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Análise de custo-efetividade do cinacalcete vs. paricalcitol no tratamento do hiperparatireoidismo secundário à doença renal crônica

RESUMO

Introdução:

Para a redução dos níveis do paratormônio (PTH) estão disponíveis no mercado brasileiro duas classes de medicamentos: ativadores do receptor da vitamina D (não seletivos e seletivos) e calcimiméticos. Dentre os medicamentos supracitados, o SUS disponibiliza calcitriol oral, paricalcitol e cinacalcete.

Objetivos:

Desenvolver análise de custo-efetividade (CE) e de impacto orçamentário (IO) do cinacalcete versus paricalcitol para pacientes em diálise com HPTS, na perspectiva do SUS.

Metodologia:

Foi construído um modelo de árvore de decisão para a análise de CE, que considerou o desfecho paratireoidectomia evitada e um horizonte temporal de 1 ano. Quanto à análise de IO, foram considerados dois cenários, um de demanda aferida e outro de abordagem epidemiológica, baseado nos dados da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN).

Resultados:

A análise de CE mostrou que o uso de cinacalcete resulta em economia de R$ 1.394,64 ao ano e efetividade incremental de 0,08, em relação a paratireoidectomia evitada. A razão de CE incremental (RCEI) foi de - R$ 17.653,67 por paratireoidectomia evitada para o cinacalcete, já que se mostrou mais efetivo e mais barato comparado ao paricalcitol. Estimou-se que o IO incremental com a ampliação do uso do cinacalcete no SUS estará entre - R$ 1.640.864,62 e R$ 166.368,50 no primeiro ano, considerando os cenários principal e epidemiológico baseado nos dados da SBN. Já ao final de 5 anos após a ampliação do uso, estimou-se um impacto incremental entre - R$ 10.740.743,86 e - R$ 1.191.339,37; considerando os mesmos cenários.

Conclusão:

Cinacalcete foi dominante para evitar paratireoidectomias, sendo custo-efetivo.

Descritores:
Hiperparatireoidismo Secundário; Insuficiência Renal Crônica; Cinacalcete; Paricalcitol; Avaliação de Custo-Efetividade

ABSTRACT

Introduction

For the reduction of PTH levels, two classes of drugs are available in the Brazilian market: non-selective and selective vitamin D receptor activators and calcimimetics. Among the mentioned drugs, the SUS provides oral calcitriol, paricalcitol and cinacalcet.

Objectives:

Develop cost-effectiveness (CE) and budgetary impact (BI) analysis of cinacalcet versus paricalcitol for patients on dialysis with SHPT, from the perspective of SUS.

Methodology:

A decision tree model was constructed for CE analysis, which considered the outcome of avoided parathyroidectomy and a time horizon of 1 year. As for the BI analysis, two scenarios were considered, one of which was measured demand and other epidemiological, based on data from the Brazilian Society of Nephrology (BSN).

Results:

The CE analysis showed that the use of cinacalcet results in one-off savings of R$1,394.64 per year and an incremental effectiveness of 0.08, in relation to avoided parathyroidectomy. The incremental CE ratio (ICER) was - R$ 17,653.67 per avoided parathyroidectomy for cinacalcet, as it was more effective and cheaper compared to paricalcitol. As for the BI analysis, it was estimated that the incremental BI with the expansion of the use of cinacalcet in the SUS will be between - R$ 1,640,864.62 and R$ 166,368.50 in the first year, considering the main and the epidemiological scenarios. At the end of 5 years after the expansion of use, an BI was estimated between - R$ 10,740,743.86 and - R$ 1,191,339.37; considering the same scenarios.

Conclusion:

Cinacalcet was dominant to avoid parathyroidectomies, being cost-effective.

