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Homenagem ao professor Gerhard Malnic

O que podemos dizer sobre o Professor Gerhard Malnic?

Inicialmente, gostaríamos de relatar algumas características sobre a sua vida, especialmente referente à sua carreira como professor, e a seguir lembraremos de alguns fatos na sua consagrada atividade no mundo científico no campo da Fisiologia Renal.

Ele era médico formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), em 1957. Depois, obteve o título de Doutor, outorgado pela mesma Instituição, com o estudo sobre a excreção renal do cloreto, sob a orientação do

Prof. Alberto Carvalho Silva, em 1960. Toda a sua vida profissional foi dedicada a essa Instituição, tanto no ensino da Graduação quanto no da Pós-graduação, e igualmente no desenvolvimento de importantes pesquisas científicas.

O Prof. Malnic esteve sempre presente nas salas de aula da graduação dos alunos da FMUSP e do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, mesmo após a aposentadoria. Ele sempre respondia a todos os questionamentos com carisma e simpatia, mesmo às eventuais perguntas sem sentido. Ele iniciava a explicação com uma fala suave e benevolente: “Não é bem assim”, e teve um importante papel na instituição, por isso, nos álbuns de formaturas das várias turmas dos alunos que se diplomaram na FMUSP, a fotografia do Prof. Malnic está afixada na galeria dos professores homenageados (Figura 1).

Figura 1.
Professor Gerhard Malnic em seu escritório de trabalho no Departamento de Fisiologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), SP, Brasil, em 1979.

O Prof. Malnic foi o responsável direto pela formação dos vários Doutores e dos que o procuraram para aprimorar conhecimentos sobre a Fisiologia Renal no período dos seus Pós-doutorados atuando como orientador. Muitos desses indivíduos são ainda professores e pesquisadores bastante ativos nas Universidades e nos Institutos de Pesquisas de renome no Brasil e no exterior. O Prof. Malnic manteve colaboração nas pesquisas experimentais efetuadas por vários desses ex-alunos até recentemente.

A Profª. Nancy Rebouças foi uma dessas pessoas, e sobre o Prof. Malnic ela escreveu:

Eu considero um privilégio o Prof. Malnic ter sido o meu orientador no Doutorado em Fisiologia Renal e termos sido vizinhos de sala de trabalho no ICB-USP. Assim, pude conviver com ele por pelo menos 35 anos. Fiz inúmeros experimentos em sua companhia e aprendi muito sobre a Biofísica dos transportadores tubulares renais, especialmente no desenrolar dos nossos projetos de pesquisa.

O Prof. Malnic estava sempre atento aos novos métodos e equipamentos, para que suas aplicações nos experimentos permitissem uma melhor compreensão sobre a Fisiologia Renal. Isso aconteceu quando eu decidi realizar o Pós-Doutorado, no fim dos anos 1980. Ele sugeriu que eu aprendesse os métodos da Biologia Molecular para que fossem introduzidos nos trabalhos desenvolvidos no nosso grupo do ICB quando eu retornasse ao país. Então, passamos a associar as técnicas da Biologia Molecular às tradicionais que já efetuávamos nos experimentos em que aplicávamos a tradicional Eletrofisiologia por meio da micropunção e da microperfusão in vivo e das medidas do pH e da concentração do cálcio intracelular mediante o uso dos marcadores fluorescentes cujas quantificações eram determinadas pelas imagens captadas por microscópio confocal.

Minha longa convivência diária com o Prof. Malnic coloca-me em posição de poder comentar ainda sobre algumas de suas características pessoais. O seu laboratório estava sempre disponível

para nós, e o professor não demonstrava nenhum sentimento de posse daquilo que conquistava para as suas atividades de pesquisa. O seu laboratório era aberto para todos. Nós podíamos utilizar, desde que com responsabilidade e independência, tudo o que se encontrava ali. Da mesma forma, podíamos contar com a sua supervisão sempre que sentíssemos necessidade dela. Era um mestre que não competia com aqueles que formava, pelo contrário, sempre os estimulava a conquistar mais. O seu merecido prestígio junto à comunidade científica foi essencial para ajudar o grupo todo a obter com a FAPESP tudo aquilo de que necessitávamos. Nós contribuímos com ele, mas ele contribuiu ainda mais conosco.

