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Hipertensão gestacional como fator associado à doença renal crônica: a importância do histórico obstétrico de mulheres submetidas à hemodiálise

RESUMO

Introdução:

Complicações relacionadas à gestação podem afetar o ciclo reprodutivo e a saúde das mulheres ao longo de suas vidas. Este estudo visou avaliar histórico sociodemográfico, clínico e obstétrico de mulheres em hemodiálise.

Métodos:

Realizamos estudo transversal em unidade de saúde especializada com quatro unidades de hemodiálise. Avaliou-se características sociodemográficas, histórico clínico e pessoal, resultados obstétricos e perinatais de mulheres com gestações anteriores à hemodiálise. Foram realizadas análises de prevalência, bivariadas e regressão logística.

Resultados:

Incluímos 208 (87,76%) mulheres. Hipertensão foi a principal causa de doença renal crônica (DRC) (128 mulheres). Taxas de desfechos perinatais adversos, incluindo prematuridade, baixo peso ao nascer, aborto espontâneo, óbito fetal e neonatal, foram de 19,3%, 14,5%, 25,5%, 12,1% e 5,3%, respectivamente. Síndromes hipertensivas durante a gestação ocorreram em 37,0% das mulheres, com 12,5% relatando pré-eclâmpsia e 1,4% relatando eclampsia. Até 1 ano após o parto, 45,2% das mulheres relataram hipertensão. Hemodiálise devido à hipertensão foi associada ao histórico de hipertensão na gestação (OR 2,33; IC 1,27 - 4,24), hipertensão gestacional (2,41; IC 3,30 - 4,45), e hipertensão até um ano após o parto (OR 1,98; IC 1,11 - 3,51). A regressão logística mostrou que hipertensão gestacional foi independentemente associada à DRC devido à hipertensão (ORa 2,76; IC 1,45 - 5,24).

Conclusão:

Mulheres submetidas à hemodiálise por hipertensão foram mais propensas a apresentar hipertensão gestacional ou hipertensão até um ano após o parto. Para retardar a doença renal em estágio terminal, deve-se identificar mulheres em risco de insuficiência renal de acordo com sua história reprodutiva.

Descritores:
História Reprodutiva; Diálise Renal; Complicações na Gravidez; Falência Renal Crônica; Pre-Eclampsia; Hipertensão

ABSTRACT

Introduction:

Pregnancy-related complications may impact women’s reproductive cycle and health through their lives. The objective of this study was to evaluate the sociodemographic, clinical, and obstetric history of women undergoing hemodialysis.

Methods:

We performed a cross-sectional study in a specialized health facility with four hemodialysis units. Sociodemographic characteristics, clinical and personal history, obstetric and perinatal results of women with pregnancies before hemodialysis were evaluated. Prevalence, bivariate, and logistic regression analyses were performed.

Results:

We included 208 (87.76%) women. Hypertension was the main cause of chronic kidney disease (CKD) (128 women). Rates of adverse perinatal outcomes, including prematurity, low birth weight, miscarriage, fetal death, and neonatal death, were 19.3%, 14.5%, 25.5%, 12.1%, and 5.3%, respectively. Hypertensive syndromes during pregnancy occurred in 37.0% of women, with 12.5% reporting preeclampsia and 1.4% reporting eclampsia. Up to 1 year after birth, 45.2% of women reported hypertension. Hemodialysis due to hypertension was associated with a history of hypertension during pregnancy (OR 2.33, CI 1.27 – 4.24), gestational hypertension (2.41, CI 3.30 – 4.45), and hypertension up to one year after birth (OR 1.98, CI 1.11 – 3.51). Logistic regression showed that gestational hypertension was independently associated with CKD due to hypertension (aOR 2.76, CI 1.45 – 5.24).

Conclusion:

Women undergoing hemodialysis due to hypertension were more likely to have gestational hypertension or hypertension up to one year after birth. To delay end-stage renal disease, it is necessary to identify women at risk of kidney failure according to their reproductive history.

