Acessibilidade / Reportar erro

Conhecimento de uma amostragem da população brasileira sobre a função da creatinina sérica

Resumo

Introdução:

A doença renal crônica costuma ser assintomática e seu diagnóstico depende da realização de exames laboratoriais, com destaque para a creatinina sérica e pesquisa de proteinúria.

Objetivo:

Avaliar em uma amostra da população brasileira o conhecimento sobre o papel da creatinina sérica como marcador de função renal.

Método:

Estudo observacional transversal realizado na cidade de São Paulo (SP, Brasil), em que foi entrevistada uma população adulta aleatória.

Resultados:

Foram entrevistados 1138 indivíduos, com idade mediana de 36 anos (27–52); 55,1% do sexo feminino. Com relação ao marcador “creatinina”, 40,6% afirmaram que nunca realizaram tal dosagem. Quando questionados quanto ao conhecimento sobre a utilidade desse exame, somente 19,6% sabiam a sua função. As outras respostas foram “não sei” (71,6%), avaliar o funcionamento do coração (0,9%) e fígado (7,8%). Dos que afirmaram já terem realizado o exame de creatinina, somente 29,4% acertaram a função da creatinina. Ao dividir os grupos em “sabe” e “não sabe” a função da creatinina, percebeu-se diferença estatisticamente significante (p < 0,05) em relação ao grau de escolaridade, sexo feminino, ser aluno/trabalhador da saúde, ter dosado creatinina alguma vez, conhecer alguém com doença renal e maior idade. Na análise multivariada, a principal variável relacionada com conhecer a função da creatinina foi ter realizado o exame anteriormente (OR 5,16; IC 95% 3,16–8,43, p < 0,001).

Conclusão:

Há grande desconhecimento sobre a creatinina e seu uso em check-ups. Os resultados indicam que é necessário maior esforço por parte dos profissionais de saúde para divulgar o papel da creatinina sérica.

Descritores:
Creatinina; Educação em Saúde; Conhecimento; Insuficiência Renal Crônica

Abstract

Introduction:

Chronic kidney disease is usually asymptomatic, and its diagnosis depends on laboratory tests, with emphasis on serum creatinine and proteinuria.

Objective:

To assess knowledge on the role of serum creatinine as a biomarker of kidney function in a sample of the Brazilian population.

Method:

Cross-sectional observational study conducted in São Paulo (SP, Brazil), in which a random adult population was interviewed.

Results:

A total of 1138 subjects were interviewed, with a median age of 36 years old (27–52); 55.1% were female. Regarding the “creatinine” biomarker, 40.6% stated they had never performed such a test. When asked about their knowledge on the usefulness of this exam, only 19.6% knew its function. The other responses were “I don’t know” (71.6%), evaluating heart function (0.9%) and liver function (7.8%). Of those who reported they had already taken a creatinine test, only 29.4% correctly identified the role of creatinine. When dividing the groups into “knows” and “does not know” the function of creatinine, a statistically significant difference (p < 0.05) was observed regarding level of education, female sex, being a healthcare student/worker, having ever measured creatinine, knowing someone with kidney disease and older age. In the multivariate analysis, the main variable related to knowing the creatinine role was having previously taken the test (OR 5.16; 95% CI 3.16–8.43, p < 0.001).

Conclusion:

There is a significant lack of knowledge about creatinine and its use in checkups. The results indicate that greater efforts are needed from healthcare professionals to raise awareness on the role of serum creatinine.

Keywords:
Creatinine; Health Education; Knowledge; Renal Insufficiency, Chronic

Introdução

A doença renal crônica (DRC) é uma condição comum que representa um problema de saúde pública nos dias atuais, o que fica mais evidente quando se sabe que as principais causas de DRC são diabetes mellitus e hipertensão arterial sistêmica, duas doenças de elevada prevalência em todo o mundo. A DRC é entendida como a presença de alterações funcionais e/ou estruturais dos rins por um período igual ou maior do que três meses11. Bastos MG, Bregman R, Kirsztajn GM. Doença renal crônica: frequente e grave, mas também prevenível e tratável. Rev Assoc Med Bras. 2010;56(2):248–53. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-42302010000200028. PubMed PMID: 20499004.
https://doi.org/10.1590/S0104-4230201000...
,22. Charles C, Ferris AH. Chronic kidney disease. Prim Care. 2020;47(4):585–95. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.pop.2020.08.001. PubMed PMID: 33121630.
https://doi.org/10.1016/j.pop.2020.08.00...
.