Todas as cooperações que lhe solicitávamos eram prontamente acatadas com seriedade e responsabilidade. Sempre que eu lhe pedia opinião sobre as provas que elaborava para aplicar aos alunos, eu podia ter certeza de que ele as leria cuidadosamente, que daria sugestões de melhoria quando as julgasse necessárias e não deixaria passar qualquer erro de digitação. Ele nunca recusou um compromisso com aulas e provas, mesmo se estivessem agendadas para os fins de semana. A sua disponibilidade para atender tanto aos colegas docentes quanto aos alunos era admirável.

O convívio diário com o Prof. Malnic contribuiu muito para que os anos de trabalho no ICB-USP fosse um período extremamente prazeroso, tanto para mim quanto para a minha técnica, Camila, e para todos os alunos que orientei. Quase todos se referem a esse período como os melhores anos das suas vidas.

A seguir, o Prof. Zatz menciona que os trabalhos do Prof. Malnic foram pioneiros na Fisiologia Renal, e a maneira de como ele elaborou os renomados experimentos demonstraram os mecanismos pelos quais os túbulos renais participam de forma crucial para que haja a homeostase de alguns eletrólitos no organismo.

O Prof. Malnic realizou os estudos do Pós-doutorado na Universidade de Cornell, nos Estados Unidos. Assim, contribuiu de maneira significativa na elucidação sobre a excreção urinária do potássio e do hidrogênio. Os resultados relevantes sobre a excreção renal do potássio foram publicados no American Journal of Physiology11. Malnic G, Klose RM, Giebisch G. Micropuncture study of renal potassium excretion in the rat. Am J Physiol. 1964;206(4):674–86. doi: http://dx.doi.org/10.1152/ajplegacy.1964.206.4.674. PubMed PMID: 14166157.
https://doi.org/10.1152/ajplegacy.1964.2...
,22. Malnic G, Klose RM, Giebisch G. Microperfusion study of distal tubular potassium and sodium transfer in rat kidney. Am J Physiol. 1966;211(3):548–59. doi: http://dx.doi.org/10.1152/ajplegacy.1966.211.3.548. PubMed PMID: 5927881.
https://doi.org/10.1152/ajplegacy.1966.2...
. Ao retornar ao Brasil, desenvolveu um estudo que foi crucial para esclarecer os mecanismos da excreção urinária dos ácidos33. Vieira FL, Malnic G. Hydrogen ion secretion by rat renal cortical tubules as studied by an antimony microelectrode. Am J Physiol. 1968;214(4):710–8. doi: http://dx.doi.org/10.1152/ajplegacy.1968.214.4.710. PubMed PMID: 4966812.
https://doi.org/10.1152/ajplegacy.1968.2...
. O Prof. Malnic e seus associados utilizaram técnicas complexas. Eles próprios elaboravam os equipamentos e acessórios para a análise das quantidades diminutas do fluido colhidas das estruturas renais sob a microscopia óptica.

Nas décadas subsequentes, o grupo do Prof. Malnic trouxe contribuições adicionais, e essas pesquisas permitiram a extensão e o aperfeiçoamento desses conhecimentos que exercem até hoje grande influência na compreensão do funcionamento dos rins e do mecanismo da ação dos medicamentos, como os diuréticos.

Os consagrados estudos do Prof. Malnic para a compreensão em relação ao manuseio renal do K+ que foram publicados na década de 1960 não se tornaram obsoletos. Esses conhecimentos foram fundamentais para a descoberta dos canais do K+ ativados pelo aumento do fluxo tubular no néfron distal, os ditos Big K+ channels (BK), que foram descritos no início dos anos 199044. Malnic G, Berliner RW, Giebisch G. Distal perfusion studies: transport stimulation by native tubule fluid. Am J Physiol. 1990;258(6 Pt 2):F1523–7. PubMed PMID: 2360653..