Keywords:
Reproductive Histor; Renal Dialysi; Pregnancy Complication; Kidney Failur, Chroni; Pré-Eclâmpsi; Hypertension

Introdução

A doença renal crônica (DRC) é responsável por uma significativa morbidade e mortalidade em todo o mundo, com incidência crescente globalmente. Em 2017, foram registrados 697,5 milhões de casos de DRC, com uma prevalência total de 9,1%. A taxa total de mortalidade por DRC aumentou 41,5% entre 1990 e 2017, culminando em 1,2 milhões de óbitos devidos à DRC em 201711. Collaboration GCKD. Global, regional, and national burden of chronic kidney disease, 1990-2017: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2017. Lancet 2020;395(10225):709-733. (In eng). DOI: 10.1016/S0140-6736(20)30045-3.
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. No Brasil, a prevalência de DRC é de 1,4%, e estima-se que existam atualmente 15 milhões de pacientes, a maioria dos quais não está recebendo tratamento22. Brasil. Diretrizes Clínicas para o Cuidado ao paciente com Doença Renal Crônica – DRC no Sistema Único de Saúde/Ministério da Saúde. In: Saúde Md, ed.2014..

A DRC é uma doença não transmissível que consiste em múltiplas condições renais estruturais e funcionais heterogêneas com diversas causas e fatores prognósticos. Entre as causas de DRC estão as doenças glomerulares, diabetes mellitus, hipertensão crônica, obesidade e tabagismo11. Collaboration GCKD. Global, regional, and national burden of chronic kidney disease, 1990-2017: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2017. Lancet 2020;395(10225):709-733. (In eng). DOI: 10.1016/S0140-6736(20)30045-3.
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.

A DRC é um fator de risco determinante para doenças cardiovasculares, sendo responsável por 30% dos óbitos em todo o mundo33. Piccoli GB, Zakharova E, Attini R, et al. Acute Kidney Injury in Pregnancy: The Need for Higher Awareness. A Pragmatic Review Focused on What Could Be Improved in the Prevention and Care of Pregnancy-Related AKI, in the Year Dedicated to Women and Kidney Diseases. J Clin Med 2018;7(10) (In eng). DOI: 10.3390/jcm7100318.
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. A DRC é geralmente assintomática nos estágios iniciais; entretanto, a doença renal em estágio terminal (DRET) requer terapia renal substitutiva ou transplante44. He Y, Liu J, Cai Q, et al. The pregnancy outcomes in patients with stage 3-4 chronic kidney disease and the effects of pregnancy in the long-term kidney function. J Nephrol 2018;31(6):953-960. (In eng). DOI: 10.1007/s40620-018-0509-z.
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. A distribuição da DRC é semelhante em homens e mulheres; no entanto, nas mulheres, a DRC tem impacto na função reprodutiva55. Gonzalez Suarez ML, Kattah A, Grande JP, Garovic V. Renal Disorders in Pregnancy: Core Curriculum 2019. Am J Kidney Dis 2019;73(1):119-130. (In eng). DOI: 10.1053/j.ajkd.2018.06.006.
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.

Nas mulheres, a DRET causa disfunção do eixo hipotálamo-pituitário, com uma consequente redução da fertilidade. Amenorreia e irregularidade menstrual são comuns. Também aumenta o risco de desfechos maternos e perinatais desfavoráveis, incluindo aborto, restrição do crescimento fetal, parto prematuro, distúrbios hipertensivos e infecções55. Gonzalez Suarez ML, Kattah A, Grande JP, Garovic V. Renal Disorders in Pregnancy: Core Curriculum 2019. Am J Kidney Dis 2019;73(1):119-130. (In eng). DOI: 10.1053/j.ajkd.2018.06.006.
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.