Em estudo realizado na população geral dos Estados Unidos entre 2013 e 2016, estimou-se uma prevalência de DRC de aproximadamente 15%. Quando estratificados os pacientes conforme a etiologia, a prevalência de DRC no grupo com diabetes mellitus (DM) foi de 36%, e no grupo com hipertensão arterial sistêmica (HAS), de 31%33. Saran R, Robinson B, Abbott KC, Agodoa LYC, Bragg-Gresham J, Balkrishnan R, et al. US Renal Data System 2018 Annual Data Report: epidemiology of kidney disease in the United States. Am J Kidney Dis. 2019;73(3, Suppl Suppl 1):A7–8. doi: http://dx.doi.org/10.1053/j.ajkd.2019.01.001. PubMed PMID: 30798791.
https://doi.org/10.1053/j.ajkd.2019.01.0...
. Em uma revisão sistemática de 2017, estimou-se que a prevalência de DRC no Brasil era da ordem de 3 a 6 milhões44. Marinho AWGB, Penha AP, Silva MT, Galvão TF. Prevalência de doença renal crônica em adultos no Brasil: revisão sistemática da literatura. Cad Saude Colet. 2017;25(3):379–88. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1414-462x201700030134.
https://doi.org/10.1590/1414-462x2017000...
. Já o censo de diálise do ano de 2021 da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) informou que, em julho do mesmo ano, o número total estimado de pacientes em diálise era de 148.363. Além disso, as estimativas das taxas de prevalência e incidência de pacientes em tratamento dialítico por milhão da população foram de 696 e 224, respectivamente55. Nerbass FB, Lima HDN, Thomé FS, Vieira Neto OM, Lugon JR, Sesso R. Brazilian Dialysis Survey 2020. J Bras Nefrol. 2022;44(3):349–57. doi: http://dx.doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-2021-0198. PubMed PMID: 35212702.
https://doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-20...
.

Por se tratar de doença em geral assintomática ou pouco sintomática, a melhor forma de prevenção da DRC é o diagnóstico precoce através da realização de exames laboratoriais, entre os quais a dosagem de creatinina sérica, que é um exame de grande valor para avaliar a função renal, com as vantagens de ser simples e amplamente disponível66. Kirsztajn GM. Avaliação de função renal. J Bras Nefrol. 2009;31:14–20..

Uma das abordagens importantes das campanhas de prevenção de DRC conduzidas no Brasil e no mundo é aumentar o conhecimento da população em geral sobre a doença e como fazer o diagnóstico precoce77. Mastroianni-Kirsztajn G, Bastos MG, Burdmann EA. Strategies of the Brazilian chronic kidney disease prevention campaign (2003–2009). Nephron Clin Pract. 2011;117(3):c259–65. doi: http://dx.doi.org/10.1159/000320741. PubMed PMID: 20861650.
https://doi.org/10.1159/000320741...
. Assim, ter uma ideia do quanto a população conhece esse marcador laboratorial, a creatinina sérica, que é fundamental para o diagnóstico da DRC na prática clínica, é importante para verificar se as abordagens utilizadas até o momento tiveram um resultado satisfatório, assim como para o planejamento de como comunicar essa e outras informações de prevenção para as pessoas.

Visto que a educação em saúde para a população em geral está associada aos níveis de qualidade de vida e prevenção, o objetivo deste estudo foi avaliar em uma amostragem da população brasileira o conhecimento sobre o papel da creatinina sérica como marcador de função renal.