Keywords:
Hyperparathyroidism, Secondary; Renal Insufficiency, Chronic; Cinacalcet; Paricalcitol; Cost-Effectiveness Evaluation

Introdução

O hiperparatireoidismo secundário (HPTS) à doença renal crônica (DRC) é caracterizado por elevados níveis séricos de paratormônio (PTH), hiperplasia das glândulas paratireoides, doença óssea de alto remanejamento e doença cardiovascular11. Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) CKD-MBD Update Work Group. KDIGO clinical practice guideline update for the diagnosis, evaluation, prevention, and treatment of Chronic Kidney Disease-Mineral and Bone Disorder (CKD-MBD). Kidney Int Suppl. 2017;7(1):1–59. PubMed PMID: 30675420.33. Hernandes FR, Goldenstein P, Custódio MR. Update of Brazilian Guidelines for Treatment and Assessment of Chronic Kidney Disease – Mineral and Bone Disorders. Treatment of Hyperparathyroidism (SHPT). J Bras Nefrol. 2021;43(4, Suppl. 1):645–9. doi: http://dx.doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-2021-s107. PubMed PMID: 34910799.
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. O nível de PTH considerado adequado para pacientes com DRC estágio 5D está situado entre duas a nove vezes o valor limite do método de dosagem11. Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) CKD-MBD Update Work Group. KDIGO clinical practice guideline update for the diagnosis, evaluation, prevention, and treatment of Chronic Kidney Disease-Mineral and Bone Disorder (CKD-MBD). Kidney Int Suppl. 2017;7(1):1–59. PubMed PMID: 30675420.. Segundo o censo da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), em 2020, estima-se que 144.779 pacientes se encontram em tratamento dialítico no Brasil44. Sociedade Brasileira de Nefrologia. Censos anteriores [Internet]. 2021 [citado em 2021 Jul 5]. Disponível em: http://www.censo-sbn.org.br/censosAnteriores.
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. Destes, aproximadamente 18% apresentavam níveis de PTH acima de 600 pg/mL em 2019, enquanto em 2014 eram em torno de 26%, sugerindo que houve certo impacto na redução dos níveis de PTH com a incorporação do paricalcitol e cinacalcete e implementação do PCDT em 2017. Para a redução dos níveis do PTH, estão disponíveis no mercado brasileiro três classes de medicamentos: ativadores não seletivos do receptor da vitamina D (calcitriol e alfacalcidol), ativadores seletivos de VDR (paricalcitol) e calcimiméticos (cinacalcete)55. Sociedade Brasileira de Nefrologia. Censo 2020 [Internet]. 2020 [citado em 2021 Jul 5]. Disponível em: http://www.censo-sbn.org.br/censosAnteriores
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. Dentre os medicamentos supracitados, o SUS disponibiliza calcitriol oral, tendo sido descontinuada sua apresentação intravenosa, em 2020, e o alfacalcidol oral, em 2017. Em relação ao paricalcitol, sua disponibilização no SUS está voltada aos pacientes com PTH igual ou superior a 500 pg/mL e, para o cinacalcete, aos pacientes com níveis de PTH acima de 800 pg/mL, podendo ser primeira opção na presença de hipercalcemia e/ou hiperfosfatemia e valores de PTH entre 500 e 800 pg/mL66. Brasil, Ministério da Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas, distúrbio mineral e ósseo na Doença Renal Crônica (DMO). Brasília; 2017.. O objetivo deste documento foi desenvolver análise de custo-efetividade e de impacto orçamentário do cinacalcete versus paricalcitol para pacientes em diálise com HPTS, na perspectiva do SUS, após analisar novas evidências científicas existentes sobre o uso do cinacalcete, visando à sua ampliação de uso para o tratamento do HPTS associado à DRC estágio 5D como primeira linha para os pacientes com PTH > 300 pg/mL na presença de hiperfosfatemia e/ou hipercalcemia, ou em substituição ao paricalcitol em pacientes que apresentem os efeitos adversos hipercalcemia e/ou hiperfosfatemia sem melhora após ajuste do banho de diálise, do quelante de fósforo e da redução da dose do paricalcitol ou ainda em associação ao paricalcitol naqueles pacientes que não atingiram os níveis alvo de PTH (< 300 pg/mL), como parte do relatórios recém-publicados e atualizados “Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas dos distúrbios do metabolismo ósseo e mineral da DRC” e “Cinacalcete para o tratamento de pacientes com hiperparatireoidismo secundário à doença renal crônica estágio 5D”77. Brasil, Ministério da Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas, distúrbio mineral e ósseo na Doença Renal Crônica (DMO). Brasília; 2022., 88. Brasil. Relatório de recomendações da CONITEC N 704: cinacalcete para o tratamento de pacientes com hiperparatireoidismo secundário à doença renal crônica estágio 5D [Internet]. Brasília; 2022 [citado em 2021 Jul 5]. Disponível em: https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/relatorios/2022/20220414_relatorio_704_cinacalcete_dmo_drc5d.pdf
https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/...
.