Muitas mulheres em hemodiálise não têm uma causa conhecida para DRC. Há evidências de uma associação entre alguns desfechos obstétricos adversos, como a pré-eclâmpsia, e o risco de DRC66. Kaul A, Bhaduaria D, Pradhan M, Sharma RK, Prasad N, Gupta A. Pregnancy Check Point for Diagnosis of CKD in Developing Countries. J Obstet Gynaecol India 2018;68(6):440-446. (In eng). DOI: 10.1007/s13224-017-1055-7.
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,77. Cunningham MW, LaMarca B. Risk of cardiovascular disease, end-stage renal disease, and stroke in postpartum women and their fetuses after a hypertensive pregnancy. Am J Physiol Regul Integr Comp Physiol 2018;315(3):R521-R528. (In eng). DOI: 10.1152/ajpregu.00218.2017.
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. Alterações hemodinâmicas e estruturais que ocorrem nos rins e segmentos do trato urinário também ocorrem em uma gestação normal de alto risco, de modo que a DRC pode começar ou piorar devido à sobrecarga renal imposta por uma gestação44. He Y, Liu J, Cai Q, et al. The pregnancy outcomes in patients with stage 3-4 chronic kidney disease and the effects of pregnancy in the long-term kidney function. J Nephrol 2018;31(6):953-960. (In eng). DOI: 10.1007/s40620-018-0509-z.
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. Nosso trabalho teve como objetivo explorar a história reprodutiva de mulheres em hemodiálise e compreender o impacto dos desfechos perinatais adversos (APO, por sua sigla em inglês) como um fator associado à DRC causada por hipertensão.

Métodos

Realizamos um estudo transversal para avaliar mulheres em hemodiálise em Campinas, uma cidade ao sul de São Paulo. Nossa coleta de dados aconteceu em uma unidade de saúde especializada composta por quatro unidades de hemodiálise de Agosto a Dezembro de 2019. Estas unidades atendem aproximadamente 400 mulheres que passam por pelo menos três sessões semanais.

A seleção dos participantes foi intencional; incluímos mulheres com diagnóstico prévio de DRET submetidas à hemodiálise em qualquer unidade, mediante acordo de participação e assinatura de consentimento livre e esclarecido. Excluímos mulheres que apresentavam doenças neurológicas ou psiquiátricas. Também excluímos mulheres com problemas auditivos por não poderem responder às questões.

Obtivemos dados por meio de entrevistas presenciais realizadas por pesquisadores e assistentes treinados, utilizando questionários elaborados especialmente para este estudo. Avaliamos características sociodemográficas, os anos em hemodiálise, histórico pessoal, desfechos obstétricos e perinatais, e comorbidades. Obtivemos taxas de comorbidades e causa da DRET em três períodos gestacionais (pré-gestacional, durante a gestação, e até um ano após o parto). Foi criado um banco de dados específico para este estudo no Microsoft Excel. O pesquisador realizou uma avaliação de controle de qualidade da coleta de dados antes e durante a entrada eletrônica de informações no banco de dados para identificar possíveis inconsistências.

Nesta análise, incluímos mulheres que tiveram pelo menos uma gestação antes do início da hemodiálise. Excluímos mulheres com gestações após o início da hemodiálise porque nosso objetivo era avaliar o impacto da história obstétrica como um fator associado à DRC.

A média e o desvio padrão foram utilizados para descrever variáveis contínuas, e as variáveis qualitativas foram descritas como frequência e porcentagem. Comparamos a hipertensão como causa de DRC usando o teste qui-quadrado, o teste exato de Fisher, e o teste de Mann-Whitney. Também obtivemos o odds ratio (OR) e o intervalo de confiança (IC) para esta comparação. Realizamos uma regressão logística utilizando o método stepwise, incluindo no modelo todas as variáveis com um valor de p inferior a 0,25. O nível de significância foi de 5%, e o software utilizado para análise estatística foi o SAS, versão 9.4.

Agrupamos todos os desfechos adversos maternos (hipertensão gestacional, pré-eclâmpsia, diabetes, hemorragia, descolamento prematuro da placenta, eclampsia, parto prematuro) e todos os desfechos adversos fetais (óbito fetal, peso ao nascer inferior a 2500g, e óbito neonatal). Também construímos a variável “qualquer desfecho adverso perinatal”, agrupando as duas variáveis anteriores.

Seguimos todos os itens do consenso STROBE (Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology) para a redação deste manuscrito (9).

O Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Campinas, Brasil, aprovou o estudo (relatório CAAE: 15429419.5.0000.5404). Foram seguidos os princípios estabelecidos na Resolução 466/2012 (de 12/12/2012) do Conselho Nacional de Saúde. Todos os participantes assinaram um termo de consentimento informado.

Resultados

Durante nossa coleta de dados (Agosto a Dezembro de 2019), entrevistamos 237 mulheres; 11 (4,64%) engravidaram durante a hemodiálise e 18 (7,60%) não tiveram nenhuma gestação anterior. Incluímos na análise 208 (87,76%) mulheres com hemodiálise antes da gravidez. Entre essas, 128 (61,54%) apresentaram hipertensão como causa da DRC, enquanto 80 (38,46%) tiveram outras causas de DRC. Estes grupos foram posteriormente comparados.

A Tabela 1 mostra as características sociodemográficas e morbidades de todas as mulheres incluídas. Sua média de idade foi de 57,82 (±12,87) anos, e 134 (64,42%) estavam em hemodiálise há menos de cinco anos. O intervalo entre a última gestação e o início da DRET foi superior a dez anos para 100 (48,07%) mulheres, enquanto foi inferior a dois anos em 12 (5,77%). A hipertensão foi a causa mais prevalente de DRET (61,5%), seguida por diabetes (30,8%). A causa de DRET era desconhecida para 17 mulheres (8,2%).

Tabela 1.
Características sociodemográficas, hábitos e morbidades entre mulheres em hemodiálise com pelo menos 1 gestação

Como mostrado na Tabela 2, a maioria (144; 69,2%) das mulheres incluídas apresentou três ou mais gestações anteriores, e a idade da primeira gravidez ocorreu antes dos 20 anos para 110 (53,1%) mulheres. Quanto aos desfechos perinatais, 40 mulheres (19,3%) relataram parto prematuro, 30 mulheres (14,5%) tiveram bebês com baixo peso ao nascer, 25 (12,1%) apresentaram óbito fetal, 11 (5,3%) relataram óbito neonatal e 62 (29,8%) tiveram alguma perda gestacional.

Tabela 2.
Histórico gestacional e comorbidades antes e até 1 ano após a gravidez entre mulheres em hemodiálise com pelo menos 1 gestação

Quarenta e cinco (21,6%) mulheres relataram hipertensão antes da gestação, 77 (37,0%) relataram hipertensão durante a gravidez, e 94 (45,2%) permaneceram com hipertensão até um ano após o parto. O diabetes afetou 17 (8,2%) mulheres antes da gestação, 23 (11,1%) durante a gravidez, e 34 (16,3%) após o parto. Outras causas de DRC incluíram infecção renal e fatores obstrutivos. A Figura 1 ilustra a frequência dessas condições nos três períodos e a causa da DRC.

Figura 1.
Porcentagem de comorbidades primárias antes, durante e até um ano após o parto e causa de doença renal em estágio terminal (DRET) em mulheres em hemodiálise.

As mulheres em hemodiálise devido à hipertensão foram mais propensas a apresentar um histórico de qualquer síndrome hipertensiva durante a gravidez (OR 2,33; IC 1,27 – 4,24) ou hipertensão gestacional (OR 2,41; IC 1,30 – 4,45). Até um ano após o parto, as mulheres em hemodiálise tiveram maior probabilidade de apresentar qualquer síndrome hipertensiva (OR 1,98; IC 1,11 – 3,51). Outras comparações são apresentadas na Tabela 3.

Tabela 3.
Análise bivariada de características sociodemográficas, hábitos, história obstétrica e morbidades de acordo com desfechos perinatais adversos entre mulheres em hemodiálise com pelo menos 1 gestação

Na regressão logística, foram incluídas as seguintes variáveis: aborto recorrente (dois ou mais), hipertensão gestacional, descolamento prematuro da placenta, parto prematuro, qualquer desfecho adverso materno, qualquer desfecho perinatal, e hipertensão crônica. A hipertensão gestacional foi independentemente associada à DRC devido à hipertensão (OR ajustado 2,76; IC 1,45 – 5,24, valor de p < 0,01), enquanto o parto prematuro foi um fator de proteção (OR ajustado 0,44; IC 0,21 - 0,92; valor de p = 0,03).

