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A retomada da inflação no Brasil: 1974-1986

The resumption of inflation in Brazil: 1974-1986

RESUMO

De 1974-1985 a taxa de inflação brasileira apresentou uma tendência de crescimento em oposição à tendência de queda observada no período 1964-1973. As causas deste ressurgimento da inflação, o seu impacto e as políticas utilizadas para o seu controlo são analisadas neste trabalho, utilizando duas abordagens que resultam de duas correntes de pensamento diferentes: a “tradição ortodoxa clássica” que vê a inflação como sendo causada por aumentos na oferta monetária; e a “escola neoestruturalista para a qual a inflação é considerada basicamente o resultado do poder monopolista das corporações, sindicatos e Estado, culminando nos conceitos de inflação inercial. O fracasso da escola ortodoxa tanto em seu diagnóstico quanto em seu controle inflacionário políticas levaram o autor a concluir, por meio de uma análise da estrutura institucional do Brasil e da conduta de seus componentes, que a explicação neo-estruturalista se aproxima da raiz do problema, defendendo a necessidade de se adotar políticas “heterodoxas”. apresenta também uma avaliação preliminar do “Plano Cruzado” - programa de estabilização econômica - inspirado nas ideias neoestruturalistas, que foi implantado no Brasil em 28 de fevereiro de 1986.

PALAVRAS-CHAVE:
Inflação; estabilização; Plano Cruzado

ABSTRACT

From 1974-1985 the Brazilian inflation rate showed a tendency to grow as opposed to the declining tendency observed in the 1964-1973 period. The causes of this resurgence of inflation, its impact, and the policies used to control it are analysed in this work, using two approaches which result from two different schools of thought: the “classical orthodox tradition” which sees inflation as being caused by excessive increases in the money supply; and the “neo-structuralist school for which inflation is considered basically the result from the monopoly power of corporations, trade unions, and the state, culminating in the concepts of inertial inflation. The failure of orthodox school in both its diagnosis and its inflationary control policies led to author to conclude, through an analysis of the institutional structure of Brazil, and the conduct of its components that the neo-structuralist explanation come closer to the root of the problem, advocating the need to adopt “heterodox” policies. The author also presents a preliminary evaluation of the “Cruzado Plan” - the program of economic stabilization - inspired by neo-structuralist ideas, which was implemented in Brazil on February 28, 1986.

KEYWORDS:
Inflation; stabilization; Cruzado plan

Um dos principais objetivos econômicos do regime brasileiro que se instalou no poder em 1964 foi a eliminação da inflação e suas distorções. Até 1973 vários governos militares tiveram êxito relativo, com a inflação sendo reduzida de 92% em 1964 (tendo chegado a uma taxa anual de mais de 100% em abril de 1964) a 15,5% em 1973. De 1968 em diante, a inflação em descenso foi acompanhada de um crescimento econômico espetacular. Estes sucessos foram resultado de uma mistura de medidas-padrão de estabilização fiscal e monetária: uma política salarial de contenção; uma revisão dos preços controlados, que antes tinham caído em termos relativos; a adoção de um sistema estável de taxa de câmbio; e a introdução de indexação dos instrumentos financeiros, cujo propósito era capacitar o governo a levantar fundos de maneira não inflacionária, de estimular a poupança e de evitar várias distorções que impulsos inflacionários, embora em queda, poderiam produzir.1 1 Werner Baer, The Brazilian Economy: Growth and Development, segunda edição (Nova Iorque, Praeger, 1983), cap. 5.

Desde 1973 houve uma reversão na tendência descendente da inflação. Como se pode ver na Tabela 1, a taxa mais que dobrou de 1973 para 1974, permaneceu na faixa dos 30 a 46% nos quatro anos seguintes, quase dobrou novamente em 1978-1979, e passou a marca dos 100% em 1980, chegando a 211 e 224% em 1983 e 1984, respectivamente. Deve-se assinalar também que até 1980 a taxa de crescimento real no Brasil era elevada (embora não tão espetacular como nos anos do “milagre” de 1968-1973); de 1981 a 1983, com a inflação continuando em níveis elevados, a economia estagnou, enquanto em 1984, com o mais elevado nível histórico de inflação, o crescimento econômico registrava uma pequena retomada.

TABELA 1
BRASIL: TAXAS REAIS DE CRESCIMENTO E TAXAS DE INFLAÇÃO (1968-1985)

O que explica uma reversão tão surpreendente no desempenho dos preços da economia dentro do mesmo quadro político comandado pelos militares, que durou até 1985? Em que medida isso se deve a alterações na combinação de alvos políticos nos últimos governos do período militar? Em que medida se deve à mudança no quadro econômico internacional enfrentado pelo Brasil? E em que medida se deve a mudanças institucionais dentro do Brasil?

Assim como a inflação se acelerou na década de 70, o mesmo acontecia com o debate acerca de suas origens, de seu impacto e da maneira de controlá-la. Não é surpresa que a literatura interpretativa sobre a inflação dos 70 e 80 possa ser amplamente classificada dentro dos dois campos tradicionais tornados famosos no debate sobre inflação dos 50 e 60: os monetaristas versus estruturalistas.2 2 Werner Baer, “The lnflation Controversy in Latin America”, Latin American Research Review É claro que muitos dos argumentos específicos e motivações teóricas modificaram-se desde aqueles dias, mas uma boa dose de continuidade pode·ser encontrada na abordagem intelectual de cada escola de pensamento ao interpretar o fenômeno da inflação.

Começarei esta revisão resumindo em primeiro lugar as duas interpretações que se manifestaram na análise da recente experiência inflacionária. Isto será seguido de uma revisão da evidência empírica que pode fornecer a base para aceitar ou rejeitar as novas teorias.

A NATUREZA DA INFLAÇÃO NO BRASIL: DUAS VISÕES

Uma das duas diferentes escolas de pensamento acerca do ressurgimento da inflação nas décadas de 1970 e 1980 compunha-se de economistas (tanto brasileiros como estrangeiros, especialmente os vinculados com o FMI) que seguem uma tradição ortodoxa clássica. Do outro lado encontram-se os que podem ser chamados de “neo-estruturalistas”, que seguem em espírito e abordagem, embora com novas características institucionais e teóricas, a velha escola estruturalista. Ambas as partes usam a mesma evidência empírica. Vejamos rapidamente cada escola de pensamento.

A tradição ortodoxa

A sede institucional desta abordagem pode ser encontrada na publicação Conjuntura Econômica, da Fundação Getúlio Vargas. Embora seja uma fonte de primeira classe em informação empírica sobre a economia brasileira, seus editoriais sobre inflação no Brasil têm um claro viés ortodoxo. Por exemplo, ao rever o desempenho econômico do Brasil em 1984, a revista põe a culpa da alta taxa de inflação no ‘’ ... excesso de liquidez, causado pela falta de controle do orçamento público e pela acumulação de reservas cambiais ... “ e “ ... sem a prodigalidade monetária, a economia teria crescido um pouco menos, mas sua base para um crescimento contínuo - crescimento de produtividade e reversão da inflação - teria assegurado um futuro mais certo para 1985 e depois”.3 3 Conjuntura Económica, março de 1985, p. 13.

Entre os mais conhecidos economistas brasileiros associados com esta escola estão Lemgruber e Contador. As investigações empíricas de Lemgruber levaram-no a concluir que ‘’ ... devem-se evitar políticas de avanços e recuos e ao mesmo tempo deve-se visar a uma taxa baixa e constante de crescimento monetário, a fim de deter a inflação”.4 4 Antonio Carlos Lemgruber, “Real Output - Inflation trade-offs, monetary growth and rational expectations in Brazil - 1950/79”, in Brazilian Economic Studies, n. 8, 1984, Rio de Janeiro, IPEA/INPES, 1984, p. 70.

Contador também fez significativas contribuições a esta escola de pensamento. Seus estudos na metade da década de 1970 levaram-no a concluir que há uma significativa interação entre inflação e capacidade ociosa na economia (isto é, a relação da curva de Phillips). Se os ajustes de expectativas fossem muito rápidos, a curva de Phillips seria próxima da vertical. Mas, como Contador acredita que os ajustes de expectativas são lentos, “ ... uma inflação induzida deliberadamente pode ser uma política atraente para reduzir o desemprego e aumentar a taxa de crescimento a curto prazo. Mas a busca persistente de menos desemprego apenas será eficaz se a taxa de inflação subir continuamente e/ou se o governo tiver êxito em reduzir ininterruptamente as expectativas inflacionárias”.5 5 Claudio R. Contador, “Crescimento Econômico e o Combate à Inflação’, Revista Brasileira de Economia, jan.-mar. 1977, p. 163.

Em artigo posterior, a visão de Contador apresenta-se mais flexível. Sua análise dos dados estendendo-se além de 1980 conduziu-o a observar que ‘’ ... não é possível defender a estabilidade da interação entre inflação e capacidade ociosa ... Isto não significa, porém, que a interação não exista. Na ausência de choques de oferta seria de se esperar que um combate drástico à inflação produziria um declínio do crescimento do produto real, assim como um aumento na taxa de crescimento do produto devido a pressões de demanda aumentaria a taxa de inflação...”.6 6 Claudio R. Contador, “Reflexões sobre o Dilema entre Inflação e Crescimento Econômico na Década de 80”, Pesquisa e Planejamento Econômico, abril 1985, pp. 40-41.

Outro estudioso de longa data da inflação no Brasil, Fernando de Holanda Barbosa, após examinar a recente experiência do Brasil e várias interpretações, conclui que “... as origens da inflação brasileira no período do pós-guerra estão localizadas nas políticas monetária e fiscal e nos choques agrícolas. Não há suficiente evidência empírica que torne aceitável o argumento de que o cartel da OPEP foi uma das maiores razões da recente aceleração da inflação. Essa conclusão implica que o controle do processo inflacionário brasileiro depende somente dos instrumentos de política econômica que estão concentrados nas mãos do governo federal”.7 7 Fernando de Holanda Barbosa, A Inflação Brasileira no Pós-Guerra, Rio de Janeiro, IPEA/INPES, 1983, p. 222.

Os neo-estruturalistas

A expressão mais completa desta escola de pensamento pode ser encontrada num livro de Luiz Carlos Bresser-Pereira e Yoshiaki Nakano e num artigo de Francisco Lafaiete Lopes.8 8 Luiz Bresser-Pereira e Yoshiaki Nakano, Inflação e Recessão, São Paulo, Brasiliense, 1984; Francisco Lafaiete Lopes, “Inflação Inercial, Hiperinflação e Desinflação: Notas e Conjeturas”, Revista da ANPEC, ano VII, n. 8, nov. 1984, pp. 55-71. Façamos um resumo de sua visão, complementando com referências a vários estudos empíricos de especialistas que se situam no quadro dessa interpretação.

A busca de uma explicação diferente do processo inflacionário brasileiro foi motivada pelo fato de que a irrupção inflacionária do período 1974-1985 ocorreu tanto em anos de crescimento acelerado como em anos de estagnação e de taxas negativas de crescimento. Ao contrário dos monetaristas, que acreditam ser a inflação causada por aumentos excessivos da oferta de moeda, essa escola de pensamento vê a moeda como variável dependente, isto é, crescendo como resultado de aumentos gerais de preços.9 9 Bresser-Pereira e Nakano, op. cit., pp. 19-20; L. A. Corrêa do Lago, M. H. Costa, P. Nogueira Batista Jr. e T. B. B. Ryff, O Combate à Inflação no Brasil, Rio de Janeiro, Paz e· Terra, 1984, pp. 32-33.

