Perfil dos profissionais que atuam em programas de exercício físico durante as sessões de hemodiálise: um estudo nacional

Resumo

Objetivo:

Avaliar o perfil dos profissionais que atuam em programas de exercício físico intradialítico (EFI) no Brasil e as motivações e barreiras para a atuação desses profissionais.

Métodos:

Foram incluídos fisioterapeutas e profissionais de educação física que atuam em programas de EFI no Brasil. Para coletar os dados, foi aplicado um questionário por ligação telefônica ou formulário eletrônico.

Resultados:

Dos 261 centros de diálise analisados, 41 apresentaram programas de EFI, sendo que 44 profissionais responderam ao questionário por telefone e outros 26, por meio eletrônico. Foram avaliados 70 profissionais (33,4±7,4 anos, 84,3% fisioterapeutas). A modalidade terapêutica mais aplicada foi o treinamento resistido. A maioria dos programas de EFI está associada a atividades de pesquisa e é financiada pela saúde suplementar. A possibilidade de atuação em um novo campo de trabalho (30,0%) e a falta de recursos (31,4%) foram a motivação e a barreira mais prevalentes para atuação dos profissionais nos centros de diálise, respectivamente.

Conclusão:

Poucos profissionais atuam em programas de EFI no Brasil, sendo a maioria fisioterapeutas. A falta de recursos foi a barreira mais prevalente para a atuação desses profissionais.

Descritores:
Diálise Renal; Exercício físico; Reabilitação

Abstract

Objective:

This survey was designed to assess the profile of professionals working in intradialytic exercise programs (IEPs) in Brazil and reveal the motivators and barriers they face.

Methods:

The survey was sent to physiotherapists and exercise physiologists working in IEPs in Brazil. Phone interviews and electronic forms were used to collect the answers to the survey questionnaire.

Results:

Forty-one of the 261 included dialysis centers had IEPs; 44 professionals answered the questionnaire over the phone and 26 used the electronic form to do it. A total of 70 professionals (mean age 33.4±7.4 years; 84.3% physiotherapists) answered the questionnaire. Resistance training was the preferred mode of therapy. Most of the IEPs were connected to research and were paid for by private health insurance. The desire to work in a different field (30.0%) and lack of resources (31.4%) were the most prevalent motivator and barrier cited by IEP professionals working in dialysis centers, respectively.

Conclusion:

The majority of the few professionals that work in IEPs in Brazil are physiotherapists. Lack of resources was the most commonly reported barrier faced by survey respondents.

Keywords:
Renal Dialysis; Exercise; Rehabilitation

Introdução

Programas de exercício físico intradialítico (EFI) têm sido preconizados para os pacientes com doença renal crônica em hemodiálise¹-⁴. Em estudos prévios, observamos que o EFI promoveu redução dos níveis pressóricos, melhora da capacidade funcional, anemia, força muscular, metabolismo oxidativo muscular e qualidade de vida²,³,⁵. Além disso, recentes meta-análises confirmaram que o EFI é seguro e capaz de promover outros benefícios, como melhora na eficácia da diálise e distúrbios do humor⁴,⁶,⁷.

Entretanto, existem barreiras para a implementação do EFI. Recentemente, dados do nosso estudo nacional mostraram que apenas 41 centros de diálise no Brasil oferecem o EFI, sendo que a falta de recursos foi a barreira mais prevalente nos centros que tentaram ou nunca tentaram implantar os programas⁸. Em outro estudo, Ma et al.⁹ também observaram que a falta de recursos foi a principal barreira em centros de diálise em Ontário, Canadá.

Apesar do conhecimento das barreiras para a prática de EFI, o perfil dos profissionais que atuam nesses programas ainda não foi avaliado, especialmente em um grande estudo de projeção nacional. O conhecimento do perfil desses profissionais pode auxiliar o desenvolvimento de estratégias que contribuam para a implementação do EFI.

Sendo assim, o objetivo deste estudo foi avaliar o perfil dos profissionais que atuam em programas de EFI no Brasil. Adicionalmente, foram avaliadas as motivações e barreiras para a atuação dos profissionais nos centros de diálise.