Métodos

Foi realizado um estudo observacional transversal na cidade de São Paulo (SP, Brasil), em 2023, que avaliou uma amostragem da população em relação ao seu conhecimento sobre o papel da creatinina sérica como marcador de função renal. Utilizou-se o software Open Epi88. Dean AG, Sullivan KM, Soe MM. OpenEpi: Open Source Epidemiologic Statistics for Public Health [Internet]. 2013 [citado em 2013 nov 30]. Disponível em: www.OpenEpi.com.
www.OpenEpi.com...
para cálculo do tamanho da amostra, que foi de 1068 pessoas, utilizando nível de confiança de 95%, margem de erro de 3% e proporção da população de 50%, visto que não há dados anteriores disponíveis sobre a frequência do conhecimento na população.

Os dados foram coletados por entrevistas individuais após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelos participantes. Os participantes foram convidados para as entrevistas aleatoriamente, em via pública, e os critérios de inclusão foram: ter nacionalidade brasileira e idade igual ou superior a 18 anos.

Todas as coletas de dados foram realizadas em uma mesma avenida de grande movimento na cidade de São Paulo, a Avenida Paulista, ao longo de toda a sua extensão. Essa avenida situa-se em bairro central, com componentes comercial/empresarial, residencial (em menor proporção) e também turístico, frequentado por diferentes classes sociais e faixas etárias.

Devido à ausência de questionário validado para o nosso objetivo, foi criado um formulário com as informações consideradas relevantes pelos autores. Foram contemplados os seguintes aspectos: idade, sexo, grau de escolaridade, ser ou não profissional ou aluno da área de saúde, ter ou não realizado check-ups médicos previamente e com que frequência, realização prévia de exames para dosagens séricas de colesterol, glicose e creatinina, se conheciam a finalidade do exame de creatinina, se o participante tinha ou não diagnóstico de diabetes e/ou hipertensão arterial sistêmica (HAS), e se conhecia pessoas com doença renal.

Após a entrevista, os participantes receberam informações sobre o papel da creatinina sérica na avaliação da função renal e, principalmente, como instrumento diagnóstico de DRC.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa, com o parecer 5.721.239.

Análise Estatística

Utilizou-se o programa IBM SPSS 25.0 para tabulação e análise dos resultados e o programa GraphPad Prism 8.0 para criar figuras. Para variáveis contínuas, os dados foram descritos como mediana e 1° e 3° intervalo interquartil, enquanto as variáveis categóricas foram apresentadas como frequências e porcentagens. Os testes estatísticos para comparação de variáveis categóricas utilizados foram qui-quadrado e o Teste U de Mann-Whitney para 2 amostras independentes com variáveis contínuas não normais. A análise multivariada por meio da regressão logística binária foi realizada para avaliar a influência das variáveis potencialmente relacionadas com a taxa de acerto da creatinina, após a análise de colinearidade das variáveis selecionadas. Foram calculados odds ratio (OR) e intervalo de confiança de 95% (IC 95%). Assumiu-se diferença estatisticamente significante quando p < 0,05 bicaudal.

Resultados

Foram entrevistadas 1138 pessoas em 5 dias diferentes. Foram analisados os dados gerais e comparados dois grupos (acertou a função da creatinina vs. errou a função da creatinina) (Figura 1). Os dados demográficos e as informações obtidas através das entrevistas estão sumarizados na Tabela 1. A mediana da idade dos participantes foi de 36 anos (27–52) e predominou o sexo feminino (55,1%). Uma pequena proporção relatou ter HAS e diabetes, 11,9% e 5,5%, respectivamente. Ao dividir a escolaridade em 4 grupos (em cada grupo admitiu-se tanto nível completo quanto incompleto da respectiva escolaridade), foi verificado que a maioria dos participantes possuía ensino superior (48,6%). A prevalência de alunos e trabalhadores da saúde foi, respectivamente, de 5,9% e 14,0%. Aproximadamente 75% dos participantes relataram realizar check-up, predominando a frequência anual (45,2%). Foi relatado que as dosagens de colesterol, glicemia e creatinina sérica tinham sido realizadas em algum momento por 81,5%, 83,5% e 59,4% dos entrevistados. Dentre os que relataram ter realizado o exame de creatinina sérica, 90% responderam que o exame teve resultado normal. Com relação a conhecer pessoas com doença renal, 47,8% dos participantes relataram conhecer alguém, sejam eles mesmos (12,7%), sejam familiares (52,5%) ou outros (34,8%). Do total de participantes, 223 (19,6%) responderam corretamente sobre a função da creatinina entre as quatro opções oferecidas, enquanto 817 (71,6%) responderam “não saber”, os demais optaram pelas respostas “avaliar função do fígado” (89; 7,9%) e “avaliar função do coração” (10; 0,9%) (Figura 2).