A inflação é vista basicamente como resultante do poder monopólio de empresas, sindicatos e Estado. Ao contrário do sistema de concorrência que os economistas neoclássicos presumem em seus modelos, encontra-se no Brasil um sistema de planejamento em que grandes empresas (tanto públicas como privadas) e sindicatos “ ... procuram substituir-se ao mercado, administrando seus preços, enquanto o Estado regulador, diante da relativa paralisia dos mecanismos de mercado, também é obrigado a substituir-se a ele, contra administrando preços através de várias formas de tabelamento de preços10 10 Bresser-Pereira e Nakano, op. cit., p. 25. . Assim, a configuração de um sistema que é chamado de “capitalismo tecnoburocrático” é vista como provedora da base para explicar a inflação da década de 1970 e a “ ... tentativa de empresas oligopolistas e dos sindicatos de aumentar sua participação na renda administrando preços, juros e. salários, dá como resultado uma inflação administrada ... “.11 11 Idem, ibidem.

Empresas monopolísticas têm o poder de praticar a alta de preços, e habitualmente usam uma margem fixa acima dos custos. Em tempos de recessão, no entanto, com as vendas em queda, essas empresas aumentam sua alta de preços a fim de manter a taxa de lucro como porcentagem do capital (presumindo-se a produtividade inalterada). Assim, “ ... se a recessão for provocada por políticas monetárias e fiscais restritivas, a resposta das empresas será ainda mais pronunciada em termos de elevação de preços e margens. As políticas macroeconômicas têm, então, o efeito inverso do desejado”12 12 ldem, pp. 27-28. . O resultado é um processo informal de indexação, com uma canalização automática dos custos para a alta de preços. Tal “inflação inercial” impede a redução de preços com uma queda da demanda agregada.13 13 Correa do Lago et alii, O Combate ... , op. cit., p. 29. O quadro que se esboça é o de um processo de luta inflacionária por fatias “ ... entre empresas e empresas, entre setores e setores, entre sindicatos e empresas, entre classes e frações de classes, entre os setores públicos e privado ... e (isto) ... torna-se um mecanismo de transferência de renda para os setores economicamente mais fortes ou politicamente mais poderosos”.14 14 Bresser-Pereira e Nakano, op. cit., p. 30 Bresser-Pereira e Nakano assinalam, no entanto, que esse processo não acelera a inflação, mas apenas contribui para manter seu nível, e que apenas haverá ‘’ ... aceleração ou desaceleração se a correção dos preços, salários e taxas de câmbio ou taxas de juros for maior ou menor que a taxa de inflação relativa ao patamar vigente, ou se as correções tiverem sua periodicidade aumentada ou diminuída”.15 15 Idem, p. 62.

Frequentemente, o Estado tentará frear as altas de preços em sua esfera (por exemplo, serviços públicos, aço etc.). Mas como mais cedo ou mais tarde os preços relativos sofrerão crescente distorção, o Estado ver-se-á forçado a emitir mais moeda para cobrir os déficits, e/ou eventualmente elevar os preços de suas empresas. Ambas as medidas contribuem para o processo inflacionário em curso introduzindo o que tem sido chamado de inflação “compensatória” ou “corretiva”.16 16 Idem, p. 37.

Nesse quadro, a oferta de moeda é vista como um agente passivo que convalida os aumentos de preços. Com estes subindo, a oferta real de moeda tende a cair. Isto “ ... provocará uma crise de liquidez e, em seguida, recessão. Aceito o pressuposto de que os agentes econômicos têm como objetivo manter a taxa de crescimento da economia, não há alternativa a não ser aumentar a quantidade nominal de moeda ... (Assim) ... a expansão monetária simplesmente acompanha a elevação dos preços, tornando-se uma variável endógena do sistema ... “. E também “ ... a quantidade de moeda é uma função do produto real da economia”.17 17 Idem, pp. 66-67.

Bresser-Pereira e Nakano também apontam as causas políticas do processo inflacionário. Sob regimes politicamente débeis ou com pouca legitimidade, o governo não pode resistir facilmente a pressões para aumentos de despesas ou para continuar com baixas taxas de serviços públicos, o que causa déficits das empresas. No Brasil, este foi o caso dos governos de Kubitschek, Goulart e Geisel.18 18 Idem, pp. 39-40

As conclusões de política resultantes desta visão do processo inflacionário são de que ‘’ ... qualquer política econômica ortodoxa, baseada no controle da economia através do mecanismo do mercado perde grande parte de sua validade. As políticas monetárias e fiscais, que atuam globalmente sobre o mercado, são ineficientes na medida em que pressupõem que uma vez feita a correção ao nível agregado ... o mercado voltará a agir para controlar a economia”.19 19 Idem, p. 27. Estes economistas, de fato, consideram que as consequências das políticas macroeconômicas tradicionais podem produzir o oposto do desejado. Assim, na fase descendente do ciclo, as empresas procurarão aumentar suas margens de lucro, o que significa que necessariamente deverão elevar seus preços (a não ser que a produtividade houvesse aumentado). Além disto, o uso de políticas ortodoxas que produzem recessão reduz as receitas do governo e aumenta os déficits orçamentários.

Bresser-Pereira e Nakano acreditam que a melhor alternativa para políticas ortodoxas está no controle de preços. Eles têm consciência das distorções que podem surgir, pelo que recomendam que o Estado se concentre apenas em setores monopolizados que podem aumentar suas margens de lucros e mantê-las artificialmente elevadas. O uso de controle tem como resultado que o Estado passa a agir como substituto do mercado e desse modo pode “ ... estimular certos setores e penalizar outros em função de políticas de acumulação, renda ou reequilíbrio de contas externas. No entanto, os limites da regulamentação de preços são estreitos ... ‘’. Isto se deve a muitos fatores, inclusive dificuldades administrativas. ‘Por um lado, é necessário um sistema extremamente complexo de informações. Por outro, os funcionários responsáveis pelo controle são habitualmente submetidos a todos os tipos de pressões por parte das empresas e muitas vezes simplesmente oficializam aumentos de preços já decididos ... Um controle efetivo de preços implicaria não impedir que as empresas aumentassem suas margens de lucro, mas obrigá-las a baixar essas margens, impedindo-as de repassar todos os seus aumentos de custos para os preços”.20 20 Idem, p. 51.

Bresser-Pereira e Nakano, no entanto, assinalam que qualquer política eficaz de estabilização deverá fazer uso de todos os instrumentos disponíveis, incluindo políticas fiscais e monetárias clássicas até preços, salários e taxas de juros administrados. Embora os defensores das políticas estabilizadoras ortodoxas afirmem que seus remédios recessivos afetam todos os setores de maneira indiscriminada, “ ... na prática terminam afetando principalmente os salários ... ‘’. Assim, ‘’ ... uma política administrativa deve escolher os que poderão e deverão ser penalizados. Em princípio, deverão ser escolhidos os rentistas e os setores empresariais que não sejam considerados prioritários ... Isto é possível ... através do controle dos preços estratégicos da economia: taxas de juros, taxas de câmbio, salários e preços dos setores oligopolísticos cartelizados”.21 21 Idem, p. 52.

O trabalho de Francisco Lafaiete Lopes assinalou o aspecto “inercial” da inflação brasileira.22 22 Lopes, op. cit.; ver também André Lara Resende e Francisco L. Lopes, “sobre as Causas da Recente Aceleração Inflacionária”, Pesquisa e Planejamento Econômico, dez. 1981; Francisco L. Lopes e Eduardo Modiano, “Indexação, Choque Externo e Nível de Atividade: Notas sobre o Caso Brasileiro”; Pesquisa e Planejamento Econômico, abril 1983. Embora fosse possível identificar estatisticamente uma curva de Phillips na economia brasileira, a importância relativa dos choques de demanda era pequena, comparada com as taxas reais de inflação.23 23 Idem, p. 56. O mencionado autor chama a atenção para o fato de que a maioria das análises ou deu ênfase a vários choques inflacionários, fossem eles choques de demanda ou de oferta, ou então destacou o papel das expectativas. Lopes, no entanto, acredita que a inflação inercial pode explicar melhor a experiência brasileira, por se basear no padrão rígido de comportamento dos agentes econômicos. A ideia básica é que numa situação cronicamente inflacionária os agentes econômicos adotam um padrão defensivo de comportamento ao estabelecer seus preços. Periodicamente, tentarão atingir um pico prévio de renda real. Se todos os agentes se comportam deste modo, a taxa existente de inflação tenderá a se perpetuar.

Cada agente econômico tenderá a agir como o trabalhador cujo salário nominal é reajustado dentro de intervalos fixos de tempo para recuperar os picos prévios dos salários.24 24 Idem, p. 58. O salário real no tempo t, w., é influenciado por três fatores: o pico prévio dos salários reais - w* -, o intervalo entre os reajustes - T - e a taxa de inflação - q1. Assim:

w 1 = w q 1 · T · w *

onde w1 cai quando q, ou T aumentam, e cresce quando w* aumenta.

Se todos os agentes econômicos agissem desta maneira, seria possível considerar a inflação ‘’ ... como uma função dos picos desejados de renda real de vários agentes econômicos, da frequência de reajuste da renda real de cada um e da estrutura dos preços médios relativos. Segue-se que se todos os agentes adotam regras estáveis de ajustes periódicos a picos inalterados de renda real e os preços relativos não mudam, a taxa de inflação permanecerá constante”.25 25 Idem, p. 58. Lopes conclui, portanto, que para haver um declínio da taxa de inflação sem um choque deflacionário será necessário que todos os agentes econômicos aceitem reduções nos picos prévios de renda real.

A recomendação de Lopes quanto a propósitos de política é similar à de Bresser-Pereira e Nakano. Ele advoga um “choque heterodoxo”, que consistiria num congelamento total de preços e salários, com políticas monetárias e fiscais passivas. O congelamento seria temporário e seria seguido por uma descompressão gradual com controle de preços. No segundo momento seriam permitidas elevações moderadas de preços. No segundo distorções surgidas com o congelamento.26 26 Idem, pp. 64-65.

Examinemos agora a experiência inflacionária brasileira a partir do começo da década de 1970 e vejamos quanto da evidência disponível apoia cada escola de pensamento. Por questão de justiça, diga-se desde já que minha inclinação é colocar-me ao lado da escola neo-estruturalista, porque sinto que melhor identifica as raízes socioeconômicas do processo inflacionário.

ANTECEDENTES GERAIS DA RECENTE INFLAÇÃO BRASILEIRA

A maioria dos analistas da economia brasileira nas décadas de 1970 e 1980 apontam para uma série de choques como origem da retomada da inflação. Esses choques incluem tais eventos externos como a quintuplicação dos preços do petróleo em 1973-1974 e a duplicação desses preços em 1979, a alta rápida das taxas reais de juros internacionais no início da década de 1980, maxidesvalorizações em 1979 e 1983, e algumas calamidades naturais (por exemplo, as secas e inundações que afetaram alguns preços fundamentais, como os dos alimentos). É claro que esses choques de preços não seriam inflacionários como. tais se os setores que são diretamente afetados estivessem inclinados ou fossem forçados a absorvê-los. No entanto, se a análise acima é correta, e se eles são capazes de passá-los aos seus clientes sob forma de preços mais elevados, e se estes clientes, por sua vez, estão em condições de passa-los adiante, então os choques terão iniciado uma cadeia de altas de preços que afetarão o nível geral de preços. As circunstâncias políticas e econômicas após 1973 produziram uma situação que facilitou uma tal propagação dos choques de preços, com o resultado da elevação da taxa de inflação. Vejamos os fatores contribuintes isoladamente.