Métodos

Amostra

Trata-se de um estudo transversal, conduzido no período de abril/2019 a junho/2020, que faz parte de um grande estudo do tipo survey que avaliou os centros de diálise do Brasil⁸. Todos que concordaram em participar ofereceram o consentimento por ligação telefônica ou formulário eletrônico. O protocolo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Juiz de Fora (nº 3.054.613).

A amostra do presente estudo foi composta por fisioterapeutas e profissionais de educação física que atuam em programas de EFI no Brasil. Foram considerados os seguintes critérios de exclusão: não obter resposta após cinco tentativas de contato e preenchimento incompleto do formulário.

Protocolo experimental

Inicialmente, foi realizada uma busca (em 01/04/2019) dos centros de diálise cadastrados no site da Sociedade Brasileira de Nefrologia. Foram excluídos os centros que não oferecem hemodiálise ambulatorial e os com cadastro inconsistente. Após a busca, todos os centros elegíveis receberam um e-mail com o convite para participação. Posteriormente, os centros receberam uma ligação telefônica padronizada. Para a coleta dos dados, foi aplicado um questionário durante a ligação com os fisioterapeutas ou profissionais de educação física que atuavam com EFI. Além disso, foi conduzida uma busca ativa por mais profissionais que trabalhassem em clínicas de diálise no Brasil em um banco de dados dos participantes de um evento sobre EFI. Esses profissionais foram contactados por e-mail e convidados a responder ao questionário transcrito ao Google Forms.

Avaliações

O questionário foi elaborado pelos próprios pesquisadores, baseado em estudos prévios que avaliaram o perfil de profissionais que atuam na área de reabilitação física⁹,¹⁰. Considerando o perfil dos profissionais incluídos neste estudo, o questionário foi adaptado para contemplar questões específicas sobre EFI. A versão final do questionário foi revisada por três especialistas em EFI.

Foram avaliados os seguintes dados dos profissionais: idade, sexo, formação acadêmica (graduação, especialização, pós-graduação, tipo de instituição de ensino, cursos na área de nefrologia), tipo de vínculo com o centro, tempo de atuação profissional e leitura mensal de artigos científicos. A natureza jurídica do centro, tipo de atendimento e dados sobre o EFI foram coletados. Além disso, foram avaliadas as motivações e barreiras para a atuação desses profissionais nos centros de diálise.

Análise estatística

Os resultados foram expressos em média ± desvio-padrão, mediana (intervalo interquartil) ou porcentagens, conforme apropriado. Foi utilizada estatística descritiva para avaliar os dados dos profissionais, centros, programas de EFI, bem com as motivações e barreiras. Para avaliação da proporção profissional por pacientes foi utilizado o número de profissionais encontrados em cada estado no presente estudo e o número total estimado de pacientes nos estados descrito no Censo de Diálise da Sociedade Brasileira de Nefrologia. Foi utilizado o programa SPSS 17.0 for Windows (SPSS Inc, Chicago, EUA).

Resultados

Dos 827 centros de diálise avaliados para a elegibilidade no Brasil, 83 foram excluídos e 744 centros foram convidados. Destes, 369 centros foram excluídos, 114 recusaram-se a participar, 261 foram analisados e 41 tinham programas de EFI, sendo que 44 profissionais responderam ao questionário por telefone. Adicionalmente, 34 profissionais responderam ao questionário eletrônico, sendo 8 excluídos e 26 incluídos na análise (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma dos profissionais analisados.

Foram avaliados 70 profissionais que atuam em programas de EFI (84,3% fisioterapeutas), com média de idade de 33,4±7,4 anos, sendo a maioria do sexo feminino (Tabela 1). A distribuição dos profissionais nos estados do Brasil e a proporção profissional por pacientes podem ser observadas na Figura 2.

Figura 2
Número de profissionais que atuam em programas de exercício físico durante as sessões de hemodiálise em cada estado do Brasil.