Ademais, as pesquisas desenvolvidas pelo Prof. Malnic resultaram nas importantes contribuições para o conhecimento sobre o processamento tubular do H+ que continuaram até os anos recentes, e gostaríamos de salientar a avaliação do efeito da glicose no fluido tubular para a secreção do H+ pela via do contratransportador (trocador) Na+/H+, o NHE355. Pessoa TD, Campos LC, Carraro-Lacroix L, Girardi AC, Malnic G. Functional role of glucose metabolism, osmotic stress, and sodium-glucose cotransporter isoform-mediated transport on Na+/H+ exchanger isoform 3 activity in renal proximal tubule. J Am Soc Nephrol. 2014;25(9):2028–39. doi: http://dx.doi.org/10.1681/ASN.2013060588. PubMed PMID: 24652792.
https://doi.org/10.1681/ASN.2013060588...
,66. Borges-Júnior FA, Santos DS, Benetti A, Polidoro JZ, Wisnivesky ACT, Crajoinas RO, et al. Empagliflozin inhibits proximal tubule NHE3 activity, preserves GFR, and restores euvolemia in nondiabetic rats with induced heart failure. J Am Soc Nephrol. 2021;32(7):1616–29. doi: http://dx.doi.org/10.1681/ASN.2020071029. PubMed PMID: 33846238.
https://doi.org/10.1681/ASN.2020071029...
. Esse entendimento apresenta um interesse científico imprescindível para os dias de hoje. O cotransportador Glicose-Na+ (SGLT2) é responsável pela reabsorção dessas moléculas no túbulo proximal. A inibição do SGLT2 tem se mostrado eficaz para melhorar a sobrevida da função renal em pacientes com insuficiência cardíaca, síndrome metabólica e no retardo da progressão da doença renal crônica.

Para encerrar, gostaríamos de destacar algumas contribuições do Prof. Malnic como gestor competente. Ele chefiou o Departamento de Fisiologia do ICB-USP de 1978 a 1981 e de 1984 a 1988; e presidiu a Sociedade Brasileira de Biofísica, de 1983 a 1985, a Sociedade Brasileira de Fisiologia, de 1985 a 1988, e a Academia da Ciência do Estado de São Paulo, de 1995 a 1997. Ademais, foi diretor do ICB-USP, de 1989 a 1993, e também do Instituto de Estudos Avançados da USP, de 2001 a 2003.

O Prof. Malnic recebeu muitas láureas, mas vamos destacar apenas três: 1) Medalha G. A. Borelli, Universidade Frederico II, Nápoles, Itália, em 1995;

2) Ordem Nacional do Mérito Científico, Comendador, Governo Federal do Brasil, em 1995; 3) Ordem Nacional do Mérito Científico, Grã-Cruz, Governo Federal do Brasil, em 2000.

REFERENCES

  • 1.
    Malnic G, Klose RM, Giebisch G. Micropuncture study of renal potassium excretion in the rat. Am J Physiol. 1964;206(4):674–86. doi: http://dx.doi.org/10.1152/ajplegacy.1964.206.4.674. PubMed PMID: 14166157.
    » https://doi.org/10.1152/ajplegacy.1964.206.4.674
  • 2.
    Malnic G, Klose RM, Giebisch G. Microperfusion study of distal tubular potassium and sodium transfer in rat kidney. Am J Physiol. 1966;211(3):548–59. doi: http://dx.doi.org/10.1152/ajplegacy.1966.211.3.548. PubMed PMID: 5927881.
    » https://doi.org/10.1152/ajplegacy.1966.211.3.548
  • 3.
    Vieira FL, Malnic G. Hydrogen ion secretion by rat renal cortical tubules as studied by an antimony microelectrode. Am J Physiol. 1968;214(4):710–8. doi: http://dx.doi.org/10.1152/ajplegacy.1968.214.4.710. PubMed PMID: 4966812.
    » https://doi.org/10.1152/ajplegacy.1968.214.4.710
  • 4.
    Malnic G, Berliner RW, Giebisch G. Distal perfusion studies: transport stimulation by native tubule fluid. Am J Physiol. 1990;258(6 Pt 2):F1523–7. PubMed PMID: 2360653.
  • 5.
    Pessoa TD, Campos LC, Carraro-Lacroix L, Girardi AC, Malnic G. Functional role of glucose metabolism, osmotic stress, and sodium-glucose cotransporter isoform-mediated transport on Na+/H+ exchanger isoform 3 activity in renal proximal tubule. J Am Soc Nephrol. 2014;25(9):2028–39. doi: http://dx.doi.org/10.1681/ASN.2013060588. PubMed PMID: 24652792.
    » https://doi.org/10.1681/ASN.2013060588
  • 6.
    Borges-Júnior FA, Santos DS, Benetti A, Polidoro JZ, Wisnivesky ACT, Crajoinas RO, et al. Empagliflozin inhibits proximal tubule NHE3 activity, preserves GFR, and restores euvolemia in nondiabetic rats with induced heart failure. J Am Soc Nephrol. 2021;32(7):1616–29. doi: http://dx.doi.org/10.1681/ASN.2020071029. PubMed PMID: 33846238.
    » https://doi.org/10.1681/ASN.2020071029

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2023

Histórico

  • Recebido
    04 Abr 2023
  • Aceito
    10 Abr 2023
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