Mudanças políticas

Em março de 1974, logo após a brusca alta de preços da OPEP do final de 1973, houve uma troca de governo no Brasil. O governo que saía, de Garrastazu Médici, tinha presidido os anos do chamado milagre econômico brasileiro, quando o PIB real havia crescido a uma taxa anual de cerca de 11% e quando a inflação havia sido reduzida ao seu nível mais baixo desde a década de 1950. A outra face deste quadro favorável era a revelação no início da década de 1970 de que a distribuição de renda tinha piorado substancialmente entre 1960 e 1970 (um fato assinalado em escala internacional, quando o presidente do Banco Mundial, McNamara, apontou o Brasil como um dos países em desenvolvimento que não envidava esforços para colocar os frutos do crescimento ao alcance da maioria da população). Outra face sombria era a repressão política, que atingira seu máximo nos anos do governo Médici.27 27 Riordan Roett, Brazil: Politics in a Patrimonial Society, Nova Iorque, Praeger, 1984.

Neste cenário, o governo de Ernesto Geisel, que assumia, definiu certos objetivos como imperativos políticos. Embora a lógica econômica da elevação do preço do petróleo parecesse exigir uma transferência líquida substancial de recursos para os países produtores de petróleo, uma queda na taxa de crescimento doméstico era inaceitável. Isto é, o novo governo não estava disposto a presidir durante anos de estagnação econômica após os anos de rápido crescimento do governo Médici. Sua esperança era pagar a conta mais alta do petróleo fazendo o Brasil crescer. A estagnação era inaceitável não só pela vontade de Geisel de não sofrer comparações desvantajosas com o governo anterior, mas também pelo seu objetivo de uma gradual liberalização política, que julgava mais fácil de conseguir numa situação de crescimento. Importante também era o objetivo do novo governo de fazer algo acerca da distribuição extremamente desigual da renda. Aliviar o arrocho salarial seria mais fácil no contexto de uma economia em expansão.

Um exame do período Geisel mostra que durante a maior parte dele todo esforço foi feito para manter taxas relativamente elevadas de crescimento. O Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento visava altas taxas de crescimento e investimento em muitos setores, especialmente na indústria pesada, na infraestrutura econômica e social e na mineração.28 28 República Federativa do Brasil, Projeto do II Plano Nacional de Desenvolvimento, PND (1975-1979), Brasília: set. 1974. O problema básico é que nem este plano nem políticas subsequentes do governo tentaram definir prioridades em face da escassez de recursos. Ficou claro no final da década de 1970 que os planos de investimentos do Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento eram demasiado ambiciosos. Tal era o caso em particular do programa brasileiro de energia nuclear, que era de racionalidade econômica duvidosa.

Embora o Brasil houvesse atingido elevadas taxas de poupança no início da década de 1970 (cerca de 23% do PIB) e tivesse tido êxito em ampliar e diversificar substancialmente as exportações, o drástico aumento da conta de importações (de US$ 6,2 bilhões em 1973 para US$ 12,5 bilhões em 1974) exigia ou uma drástica redução no crescimento da economia, com os ganhos em divisas estrangeiras sendo desviados da importação de itens fundamentais para a economia (como bens de capital, peças de reposição ou componentes) para o pagamento das contas mais elevadas do petróleo, ou uma expansão maciça dos empréstimos externos se a escolha fosse a de continuar o crescimento enquanto se pagava uma conta maior pela importação de petróleo. O Brasil concretamente optou pela última alternativa. Esta foi a razão mais importante para o enorme crescimento da dívida externa, que chegou a US$ 105 bilhões na metade de 1985.

O impacto inflacionário dos choques externos

Os choques externos ou internos não precisam ser inflacionários se os setores imediatamente afetados estiverem dispostos a absorver preços mais elevados dos itens adquiridos, reduzindo sua renda, ou se forem forçados a isso. Este não foi o caso do Brasil depois de 1973. Os setores afetados pelo choque do preço do petróleo estavam ansiosos em passar adiante seus maiores custos de produção sob a forma de preços mais altos e o governo, apesar de mecanismos elaborados de controle de preços, considerou politicamente mais sábio opor uma resistência relativamente pequena a esse processo. Em outras palavras, dados os aspectos políticos acima mencionados, o governo estava inclinado a tolerar uma luta por parcelas de renda através do processo inflacionário, em vez de impor explicitamente uma solução distributiva aos choques externos.29 29 Baer, The Brazilian Economy, p. 122. Luiz C. Bresser -ereira e Yoshiaki Nakano também fazem a interpretação da disputa por parcelas da renda para a retomada da inflação nos anos 1974-1979. Ver Inflação e Recessão, São Paulo, Brasiliense, 1984, pp. 25, 37 e 62.

Como se verá na Tabela 2, a taxa de alta dos preços do petróleo importado em 1973-1974 foi muito maior que o aumento de seu preço interno, na medida em que o governo procurou aliviar esse choque e diluir seus efeitos ao longo do tempo. A mesma tabela mostra que a taxa geral de inflação duplicou entre 1973 e 1974, flutuando entre 30 e 48% até o choque seguinte, em 1979. Exceto para 1978, o aumento anual dos preços dos derivados do petróleo esteve acima do aumento geral de preços. Um exame de outros preços antes de 1979 revela alguns avanços e recuos em relação ao aumento geral, mas fica evidente que havia uma luta constante de vários setores para não ficar atrás. Embora a taxa de câmbio possa ter sido um pouco supervalorizada à época do primeiro choque do petróleo, sua desvalorização acompanhou a taxa de inflação com a defasagem que provavelmente representava a diferença média entre a taxa de inflação brasileira e a dos seus parceiros comerciais (Tabela 2). Os preços dos alimentos ou acompanhavam o nível geral de preços ou, ainda, estavam acima dele; o mesmo vale para os salários médios nominais na indústria, que se mantiveram acima da taxa de inflação até 1979.30 30 O quadro salarial da década de 1970 está longe de ser plenamente claro. Havia muitas diferenças setoriais e também na mensuração dos salários, que mostram salários reais em queda até 1976. Ver Russell E. Smith, Wage lndexation and Money Wages in Brazilian Manufacturing: 1964-1978, tese de doutorado, Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, 1985, cap. 5; também, Roberto Macedo, “Wage Indexation and lnflation: the Recent .. ed. Rudiger Dornbusch e Mario H. Simonsen, Cambridge, MIT Press, 1983, pp. 131-159.

TABELA 2
BRASIL: PRINCIPAIS INDICADORES DE PREÇOS (TAXAS DE CÂMBIO)

A Tabela 8 resume o comportamento dos preços de diferentes setores da economia, apresentando um índice da relação entre a alteração percentual anual de preços num setor específico e a taxa média de inflação. É evidente que os preços dos setores agrícola e industrial nunca ficaram por muito tempo atrás dos aumentos gerais de preços e que estas defasagens eram relativamente pequenas. É claro que dentro do setor industrial havia muitas variações, com a química e os lubrificantes tendo muitos anos de relações favoráveis (acima de 100), enquanto os tecidos, produtos elétricos, máquinas, calçados e roupas ficaram para trás por vários anos, isto é, suas relações estavam abaixo de 90. Mas a maioria dos setores tinha relações na casa dos 90, o que significa que seus preços estavam se mantendo bem ao ritmo dos aumentos gerais de preços.

TABELA 3
BRASIL: BALANÇO DE PAGAMENTOS (MILHÕES DE DÓLARES)
TABELA 4
BRASIL: TAXAS MACROECONÔMICAS SELECIONADAS
TABELA 5
BRASIL: TAXAS DE CRESCIMENTO REAL POR SETORES
TABELA 6
BRASIL: TAXAS DE CRESCIMENTO REAL DO PRODUTO AGRÍCOLA
TABELA 7
BRASIL: MEDIDAS SELECIONADAS DA ATIVIDADE ECONÔMICA
Rio de Janeiro São Paulo Belo Horizonte Porto Alegre Salvador Recife Junho 1980 7,96 5,38 7,82 4,94 7,84 6,95 Dez. 1980 6,47 4,36 7,08 3,90 6,41 5,81 Junho 1981 8,91 7,15 8,98 5,96 9,66 8,51 Dez. 1981 8,25 6,01 7,71 4,40 8,62 7,04 Junho 1982 6,40 5,20 6,41 4,79 5,32 7,45 Dez. 1982 3,94 3,61 5,71 3,57 4,46 4,65 Junho 1983 6,54 7,05 7,71 6,85 5,47 7,74 Dez. 1983 5,02 5,53 7,54 5,52 5,89 6,44 Junho 1984 7,12 7,20 8,73 7,91 7,62 10,13 Dez. 1984 5,07 4,07 6,47 4,34 5,98 5,80 Junho 1985 5,00 5,60 5,90 6,10 5,60 8,30 Dez. 1985 3,10 2,70 2,80 2,50 4,50 4,10 Fonte: Conjuntura Econômica.

3) Utilização da capacidade instalada
TABELA 8
(continuação)
TABELA 8
(continuação)

Em 1979 e na primeira metade da década de 1980 vários choques adicionais aceleraram a inflação no país. Além do segundo choque do petróleo e do abrupto aumento das taxas de juros internacionais (que aumentou enormemente o encargo da dívida), o Brasil adotou uma maxidesvalorização no final de 197931 31 Embora o grau de defasagem houvesse se mantido bastante próximo ao diferencial entre as taxas do Brasil e dos seus parceiros comerciais na década de 1970, poderia se argumentar que no momento do primeiro choque do petróleo a taxa de câmbio já estava supervalorizada. Também, como no final da década os Estados Unidos pressionaram o Brasil para eliminar seu programa de incentivo às exportações, tornava-se mais e mais necessário que o Brasil compensasse isto com uma maior taxa de desvalorização. e decretou uma nova lei salarial destinada fundamentalmente a elevar os salários reais dos trabalhadores das faixas salarias mais baixas.32 32 Maria Sílvia Bastos Marques, Inflação, Política Econômica, Mecanismos de Realimentação e Choques de Oferta: 1973-83, mimeo, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, Instituto Brasileiro de Economia, Centro de Estudos Monetários e de Economia Internacional, set. 1984, pp. 79-81. Outra versão desse estudo foi publicada mais tarde com o título “A aceleração inflacionária no Brasil. 1973-83”, Revista Brasileira de Economia, vol. 39, n. 4, out.-dez. 1985, pp. 343-384. Finalmente, uma segunda maxidesvalorização ocorreu em 1983, que, juntamente com alguns anos de más colheitas agrícolas, com uma maior taxa de elevação dos preços dos alimentos,33 33 Em 1983-84 os subsídios nas taxas de juros do crédito agrícola foram eliminados. Isto aumentou substancialmente os custos agrícolas e assim contribuiu para aumentos dos preços agrícolas. aceleraram ainda mais a taxa de inflação a partir de 1983.

Os dados nas Tabelas 2 e 8 mostram que nenhum setor específico ficou dramaticamente e permanentemente atrás da elevação geral de preços no período de 1979 e 1984. As exceções são indústrias como as metalúrgicas, onde o governo tentou medidas drásticas de controle de preços para combater a inflação, e algumas indústrias tradicionais, como as de tecidos e da madeira, que ficaram para trás na luta por parcelas da renda. Deve-se assinalar também que os salários reais, que haviam aumentado no final da década de 1970 e início da de 1980, começaram a cair a partir de 1983.

O mecanismo de propagação da inflação no Brasil

Dois mecanismos básicos de propagação da inflação estavam agindo dentro da economia brasileira. O primeiro era a capacidade de vários setores de passar rapidamente a elevação dos custos (devida a preços mais elevados da energia ou dos salários, ou a taxas de juros) aos preços finais dos seus produtos. O segundo era a capacidade de obter compensação do Estado pela erosão da renda devido à inflação, principalmente através da indexação, e através da disposição das autoridades monetárias em expandir o crédito.