Tabela 1
Dados dos profissionais, centro de diálise, programa de exercício e motivações e barreiras para a atuação nos centros

Variáveis	N = 70
Dados dos profissionais
Mulheres, no (%)	49 (70)
Idade, média ± DP, anos	33,4 ± 7,4
Graduação em fisioterapia, no (%)	59 (84,3)
Graduação em educação física, no (%)	11 (15,7)
Tempo de graduação, média ± DP, anos	9,1 ± 7,6
Instituição de graduação, no (%)
Privada	56 (80)
Pública	14 (20)
Especialização, no (%)	21 (30)
Mestrado, no (%)	14 (20)
Doutorado, no (%)	8 (11,4)
Cursos na área de nefrologia, no (%)	7 (10)
Número de artigos científicos lidos por mês, média ± DP	6,2 ± 5,2
Tempo de atuação na área de nefrologia, mediana (IQ), anos	2,0 (4,6)
Tipo de vínculo com o centro de diálise, no (%)
Pesquisador	25 (35,7)
Terceirizado	22 (31,4)
Contratado	12 (17,1)
Funcionário público	7 (10)
Vínculo informal	4 (5,7)
Dados do centro de diálise e do programa de exercícios
Centro privado, no (%)	56 (80)
Centro público, no (%)	14 (20)
Tipo de atendimento, no (%)
Sistema Único de Saúde	14 (20)
Planos de saúde	26 (37,1)
Ambos	29 (41,4)
Modalidades terapêuticas*, no (%)
Exercício resistido	62 (88,6)
Exercício aeróbico	49 (70)
Cinesioterapia	49 (70)
Exercício respiratório	44 (62,9)
Combinado**	19 (27,1)
Eletroterapia	10 (14,3)
Motivações dos profissionais para a atuação nos centros de hemodiálise, no (%)
Novo campo de trabalho	21 (30)
Atividades de ensino e pesquisa	20 (28,6)
Demanda e necessidade dos pacientes	16 (22,9)
Interesse na área	6 (8,6)
Oportunidade de emprego	5 (7,1)
Influência de colegas, professores e alunos	4 (5,7)
Convite para atuar na área	4 (5,7)
Empreender na área e remuneração	2 (2,9)
Barreiras para a atuação nos centros de hemodiálise, no (%)
Nenhuma	25 (35,7)
Falta de recursos	22 (31,4)
Falta de profissionais	15 (21,4)
Resistência de outros profissionais	14 (20)
Baixa aderência dos pacientes	13 (18,6)
Resistência da gestão da unidade	10 (14,3)
Falta de protocolos de pesquisa	2 (2,9)
Baixa remuneração	1 (1,4)

• ^*
  A soma é maior que 100% porque um profissional pode ter mais de uma modalidade de intervenção.
• ^**
  Exercícios aeróbicos e resistidos.

A modalidade terapêutica mais aplicada foi o treinamento resistido. A possibilidade de atuação em um novo campo de trabalho e a falta de recursos foram a motivação e a barreira mais prevalentes para atuação dos profissionais nos centros de diálise, respectivamente (Tabela 1).

Discussão

O presente estudo avaliou o perfil dos profissionais que atuam em programas de EFI no Brasil e os principais achados foram: 70 profissionais que trabalham nesta área no país foram avaliados, sendo a maioria fisioterapeutas e com vínculo de pesquisador; a modalidade terapêutica mais aplicada foi o treinamento resistido; a possibilidade de atuação em um novo campo de trabalho foi a principal motivação para a atuação nos centros de diálise; e a falta de recursos foi barreira mais prevalente para atuação desses profissionais.