Figura 1.
Fluxograma de realização do estudo, incluindo o número de participantes por dia de entrevista, número total de participantes e de entrevistados que conheciam (+) ou não (–) a função da creatinina sérica.
Tabela 1
Dados demográficos e informações colhidas através das entrevistas
Figura 2.
Respostas (4 opções oferecidas) à pergunta: “A creatinina sérica é utilizada para a avaliação da função de que órgão?”

Ao comparar os dois grupos (acertou vs. errou), o grupo que “acertou” era mais velho, constituído por mais participantes do sexo feminino e com maior nível de escolaridade, havia realizado mais check-ups, dosagem de colesterol, glicose e creatinina sérica, conhecia mais frequentemente alguém com doença renal crônica, tinha maior prevalência de HAS e era aluno/trabalhador da saúde. No grupo de trabalhadores da saúde, a classe médica acertou a resposta em 91,4% dos casos. Entre aqueles que relataram ter realizado o exame de creatinina sérica previamente, 29,4% acertaram a função desse exame laboratorial.

Ao realizar a análise multivariada, as principais variáveis potencialmente relacionadas (Figura 3) – ter maior idade, maior nível de escolaridade (pós-graduação), ser aluno/trabalhador da saúde, ter realizado dosagem de creatinina previamente e conhecer alguém com doença renal – foram associadas positivamente com responder corretamente sobre a função do marcador “creatinina”.

Figura 3.
Gráfico de floresta que relaciona diferentes variáveis com o conhecimento sobre a função da creatinina por regressão logística multivariada.

Abreviações: E. Médio = Ensino médio; E. Superior = Ensino superior; Trab. Saúde = Trabalhador da saúde; Dosagem Creat = Dosagem prévia de creatinina sérica; Conhece DR = Conhece alguém com doença renal.


Discussão

Considera-se que uma das formas de fazer a prevenção de DRC é a educação da população, dos profissionais de saúde e dos governantes sobre essa doença, que já se constitui há décadas um problema de saúde pública77. Mastroianni-Kirsztajn G, Bastos MG, Burdmann EA. Strategies of the Brazilian chronic kidney disease prevention campaign (2003–2009). Nephron Clin Pract. 2011;117(3):c259–65. doi: http://dx.doi.org/10.1159/000320741. PubMed PMID: 20861650.
https://doi.org/10.1159/000320741...
. Sabidamente, a dificuldade para informar a população é grande, por isso procuramos identificar o quanto a população geral, entrevistada sem seleção prévia em via pública numa cidade brasileira, tem conhecimento sobre a creatinina sérica. Escolhemos esse marcador laboratorial por sua relevância na avaliação de função renal e aplicabilidade universal como instrumento diagnóstico de DRC.

Destacamos que, de acordo com dados da PNS99. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2019 [Internet]. 2019 [citado em 2013 nov 30]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/saude/9160-pesquisa-nacional-de-saude.html?=&t=o-que-e.
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/soc...
(Pesquisa Nacional de Saúde), as doenças crônicas tiveram um aumento generalizado de 2013 a 2019. Nesse período em que a PNS foi realizada, a porcentagem da população que referiu ter pelo menos alguma doença crônica passou de 45% para 50,8% (12,8% de aumento). Dentre as doenças crônicas não transmissíveis estudadas, a que teve maior aumento foi o diabetes mellitus (DM), que passou de 6,2% da população em 2013 para 7,7% em 2019 (24% de aumento). Outra doença de destaque na análise dos dados da PNS foi a HAS, com um aumento de 12% (21,4% em 2013 e 23,9% em 2019). A DRC também foi alvo de estudo. Seu aumento, em âmbito nacional, foi de 7%. Vale ressaltar que o aumento de DM e HAS também se associa ao maior risco populacional de desenvolvimento de DRC.