Em relação ao primeiro aspecto, a estrutura oligopólica de grande parte da indústria brasileira e a atitude permissiva do Conselho Interministerial de Preços tornavam fácil transferir ao consumidor aumentos de custos devidos a qualquer choque de oferta.34 34 Para uma discussão da estrutura oligopólica da indústria brasileira e seu uso da elevação de preços, ver Bresser-Pereira e Nakano, op. cit., pp. 26-27. A Tabela 9a apresenta uma estimativa do grau de concentração econômica em várias indústrias brasileiras. Comparando-se esta informação com as mudanças dos preços setoriais relativos na Tabela 8, nota-se uma possível relação entre a concentração de mercado e as mudanças dos preços relativos. Por exemplo, o têxtil é um dos setores menos concentrados, ficando para trás nos preços relativos; por outro lado, setores altamente concentrados como o de plásticos, o químico ou o de materiais de transporte tinham, em média, um desempenho muito bom em relação à alta do nível geral de preços. A Tabela 9b mostra os resultados das correlações hierárquicas entre razões de concentração e alterações dos preços setoriais relativos para 17 setores em oito anos diferentes. Assinale-se que houve quatro casos de correlação acima do valor crítico no nível de 5%.

TABELA 9
1) TAXA DE CONCENTRAÇÃO INDUSTRIAL BRASILEIRA (PARCELA DAS VENDAS DO SETOR PELAS OITO MAIORES EMPRESAS)

2) CORRELAÇÃO DAS TAXAS DE CONCENTRAÇÃO E DAS ALTERAÇÕES DE PREÇOS RELATIVOS

O segundo mecanismo de propagação consistia em vários tipos de garantias do governo contra perdas devidas à inflação. A mais importante era a indexação de vários tipos de papéis financeiros (especialmente títulos do governo), o fornecimento de crédito subsidiado à agricultura, o uso de fundos especiais extraorçamentários por instituições financeiras oficiais para sustentar programas especiais de subsídios ou para socorrer certas empresas e bancos. Isto será discutido mais adiante. Deve-se notar, no entanto, que embora esse tipo de mecanismo não tivesse efeitos diretos sobre preços particulares, afetava o nível de preços por gerar dinheiro novo para alimentar o sistema em geral.

Com a introdução da indexação dos salários em 1979 estabeleceu-se mais um instrumento potencial de propagação automática. Esta questão, no entanto, é controvertida. Antes de 1979 os salários eram reajustados em base anual com o uso de fórmulas que sistematicamente subestimavam as taxas futuras de inflação, causando uma redução dos salários e diminuindo o impacto inflacionário dos custos do fator trabalho. Deve-se levar em conta também que uma alta da inflação, sem mudança na periodicidade dos reajustes salariais, reduz igualmente o nível dos salários.35 35 Macedo, op. cit., p. 135. No final de 1979 uma nova lei salarial foi adotada, estabelecendo os reajustes semestrais automáticos dos salários e introduzindo uma fórmula de correção salarial destinada a produzir uma distribuição mais equitativa da renda. Trabalhadores de baixa renda, com salários de até três vezes o salário-mínimo legal, receberiam reajustes de 110% das taxas de inflação, enquanto os que tivessem salários acima desse limite receberiam reajustes abaixo do aumento geral de preços. Mudanças subsequentes na legislação salarial reduziram gradualmente o grau de indexação contido nos reajustes semestrais.36 36 Bastos Marques, op. cit., pp. 83-84.

O comportamento dos salários até 1979 não está plenamente claro com os dados disponíveis. A informação na Tabela 10 mostra que o salário-mínimo real caiu após 1973 e só se recuperou no final da década de 1970. Por outro lado, os salários médios reais na indústria pesada (ABDIB) ficaram à frente da inflação em todos os anos com exceção de 1979, mas caíram drasticamente depois de 1982. Igualmente, o crescimento dos salários reais na indústria paulista (FIESP) parece ter sido positivo até 1983, com exceção de 1979. No entanto, essas medidas de salários médios referem-se a grupos profissionais bem especializados. Comparando os salários-mínimos reais, e mesmo esses outros indicadores salariais, parece que ao longo da década de 1970 os salários não foram uma variável que liderasse o processo inflacionário, especialmente levando em conta os reajustes anuais, que nesses anos de inflação em rápida aceleração corroíam o salário real da maioria dos trabalhadores. A indexação de 1979 foi introduzida no final do ano, e assim dificilmente pode ser responsabilizada pelo dramático salto da inflação nesse ano. Desse modo, a política salarial não foi um forte agente na propagação da inflação.37 37 Macedo mostra que o órgão de controle de preços do governo, a CIP, era bastante tolerante em deixar que se repassasse o aumento de custos para preços mais elevados, incluindo os salários. Mas ele também mostra que a nova lei salarial do final de 1979 não foi desencadeadora de inflação. Macedo, op. cit., p. 150. À mesma conclusão chegou outro pesquisador numa investigação econométrica mais formal. Ver José Márcio Camargo, “Salário Real e Indexação Salarial no Brasil: 1969/81 “, Pesquisa e Planejamento Econômico, abril 1984, pp. 137-160.

TABELA 10
SALÁRIOS: MEDIDAS SELECIONADAS

Aspectos monetários do processo inflacionário

A inflação não pode ocorrer a não ser que seja sustentada pelo aumento substancial da oferta de moeda e/ou da velocidade de sua circulação. Examinemos, portanto, o crescimento de várias medidas de moeda no Brasil e sua origem.

Verifica-se na Tabela 11 que a taxa de crescimento da oferta real de moeda (M1) foi negativa desde 1976, isto é, a oferta nominal de moeda cresceu menos que a taxa de inflação. A expansão de M2 (que inclui M1 mais depósitos bancários em contas correntes e a prazo) foi menos restrita, sendo negativa em apenas quatro anos no período 1973-1984, e de M3 (que inclui M2 mais todos os demais depósitos de poupança) foi negativa em apenas três anos. O crescimento real da base monetária foi negativo em 1974, mas depois foi positivo para o resto da década e voltou a ser negativo somente nos anos de 1980 a 1983. Finalmente, o crescimento real do crédito tornou-se negativo a partir de 1979, isto é, durante a arrancada para a inflação de três dígitos.

TABELA 11
TAXA NOMINAL DE CRESCIMENTO DA MOEDA E DO CRÉDITO

O crescimento real negativo de M1 tem sido atribuído ao declínio na demanda de moeda enquanto a inflação continuava a se acelerar. Houve uma passagem para semi-moeda, parte da qual estava indexada pela inflação, como a poupança e depósito a prazo e papéis do governo. Estes últimos passaram a ter crescente liquidez. Isso explica o comportamento de M2 e M3. Também deve-se assinalar que as disponibilidades monetárias do sistema financeiro (dinheiro e depósitos à vista) caíram de 43% em 1972 para 10% em 1984 e assim “produto do tributo inflacionário sobre os valores monetários (ou seja, a taxa de inflação vezes o valor real da base monetária, ou passivo de custo zero dos valores monetários), para qualquer nível dado de inflação, tinha sofrido redução equivalente”.38 38 Peter T. Knight, “Brazil: Deindexation, Economic Stability, and Structural Adjustment”, mimeo, 5.7.1984, p. 34. Como a inflação se acelerou na década de 1980, a velocidade de circulação de M1 também aumentou, o que se refletiu numa redução da base monetária em relação ao PIB de 7% em 1979 para 3,9% em 1984.39 39 A oferta de moeda também era influenciada pela possibilidade de tomadores da dívida externa depositarem o dinheiro emprestado no Banco Central (pela Resolução n. 432 e pela Circular n. 320 do Banco Central - para empréstimos externos a empresas segundo a Lei n. 4.131 - e repasse a intermediários financeiros - Resolução n. 63). As empresas podiam fazer depósitos voluntários do equivalente em cruzeiros (à taxa de câmbio então vigente); estes depósitos podiam ser retirados em cruzeiros à taxa em vigor no momento da retirada. Enquanto depositado o montante, o Banco Central assumia todas as obrigações do serviço do empréstimo em moeda estrangeira. Em 1977 o Banco Central tornou obrigatórios os depósitos de empréstimos do exterior a fim de aliviar o impacto monetário destes empréstimos, mas isto foi gradualmente abandonado. Assim, ... a decisão de fazer ou retirar depósitos voluntários depende do custo do crédito em cruzeiros em relação ao custo esperado do crédito em dólares, incluindo a depreciação esperada da taxa de câmbio, introduzindo um determinante da oferta de moeda que não era controlado diretamente pelas autoridades monetárias. Desse modo, quando aumenta a probabilidade de uma maxidesvalorização, há fortes incentivos a obter cruzeiros e fazer tais depósitos, o que tem o efeito de contrair a oferta de moeda e pressionar para cima as taxas internas de juros ... Entre o final de dezembro de 1978 e o final de março de 1984, o valor dos empréstimos externos depositados no Banco Central cresceu em 80% a 12,2 bilhões de dólares, com um significativo impacto de contração da oferta de moeda ... “ Knight, “Brazil: Deindexation ... “, op. cit., p. 30.

O crescimento contínuo da base monetária ao longo da década de 1970 tem sido atribuído à entrada de capital externo e a atividades extraorçamentárias especiais do governo. Estas últimas eram financiadas com a colaboração do Banco Central e do Banco do Brasil para cobrir certas atividades através do que se chamava eufemisticamente ‘’conta movimento’’.

Para compreender isso é preciso examinar o orçamento do governo. Ao longo dos anos, houve a evolução de três diferentes orçamentos públicos no Brasil. Há o orçamento fiscal comum, proposto pelo executivo e aprovado pelo Congresso. Como se pode ver na Tabela 12a, este registrou superávit desde 1973. Aqui não se incluem os orçamentos consolidados das empresas estatais e o orçamento monetário (que poderia ser chamado de programa para a base monetária), refletindo as atividades do Banco Central e do banco comercial oficial, o Banco do Brasil. Este último não tem exigências de reservas e seus compromissos monetários são consequentemente parte da base monetária. Como a informação total sobre receitas e despesas do setor público não está disponível,40 40 É interessante assinalar que em um dos primeiros documentos oficiais de planejamento do novo governo, que assumiu em março de 1985, afirma-se que “o Governo Federal não tem à sua disposição um sistema de controle que lhe permita prever ou mesmo acompanhar a evolução do déficit público com um grau desejável de precisão. A precariedade das estimativas é devida a um grande número de truques contábeis e de contas abertas que permitem vários tipos de interconexões entre os diferentes orçamentos”. SEPLAN­PR, Presidência da República, Secretaria de Planejamento, Diretrizes Gerais de Política Econômica: Notas para o I PND da Nova República, Brasília, maio de 1985, p. 7. Para outra discussão das dificuldades encontradas para medir os orçamentos, ver Maria Sílvia Bastos Marques, op. cit., pp. 34-39. o balanço geral pode ser obtido dos empréstimos do governo de fontes domésticas e externas. Isso é mostrado nas Tabelas 12b e 12c. É óbvio que itens não incluídos no orçamento regular - tais como fundos para cobrir o déficit de empresas estatais, para financiar programas especiais do governo e para cobrir a indexação (isto é, pagar a correção monetária) - produziam necessidades financeiras (ou déficits) que cresceram de Cr$ 507 milhões em 1979 para Cr$ 79,4 trilhões em 1984.

