, que reagem posteriormente com as proteínas em circulação para formar moléculas de AGE adicionais¹⁰, ¹⁴, ³⁰.

A reação de Maillard, representada na Figura 3, apresenta a principal fonte de formação de AGEs, na qual a parte carbonila de um açúcar redutor reage com grupos amino de proteínas, lipídios ou ácidos nucleicos para produzir uma base de Schiff instável que é posteriormente reorganizada em uma cetosamina mais estável, o produto Amadori. Os produtos Amadori podem ser transformados em α-dicarbonilos para formar formas de AGE, como glucosepano, ou oxidados para gerar outros compostos de AGEs, como carboximetilisina (CML) e pentosidina. Reações adicionais de desidratação e oxidação como reticulação extensa ocorrem para gerar estruturas mais complexas, os AGEs reticulados³⁰.

Figura 3
Representação da formação do produto final de glicação avançada (AGE).

Carboximetilisina (CML), AGEs derivados de metilglioxal (MG) e pentosidina são os compostos AGEs quimicamente mais encontrados em humanos, podendo ser utilizados como biomarcadores clínicos¹⁰.

Efeitos fisiológicos dos ages no coração

O acúmulo de AGEs nos tecidos ocorre naturalmente durante a senescência devido à diminuição do turnover das proteínas³⁰. A extensão da formação de AGE in vivo é proporcional à disponibilidade de substrato, bem como à taxa de renovação da proteína. Proteínas de vida longa com conteúdo significativo de lisina e arginina (por exemplo, colágeno e elastina) são particularmente suscetíveis à glicação. A taxa fisiológica normal de acúmulo de AGE aumenta com o avanço da idade, mas é acentuadamente aumentada na presença de hiperglicemia, estresse oxidativo e inflamação⁵.

Os AGEs provocam seus efeitos celulares por três alterações principais: modificação de proteínas extracelulares, modificação de proteínas intracelulares e sinalização mediada por receptor de superfície celular (RAGE)¹⁴, ³⁰.

Modificação de proteínas extracelulares

A modificação de proteínas extracelulares pelos AGEs pode alterar a estrutura, a função e as propriedades do tecido normal, bem como provocar uma resposta inflamatória. Colágeno, elastina e laminina são proteínas estruturais-chave da membrana basal e do tecido conjuntivo. Dada sua meia-vida longa e composição de aminoácidos, essas moléculas são altamente suscetíveis à modificação por AGEs⁵, ¹⁹.

Os AGEs alteram as propriedades fisiológicas dessas proteínas da matriz extracelular através da formação de ligações intermoleculares ou reticulação, afetando as propriedades mecânicas do tecido alvo que resulta na redução da elasticidade, flexibilidade e promove a rigidez vascular e miocárdica, contribuindo para o relaxamento prejudicado e a disfunção diastólica¹⁴.

Os estudos experimentais realizados por Hangai et al.²¹, Di Pino et al.⁹ e Van Eupen et al.²⁴, citados na Tabela 4, comprovam o papel patológico dos AGEs na calcificação arterial em pacientes com diabetes. Compilando os resultados desses estudos, os AGEs correlacionaram-se com o aumento do score de cálcio da artéria coronária total, aumento da velocidade da onda de pulso e alteração da pressão arterial sistólica, explicando o risco que esses pacientes têm de desenvolver doença cardiovascular.

As moléculas de colágeno glicados são resistentes à digestão proteolítica e formam ligações cruzadas com outras proteínas extracelulares, levando à diminuição da flexibilidade das paredes dos vasos e rigidez vascular. A glicação de elastina e laminina na membrana basal também demonstrou prejudicar a adesão e migração das células endoteliais ao interromper os locais de fixação das células. Essas alterações nas interações célula-matriz estão associadas a uma redução na produção de óxido nítrico induzida por estresse pelas células endoteliais e à vasodilatação prejudicada⁵.

Modificação de proteínas intracelulares

O acúmulo intracelular de AGEs ocorre no retículo endoplasmático leva ao estresse celular podendo prejudicar os processos normais de dobramento tridimensional de proteínas, gerando inflamação ou apoptose celular³⁰.