No presente estudo, a amostragem da população que foi entrevistada era adulta, com mediana de idade de 36 anos e discreto predomínio do sexo feminino, o que é condizente com a distribuição atual da população total brasileira. Vale destacar que, no censo divulgado em 2022, 48,9% dos brasileiros eram homens e 51,1% eram mulheres. Entre as pessoas com até 24 anos de idade, os homens são a maioria. No grupo de 25 a 29 anos, a proporção de homens e mulheres é similar. A partir dos 30 anos, as mulheres são mais numerosas, e essa foi a faixa de idade predominante no presente estudo. Acima dos 60 anos essa diferença cresce ainda mais1010. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua [Internet]. 2022 [citado em 2013 nov 30]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9171-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-mensal.html
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/soc...
.

No que se refere à escolaridade, observamos entre os nossos entrevistados o predomínio de indivíduos com alto nível de escolaridade, o que está em consonância com a constatação recente de um aumento no nível médio de escolaridade no país de 2016 a 2022, de acordo com a pesquisa contínua por amostras de domicílio do IBGE1010. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua [Internet]. 2022 [citado em 2013 nov 30]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9171-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-mensal.html
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/soc...
. Quando avaliada a escolaridade conforme a distribuição por idade da população brasileira, 53,2% das pessoas com 25 anos ou mais tinham educação básica obrigatória, ou seja, concluíram pelo menos o ensino médio. Além disso, 19,2% dos indivíduos nessa faixa etária tinham nível superior completo1010. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua [Internet]. 2022 [citado em 2013 nov 30]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9171-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-mensal.html
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/soc...
.

Sabidamente a educação é um dos fatores importantes associados ao letramento em saúde, ao lado de renda e origem socioeconômica. Relembramos que o letramento em saúde refere-se às competências cognitivas e sociais, que estabelecem a motivação e a capacidade de um indivíduo de compreender e utilizar informações de forma a promover a boa saúde, prevenir doenças e melhorar a qualidade de vida1111. Albuquerque ACRMM, Pinto GN, Pereira GA, Silva LF, Fontenele TAS, Oliveira JGR, et al. Conhecimento da população sobre a doença renal crônica, seus fatores de risco e meios de prevenção: um estudo de base populacional em Fortaleza, Ceará, Brasil. Braz. J. Nephrol. 2022;45(2):144–51..

Observou-se, em estudos prévios que avaliaram conhecimento sobre doenças crônicas, como DRC1111. Albuquerque ACRMM, Pinto GN, Pereira GA, Silva LF, Fontenele TAS, Oliveira JGR, et al. Conhecimento da população sobre a doença renal crônica, seus fatores de risco e meios de prevenção: um estudo de base populacional em Fortaleza, Ceará, Brasil. Braz. J. Nephrol. 2022;45(2):144–51., DM1212. Rodrigues FFL, Santos MA, Teixeira CRS, Gonela JT, Zanetti ML. Relação entre conhecimento, atitude, escolaridade e tempo de doença em indivíduos com diabetes mellitus. Acta Paul Enferm. 2012;25(2):284–90. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-21002012000200020.
https://doi.org/10.1590/S0103-2100201200...
e HAS1313. Motter FR, Olinto MTA, Paniz VMV. Avaliação do conhecimento sobre níveis tensionais e cronicidade da hipertensão: estudo com usuários de uma Farmácia Básica no Sul do Brasil. Cad Saude Publica. 2015;31(2):395–404. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00061914. PubMed PMID: 25760172.
https://doi.org/10.1590/0102-311X0006191...
, entre outras doenças, que o baixo nível de escolaridade está relacionado, em geral, com o menor entendimento das doenças, de fatores de prevenção e tratamento, e menor letramento em saúde.