Metodologia

A busca das evidências foi realizada nas bases de dados The Cochrane Library, MedLine (via PubMed), Embase (Elsevier), PubMed Central, Epistemonikos, NICE e Biblioteca Virtual de Saúde. Ao final, a revisão sistemática de Palmer e cols., publicada em 202099. Palmer SC, Mavridis D, Johnson DW, Tonelli M, Ruospo M, Strippoli GFM. Comparative effectiveness of calcimimetic agents for secondary hyperparathyroidism in adults: a systematic review and network meta-analysis. Am J Kidney Dis. 2020;76(3):321–30. doi: http://dx.doi.org/10.1053/j.ajkd.2020.02.439. PubMed PMID: 32475604.
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, foi incluída para a síntese de evidências. Em relação aos desfechos primários, houve diferença estatisticamente significativa entre o grupo que recebeu cinacalcete em comparação com o grupo controle para os níveis de PTH (SMD = –1,78; IC95%: –2,75, –0,82; p < 0,00001), porém não foram observadas diferenças significativas para mortalidade por todas as causas (RR = 0,96; IC95%: 0,62–1,50; p = 0,87) e mortalidade por causa cardiovascular (RR = 0,25; IC95%: 0,03–2,28; p = 0,22). Para os desfechos secundários, houve diferença estatisticamente significativa entre o grupo que recebeu cinacalcete em comparação com o grupo controle para os níveis séricos de cálcio (SMD = –4,90; IC95%: –6,75, –3,04; p < 0,00001), níveis séricos de fósforo (SMD = –1,19; IC95%: –2,01, –0,37; p < 0,00001) e produto Ca x P (SMD = –3,00; IC95%: –5,49, –0,50; p < 0,00001). O uso do cinacalcete também foi estatisticamente significativo na prevenção de paratireoidectomia, quando comparado ao tratamento padrão (RR = 0,21; IC95%: 0,05–0,83; p < 0,03). Não houve diferença significativa entre os grupos para redução na incidência de eventos cardíacos (RR = 1,62; IC95%: 0,61–1,43; p = 0,33) e na prevenção de fraturas (RR = 0,52; IC95%: 0,12–2,27; valor p = 0,39). Em relação aos desfechos de segurança da tecnologia, observou-se risco aumentado para eventos gastrointestinais como náuseas (RR = 2,39; CI: 1,23–4,66; p < 0,01) para o grupo que recebeu cinacalcete. Foi observado também um risco elevado na incidência de hipocalcemia no grupo que recebeu o cinacalcete em comparação com o grupo controle (RR = 8,46; CI: 5,48–13,05; p < 0,00001). Segundo o GRADE, a qualidade da evidência foi classificada como moderada para os desfechos mortalidade, paratireoidectomia e a maioria dos desfechos de segurança. Em geral, os demais foram de baixa qualidade da evidência.

Avaliação Econômica

Com base nos dados da literatura, foi realizada avaliação econômica para estimar a relação de custo-efetividade incremental (RCEI) do cinacalcete comparado ao paricalcitol, para o tratamento de hiperparatireoidismo secundário à doença renal crônica estágio 5D. O desenho do estudo seguiu premissas das Diretrizes Metodológicas de Avaliação Econômica do Ministério da Saúde1010. Ribeiro RA, Neyeloff1 JL, Itria1 A, Santos VCC, Vianna CMM, Silva EM et al. Diretriz metodológica para estudos de avaliação econômica de tecnologias em saúde no Brasil. J Bras Econ Saúde 2016;8(3):174–184.. Com a finalidade de aumentar a transparência do estudo proposto, os principais aspectos dos estudos foram sumarizados conforme o checklist CHEERS Task Force Report1111. Brasil, Ministério da Saúde. Departamento de Logística em Saúde (DLOG) do Ministério da saúde, conforme SIASG, via Banco de Preços em Saúde (BPS). Brasília; 2021. (Quadro 1).