AGEs intracelulares podem se ligar a proteínas mitocondriais da cadeia respiratória envolvidas no transporte de elétrons, diminuindo a síntese de ATP e aumentando a produção de superóxido e espécies reativas de oxigênio na respiração celular⁵. Além disso, a glutationa peroxidase e a glutationa redutase, enzimas do sistema antioxidante, podem ser modificadas por AGEs, levando à diminuição da atividade enzimática, e assim favorecendo o desequilíbrio redox com decréscimo antioxidantes⁵. O dicarbonil é um desses AGEs que induz estresse oxidativo, suprime essas enzimas antioxidantes e, portanto, ocasiona a morte celular¹⁸.

Koska et al.¹⁷ comprovaram a correlação entre AGEs e aumento do estresse oxidativo através do estudo realizado com 716 participantes. Cinco AGEs específicos (metilglioxal hidroimidazolona, carboximetil lisina, carboxietil lisina, 3-desoxiglucosona hidroimidazolona e glioxal hidroimidazolona) e dois produtos finais oxidativos (ácido 2-aminoadípico e sulfóxido de metionina [MetSO]) foram medidos. Foram encontrados níveis mais baixos de MetSO (antioxidante) e níveis mais altos de AGEs selecionados, associados ao aumento da incidência de doença cardiovascular (DCV) em pacientes com diabetes¹⁷.

AGEs também são capazes de reticular os domínios do receptor de rianodina (RyR) da bomba Ca²⁺ATPase do retículo sarcoplasmático (SERCA), levando a alterações na homeostase do Ca²⁺, que resulta em uma redução da contratilidade cardíaca¹⁴.

Ligação do age ao seu receptor de superfície celular para glicação avançada produto final (rage)

O RAGE pertence à superfamília de imunoglobulinas de moléculas de superfície celular, com afinidade de ligação com vários AGEs, bem como S100, amiloide e agregados de proteína fibrilar, com moléculas próinflamatórias, entre vários outros ligantes. O RAGE é fisiologicamente expresso em muitos tipos de células, incluindo macrófagos, linfócitos, fibroblastos, células endoteliais e cardiomiócitos²².

A interação de AGE-RAGE ativa o fator nuclear (NF-κB), aumenta a expressão gênica, a liberação de citocinas inflamatórias e aumenta a produção de espécies reativas do oxigênio (ROS), estimulando vias proliferativas, fibróticas e trombóticas que levam à inflamação vascular³, ⁵, ligando a sinalização mediada por RAGE a uma série de processos patogênicos¹⁴.

Os estudos experimentais realizados por Xing et al.²⁶ e Di Pino et al.⁹, demonstrados na Tabela 4, fundamentam o efeito deletério que a interação AGE/RAGE promove. Esses estudos demonstram que a ligação aumenta a concentração de proteínas de fase aguda como proteína C-reativa, fator de necrose tumoral α (TNF- α) e interleucina-6 (IL-6), resultando em ativação inflamatória. Também relataram alterações estruturais das células endoteliais e deterioração da histologia do coração, caracterizando disfunção vascular.

Em contraste, o RAGE existe em outras isoformas, incluindo RAGE solúvel (sRAGE) que não possui a cadeia de peptídeo de transdução de sinal, RAGE secretor endógeno (esRAGE) e RAGE humano secretado (hRAGEsec). Essas variantes do RAGE estão presentes na circulação, atuando como sequestradores de moléculas de AGE, estando principalmente envolvidas na depuração de AGE, ou seja, níveis reduzidos dessas variantes podem contribuir para resultados patogênicos³⁰.

Di Pino et al.⁹ comprovaram, no seu estudo transversal realizado com 282 participantes sem diagnóstico prévio de diabetes, que hiperglicemia pós-prandial de 1 hora reduz os níveis plasmáticos de esRAGE, aumenta os níveis de AGEs e altera outros marcadores de doença cardiovascular, concluindo que o risco de doença cardiovascular aumenta antes que a glicemia alcance níveis diabéticos⁸.