Um importante achado deste estudo foi o baixo número de profissionais atuantes em programas de EFI no Brasil e a baixa proporção profissional por pacientes, o que, consequentemente, demonstra que poucos pacientes em hemodiálise são assistidos nesses programas. Considerando os dados do último censo de diálise do Brasil, o número estimado de pacientes em tratamento dialítico é de 136.691, e nosso estudo prévio estimou que apenas 5.360 pacientes eram beneficiados pelos programas de EFI⁸,¹¹. Outro resultado relevante foi a inadequada distribuição geográfica dos 70 profissionais no Brasil, sendo que em nove estados não foi encontrado profissionais. No Brasil, a não obrigatoriedade pela legislação vigente quanto à presença de profissionais de reabilitação física em centros de diálise pode ser um importante fator para o baixo número de profissionais atuantes¹². Também observamos que a falta de profissionais representou a segunda barreira mais prevalente para atuação nos centros de diálise. De forma similar, a falta de recursos humanos foi a segunda barreira mais relatada pelos participantes no estudo canadense⁹.

No presente estudo foi observado que a maior parte dos profissionais envolvidos com programas de EFI era fisioterapeuta. No estudo canadense, nos centros de diálise com programas de EFI também havia a participação de fisioterapeutas⁹. Por outro lado, na descrição de experiências de programas de EFI de longa duração em quatro países, os autores relataram a importância da participação de outros profissionais nos programas, como a equipe da enfermagem¹³. Entretanto, destacam que esses programas foram implantados e mantidos mais adequadamente quando geridos por profissionais do exercício¹³. Esse fato foi recentemente confirmado em estudo demonstrando que a presença do fisioterapeuta no centro de diálise aumenta a aderência ao EFI em mais de duas vezes¹⁴.

Além disso, observamos elevada presença de pesquisadores envolvidos com o EFI no Brasil, e a participação em atividades de ensino e pesquisa foi uma das principais motivações para a atuação dos profissionais nos centros de diálise. Similarmente, Ma et al.⁹ observaram que 38% dos centros de diálise avaliados eram associados a instituições de ensino e pesquisa. Em outro estudo, os autores relataram a experiência em Portugal, onde os benefícios evidenciados em um projeto de pesquisa com EFI propiciou a expansão do programa para 37 centros de diálise no país, tornando-o prática da rotina clínica¹³.

O exercício resistido foi a modalidade terapêutica mais ofertada. Considerando os dados dos ensaios clínicos e das meta-análises sobre EFI, a modalidade mais utilizada é o exercício aeróbico¹,⁴,⁶. A maior utilização do exercício resistido no Brasil está possivelmente associada ao menor custo na aquisição dos equipamentos e maior praticidade na execução dos protocolos.

Com relação às motivações para a atuação dos profissionais nos centros de diálise, a mais prevalente foi atuar em um novo de campo de trabalho. De fato, poucos profissionais participaram de cursos na área de nefrologia e o tempo de atuação na área foi baixo. Infelizmente, a reabilitação em nefrologia ainda não é uma área de especialização reconhecida pelos conselhos profissionais, o que reflete uma formação que não contempla a atenção aos pacientes em hemodiálise. A falta de recursos foi barreira mais prevalente para atuação dos profissionais nos centros de diálise, o que foi compatível com outros estudos⁹,¹⁵.

Do ponto de vista prático, considerando que a maioria dos programas de EFI está associada a atividades de pesquisa e é financiada pela saúde suplementar, novos esforços devem ser despendidos para obtenção de financiamentos pelo Sistema Único de Saúde para permitir a implementação de uma intervenção sabidamente efetiva para a saúde dessa população em mais centros de diálise no Brasil.

Nosso estudo tem algumas limitações. Apesar da representatividade da nossa amostra no Brasil, nossos dados não podem ser generalizados para todos os profissionais que atuam com EFI. O custo e a fonte de recurso dos programas EFI, que podem auxiliar a interpretação dos nossos resultados, não foram avaliados.

Concluímos que poucos profissionais atuam em programas de EFI no Brasil, sendo a maioria fisioterapeutas e com vínculo de pesquisador. Além disso, observamos que a motivação e a barreira mais prevalentes para atuação nos centros de diálise foram a possibilidade de atuação em um novo campo de trabalho e a falta de recursos, respectivamente.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  28 Fev 2022
• Data do Fascículo
  Oct-Dec 2022

Histórico

• Recebido
  19 Nov 2021
• Aceito
  25 Jan 2022