Discussão

Neste estudo, nosso objetivo foi compreender a história obstétrica de mulheres submetidas à hemodiálise em decorrência da DRC. Em 208 mulheres, a hipertensão foi a principal causa de DRC, e esteve associada à ocorrência de hipertensão gestacional e hipertensão até um ano após o parto. Curiosamente, o parto prematuro foi um fator de proteção, sugerindo que uma exposição mais curta à gestação protegeu a função renal.

A hipertensão foi a causa mais comum de insuficiência renal em nossa população. Em relação à história reprodutiva, a hipertensão foi a condição mais comum antes, durante e um ano após a gestação, e a pré-eclâmpsia foi associada à DRET. Entretanto, em muitas mulheres jovens com hipertensão arterial, a DRET pode ser atribuída à nefroesclerose hipertensiva, o que nem sempre é a realidade, já que há casos em que a glomerulonefrite não diagnosticada pode ser a causa primária da DRET88. Zaza G, Bernich P, Lupo A, (TVRRB) TRoRB. Renal biopsy in chronic kidney disease: lessons from a large Italian registry. Am J Nephrol 2013;37(3):255-63. (In eng). DOI: 10.1159/000348566.
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,99. Sarmento LR, Fernandes PFCB, Pontes MX, et al. Prevalence of clinically validated primary causes of end-stage renal disease (ESRD) in a State Capital in Northeastern Brazil. J Bras Nefrol 2018;40(2):130-135. (In eng|por). DOI: 10.1590/2175-8239-jbn-3781.
https://doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-37...
. Nossos resultados sugerem uma associação entre pré-eclâmpsia e APO e hemodiálise, o que está de acordo com evidências publicadas em outros lugares. Uma revisão sistemática com meta-análise mostrou que o odds ratio do desenvolvimento de DRC e DRET com histórico de pré-eclâmpsia foi de 2,11 (IC95% 1,72-2,59) e 4,90 (IC95% 3,56-6,74), respectivamente1010. Barrett PM, McCarthy FP, Kublickiene K, et al. Adverse Pregnancy Outcomes and Long-term Maternal Kidney Disease: A Systematic Review and Meta-analysis. JAMA Netw Open 2020;3(2):e1920964. (In eng). DOI: 10.1001/jamanetworkopen.2019.20964.
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. Outro estudo encontrou um risco relativo de 4,7 (IC95% 3,6-6,1) de desenvolver DRET em mulheres que apresentaram pré-eclâmpsia durante a gestação1111. Vikse BE, Irgens LM, Leivestad T, Skjaerven R, Iversen BM. Preeclampsia and the risk of end-stage renal disease. N Engl J Med 2008;359(8):800-9. (In eng). DOI: 10.1056/NEJMoa0706790.
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. Um estudo de coorte da Suécia mostrou que os distúrbios de hipertensão durante a gestação, com ênfase em pré-eclâmpsia, estão associados à DRC posterior, principalmente se a causa identificada da DRC foi hipertensão ou diabetes1212. Khashan AS, Evans M, Kublickas M, et al. Preeclampsia and risk of end stage kidney disease: A Swedish nationwide cohort study. PLoS Med 2019;16(7):e1002875. (In eng). DOI: 10.1371/journal.pmed.1002875.
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.

A pré-eclâmpsia é a principal causa de lesão renal aguda durante a gestação e pode estar ligada à DRC pré-existente ou não diagnosticada33. Piccoli GB, Zakharova E, Attini R, et al. Acute Kidney Injury in Pregnancy: The Need for Higher Awareness. A Pragmatic Review Focused on What Could Be Improved in the Prevention and Care of Pregnancy-Related AKI, in the Year Dedicated to Women and Kidney Diseases. J Clin Med 2018;7(10) (In eng). DOI: 10.3390/jcm7100318.
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. É essencial perceber que os efeitos da doença ou exposição durante a gestação persistem ao longo dos ciclos reprodutivos das mulheres1313. Filippi V, Chou D, Barreix M, Say L. A new conceptual framework for maternal morbidity. International Journal of Gynecology and Obstetrics 2018;141(S1):5.. Ressaltamos também a importância da orientação contraceptiva após uma gestação com um desfecho desfavorável para investigar possíveis doenças subjacentes e evitar colocar uma sobrecarga nos órgãos e sistemas com uma nova gravidez antes de conhecer plenamente os riscos.