Em estudo brasileiro, realizado anteriormente, envolvendo aplicação de questionário à população geral sobre conhecimento de DRC e creatinina sérica, um maior nível de escolaridade esteve relacionado a um melhor conhecimento. Os participantes com nível superior tiveram mais acertos e indivíduos analfabetos ou com ensino fundamental apresentaram menos acertos. Nesse mesmo estudo, os adultos mais jovens mostraram mais acertos em perguntas referentes a fatores de risco e formas de prevenção da DRC1111. Albuquerque ACRMM, Pinto GN, Pereira GA, Silva LF, Fontenele TAS, Oliveira JGR, et al. Conhecimento da população sobre a doença renal crônica, seus fatores de risco e meios de prevenção: um estudo de base populacional em Fortaleza, Ceará, Brasil. Braz. J. Nephrol. 2022;45(2):144–51.. Em outro estudo, dessa vez envolvendo pacientes com doenças renais, a baixa escolaridade e maior idade foram fatores preditivos de menor letramento funcional em saúde1414. Moraes KL, Brasil VV, de Oliveira GF, Cordeiro JABL, Silva AMTC, Boaventura RP, et al. Letramento funcional em saúde e conhecimento de doentes renais em tratamento pré-dialítico. Rev Bras Enferm. 2017;70(1):155–62. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2015-0169. PubMed PMID: 28226055.
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2015-0...
.

Um dos tópicos abordados em nosso questionário foi a realização de check-ups, que têm diversas denominações em nosso meio, tais como: exames gerais de saúde, exames médicos gerais, exames periódicos de saúde, visitas de bem-estar e outras. Esses são frequentemente utilizados para diagnóstico e prevenção de doenças e são comumente realizados na atenção primária, sendo associados com o aumento da identificação e tratamento de doenças crônicas1515. Liss DT, Uchida T, Wilkes CL, Radakrishnan A, Linder JA. General health checks in adult primary care: a review. JAMA. 2021;325(22):2294–306. doi: http://dx.doi.org/10.1001/jama.2021.6524. PubMed PMID: 34100866.
https://doi.org/10.1001/jama.2021.6524...
.

No presente estudo, procuramos identificar a frequência com que os participantes faziam check-ups, constatando alta frequência de realização prévia de exames de glicemia e colesterol sérico quando os entrevistados faziam seus check-ups, que corresponderam a 83,7% e 81,5%, respectivamente. No Brasil, como um todo, os dados disponíveis indicam que percentuais da população um pouco menores que esses costumam fazer check-ups. De acordo com o censo do IBGE, em 2021, cerca de 33% da população brasileira não realizavam exames de check-up anualmente e, em 2018, segundo estudo do Ministério da Saúde, um em cada três brasileiros não realizava consultas médicas regularmente.

Já a creatinina sérica foi citada como exame que integrava os check-ups em menos de 60% dos casos. No que se refere aos exames de glicemia e colesterol, não encontramos publicação anterior similar, mas os nossos resultados são ao menos proporcionais a dados provenientes da PNS99. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2019 [Internet]. 2019 [citado em 2013 nov 30]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/saude/9160-pesquisa-nacional-de-saude.html?=&t=o-que-e.
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/soc...
, divulgada em 2019, segundo a qual a porcentagem de indivíduos brasileiros com idade de 18 anos ou mais que nunca realizaram dosagem de glicemia e de colesterol sérico foi de aproximadamente 6,2% (5,9–6,6%) e 7,5% (7,2–7,9%), respectivamente.

Os autores reconhecem as limitações do presente estudo, especialmente a potencial não representatividade da amostra, embora tenha-se incluído um número amostral adequado, destacando-se que a realização da entrevista se deu em apenas uma cidade do país. Tais limitações podem influenciar os resultados e sua generalização, uma vez que esta amostra da população não representa inteiramente a composição da população brasileira, inclusive no que se refere ao nível educacional. Uma proporção maior de pessoas com nível elevado de escolaridade poderia contribuir para uma superestimativa da verdadeira porcentagem da população que conhece a função da creatinina sérica.

Mesmo assim, nossos resultados indicam que o nível de conhecimento da população sobre o tema ainda é baixo. Essa informação certamente pode ser levada em consideração no planejamento de ações preventivas por parte de profissionais de saúde envolvidos nos cuidados aos pacientes com DRC e pelos responsáveis pela elaboração de políticas de saúde, em especial na realização de campanhas de prevenção, cujos resultados são muito difíceis de dimensionar.