Quadro 1
Características do modelo de análise de custo-efetividade

Estimativa de Recursos e Custos

Para o paricalcitol, utilizando-se a proporção de 1:5 de calcitriol em relação ao paricalcitol, seriam 5 mcg/em dias alternados de paricalcitol (15 mcg por semana divididos em 3 sessões de diálise). Para o cinacalcete foi considerada a dose de 90 mg ao dia (90 cp de 30 mg ao mês). O valor dos medicamentos paricalcitol e cinacalcete considerado para o cálculo dos custos de tratamento foi a média ponderada das compras realizadas nos últimos 18 meses pelo Departamento de Logística em Saúde (DLOG) do Ministério da Saúde, conforme SIASG, via Banco de Preços em Saúde (BPS) (acesso em 18 nov. 2021). Outros custos diretos, como consultas e exames laboratoriais, não foram considerados.

O Quadro 2 apresenta o custo médio mensal e anual dos medicamentos paricalcitol e cinacalcete por paciente.

Quadro 2
Custo médio mensal e anual dos medicamentos paricalcitol e cinacalcete por paciente

Eficácia

As probabilidades de transição entre os estados (hospitalização para realização de paratireoidectima) foram obtidas da literatura (PubMed). A probabilidade de paratireoidectomia foi extraída da RS de Palmer et al.99. Palmer SC, Mavridis D, Johnson DW, Tonelli M, Ruospo M, Strippoli GFM. Comparative effectiveness of calcimimetic agents for secondary hyperparathyroidism in adults: a systematic review and network meta-analysis. Am J Kidney Dis. 2020;76(3):321–30. doi: http://dx.doi.org/10.1053/j.ajkd.2020.02.439. PubMed PMID: 32475604.
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, publicada em 2020, e de dados da SBN, sendo 10% no grupo em uso de paricalcitol e de 2,1% no grupo em uso de cinacalcete (RR 0,31).

Modelo Econômico

O modelo analítico adotado foi a árvore de decisão para a condução da avaliação econômica no software TreeAge Pro 20091212. Briggs A, Sculpher M. An introduction to Markov modelling for economic evaluation. PharmacoEconomics. 1998;13(4):397–409. doi: http://dx.doi.org/10.2165/00019053-199813040-00003. PubMed PMID: 10178664.
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. No modelo foram consideradas duas possibilidades: manutenção em uso do medicamento (diálise) e realização de paratireoidectomia (ptx). O formato da árvore de decisão está apontado abaixo (Figura 1).

Figure 1
Árvore de decisão para a análise de custo-efetividade.

Análise do Impacto Orçamentário

Foi realizada uma análise para estimar o impacto orçamentário da ampliação do uso do cinacalcete, no SUS, para o tratamento do HPTS à DRC em pacientes em diálise.

A análise do impacto orçamentário adotou a perspectiva do Sistema Único de Saúde (SUS), por ser o detentor do orçamento em âmbito federal, conforme recomendado pela Diretriz Metodológica de Análise de Impacto Orçamentário do Ministério da Saúde (MS)1313. Ferre F, Oliveira G, Queiroz M, Gonçalves F. Sala de situação aberta com dados administrativos para gestão de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas de tecnologias providas pelo SUS. In: Anais do 20º Simpósio Brasileiro de Computação Aplicada à Saúde (SBCAS); 2020. Evento Online. Porto Alegre: Sociedade Brasileira de Computação; 2020..

O horizonte temporal adotado foi de cinco anos, segundo as Diretrizes do MS.

Preço Proposto Para Incorporação

Em consulta ao Banco de Preços em Saúde (BPS), foram identificadas as compras mais recentes do cloridrato de cinacalcete, nas apresentações de comprimidos de 30 mg e 60 mg, pelo Departamento de Logística em Saúde do Ministério da Saúde (DLOG/MS) no valor de R$ 1,08 e R$ 2,17, respectivamente, no período de 18/04/2020 a 18/10/2021. No mesmo período também foi identificada compra realizada pelo DLOG do paricalcitol, no valor de R$ 16,50 a unidade. Para o calcitriol, foi utilizado o valor de R$ 1,09 relativo à média ponderada do preço praticado em compras públicas realizadas nos últimos 18 meses, conforme o SIASG, já que não foram identificadas compras realizadas pelo DLOG/MS1313. Ferre F, Oliveira G, Queiroz M, Gonçalves F. Sala de situação aberta com dados administrativos para gestão de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas de tecnologias providas pelo SUS. In: Anais do 20º Simpósio Brasileiro de Computação Aplicada à Saúde (SBCAS); 2020. Evento Online. Porto Alegre: Sociedade Brasileira de Computação; 2020. (Quadro 2).