AGes e hipertensão

A partir do exposto, os AGEs podem induzir hipertensão de duas maneiras: aumentando a rigidez arterial e promovendo interação dos AGEs com RAGE na superfície celular, que resulta em alterações na função celular e inflamação². Os efeitos ocasionados na parede arterial coronariana estão exemplificados na Figura 4.

Figura 4
Efeitos da interação AGE-RAGE na parede arterial coronariana.

Alterações na rigidez arterial

A artéria é constituída por dois componentes: estrutural e dinâmico. O componente estrutural compreende a matriz extracelular, em que as causas do aumento da rigidez são resultados da modificação das proteínas extracelulares, ou seja, a fragmentação e glicação da elastina e o aumento e reticulação do colágeno⁵. Essas modificações alteram as interações célula-matriz e prejudicam a adesão celular das células endoteliais. Podem ainda reduzir a produção de óxido nítrico (NO) e prejudicar a vasodilatação, e esses efeitos contribuem ainda mais para a diminuição da flexibilidade das paredes vasculares, subsequentemente levando à disfunção diastólica observada em pacientes com DM¹⁹, ³⁰.

O componente dinâmico promove o tônus do músculo liso arterial que depende da função das células endoteliais (Tabela 5). O endotélio libera substâncias vasoativas, como (NO) e endotelina-1 (ET-1). A função endotelial normal requer um equilíbrio entre vasoconstritores (ET-1) e vasodilatadores (NO). Em estados de resistência à insulina, esse equilíbrio é interrompido, pois os AGEs prejudicam a produção de NO das células endoteliais ao inibir a expressão da síntese de NO endotelial, inibindo a atividade vasodilatadora e aumentando a agregação plaquetária e inflamação³, ¹³, ³⁰.

Tabela 5
Alterações estruturais e dinâmicas ocasionadas pelos ages na rigidez arterial

Alterações estruturais (elastina e colágeno)	A reticulação do colágeno (interação AGE-RAGE colágeno) torna-o insolúvel a enzimas hidrolíticas, é menos suscetível a renovação, mais rígido e aumenta a sua síntese. A reticulação da elastina (interação AGE-RAGE elastina) reduz a elasticidade e diminui a sua síntese.
Alterações dinâmicas (células endoteliais)	Os AGEs reduzem a biodisponibilidade e a atividade do vasodilatador NO: Prejudicam ou inativam a síntese de NO Reduzem a produção de prostaciclina. Aumentam a expressão de endotelina-1. Radicais livres degradam a elastina e colágeno.

• Fonte: a autora (2021).

Além disso, a reticulação induzida por AGE foi detectada em proteínas intracelulares envolvidas na homeostase do Ca²⁺, como a bomba de Ca²⁺ATPase do retículo sarcoendoplasmático e o receptor de rianodina (RyR). A reticulação do retículo sarcoplasmático da bomba Ca²⁺ATPase prejudica o conteúdo de Ca²⁺ e afeta o relaxamento dos cardiomiócitos, resultando em disfunção diastólica. A reticulação dos domínios RyR por AGEs também afeta a liberação de Ca²⁺ e interrompe a contração dos cardiomiócitos²².

A sinalização neuroendócrina também pode comprometer a rigidez arterial. A angiotensina-II aumenta a formação de AGE e vice-versa. Níveis aumentados de angiotensina podem então aumentar a rigidez arterial por meio de AGE ou através da liberação de radicais de oxigênio pela interação de AGE com RAGE³.

Disfunção endotelial e inflamação

Os AGEs ligam-se ao RAGE ativando várias vias intracelulares que aumentam o estresse oxidativo e as moléculas pró-inflamatórias², ⁸, ⁹, ¹⁶, ¹⁷, ²³, ²⁶, ²⁷.