Neste ponto, vale relembrar algumas das estratégias para aumentar o conhecimento da população sobre DRC e sua prevenção, incluindo a descrição dos marcadores laboratoriais básicos para diagnóstico precoce, como creatinina sérica e exame de urina (sobretudo a pesquisa de proteinúria), como discutido por Mastroianni-Kirsztajn et al.77. Mastroianni-Kirsztajn G, Bastos MG, Burdmann EA. Strategies of the Brazilian chronic kidney disease prevention campaign (2003–2009). Nephron Clin Pract. 2011;117(3):c259–65. doi: http://dx.doi.org/10.1159/000320741. PubMed PMID: 20861650.
https://doi.org/10.1159/000320741...
Entre elas, podemos citar a produção e distribuição de material educacional adaptado para cada localidade (folhetos, livretos, pôsteres, outros) e em linguagem simples e ilustrado, com vistas a atingir pessoas de todos os níveis de escolaridade. Tem-se adotado a realização de campanhas para aumentar a visibilidade dessas questões, em particular a comemoração do Dia Mundial do Rim, com uma grande diversidade de eventos, entrevistas em diferentes mídias, iluminação de monumentos, festas, mutirões de atendimento e rastreamento de DRC, divulgação em outdoors, entre outros recursos.

Em síntese, na avaliação de uma amostragem aleatória da população brasileira, abordada em via pública na cidade de São Paulo, observamos um percentual de 75% de realização de check-ups, pelo menos com frequência anual, o que está de acordo com os dados publicados pelo IBGE. Nos exames realizados pelos entrevistados, a frequência com que se fez a dosagem da creatinina foi inferior à de outros exames laboratoriais, como glicemia e colesterol, muito importantes na triagem de doenças crônicas não transmissíveis; no caso da creatinina, na ordem de 60%. O que realmente chamou a nossa atenção foi o baixo conhecimento (20% de acertos ao responder) sobre o papel funcional da creatinina sérica, mesmo sendo oferecidas poucas opções de resposta. Acreditamos que aumentar o conhecimento sobre o papel desse marcador poderá contribuir para a sua inclusão com maior frequência em check-ups e em exames realizados por diferentes especialistas, como uma demanda do próprio indivíduo, que passou a conhecer a importância desse exame no diagnóstico precoce de DRC. Salientamos ainda que, para tornar possível e consistente a educação da população, é preciso que profissionais e serviços de saúde, inclusive os que não são especializados em Nefrologia, estejam também cientes e preparados para dar continuidade ao processo de educação e de diagnóstico de DRC. Para nós, ficou clara a importância de divulgar a necessidade de dosar a creatinina sérica como forma de diagnóstico precoce de DRC, em qualquer check-up, em particular quando estão sendo avaliados pacientes que integram grupos de risco para desenvolvimento de DRC.

Por fim, reiteramos que, no presente estudo, após a aplicação dos questionários, os entrevistados receberam informações sobre a função da creatinina sérica no diagnóstico e na prevenção de DRC.

Agradecimentos

Agradecemos ao Instituto de Pesquisa do HCOR, por auxiliar na análise estatística dos dados.