Custos de Tratamento

Para o calcitriol oral foi considerada a dose de 1 mcg em dias alternados (3 mcg/semana divididos em 3 sessões de diálise) e para o paricalcitol injetável seriam 5 mcg em dias alternados (15 mcg/semana divididos em 3 sessões de diálise), utilizando-se a proporção de 1:5 de calcitriol em relação ao paricalcitol. Para o cinacalcete foi considerada a dose de 90 mg ao dia (90 cp de 30 mg ao mês). Para a estimativa dos custos dos medicamentos, foi utilizado o valor de R$ 16,50 para a unidade de paricalcitol, levando-se em conta a identificação de uma compra realizada pelo DLOG/MS, e para o calcitriol foi utilizada a média ponderada (R$ 1,09) do preço praticado em compras públicas realizadas nos últimos 18 meses, ambos verificados no BPS. Outros custos diretos, como consultas e exames laboratoriais, não foram considerados.

O Quadro 2 apresenta o custo médio mensal e anual dos medicamentos cinacalcete e paricalcitol, por paciente.

População

Foram considerados três cenários: o principal de demanda aferida, baseado nos dados do Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde (DAF); o alternativo de demanda aferida, com base nos dados da Sala Aberta de Inteligência em Saúde (SABEIS)1010. Ribeiro RA, Neyeloff1 JL, Itria1 A, Santos VCC, Vianna CMM, Silva EM et al. Diretriz metodológica para estudos de avaliação econômica de tecnologias em saúde no Brasil. J Bras Econ Saúde 2016;8(3):174–184.; e o alternativo epidemiológico, baseado nos dados da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), conforme mostra o Quadro 3.

Quadro 3
Estimativas de população nos dois cenários considerados

Segundo o cenário principal, dados do DAF mostram que, em 2020, 15.202 pacientes (10,5% da população em diálise) fizeram uso do cinacalcete e 14.138, do paricalcitol (9,8% da população em diálise). Com a ampliação do uso, estima-se que metade dos pacientes que usam análogos da vitamina D teria indicação de cinacalcete por apresentar PTH acima de 500 pg/mL na vigência de hiperfosfatemia ou hipercalcemia ou por não atingir o valor alvo do PTH, entre 150–300 pg/mL com o uso de pelo menos 0,1 ucg/kg/dose de paricalcitol ou de 3 ucg/semana de calcitriol ou ainda por ser transplantado renal com PTH > 120 pg/mL, aumentando de 10,5% para 25,4% dos pacientes em diálise em uso do cinacalcete em 5 anos44. Sociedade Brasileira de Nefrologia. Censos anteriores [Internet]. 2021 [citado em 2021 Jul 5]. Disponível em: http://www.censo-sbn.org.br/censosAnteriores.
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.

Segundo o cenário alternativo de abordagem epidemiológica, considerou-se a população prevalente em diálise de 144.779 pacientes, segundo o Censo em Diálise da SBN, 2020, com crescimento anual da população em diálise de 5%. Desses, em torno de 18% dos pacientes apresentam HPTS moderado (PTH acima de 600 pg/mL), o que totaliza 26.060 pacientes com potencial indicação do uso do cinacalcete, desde que o paciente não apresentasse hipocalcemia. Segundo os dados epidemiológicos da SBN, em torno de 13% dos pacientes estavam em uso de cinacalcete, 4,9% dos pacientes usavam paricalcitol, 4,4% usavam calcitriol intravenoso e 20% estavam em uso de calcitriol oral em 2020. No cenário sem incorporação foram mantidas as proporções de uso de cinacalcete em 13% e calcitriol oral em 20%. Devido à descontinuidade do calcitriol endovenoso consideramos a migração desses pacientes para o paricalcitol resultando numa proporção de uso de 9,3%44. Sociedade Brasileira de Nefrologia. Censos anteriores [Internet]. 2021 [citado em 2021 Jul 5]. Disponível em: http://www.censo-sbn.org.br/censosAnteriores.
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.

Com a ampliação do uso, estima-se que metade dos pacientes que usam análogos da vitamina D teria indicação de cinacalcete por apresentar PTH acima de 500 pg/mL na vigência de hiperfosfatemia ou hipercalcemia ou por não atingir o valor alvo do PTH, entre 150–300 pg/mL com o uso de pelo menos 0,1 ucg/kg/dose de paricalcitol 3 vezes por semana ou ainda por ser transplantado renal com PTH > 120 pg/mL. Portanto, no cenário com ampliação de uso do cinacalcete, considerando um incremento gradual em 5 anos, a população em diálise em uso de cinacalcete aumentaria de 13% para 27,7%.