TABELA 12
BRASIL: FINANÇAS PÚBLICAS (BILHÕES DE CRS)

1) ORÇAMENTO DO GOVERNO FEDERAL



2) BRASIL: FINANCIAMENTO DO SETOR PÚBLICO NÃO FINANCEIRO (MILHÕES DE CR$)


3) EM PORCENTAGEM DO PIB

O Brasil desenvolveu um arranjo institucional peculiar (o orçamento monetário) que dava ao governo a possibilidade de contornar o orçamento fiscal convencional. O Banco do Brasil (banco comercial controlado acionariamente pelo Estado e que tem certas funções oficiais) é o principal fornecedor de crédito rural, que até 1984 era concedido a taxas de juros grandemente subsidiadas. Quando os depósitos do Banco do Brasil não são suficientes para atender às necessidades dos seus clientes (especialmente na agricultura), ele pode recorrer ao Banco Central para suprir a falta. A transferência então realizada era chamada de conta movimento.41 41 Luiz Aranha Correa do Lago, Margaret Hanson Costa, Paulo Nogueira Batista Jr. e Tito Bruno Bandeira Ryff, O Combate à Inflação no Brasil: Uma Política Alternativa, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1984. Esses autores afirmam que “ ... o Banco do Brasil opera com uma razão (de depósitos à vista para empréstimos) que é muito mais baixa que a dos bancos privados, o que é evidência de que conta com uma fonte adicional de fundos, que é a conta movimento ... “, p. 47. O Banco Central, por sua vez; está envolvido diretamente no fornecimento de fundos especiais para o setor financeiro, para empresas exportadoras, para a compra de divisas estrangeiras etc. Se seus recursos não são suficientes para cobrir tais obrigações, o Banco Central emite moeda.42 42 Idem, p. 45; Maria Sílvia Bastos Marques, op. cit., pp. 24-31.

Como será visto na Tabela 13, os empréstimos do Banco do Brasil, os créditos ao setor financeiro e as operações de câmbio com o exterior têm sido as principais fontes de expansão da base monetária. Mario Henrique Simonsen, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento, assinalou esse aspecto sucintamente ao afirmar que “ ... o sistema monetário brasileiro é muito peculiar, com um viés embutido em direção da expansão da oferta de moeda. Há muito se reconhece que a inflação é difícil de ser prevenida quando o Governo Federal tem a autoridade para emitir moeda para financiar seus déficits, especialmente se esta autoridade pode ser exercida independentemente de aprovação pelo Congresso ... A inflação é ainda mais difícil de prevenir se o governo não só pode criar moeda para financiar seus déficits, mas também para conceder empréstimos subsidiados ao setor privado. Este é fundamentalmente o caso brasileiro”.43 43 Mario H. Simonsen, “Inflation and Anti-Inflationary Policies in Brazil”, Brazilian Economic Studies, 8, Rio de Janeiro, IPEA, 1984, PP: 8-9.

TABELA 13
PRINCIPAIS FORÇAS DE EXPANSÃO E CONTRAÇÃO DA BASE MONETÁRIA (ALTERAÇÕES ANUAIS EM BILHÕES DE CR$)

Em percentagem do PIB, as necessidades totais de financiamento do setor público brasileiro passaram de 8,1% em 1979 para 20,5% em 1984. Conforme se vê na Tabela 12, o financiamento veio do sistema bancário, o que significou uma quantia substancial de moeda emitida. Finalmente, na última parte da Tabela 12c, faz-se uma distinção entre o déficit “operacional” e a parte do déficit que é devida à indexação da dívida pendente. O primeiro pode ser controlado pelo governo mais facilmente que a segunda, pois as exigências da indexação mantêm-se crescendo automaticamente com a inflação. Vê-se na Tabela 12c que o orçamento operacional foi posto sob controle depois de 1982, com suas demandas de financiamento caindo de 6,6% do PIB para -0,7%, o que indica um superávit. O financiamento para a indexação, no entanto, cresceu constantemente, chegando a quase 21% do PIB em 1984.

O processo orçamentário autoritário

Um fenômeno curioso é que o regime pós-1964, que em parte justificava sua tomada do poder pela necessidade de saneamento fiscal, desenvolveu mecanismos que tornavam relativamente fácil a cobertura de despesas extraorçamentárias com a emissão de moedas.

Antes de 1964 ocorriam grandes déficits e o governo recorria às instituições que formavam o sistema de controle monetário e que emitiam o dinheiro necessário para cobrir os déficits. Ao mesmo tempo, não existiam mercados adequados de capital através dos quais o governo pudesse financiar seus déficits de maneira não inflacionária pela emissão de letras do tesouro (uma vez que a indexação só foi introduzida na metade da década de 1960). Mas pelo menos o processo da despesa passava formalmente pelo setor legislativo do governo.

Depois da mudança de regime em 1964, ocorreram grandes reformas financeiras institucionais - por exemplo, a criação do Banco Central, a expansão do sistema dos bancos de desenvolvimento (BNDE), a criação do BNH, a instituição da correção monetária etc. É interessante ressaltar que estas reformas, em vez de reduzir o papel do Banco do Brasil como autoridade monetária, na verdade o aumentaram.44 44 As mais completas análises destas reformas institucionais podem ser encontradas nos estudos de Jorge Vianna Monteiro, Fundamentos da Política Pública, Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1982, cap. 7; “Uma Análise do Processo Decisório no Setor Público: O Caso do Conselho de Desenvolvimento Econômico - 1979-81 “, in Pesquisa e Planejamento Econômico, abril de 1983; “Mecanismos Decisórios da Política Econômica no Brasil”, in Revista IBM, n. 16, junho de 1983, Rio de Janeiro, IBM, 1983; “Organização e Disfunções da Política Econômica”, in Dívida Externa, Recessão e Ajuste Estrutural: o Brasil diante da Crise, ed. Pérsio Arida, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983.

Uma característica da nova ordem foi o uso de conselhos interministeriais para tomar decisões fundamentais tanto acerca de planos de longo prazo quanto de questões monetárias e fiscais de curto prazo. O mais importante deles era o Conselho Monetário Nacional - CMN - que se tornou cada vez mais poderoso no final da década de 1960 e ao longo da de 1970. Sua estrutura modificou-se ao longo do tempo, mas era habitualmente presidido pelo ministro da Fazenda (embora, por um curto período, esta função tenha sido assumida pelo ministro do Planejamento) e seus membros eram funcionários da área econômica, os presidentes das instituições financeiras federais (incluindo o Banco Central e o Banco do Brasil) e representantes do setor privado. As decisões do CMN dizem respeito a todos os aspectos do orçamento monetário. Refletindo sobre suas próprias experiências, Mario H. Simonsen assinalou que ‘’ ... Um Ministro da Fazenda forte e decidido pode administrar o orçamento monetário com certo êxito ... Para um Ministro da Fazenda menos decidido, o orçamento monetário é mera formalidade, uma vez que pode ser revisto a qualquer momento pelo Conselho Monetário Nacional; e a maioria dos membros do Conselho é de funcionários do Governo Federal. Além disto, mesmo que o orçamento não seja revisto e seus tetos amplamente desrespeitados, ninguém é punido. Na prática, várias despesas e subsídios públicos podem passar para as contas monetárias, escapando assim do orçamento fiscal que é submetido à aprovação do Congresso’’.45 45 Simonsen, op. cit., p. 10.

Embora o poder relativo do CMN tenha se reduzido no tempo de Geisel, recuperou uma posição dominante no final da década de 1970 e início da de 1980. Na verdade, no último período houve uma centralização dentro do CMN, seu conselho geral, formado por 24 membros, foi consultado com menos frequência. Muitas decisões foram tomadas por um núcleo de cinco membros, com a justificativa de que se precisava de ações rápidas para enfrentar a crise da dívida e da inflação que prevaleceu no início da década de 1980.46 46 Para maiores detalhes, ver citações de Monteiro na nota 20.

Indexação

O papel da indexação tem sido objeto de considerável controvérsia.47 47 Baer, The Brazilian Economy; cap. 10; Francisco L. Lopes e Eduardo Modiano, “Indexação, Choque Externo e Nível de Atividade: Notas sobre o Caso Brasileiro”, Pesquisa e Planejamento Econômico, abril de 1983; Fernando de Holanda Barbosa, A Inflação Brasileira no Pós-Guerra: Monetarismo Versus Estruturalismo, IPEA/PNPE, Rio de Janeiro, 1983, cap. 2; Fernando de Holanda Barbosa, “Inflação e Indexação”, Conjuntura Econômica, n. 4, abril de 1984. A indexação dos instrumentos financeiros foi introduzida no período pós-1964 para evitar algumas das distorções trazidas pela inflação (por exemplo, o desestímulo à poupança devido às taxas de juros negativas, a impossibilidade de o governo vender títulos para cobrir os déficits, a descapitalização das empresas devido ao uso dos custos históricos na depreciação etc.), para tornar possível ao governo financiar seus déficits de maneira não inflacionária e para estimular a poupança. Por vários anos (na segunda metade da década de 1960 e começo de 1970) a indexação mostrou resultados positivos e coexistiu com um declínio constante da inflação.48 48 Baer, The Brazilian Economy, cap. 10.

Na metade da década de 1970, com a inflação começando a se acelerar novamente, muitos aspectos negativos da indexação passaram a se evidenciar e/ou a aumentar: 1) como apenas os instrumentos financeiros do governo ou sustentados pelo governo eram indexados, havia uma tendência dos poupadores de colocar seus recursos neste setor, produzindo condições de restrição do crédito no setor privado (que não emitia papéis indexados) e forçando assim o governo, através de seus órgãos financeiros, a injetar dinheiro em vários setores (por exemplo, os programas especiais do Banco do Brasil e do Banco Central mencionados acima); 2) a indexação do crédito habitacional deixou muitos tomadores de financiamentos, cujos ajustes salariais ficavam atrasados em relação aos aumentos de preços, em situação precária, com o resultado de crescente número de inadimplências; 3) como a inflação recomeçou a crescer depois de 1973, uma crescente parcela das necessidades de empréstimos do setor público derivava do pagamento de correção monetária.49 49 De acordo com o documento de planejamento do governo brasileiro de 1985, “ ... o pagamento de juros, de acordo com as estimativas atuais, absorve não menos que 20,5% das receitas do setor público ... “. Diretrizes ... , op. cit., p. 10. Ver também Dionísio Carneiro Neto e Eduardo Modiano, “Inflação e Controle do Déficit Público: Análise Teórica e Algumas Simulações para a Economia Brasileira”, in Revista Brasileira de Economia, out.-dez. 1983; Eliana Cardoso, “Imposto Inflacionário, Dívida Pública e Crédito Subsidiado”, Pesquisa e Planejamento Econômico, dez. 1982; Rudiger Dornbusch, in John Williamson (ed.), Inflation and Indexation: Argentina, Brazil and Israel, Washington, D.C., Institute for lnternationai Economics, 1985, p. 52.

A indexação dos instrumentos financeiros e dos contratos, e os métodos de contabilidade como tais não eram vistos como sendo inflacionários na década de 1960 e início da de 1970 porque muitos outros preços não estavam indexados. Isto evitava uma disputa por parcelas de renda. Por vários anos os salários ficaram atrasados em relação aos preços e até 1979 houve poucas tentativas genuínas de indexá-los. Igualmente, até o final da década de 1970 a taxa de câmbio teve um certo grau de supervalorização, e antes do choque do petróleo e de outros choques externos, a disputa por parcelas de renda (expressa em formas adicionais de indexação) foi relativamente mitigada. Uma vez desencadeada a “luta por fatias do bolo”, a economia tornou-se crescentemente indexada, o que significou que este mecanismo de propagação da inflação tornou-se mais e mais dominante.50 50 Fernando de Holanda Barbosa, A Inflação Brasileira ... , op. cit., p. 29.