REFERENCES

  • 1.
    Bastos MG, Bregman R, Kirsztajn GM. Doença renal crônica: frequente e grave, mas também prevenível e tratável. Rev Assoc Med Bras. 2010;56(2):248–53. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-42302010000200028. PubMed PMID: 20499004.
    » https://doi.org/10.1590/S0104-42302010000200028
  • 2.
    Charles C, Ferris AH. Chronic kidney disease. Prim Care. 2020;47(4):585–95. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.pop.2020.08.001. PubMed PMID: 33121630.
    » https://doi.org/10.1016/j.pop.2020.08.001
  • 3.
    Saran R, Robinson B, Abbott KC, Agodoa LYC, Bragg-Gresham J, Balkrishnan R, et al. US Renal Data System 2018 Annual Data Report: epidemiology of kidney disease in the United States. Am J Kidney Dis. 2019;73(3, Suppl Suppl 1):A7–8. doi: http://dx.doi.org/10.1053/j.ajkd.2019.01.001. PubMed PMID: 30798791.
    » https://doi.org/10.1053/j.ajkd.2019.01.001
  • 4.
    Marinho AWGB, Penha AP, Silva MT, Galvão TF. Prevalência de doença renal crônica em adultos no Brasil: revisão sistemática da literatura. Cad Saude Colet. 2017;25(3):379–88. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1414-462x201700030134.
    » https://doi.org/10.1590/1414-462x201700030134
  • 5.
    Nerbass FB, Lima HDN, Thomé FS, Vieira Neto OM, Lugon JR, Sesso R. Brazilian Dialysis Survey 2020. J Bras Nefrol. 2022;44(3):349–57. doi: http://dx.doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-2021-0198. PubMed PMID: 35212702.
    » https://doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-2021-0198
  • 6.
    Kirsztajn GM. Avaliação de função renal. J Bras Nefrol. 2009;31:14–20.
  • 7.
    Mastroianni-Kirsztajn G, Bastos MG, Burdmann EA. Strategies of the Brazilian chronic kidney disease prevention campaign (2003–2009). Nephron Clin Pract. 2011;117(3):c259–65. doi: http://dx.doi.org/10.1159/000320741. PubMed PMID: 20861650.
    » https://doi.org/10.1159/000320741
  • 8.
    Dean AG, Sullivan KM, Soe MM. OpenEpi: Open Source Epidemiologic Statistics for Public Health [Internet]. 2013 [citado em 2013 nov 30]. Disponível em: www.OpenEpi.com
    » www.OpenEpi.com
  • 9.
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2019 [Internet]. 2019 [citado em 2013 nov 30]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/saude/9160-pesquisa-nacional-de-saude.html?=&t=o-que-e
    » https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/saude/9160-pesquisa-nacional-de-saude.html?=&t=o-que-e
  • 10.
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua [Internet]. 2022 [citado em 2013 nov 30]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9171-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-mensal.html
    » https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9171-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-mensal.html
  • 11.
    Albuquerque ACRMM, Pinto GN, Pereira GA, Silva LF, Fontenele TAS, Oliveira JGR, et al. Conhecimento da população sobre a doença renal crônica, seus fatores de risco e meios de prevenção: um estudo de base populacional em Fortaleza, Ceará, Brasil. Braz. J. Nephrol. 2022;45(2):144–51.
  • 12.
    Rodrigues FFL, Santos MA, Teixeira CRS, Gonela JT, Zanetti ML. Relação entre conhecimento, atitude, escolaridade e tempo de doença em indivíduos com diabetes mellitus. Acta Paul Enferm. 2012;25(2):284–90. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-21002012000200020.
    » https://doi.org/10.1590/S0103-21002012000200020
  • 13.
    Motter FR, Olinto MTA, Paniz VMV. Avaliação do conhecimento sobre níveis tensionais e cronicidade da hipertensão: estudo com usuários de uma Farmácia Básica no Sul do Brasil. Cad Saude Publica. 2015;31(2):395–404. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00061914. PubMed PMID: 25760172.
    » https://doi.org/10.1590/0102-311X00061914
  • 14.
    Moraes KL, Brasil VV, de Oliveira GF, Cordeiro JABL, Silva AMTC, Boaventura RP, et al. Letramento funcional em saúde e conhecimento de doentes renais em tratamento pré-dialítico. Rev Bras Enferm. 2017;70(1):155–62. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2015-0169. PubMed PMID: 28226055.
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167-2015-0169
  • 15.
    Liss DT, Uchida T, Wilkes CL, Radakrishnan A, Linder JA. General health checks in adult primary care: a review. JAMA. 2021;325(22):2294–306. doi: http://dx.doi.org/10.1001/jama.2021.6524. PubMed PMID: 34100866.
    » https://doi.org/10.1001/jama.2021.6524

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2024

Histórico

  • Recebido
    03 Ago 2023
  • Aceito
    26 Nov 2023
Sociedade Brasileira de Nefrologia Rua Machado Bittencourt, 205 - 5ºandar - conj. 53 - Vila Clementino - CEP:04044-000 - São Paulo SP, Telefones: (11) 5579-1242/5579-6937, Fax (11) 5573-6000 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: bjnephrology@gmail.com