Resultados

Avaliação de Custo-Efetividade

A análise mostrou que o uso de cinacalcete resulta em uma economia pontual de R$ 1.394,64 ao ano e uma efetividade incremental de 0,08, em relação à paratireoidectomia evitada. A RCEI foi de - R$ 17.653,67 por paratireoidectomia evitada para o cinacalcete, já que se mostrou mais efetivo e mais barato comparado ao paricalcitol. Portanto, cinacalcete foi dominante para evitar paratireoidectomias.

Análise do Impacto Orçamentário

Cenário Principal – Dados DAF (Demanda Aferida)

No cenário principal considerando dados do DAF para uma demanda aferida, estimou-se um impacto orçamentário incremental com a ampliação do uso do cinacalcete de - R$ 1.640.864,62 no primeiro ano, e - R$ 10.740.743,86 ao final de cinco anos (Tabela 1), ou seja, representando economia de recursos para o SUS.

Tabela 1
Impacto orçamentário em 5 anos para o tratamento do hpts à drc na população em diálise com o uso de análogos de vitamina d com a ampliação do uso do cinacalcete (cenário daf e epidemiológico)

Cenário Alternativo - Dados Da SBN (Epidemiológico)

A Tabela 1 mostra o impacto orçamentário do cenário epidemiológico sem a ampliação do uso e com a ampliação do uso de cinacalcete em 1 a 5 anos, sendo que o impacto incremental será de R$ 166.368,50 no primeiro ano, e de - R$ 1.191.339,37 ao final de cinco anos, ou seja, representando economia de recursos para o SUS.

O impacto orçamentário incremental com a ampliação do uso do cinacalcete no SUS estará entre - R$ 1.640.864,62 e R$ 166.368,50 no primeiro ano, considerando o cenário principal, baseado nos dados do DAF, e o cenário epidemiológico, baseado nos dados da SBN. Já ao final de 5 anos após a ampliação do uso, estimou-se um impacto incremental entre - R$ 10.740.743,86 e - R$ 1.191.339,37; considerando os mesmos cenários.

Discussão

Neste estudo, os pacientes com HPTS à DRC estágio 5 foram avaliados com o objetivo de realizar uma análise de custo-efetividade e impacto orçamentário do cinacalcete versus paricalcitol, sob a perspectiva do SUS. Optou-se por não desenvolver modelo de decisão de Markov1212. Briggs A, Sculpher M. An introduction to Markov modelling for economic evaluation. PharmacoEconomics. 1998;13(4):397–409. doi: http://dx.doi.org/10.2165/00019053-199813040-00003. PubMed PMID: 10178664.
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, porque o horizonte temporal escolhido foi de um ano.

A revisão sistemática de Palmer et al.99. Palmer SC, Mavridis D, Johnson DW, Tonelli M, Ruospo M, Strippoli GFM. Comparative effectiveness of calcimimetic agents for secondary hyperparathyroidism in adults: a systematic review and network meta-analysis. Am J Kidney Dis. 2020;76(3):321–30. doi: http://dx.doi.org/10.1053/j.ajkd.2020.02.439. PubMed PMID: 32475604.
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, publicada em 2020 e incluída para a síntese de evidências, mostrou, em relação aos desfechos primários, que houve diferença estatisticamente significativa entre o grupo que recebeu cinacalcete em comparação com o grupo controle para os níveis de PTH, porém não foram observadas diferenças significativas para mortalidade por todas as causas e mortalidade por causa cardiovascular. Para os desfechos secundários, houve diferença estatisticamente significativa entre o grupo que recebeu cinacalcete em comparação com o grupo controle para os níveis séricos de cálcio, níveis séricos de fósforo e produto Ca X P. O uso do cinacalcete também foi estatisticamente significativo na prevenção de paratireoidectomia, quando comparado ao tratamento padrão (RR = 0,21; IC95%: 0,05–0,83; p < 0,03). Não houve diferença significativa entre os grupos para redução na incidência de eventos cardíacos e na prevenção de fraturas. Em relação aos desfechos de segurança da tecnologia, observou-se risco aumentado para eventos gastrointestinais como náuseas e hipocalcemia para o grupo que recebeu cinacalcete. Segundo o GRADE, a qualidade da evidência foi classificada como moderada para os desfechos mortalidade, paratireoidectomia e a maioria dos desfechos de segurança. Em geral, os demais foram de baixa qualidade da evidência.