Com os choques externos dos anos setenta, a indexação financeira tornou-se uma força inflacionária de duas faces. Ela atuava como elemento de pressão sobre os custos de empresas e indivíduos que haviam tomado empréstimos com indexação, e sua crescente importância nas contas do governo produzia déficits crescentes no orçamento dos setores públicos.

Na década de 1980, desenvolveu-se uma considerável controvérsia entre o governo brasileiro e o FMI acerca do déficit total do orçamento do governo - chamado de “necessidade de financiamento do setor público”, que incluía reajustes inflacionários, isto é, recursos necessários ao pagamento de compromissos pela indexação e de divisas estrangeiras. O FMI inicialmente insistia na avaliação do desempenho de políticas básicas quanto ao êxito das medidas de controle da necessidade de financiamento do setor público. As autoridades brasileiras, no entanto, desejavam basear as avaliações de programas no déficit operacional; afirmavam que a necessidade de financiamento, com seus amplos ajustes inflacionários e da taxa de câmbio, tinha pouca utilidade como indicador do desempenho fiscal real. Embora o FMI tenha eventualmente concordado em usar o déficit operacional como critério do desempenho fiscal, o problema referente ao crescimento contínuo da necessidade de financiamento persistiu, uma vez que esta tinha que ser coberta pelas autoridades monetárias, nacionais ou estrangeiras. Com um mercado financeiro saturado num ambiente inflacionário, as taxas de juros reais subiram e as necessidades de empréstimos para a dívida indexada cresceram. Assim, a longo prazo, a necessidade pública de financiamento do Brasil não é sustentável. Ela não pode ser controlada pela redução do déficit operacional. Este era o dilema enfrentado pelas autoridades brasileiras na metade da década de 1980. Políticas monetárias mais liberais provocariam inflação, assim como políticas mais restritivas provocariam taxas de juros reais mais. elevadas, que se refletiriam em necessidades maiores de financiamento do setor público. Essa situação inevitavelmente conduz a uma reconsideração da conveniência de continuar com a indexação, o que pode resultar num programa semelhante ao proposto por Francisco Lopes, antes mencionado.

Com a inflação crescendo no final da década de 1970 e início da de 1980, falava-se mais e mais do controle, ou mesmo do fim da indexação financeira, como componente necessário de um programa de estabilização. Isto, no entanto, suscitava várias questões perturbadoras.51 51 Peter T. Knight, “Brazil: Deindexation ... “, op. cit., p. 41. Como muitos títulos indexados do governo eram adquiridos por instituições que recolhiam as poupanças obrigatórias dos assalariados (por exemplo, FGTS, PIS, PASEP), qualquer tentativa de desindexação sem um término imediato da inflação implicaria uma expropriação de fato do capital dos trabalhadores. A desindexação também ameaçaria as poupanças do país, pois os depósitos em poupança desindexada perderiam qualquer atrativo para os poupadores.52 52 Isso ocorreu, de fato, em 1980. No início daquele ano, o governo anunciou um limite máximo de correção monetária para o ano de 45%. Em 1979 a inflação havia chegado a quase 77% e em 1980 acabou atingindo os 110%. O limite na correção monetária era destinado a reduzir as expectativas inflacionárias e frear as pressões inflacionárias desta fonte. Isso não aconteceu, mas houve uma acentuada redução dos depósitos em poupança e em papéis financeiros, que chegou a 13,2%. Como assinalou Dias Carneiro, essa política resultou em “ ... crédito barato para o consumo e para o capital ativo, taxas de juros negativas para as poupanças individuais, um enorme subsídio concedido às hipotecas e aos devedores do BNDE ... “. Dionísio Dias Carneiro, “Long-Run Adjustment, Debt Crisis and the Changing Role of Stabilization Policies in the Recent Brazilian Experience”, mimeo, Rio de Janeiro, junho de 1985, p. 16. É claro que a desindexação redistribuiria os recursos e a renda não só dos poupadores para o governo, mas também para os tomadores de recursos indexados, tais como os devedores individuais do BNH ou as empresas em dívida com o BNDES.53 53 É interessante notar que entre a metade da década de 1970 e o início da de 1980 mudou o perfil dos possuidores da dívida indexada do governo, conforme se mostra nos dados a seguir sobre a dívida a longo prazo do governo (ORTN): 1975 1983 Bancos comerciais 25,97% 10, 12% Banco do Brasil 3,78% 1, 76% Bancos de investimento 0,19% 0,86% Bancos estaduais de desenvolvimento 0,13% 0,10% BNH 18,74% 2,18% BNDES 9,51% 2, 15% Banco Central 2,85% 55,86% Caixas Econômicas 3,37% 0,70% Orgãos públicos não financeiros 6,00% 3,34% Outros 29,46% 22,93% TOTAL 100,00% 100,00% Fonte: Calculados a partir de dados do Boletim do Banco Central, por Luiz Chrysostomo Filho, PUC/RJ, 1985.

CONTROLE DA INFLAÇÃO ATRAVÉS DA ALTERAÇÃO DOS ÍNDICES

Desde a metade da década de 1970 várias tentativas foram feitas para controlar as taxas de inflação através da manipulação dos índices. O índice do custo de vida (INPC), no qual os reajustes salariais se baseavam, foi expurgado das “acidentalidades”. Ou seja, altas de preços devidas a eventos “não habituais e não recorrentes”, tais como secas ou choques externos, foram expurgadas do índice de preços. Desde junho de 1983 cinco principais índices de preços brasileiros foram sujeitos a ajustamentos. Comparando-se o índice regular com o expurgado, vê-se que em 1984 o índice geral de preços ajustado cresceu em 203%, enquanto o não ajustado cresceu em 221%; o índice ajustado de preços no atacado cresceu em 209%, enquanto o não ajustado cresceu em 233%; e o índice ajustado do custo de vida no Rio de Janeiro subiu em 190%, enquanto o não ajustado cresceu em 197%.54 54 A justificativa para o ajuste dos índices pode ser encontrada em Conjuntura Econômica, set. 1983; para uma discussão mais profunda da questão, ver também, Peter Knight, “Brasil: Deindexation ... “, op. cit., pp. 11-24 e Anexo I. Alguma manipulação também ocorreu com o índice utilizado para a correção monetária. O índice para a correção da dívida do governo (ORTN) foi várias vezes menor que o índice geral de preços (ver Tabela 2). Isso representou uma redistribuição de renda e de recursos tanto para o governo como para devedores com correção, tais como os clientes do BNH e empresas que haviam recebido empréstimos indexados do BNDES. Os perdedores foram os poupadores forçados e os depositantes em poupança.

A manipulação dos índices nunca foi tão drástica (exceto em 1980)55 55 Ver a nota 52. a ponto de provocar uma acentuada redistribuição de renda e de recursos

ou uma fuga dramática dos instrumentos financeiros indexados. A indexação financeira, no entanto, tornou-se um encargo crescente do governo em seu orçamento monetário, e na metade da década de 1980 houve especulação quanto a ser a desindexação um componente essencial para um programa bem-sucedido de estabilização. Mas, dado o grande compromisso com ampla parcela do público em instrumentos indexado, a desindexação foi considerada econômica e politicamente impossível, a não ser que acompanhada por congelamento de preços e salários.56 56 Ver as propostas de Francisco Lafaiete Lopes, “Inflação Inercial, Hiperinflação e Desinflação: Notas e Conjeturas”, in Revista da ANPEC, ano 7, n. 8, nov. 1984, pp. 68-69.

CONTROLE DE PREÇOS

Deve-se assinalar que ao longo do período em análise o Brasil tinha um sistema de controle de preços nos setores industrial e agrícola. Sua extensão e uso variavam com o tempo. Por exemplo, em 1980 muitos bens industriais e agrícolas foram liberados do controle, mas em 1983 o controle passou novamente a ser mais rígido. É óbvio que esses controles não foram usados para eliminar a inflação. No máximo, eram usados como uma maneira de prevenir uma súbita e generalizada explosão de preços.57 57 Uma descrição recente dos controles de preços no Brasil pode ser encontrada no Relatório da Missão do FMI no Brasil, 23.4.1984, pp. 19-20. Como as empresas de setores com preços controlados devem justificar aumentos de preços com base nos custos, o sistema de controle no máximo previne aumentos excessivos, mas não é um sistema que possa forçar certos setores a absorver choques externos ou internos. Isto explica a existência de controle de preços juntamente com a inflação.

Os preços das empresas estatais também têm sido usados como instrumentos para controlar surtos inflacionários. Essas tentativas tiveram apenas impactos de curta duração, pois mais cedo ou mais tarde as perdas resultantes das empresas afetadas tinham que ser compensadas por subsídios governamentais ou empréstimos externos para cobrir gastos de investimento ou mesmo despesas de custeio. Os subsídios obviamente aumentam as despesas do governo e resultam assim na redução de um superávit orçamentário ou no aumento de um déficit já existente, e mais cedo ou mais tarde, quando os preços destas empresas tiverem que ser ajustados, haverá um surto inflacionário corretivo típico. No período 1973-1983, os preços do petróleo e derivados estiveram à frente do índice de inflação na maioria dos anos, os preços da energia elétrica estiveram atrás da inflação em 8 de 11 anos, enquanto os preços de outros serviços públicos estiveram atrás em anos de elevados surtos inflacionários (por exemplo, 1980 e 1982 - ver Tabela 14).

TABELA 14
1) EVOLUÇÃO DOS PREÇOS DOS DERIVADOS DE PETRÓlEO E DA ENERGIA ELÉTRICA, 1973-1984 (ALTERAÇÕES PERCENTUAIS)

2) ALTERAÇÕES DE PREÇOS DE PRODUTOS SUJEITOS AO CONTROLE DE PREÇOS DO GOVERNO (ALTERAÇÕES EM PERCENTUAIS)

CONCLUSÃO

Este estudo fez-me chegar à conclusão de que as explicações neo-estruturalistas da retomada da inflação no Brasil aproximam-se mais das raízes do problema que as da escola ortodoxa. Esta última trata mais dos sintomas do que das causas básicas do processo inflacionário. A estrutura institucional do Brasil e o comportamento de seus componentes parecem explicar o surto inflacionário desde 1973:

  • 1) nas décadas de 1970 e 1980 os choques externos e internos foram passados adiante através do sistema de indexação e através dos poderes oligopólicos de muitos setores essenciais, que constantemente tomavam medidas para manter sua porção do produto nacional;

  • 2) por razões políticas o governo não podia aceitar uma recessão até o início da década de 1980, e por isto apoiou constantemente projetos de investimentos privados e estatais;

  • 3) os salários não podiam ser comprimidos de modo semelhante ao da década de 1960;

  • 4) através de um arranjo fiscal e monetário flexível (orçamento monetário) o Estado podia evitar rígidas decisões de alocação, o que era conveniente no contexto da abertura política, em que era desejável evitar confrontos abertos;

  • 5) também ficava cada vez mais evidente que a obrigatoriedade da indexação mantinha o governo numa armadilha - como uma proporção crescente dos gastos públicos consistia de encargos financeiros (juros + correção monetária), o governo tinha que ou financiar o déficit através de mais emissão de moeda, ou atingir os mercados financeiros, elevar as taxas de juros, aumentando ainda unais o custo de sua própria dívida, enquanto descapitalizava o setor privado.

Havia vários problemas com os remédios ortodoxos recomendados pelo FMI.

O maior deles era a sua suposição errada quanto à maneira como a economia funciona - por exemplo, mercados competitivos, flexibilidade de preços - e as complicações em seguir políticas tradicionais numa economia indexada. O resultado é que na década de 1980 as políticas do FMI produziram uma grande recessão sem resolver o problema da inflação. É por esta razão que políticas heterodoxas do tipo sugerido por Bresser-Pereira e Nakano e por Lopes terão que ser finalmente adotadas.

