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Preditores de hiporresponsividade aos Agentes Estimulantes da Eritropoiese (AEE) em pacientes em diálise peritoneal: o papel da função renal residual

Caro Editor,

A anemia resistente à eritropoetina humana recombinante (EPOhr) é um fator de risco para mortalidade em pacientes com doença renal crônica (DRC) em diálise11 Suttorp MM, Hoekstra T, Rotmans J, et al. Erythropoiesis-stimulating agent resistance and mortality in hemodialysis and peritoneal dialysis. BMC Nephrol. 2013; 14:200.. Diversos fatores como toxinas urêmicas, deficiência de ferro, inflamação, hiperparatireoidismo e medicamentos têm sido associados à hiporresponsividade da EPO em pacientes em hemodiálise (HD), mas as evidências em diálise peritoneal (DP) são limitadas22 Predictors of Hyporesponsiveness to Erythropoiesis-Stimulating Agents in Hemodialysis Patients. AJKD 2009; 823-834.. A identificação de causas da hiporresponsividade pode ajudar a superar a resistência nesses pacientes.

Realizamos um estudo transversal envolvendo 50 pacientes prevalentes em DP. Foram excluídos pacientes com doença inflamatória aguda ou crônica, malignidade ativa e aqueles que não receberam terapia com EPOhr. Os pacientes foram tratados com darbepoetina alfa semanalmente para manter a concentração de hemoglobina (Hgb) entre 10-12 g/dL. Para avaliar o efeito dose-resposta da terapia com EPOhr, utilizamos o índice de resistência à eritropoetina (IRE), calculado como a dose média semanal de EPOhr ajustada ao peso (U/Kg por semana) dividida pelo nível médio de hemoglobina (g/dL), durante um período de 3 meses. A hiporresponsividade da EPO foi definida como um valor de IRE acima do quartil superior (>10), de modo que os pacientes foram classificados em dois grupos: IRE≤10 e IRE>10. Comparamos dados clínicos, analíticos e demográficos entre os grupos. A composição corporal e a volemia foram avaliados por bioimpedância usando o monitor de composição corporal (MCC). Foi realizada uma análise de regressão logística para identificar preditores de hiporresponsividade da EPOhr. A análise estatística foi feita utilizando o SPSS. A média de idade dos 50 pacientes prevalentes em DP foi de 52,04 ± 15,98 anos, 29 (58%) eram do sexo masculino, 29 (58%) diabéticos, e 31 (64%) foram tratados com inibidores da enzima conversora de angiotensina (iECA) ou bloqueadores de receptores da angiotensina (BRA). O nível médio de hemoglobina (Hb) foi de 10,99 ± 0,81 g/dL e o IRE médio foi de 7,64 ± 7,25. Onze pacientes (22%) apresentaram hiporresponsividade à terapia com EPOhr (IRE>10). Não houve diferença entre os grupos quanto à idade, sexo, etiologia da doença renal crônica, ou modalidade de DP. Também não houve diferença no uso de iECA ou BRA. Os pacientes hiporresponsivos apresentaram menor índice de massa corporal (IMC) (22,94 ± 2,89 vs 26,74±4,53 Kg/m2, p=0,01) e menor índice de tecido magro (ITM) (9,96 ± 1,94 vs 16,23 ± 18,51 Kg/m2, p=0,02), mas índice de tecido adiposo (ITA) semelhante. O clearance semanal de creatinina (peritoneal mais urinária), mas não o Kt/V, também foi significativamente menor neste grupo (68,76 ± 37,29 vs 87,84 ± 35,35 mL/min/1,73m2, p=0,028). Pacientes hiporresponsivos apresentaram menor volume urinário (0,73 ± 0,63 vs 1,39 ± 0,67 L, p=0,005) e função renal residual (FRR) (3,43 ± 3,04 vs 6,13 ± 3,69 mL/min/1,73m2, p=0,044). A proporção de pacientes com sobrecarga volêmica, definida como hiperidratação (OH, do inglês overhydration) / água extracelular (AEC) >15%, foi significativamente maior neste grupo (p=0.04). Não foi observada diferença entre os grupos em albumina, proteína c reativa, paratormônio intacto, ferritina sérica, ou índice de saturação de transferrina. Por meio de uma análise de regressão logística, observamos que o IMC [(OR) 0,56 (IC: 0,364-0,849)] e o ITM [(OR) 0,315 (IC: 0,130-0,767)] foram preditores de hiporresponsividade à terapia com EPOhr em um modelo não ajustado.

Em nossa coorte, composição corporal, estado volêmico e FRR foram os principais fatores que afetaram a resposta à terapia com EPOhr. Além da semelhança de nossos resultados com aqueles descritos anteriormente por Penne et al.33 Penne EL, Van der Weerd NC, Grootemen MPC, et al. Role of Residual Renal Function in Phosphate Control and Anemia Management in Chronic Hemodialysis Patients. CJASN 2011, 6 (2) 281-289. sobre uma forte relação entre FRR e melhor controle de fosfato e anemia em pacientes em HD, nosso estudo também mostra a importância da euvolemia na resposta à EPOhr. Os mecanismos subjacentes a estes achados não são claros, mas podemos postular que estão relacionados ao “estado inflamatório” de pacientes com DRC. Em nossa população, fatores previamente associados à resistência à EPO, como o status de ferro, não diferiram significativamente entre os grupos. Entretanto, esses resultados devem ser interpretados com cautela, uma vez que uma ampla variação em ferritina e TSAT foi encontrada naqueles classificados como “hiporrespondedores”.

Mais uma vez, nossos resultados comprovam a importância de estratégias de preservação da FRR e manutenção da euvolemia em pacientes prevalentes em DP, não apenas para melhorar a sobrevida do paciente e da técnica, mas também para superar a resistência à EPOhr.

Tabela 1
Dados clínicos e analíticos de pacientes em DP classificados de acordo com grupos IRE

References

  • 1
    Suttorp MM, Hoekstra T, Rotmans J, et al. Erythropoiesis-stimulating agent resistance and mortality in hemodialysis and peritoneal dialysis. BMC Nephrol. 2013; 14:200.
  • 2
    Predictors of Hyporesponsiveness to Erythropoiesis-Stimulating Agents in Hemodialysis Patients. AJKD 2009; 823-834.
  • 3
    Penne EL, Van der Weerd NC, Grootemen MPC, et al. Role of Residual Renal Function in Phosphate Control and Anemia Management in Chronic Hemodialysis Patients. CJASN 2011, 6 (2) 281-289.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2023

Histórico

  • Recebido
    01 Fev 2022
  • Aceito
    11 Maio 2022
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