A ativação de RAGE desencadeia várias cascatas de sinalização: proteínas quinases ativadas por mitogênio (MAPKs), nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato oxidase (NADPH) e um complexo de enzimas que aumentam a produção de espécies reativas de oxigênio (ROS). Essas cascatas de sinalização desencadeiam a ativação e translocação do fator nuclear (NF-κB) do citoplasma para o núcleo. Depois disso, o NF-κB desencadeia a transcrição de genes para várias citocinas pró-inflamatórias, como IL-1α, IL-6 e TNF-α, fatores de crescimento, e moléculas de adesão, como a intercelular-1 (ICAM-1), molécula de adesão de células vasculares-1 (VCAM-1), ET-1, fator de tecido, fator de crescimento endotelial vascular (VEGF). Essas citocinas e moléculas de adesão têm papéis tanto na inflamação quanto na disfunção endotelial. A transcrição de RAGE também é regulada por NF-κB. Portanto, a interação AGE-RAGE promove a manutenção e amplificação do sinal com uma indução sustentada da resposta inflamatória, a atividade pró-trombótica e a expressão de moléculas de adesão², ²⁰.

Além disso, o acúmulo de AGEs no lúmen vascular afeta a atividade e agregação das plaquetas por meio da ligação AGE-RAGE, e após a ligação do AGE ao RAGE, a hiperatividade do NADPH é observada, levando à geração de ROS, que está associada ao aumento da atividade da ciclooxigenase e à geração de tromboxano A2 (TXB) nas plaquetas, contribuindo para formação de trombos³⁰.

Resumidamente, células endoteliais em condições hiperglicêmicas induzem estresse oxidativo, ativando o NF-κB no RAGE, onde os AGEs vão se ligar, levando à regulação positiva das vias MAPK. A ligação AGE-RAGE leva à ativação de NADPH e óxido nítrico sintase (NOS), perpetuando um ciclo de produção de espécies reativas de oxigênio (ROS), citocinas próinflamatórias e moléculas de adesão vascular, e assim ocorre a diminuição da homeostase endotelial e dano celular²⁰, ³⁰.

O presente estudo apresenta, primeiramente, a baixa qualidade dos artigos disponíveis na literatura. Como visto na Tabela 2, dos 26 artigos incluídos nesta revisão, 6 artigos (23,1%) apresentaram confiança criticamente baixa nos resultados expostos; 2 artigos (7,7%) apresentaram baixa confiança nos resultados expostos; 2 artigos (7,7%) apresentaram confiança moderadamente baixa nos resultados expostos; e 16 artigos (61,5%) apresentaram alta confiança nos resultados, conforme o critério proposto por Shea et al.⁷. Levantando uma crítica sobre a confiabilidade dos resultados que estão sendo expostos pela literatura.

Ressalta-se a importância de publicações científicas atualizadas para fundamentar e esclarecer a associação entre os produtos da glicação não enzimática de proteínas presente no DM com o desenvolvimento e agravo das suas complicações, em especial da HA, para prevenir e retardá-las.

Evidências sugerem que a determinação sérica de AGE pode ser útil como um biomarcador para a presença e gravidade da doença cardiovascular, sendo ainda mais válido para aqueles pacientes com problemas que aumentam a quantidade de AGEs circulantes, como é o caso dos pacientes com diabetes²¹. Porém, mais estudos são necessários para avaliar a utilidade dos níveis circulantes e teciduais de AGE na identificação de pacientes com risco de doença cardiovascular.

Através das evidências e de mecanismos demonstrados, instiga-se que sejam desenvolvidos novos trabalhos para o desenvolvimento de intervenções terapêuticas direcionadas no controle dos AGEs em pacientes com diabetes, visando à proteção cardiovascular e buscando uma nova via de prevenção e cuidados contra o desenvolvimento das complicações tardias do diabetes, para aumentar a qualidade e expectativa de vida desses pacientes.

Conclusão

Períodos prolongados de hiperglicemia aumentam a formação endógena de AGEs. O eixo AGE-RAGE está envolvido no aumento da rigidez arterial, da inflamação e em alterações endoteliais, fatores que aumentam o risco de desenvolvimento da hipertensão nos indivíduos com diabetes. Consequentemente, os AGEs devem ser considerados um dos principais fatores de risco cardiometabólico, por isso um controle dos fatores de risco em comum às patologias e estratégias para a promoção da saúde vascular são fundamentais para a redução das complicações microvasculares e macrovasculares do diabetes.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  21 Out 2022
• Data do Fascículo
  Oct-Dec 2022

Histórico

• Recebido
  17 Jan 2022
• Aceito
  07 Ago 2022