Um estudo da Noruega relacionou um histórico repetido de pré-eclâmpsia com um maior risco relativo de DRET. Mulheres com uma gestação e histórico de pré-eclâmpsia aumentaram em 3,2% seu risco de DRET. Em contraste, aquelas com duas ou mais gestações com pré-eclâmpsia aumentaram seu risco para 15,5%1111. Vikse BE, Irgens LM, Leivestad T, Skjaerven R, Iversen BM. Preeclampsia and the risk of end-stage renal disease. N Engl J Med 2008;359(8):800-9. (In eng). DOI: 10.1056/NEJMoa0706790.
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. A maioria das mulheres em nossa amostra teve três ou mais gestações, com alta prevalência de hipertensão e pré-eclâmpsia. As repetidas gestações provavelmente aumentaram o risco de desenvolvimento de DRC. O diagnóstico precoce de DRC foi complicado devido ao acesso limitado ao sistema de saúde, o que afetou o início precoce de tratamentos para evitar ou retardar a DRET.

É difícil determinar se a pré-eclâmpsia causa DRET posterior com a influência de fatores genéticos e ambientais ou se a verdadeira fisiopatologia é que mulheres com lesão renal subclínica e não diagnosticada são propensas a desenvolver pré-eclâmpsia durante a gestação. Infelizmente, na maioria das gestantes que iniciam o pré-natal com histórico de hipertensão, não há nenhum diagnóstico prévio com biópsia ou estudo da função renal. Especialmente em mulheres mais jovens, sem outros fatores de risco para hipertensão essencial, deve haver uma causa subjacente para o início precoce da hipertensão. Entre as causas de hipertensão secundária em mulheres jovens, a doença glomerular (por exemplo, nefrite lúpica, nefropatia por IgA) é a causa e não a consequência da hipertensão arterial1414. Blom K, Odutayo A, Bramham K, Hladunewich MA. Pregnancy and Glomerular Disease: A Systematic Review of the Literature with Management Guidelines. Clin J Am Soc Nephrol 2017;12(11):1862-1872. (In eng). DOI: 10.2215/CJN.00130117.
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. No entanto, este estudo indica a importância de concluir a triagem precoce da função renal em mulheres hipertensas com histórico de pré-eclâmpsia para melhorar o diagnóstico precoce e retardar o desenvolvimento da DRET. Estudos demonstraram que a triagem primária de DRC é custo-efetiva1515. Komenda P, Ferguson TW, Macdonald K, et al. Cost-effectiveness of primary screening for CKD: a systematic review. Am J Kidney Dis 2014;63(5):789-97. (In eng). DOI: 10.1053/j.ajkd.2013.12.012.
https://doi.org/10.1053/j.ajkd.2013.12.0...
,1616. Kondo M, Yamagata K, Hoshi SL, et al. Cost-effectiveness of chronic kidney disease mass screening test in Japan. Clin Exp Nephrol 2012;16(2):279-91. (In eng). DOI: 10.1007/s10157-011-0567-1.
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.