Epílogo: A reforma monetária de 198658 58 O novo plano foi adotado quando este ensaio já havia sido escrito. Como ele representa algo dramático no processo inflacionário brasileiro dos últimos 10 anos, achei que uma rápida descrição de seu impacto inicial e de suas implicações a longo prazo seria apropriada. -É claro que será necessário muito mais tempo e pesquisa para compreender plenamente o impacto do plano. *

Em 28 de fevereiro de 1986, o Decreto-Lei n. 2.283 foi assinado pelo presidente Sarney. Esse decreto (e sua versão revista, o Decreto-Lei n. 2.284) impôs as seguintes medidas: 1) um congelamento geral de preços e um congelamento parcial de salários e outros ganhos;”59 59 Os salários receberam um tratamento especial, com seu valor médio real estimado para os seis meses anteriores e depois elevado em 8%, e o salário-mínimo elevado em 15%. Ver Gustavo Maia Gomes, “Monetary Reform in Brazil”, mimeo, maio de 1986, pp. 10-11. 2) uma proibição de contratos de menos de um ano com cláusulas de indexação; 3) a criação de uma nova unidade monetária, o cruzado, substituindo o velho cruzeiro (Cz$ 1,00 sendo igual a Cr$ 1.000); 4) não havia referência explícita nos decretos à taxa de câmbio, mas ficou evidente que o governo iria mantê-la fixada em Cz$ 13,80 por dólar norte-americano.60 60 Uma descrição completa dos decretos-leis do cruzado pode ser encontrada em Conjuntura Econômica, março de 1986. A edição seguinte dessa revista (abril de 1986) continha um painel com vários economistas de destaque no Brasil sobre vários aspectos do Plano Cruzado.

Esta reforma (ou Plano Cruzado) foi imposta porque a inflação brasileira continuava em níveis elevados depois da aguda recessão de 1981-1983. Enquanto a economia se recuperava em 1984 e 1985, com o PIB real crescendo a 4,5 e 8,3% respectivamente, 61 61 A rápida expansão econômica de 1984 teve como base principal o forte crescimento das exportações, enquanto o crescimento de 1985 deveu-se em grande parte a um aumento real de 12% nos salários, que produziu um rápido crescimento do consumo interno. a inflação explodia em 224 e 235% nesses dois anos.

O Plano Cruzado refletia a influência de economistas que diagnosticavam a inflação brasileira como sendo principalmente do tipo “inercial”.62 62 Logo após a adoção do Plano Cruzado alguns dos principais autores de suas formulações (dentro e fora do governo) publicaram livros com ensaios que continham algumas das ideias e teorias que entraram em sua elaboração. Ver Francisco Lopes, O Choque Heterodoxo: Combate à Inflação e Reforma Monetária, Rio de Janeiro, Campus, 1986; Pérsio Arida (ed.), Inflação Zero, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986; ver especialmente o ensaio por Pérsio Arida e André Lara Resende, “Inflação Inercial e Reforma Monetária”, pp. 11-35; Eduardo Modiano, Da Inflação ao Cruzado, Rio de Janeiro, Campus, 1986. Eles haviam assumido gradualmente uma posição dominante no novo governo civil do presidente Sarney (que assumiu em março de 1985) contra os grupos que viam a inflação de maneira ortodoxa63 63 Basicamente representados pelo ministro da Fazenda, Francisco Dorneles, e pelo presidente do Banco Central, Antonio Lemgruber, que renunciaram no final de agosto de 1985. e que pressionavam por remédios tradicionais que levariam a uma nova recessão, o que era politicamente inaceitável.

O sucesso do Plano Cruzado dependia do grau em que o processo inflacionário fosse “inercial” em sua natureza. Na medida em que era impulsionado por fatores de demanda, o Plano não seria suficiente para colocar a inflação sob controle a longo prazo. Conforme afirmou Maia Gomes, “ ... vários indicadores sugeriam, já no último trimestre de 1985, que a indexação, formal ou informal, não podia explicar totalmente a inflação brasileira. Por um lado, a inflação estava se acelerando, algo que não pode ser tratado em termos de inércia. Além disto ... a taxa de utilização da capacidade instalada estava se aproximando de 100% em alguns setores industriais ... Também havia evidência abundante de que o déficit do setor público cresceu de 1984 ao final de 1985”.64 64 Maia Gomes, op.cit. pp. 13-14. De fato, antes de 28 de fevereiro de 1986, o governo adotara medidas para tratar dos fatores de demanda. Houve uma unificação parcial dos orçamentos fiscal e monetário em agosto de 1985 para melhor controlar as despesas; a conta movimento do Banco do Brasil foi congelada; foi criada uma Secretaria do Tesouro no Ministério da Fazenda para centralizar o controle sobre todos os gastos públicos; e em dezembro de 1985 o Congresso aprovou a Lei n. 7.450, que aumentava substancialmente as alíquotas de impostos sobre operações financeiras, obrigava as empresas a recolher o imposto de renda duas vezes por ano e elevava a carga do imposto de renda das pessoas físicas. Finalmente, logo antes da adoção do Plano Cruzado, o Conselho Monetário Nacional reduziu o prazo máximo para o crédito ao consumidor de 12 para 4 meses.

O impacto imediato do Plano Cruzado foi bastante positivo, tanto do ponto de vista econômico como do político. O índice geral de preços mensal passou de uma alta de 22% em fevereiro de 1986 para uma queda de 1% em março, uma nova queda de 0,6% em abril e uma alta de 0,7% em maio. Enquanto isso, o crescimento econômico acelerou-se na primeira metade do ano, com o surto sendo liderado por bens de consumo duráveis, automóveis, tratores etc.

Avaliação preliminar do Plano Cruzado

O objetivo principal do Plano ao congelar salários e preços foi terminar com a inflação inercial. O congelamento significava uma política de renda, e sua natureza drástica, vinda depois de uma inflação que parecia cada vez mais fora de controle, arregimentou a população ao lado do presidente, com milhões de cidadãos tornando-se voluntariamente “fiscais do Sarney” para denunciar o desrespeito aos preços tabelados. Esse entusiasmo popular tornou bastante viável uma política de renda a curto prazo. Dentro de alguns poucos meses, no entanto, vários problemas começaram a surgir, parecendo desafiar seriamente o sucesso final do Plano. Entre os maiores problemas estão:

  • 1) o impacto de alocação do congelamento de preços e salários. Embora o congelamento, ao deter a inflação em sua trajetória, devesse reverter as expectativas inflacionárias e assim eliminar os aspectos inerciais da inflação, houve o efeito colateral negativo de eliminar temporariamente o funcionamento do mecanismo dos preços como alocador de recursos. E se o congelamento for mantido por muito tempo, sérias distorções ocorrerão.

Como a inflação brasileira ainda não havia alcançado um nível de hiperinflação no momento do congelamento, todos os agentes ajustavam seus preços a intervalos discretos. Assim, em 28 de fevereiro, alguns setores que haviam ajustado seus preços exatamente antes do congelamento, estavam em posição vantajosa, enquanto outros, que tinham planejado reajustes para pouco tempo depois, ficaram em desvantagem. Um estudo de 311 produtos mostrou que 84 itens estavam na primeira categoria, 35 tiveram reajustes que os mantiveram ao par no momento do congelamento, enquanto 192 produtos ficaram para trás. Os últimos incluíam leite, automóveis, carne e vários bens duráveis.65 65 Para os dados específicos, ver Angelo Jorge de Souza, “Inflação e Preços Relativos”, Conjuntura Econômica, abril de 1986, pp. 29-30.

Enquanto todos os economistas do governo concordam em que o congelamento de preços deverá ser temporário, restam dúvidas quanto ao momento e à maneira de suspendê-lo. O maior receio é que um descongelamento prematuro possa reintroduzir as expectativas inflacionárias e reviver as condições da inflação inercial.

Na metade de 1986, no entanto, ficava cada vez mais evidente que a continuação do congelamento, sem reajustes, causaria falta de produtos, como era o caso da carne e do leite. Em vez de alterar os preços relativos destes produtos, o governo decidiu importá-los. Isto significa que quem toma as decisões está disposto a gastar reservas de divisas em importação de alimentos a fim de manter o congelamento de preços perto da inflação zero, em vez de gastá-las na importação de bens de capital.

Os preços dos serviços públicos (especialmente da energia elétrica) também estavam atrasados no momento do congelamento. Isto criou uma situação de crescentes déficits das empresas estatais de serviços públicos, pressionando o governo a subsidiar tanto suas operações de custeio quanto seus programas de investimentos. Estes últimos não podiam ser adiados, pois do contrário ocorreriam crises, com a continuação do crescimento rápido.

Finalmente, o governo começou a preocupar-se cada vez mais com várias tentativas de contornar o congelamento, por exemplo, elevando os preços pela oferta de produtos supostamente novos, reduzindo fraudulentamente o conteúdo das embalagens, pedindo o pagamento de ágio para o fornecimento de vários duráveis etc.;

  • 2) crescimento excessivo. O Plano Cruzado resultou numa continuação (e mesmo aceleração) do crescimento econômico, em grande parte baseado nos gastos de consumo. Este último foi estimulado pelo seguinte: aumento substancial dos salários reais; eliminação da indexação dos depósitos em poupança, o que provocou uma grande retirada das contas de poupança, com muitos destes recursos sendo gastos em bens de consumo; a vantagem dos preços de muitos bens, cujo nível relativo estava em atraso no momento do congelamento.

Com o aquecimento continuando nos meses depois da adoção do plano, muitos setores estavam se aproximando do esgotamento de sua capacidade instalada, com poucas esperanças de aumentá-la a curto prazo. Os investimentos públicos haviam sido cortados devido aos esforços anteriores de estabilização, e o congelamento de preços dificultou a muitas empresas de serviços públicos a geração de capacidade interna de financiamento de tais investimentos. Os investimentos privados continuaram reduzidos devido ao subjacente ceticismo quanto ao êxito final do Plano e à posição desfavorável de muitas empresas colhidas em atraso pelo congelamento.

Os reduzidos investimentos na economia brasileira em geral na metade da década de 1980 eram resultado de uma baixa taxa de poupança. Se na metade da década de 1970 a relação investimento/PIB tinha chegado a 25%, caiu para 16% na metade da década de 1980. As explicações macro para esta tendência estão na severa recessão de 1981-1983, que foi seguida pelas altas taxas de crescimento da metade da década de 1980, baseadas em gastos de consumo, e no fato de que o Brasil se tornou um exportador de capital devido à sua enorme dívida externa. O serviço da dívida chegava a 5% do PIB;

  • 3) embora o governo, conforme já foi dito acima, tenha adotado uma reforma tributária antes do Plano Cruzado, o déficit orçamentário não parecia estar sob controle nos primeiros cinco meses do plano. Aparentemente, eram vários os fatores desta situação: a) o Decreto-Lei n. 2.284 isentou as grandes empresas da apresentação de declaração de renda duas vezes por ano, reduzindo assim a entrada de dinheiro esperada após a Lei n. 7.450; b) a Lei n. 7.450 também previa maiores tributos sobre as operações financeiras. No entanto, a repentina queda da inflação e a eliminação da correção monetária resultaram em redução das atividades financeiras, com o dinheiro antes aplicado no mercado de títulos públicos sendo deslocado para outras aplicações, produzindo uma queda na renda do setor financeiro; c) as empresas estatais colhidas em atraso pelo congelamento aumentaram sua dependência de subsídios do governo; d) as despesas correntes do governo foram afetadas pelo Plano devido à adoção do seguro desemprego baseado em fundos públicos e devido ao aumento geral de salários que também ocorreu no setor público;66 66 Maia Gomes, op. cit., pp. 24-25.