Embora sem benefícios adicionais quanto à mortalidade dos pacientes em diálise, o cinacalcete possui eficácia superior e segurança semelhante ao comparador paricalcitol, diminuindo o risco de realização de paratireoidectomia nos pacientes em diálise, a qual é uma cirurgia complexa e realizada apenas em determinados serviços de referência. Diante das evidências, para a análise de custo-efetividade, considerou-se o desfecho paratireoidectomia evitada. Como resultado da comparação cinacalcete versus análogos da vitamina D (paricalcitol) na perspectiva do SUS, a análise de custo-efetividade mostrou que o uso de cinacalcete resulta em economia pontual de R$ 1.394,64 ao ano e uma efetividade incremental de 0,08, em relação à paratireoidectomia evitada. A razão de custo-efetividade incremental (RCEI) foi de - R$ 17.653,67 por paratireoidectomia evitada para o cinacalcete, já que se mostrou mais efetivo e mais barato comparado ao paricalcitol.

Quanto à AIO, estimou-se que o impacto orçamentário incremental com a ampliação do uso do cinacalcete no SUS estará entre - R$ 1.640.864,62 e R$ 166.368,50 no primeiro ano, considerando os cenários principal baseado nos dados do DAF e do SABEIS e o cenário epidemiológico baseado nos dados da SBN. Já ao final de 5 anos após a ampliação do uso, estimou-se um impacto incremental entre - R$ 10.740.743,86 e - R$ 1.191.339,37; considerando os mesmos cenários.

A principal limitação do presente estudo diz respeito à estimativa da população-alvo, a qual foi estimada baseando-se em dados de registros da SBN. Embora existam dados epidemiológicos sobre a população em diálise, com HPTS à DRC e com níveis de PTH, cálcio e fósforo acima do alvo, são dados estimados, baseados em registros, os quais podem estar subestimados, considerando que aproximadamente 40% dos centros brasileiros de diálise participaram do Censo de 2020, sendo a maioria deles acadêmicos. Essa hipótese é fortalecida quando comparamos os dados epidemiológicos da SBN com os registros de aquisição do SABEIS, os quais são 40% superiores aos dados relatados pela SBN. Outra limitação apontada é não ter sido possível estimar o impacto econômico do cinacalcete entre os pacientes em diálise peritoneal, separadamente.

Outro ponto a destacar é que a taxa de difusão prevista nos três cenários foi definida por meio de pressupostos relacionados à provável utilização futura do cinacalcete no SUS, sendo ainda muito incerta. Por fim, outra limitação da AIO é o não conhecimento do número de pacientes com contraindicação ao uso do cinacalcete e a não obtenção do número de pacientes em uso de calcitriol pelo DAF ou SABEIS, já que a droga também é dispensada para outros CID.

Conclusão

Os resultados apresentados neste estudo mostram que, na perspectiva do SUS, o tratamento de pacientes com HPTS em diálise com cinacalcete é custo-efetivo, em comparação com o paricalcitol, com um RCEI de R$ - R$ 17.653,67 por paratireoidectomia evitada. Quanto à AIO, estimou-se que o impacto orçamentário incremental com a ampliação do uso do cinacalcete no SUS estará entre - R$ 1.640.864,62 e R$ 12.754.246,38 no primeiro ano, considerando o cenário principal, baseado nos dados do DAF e do SABEIS, e o cenário epidemiológico, baseado nos dados da SBN. Já ao final de 5 anos após a ampliação do uso, estimou-se um impacto incremental entre - R$ 10.740.743,86 e R$ 94.812.141,73; considerando os mesmos cenários. Portanto, cinacalcete foi dominante para evitar paratireoidectomias, sendo custo-efetivo.

Agradecimentos

Agradecemos aos profissionais do Hospital Moinhos de Vento e do Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias e Inovação em Saúde (Ministério da Saúde), que nos assessoraram na realização deste estudo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2023

Histórico

  • Recebido
    21 Ago 2022
  • Aceito
    02 Fev 2023
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