O fato de que a maioria das mulheres incluídas apresentava baixos níveis de escolaridade, baixa renda familiar e etnia não branca reflete a realidade no Brasil, onde a pobreza pode dificultar o acesso aos sistemas de saúde. Nossos achados estão de acordo com o estudo Global Burden of Disease11. Collaboration GCKD. Global, regional, and national burden of chronic kidney disease, 1990-2017: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2017. Lancet 2020;395(10225):709-733. (In eng). DOI: 10.1016/S0140-6736(20)30045-3.
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, que mostrou que a maioria dos casos e óbitos por DRC ocorre em populações com índice sociodemográfico baixo, médio-baixo e médio. Uma pessoa com DRC em hemodiálise indica o estágio final de uma doença que poderia ser controlada ou adiada se a causa fosse abordada ou se o tratamento fosse iniciado precocemente. As deficiências nos sistemas de saúde e a vulnerabilidade particular de pacientes com insuficiência renal devem ser antecipadas e abordadas de maneira prospectiva1212. Khashan AS, Evans M, Kublickas M, et al. Preeclampsia and risk of end stage kidney disease: A Swedish nationwide cohort study. PLoS Med 2019;16(7):e1002875. (In eng). DOI: 10.1371/journal.pmed.1002875.
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. O entendimento de que as mulheres com APO e pré-eclâmpsia ou hipertensão persistente apresentam alto risco de DRC reforça a necessidade de um acompanhamento adequado da função renal antes do início da DRET.

Curiosamente, mais da metade de nossa população teve sua primeira gestação antes dos 20 anos de idade. Vulnerabilidade e baixo acesso aos sistemas de saúde resultam em menor planejamento familiar, o que leva a gestações não planejadas. Essas mulheres serão desnecessariamente expostas a complicações como hipertensão e pré-eclâmpsia, provavelmente aumentando seu risco de desenvolver DRC.

Nosso estudo tem alguns pontos fortes. Entrevistamos 237 mulheres em hemodiálise, selecionando 208 com gestações anteriores. Poucos estudos correlacionaram a DRC à história reprodutiva, e nosso estudo preencheu uma lacuna de conhecimento em relação ao impacto da história reprodutiva na ocorrência de DRET. No entanto, nosso estudo teve algumas limitações que devem ser mencionadas. Nossos dados foram coletados por meio de entrevistas com mulheres; em dois terços delas, decorreram mais de dez anos entre a última gestação e o diagnóstico de insuficiência renal. Portanto, algumas informações podem ter sido esquecidas ou confundidas, e houve alguns dados ausentes, particularmente no que diz respeito ao status da doença renal. Além disso, a falta de conhecimento dos pacientes em hemodiálise sobre sua doença é uma questão que precisa ser valorizada e abordada pelas equipes de saúde que cuidam desses pacientes1717. Faria-Schützer DB, Borovac-Pinheiro A, Rodrigues L, Surita FG. Pregnancy and postpartum experiences of women undergoing hemodialysis: a qualitative study. J Bras Nefrol 2022 (In eng|por). DOI: 10.1590/2175-8239-JBN-2022-0001en.
https://doi.org/10.1590/2175-8239-JBN-20...
. Em mulheres com mais de uma gravidez, o índice de gestação de desfechos adversos não foi identificado, devido à limitação do método. No entanto, na história obstétrica, a ocorrência de qualquer desfecho adverso é o que mais importa. Outra limitação foi que as mulheres foram selecionadas em 4 centros de hemodiálise no sudeste do Brasil, a região mais próspera do país.

Conclusões

A hipertensão foi a causa mais prevalente de DRC entre mulheres submetidas à hemodiálise em um centro brasileiro. Entre essas mulheres, a DRC causada por hipertensão foi associada à hipertensão gestacional ou qualquer hipertensão durante a gestação, e também à hipertensão até um ano após o parto. Os serviços de saúde que prestam assistência às mulheres em qualquer fase da vida devem estar cientes dos fatores em sua história reprodutiva que podem levar ao risco de doença renal, para melhorar o encaminhamento precoce a especialistas adequados e a prevenção ou adiamento de DRET.

Agradecimentos

Os autores gostariam de agradecer às mulheres que concederam as entrevistas e à direção e enfermeiras da clínica de hemodiálise por sua ajuda no contato com os pacientes.

Material Suplementar

O seguinte material online está disponível para o presente artigo:

Coleta de dados de um estudo prospectivo de pacientes em hemodiálise.

https://minio.scielo.br/documentstore/2175-8239/HNMrjZxxPXSSmdgCzrVnCMk/f717e5ea7d1e717beb9d00377f0b3fc44d922609.pdf

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2023

Histórico

  • Recebido
    14 Jul 2022
  • Aceito
    09 Nov 2022
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