  • 4) um subproduto interessante do Plano Cruzado foi o rápido aumento da oferta de moeda. Por exemplo, M1, que caiu 6,3% em janeiro e cresceu em 12,9% em fevereiro, saltou subitamente a um crescimento de 76,9% março e 20,4% em abril. Isso refletia um rápido aumento da demanda de dinheiro resultante do súbito declínio da inflação. Assim, na medida em que a maior oferta de moeda se coadunava com a maior demanda, não havia impacto inflacionário, e a continuação dos déficits orçamentários financiados pela emissão de moeda também não tinha efeito inflacionário prejudicial imediato. Na metade de 1986, porém, não estava claro quais seriam os limites de uma tal expansão monetária não inflacionária;67 67 Contador afirma que “ ... estudos empíricos estimaram que uma flexibilidade de renda na demanda por moeda de 0,7, e um parâmetro em relação às expectativas inflacionárias situando-se entre -0,6 e - 0,9. Supondo-se um crescimento real do PIB de 5% em 1986 e uma queda das expectativas inflacionárias até 200%, estimou-se que a oferta nominal de moeda poderia crescer mais de 150% sem pressão inflacionária. A base monetária atual é de cerca de 2% do PIB, e com uma expansão não inflacionária da moeda torna-se possível que o governo tenha um déficit orçamentário de até 3% do PIB ... “. Cláudio R. Contador, “O espaço para o déficit público em 1986”, in Conjuntura Econômica, abril de 1986, p. 47.

  • 5) no momento da reforma, a posição externa do Brasil era favorável. A taxa de câmbio favorecia as exportações; havia um superávit comercial desde 1983, que permitiu ao país acumular mais de 11 bilhões de reservas em divisas; a desvalorização do dólar em relação às moedas de alguns parceiros comerciais do Brasil ajudou a fortalecer sua competitividade na exportação; e a queda do preço do petróleo no mercado internacional manteve as importações em nível relativamente baixo. Desse modo, as pressões inflacionárias do setor externo eram mínimas e a maior liquidez associada com reservas crescentes eram facilmente absorvidas pela crescente demanda de moeda.

A permanência de tais condições favoráveis pode ser crucial para o êxito do Plano Cruzado, pois uma taxa de câmbio estável poderia ser considerada um fundamento de uma contínua estabilidade. Conforme assinalou Maia Gomes, “ ... é importante que o governo evite a desvalorização do cruzado em relação ao dólar pelo maior tempo possível. A ideia central de que a reforma monetária, ao livrar-se do cruzeiro, tenha criado uma moeda estável, dificilmente seria mantida se o cruzado passasse a ser desvalorizado da maneira como ocorria frequentemente com o cruzeiro. Se as pessoas não acreditam que o cruzado tem um valor estável, comportar-se-ão de acordo: as expectativas inflacionárias voltarão à cena e todo o plano ruirá”. E, como uma desvalorização do cruzado aumentaria os custos de muitos produtos, “ ... seria impossível evitar que as empresas repassassem aos preços finais o aumento de custos que se seguiria a uma desvalorização ... “. E assim ele conclui que “ ... o Brasil terá que seguir um regime de câmbio fixo pelos próximos meses”.68 68 Maia Gomes, op. cit., pp. 31-32.

A minha conclusão provisória é que o sucesso a longo prazo do Plano Cruzado na eliminação da inflação na economia brasileira dependerá da possibilidade de restaurar o sistema de preços de tal maneira a evitar o ressurgimento de uma disputa por parcelas da renda, e também da exequibilidade em persuadir os grupos socioeconômicos a aumentar a poupança, que tornará possível um novo crescimento dos investimentos.

  • 1
    Werner Baer, The Brazilian Economy: Growth and Development, segunda edição (Nova Iorque, Praeger, 1983), cap. 5.
  • 2
    Werner Baer, “The lnflation Controversy in Latin America”, Latin American Research Review
  • 3
    Conjuntura Económica, março de 1985, p. 13.
  • 4
    Antonio Carlos Lemgruber, “Real Output - Inflation trade-offs, monetary growth and rational expectations in Brazil - 1950/79”, in Brazilian Economic Studies, n. 8, 1984, Rio de Janeiro, IPEA/INPES, 1984, p. 70.
  • 5
    Claudio R. Contador, “Crescimento Econômico e o Combate à Inflação’, Revista Brasileira de Economia, jan.-mar. 1977, p. 163.
  • 6
    Claudio R. Contador, “Reflexões sobre o Dilema entre Inflação e Crescimento Econômico na Década de 80”, Pesquisa e Planejamento Econômico, abril 1985, pp. 40-41.
  • 7
    Fernando de Holanda Barbosa, A Inflação Brasileira no Pós-Guerra, Rio de Janeiro, IPEA/INPES, 1983, p. 222.
  • 8
    Luiz Bresser-Pereira e Yoshiaki Nakano, Inflação e Recessão, São Paulo, Brasiliense, 1984; Francisco Lafaiete Lopes, “Inflação Inercial, Hiperinflação e Desinflação: Notas e Conjeturas”, Revista da ANPEC, ano VII, n. 8, nov. 1984, pp. 55-71.
  • 9
    Bresser-Pereira e Nakano, op. cit., pp. 19-20; L. A. Corrêa do Lago, M. H. Costa, P. Nogueira Batista Jr. e T. B. B. Ryff, O Combate à Inflação no Brasil, Rio de Janeiro, Paz e· Terra, 1984, pp. 32-33.
  • 10
    Bresser-Pereira e Nakano, op. cit., p. 25.
  • 11
    Idem, ibidem.
  • 12
    ldem, pp. 27-28.
  • 13
    Correa do Lago et alii, O Combate ... , op. cit., p. 29.
  • 14
    Bresser-Pereira e Nakano, op. cit., p. 30
  • 15
    Idem, p. 62.
  • 16
    Idem, p. 37.
  • 17
    Idem, pp. 66-67.
  • 18
    Idem, pp. 39-40
  • 19
    Idem, p. 27.
  • 20
    Idem, p. 51.
  • 21
    Idem, p. 52.
  • 22
    Lopes, op. cit.; ver também André Lara Resende e Francisco L. Lopes, “sobre as Causas da Recente Aceleração Inflacionária”, Pesquisa e Planejamento Econômico, dez. 1981; Francisco L. Lopes e Eduardo Modiano, “Indexação, Choque Externo e Nível de Atividade: Notas sobre o Caso Brasileiro”; Pesquisa e Planejamento Econômico, abril 1983.
  • 23
    Idem, p. 56.
  • 24
    Idem, p. 58.
  • 25
    Idem, p. 58.
  • 26
    Idem, pp. 64-65.
  • 27
    Riordan Roett, Brazil: Politics in a Patrimonial Society, Nova Iorque, Praeger, 1984.
  • 28
    República Federativa do Brasil, Projeto do II Plano Nacional de Desenvolvimento, PND (1975-1979), Brasília: set. 1974.
  • 29
    Baer, The Brazilian Economy, p. 122. Luiz C. Bresser -ereira e Yoshiaki Nakano também fazem a interpretação da disputa por parcelas da renda para a retomada da inflação nos anos 1974-1979. Ver Inflação e Recessão, São Paulo, Brasiliense, 1984, pp. 25, 37 e 62.
  • 30
    O quadro salarial da década de 1970 está longe de ser plenamente claro. Havia muitas diferenças setoriais e também na mensuração dos salários, que mostram salários reais em queda até 1976. Ver Russell E. Smith, Wage lndexation and Money Wages in Brazilian Manufacturing: 1964-1978, tese de doutorado, Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, 1985, cap. 5; também, Roberto Macedo, “Wage Indexation and lnflation: the Recent .. ed. Rudiger Dornbusch e Mario H. Simonsen, Cambridge, MIT Press, 1983, pp. 131-159.
  • 31
    Embora o grau de defasagem houvesse se mantido bastante próximo ao diferencial entre as taxas do Brasil e dos seus parceiros comerciais na década de 1970, poderia se argumentar que no momento do primeiro choque do petróleo a taxa de câmbio já estava supervalorizada. Também, como no final da década os Estados Unidos pressionaram o Brasil para eliminar seu programa de incentivo às exportações, tornava-se mais e mais necessário que o Brasil compensasse isto com uma maior taxa de desvalorização.
  • 32
    Maria Sílvia Bastos Marques, Inflação, Política Econômica, Mecanismos de Realimentação e Choques de Oferta: 1973-83, mimeo, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, Instituto Brasileiro de Economia, Centro de Estudos Monetários e de Economia Internacional, set. 1984, pp. 79-81. Outra versão desse estudo foi publicada mais tarde com o título “A aceleração inflacionária no Brasil. 1973-83”, Revista Brasileira de Economia, vol. 39, n. 4, out.-dez. 1985, pp. 343-384.
  • 33
    Em 1983-84 os subsídios nas taxas de juros do crédito agrícola foram eliminados. Isto aumentou substancialmente os custos agrícolas e assim contribuiu para aumentos dos preços agrícolas.
  • 34
    Para uma discussão da estrutura oligopólica da indústria brasileira e seu uso da elevação de preços, ver Bresser-Pereira e Nakano, op. cit., pp. 26-27.
  • 35
    Macedo, op. cit., p. 135.
  • 36
    Bastos Marques, op. cit., pp. 83-84.
  • 37
    Macedo mostra que o órgão de controle de preços do governo, a CIP, era bastante tolerante em deixar que se repassasse o aumento de custos para preços mais elevados, incluindo os salários. Mas ele também mostra que a nova lei salarial do final de 1979 não foi desencadeadora de inflação. Macedo, op. cit., p. 150. À mesma conclusão chegou outro pesquisador numa investigação econométrica mais formal. Ver José Márcio Camargo, “Salário Real e Indexação Salarial no Brasil: 1969/81 “, Pesquisa e Planejamento Econômico, abril 1984, pp. 137-160.
  • 38
    Peter T. Knight, “Brazil: Deindexation, Economic Stability, and Structural Adjustment”, mimeo, 5.7.1984, p. 34.
  • 39
    A oferta de moeda também era influenciada pela possibilidade de tomadores da dívida externa depositarem o dinheiro emprestado no Banco Central (pela Resolução n. 432 e pela Circular n. 320 do Banco Central - para empréstimos externos a empresas segundo a Lei n. 4.131 - e repasse a intermediários financeiros - Resolução n. 63). As empresas podiam fazer depósitos voluntários do equivalente em cruzeiros (à taxa de câmbio então vigente); estes depósitos podiam ser retirados em cruzeiros à taxa em vigor no momento da retirada. Enquanto depositado o montante, o Banco Central assumia todas as obrigações do serviço do empréstimo em moeda estrangeira. Em 1977 o Banco Central tornou obrigatórios os depósitos de empréstimos do exterior a fim de aliviar o impacto monetário destes empréstimos, mas isto foi gradualmente abandonado. Assim, ... a decisão de fazer ou retirar depósitos voluntários depende do custo do crédito em cruzeiros em relação ao custo esperado do crédito em dólares, incluindo a depreciação esperada da taxa de câmbio, introduzindo um determinante da oferta de moeda que não era controlado diretamente pelas autoridades monetárias. Desse modo, quando aumenta a probabilidade de uma maxidesvalorização, há fortes incentivos a obter cruzeiros e fazer tais depósitos, o que tem o efeito de contrair a oferta de moeda e pressionar para cima as taxas internas de juros ... Entre o final de dezembro de 1978 e o final de março de 1984, o valor dos empréstimos externos depositados no Banco Central cresceu em 80% a 12,2 bilhões de dólares, com um significativo impacto de contração da oferta de moeda ... “ Knight, “Brazil: Deindexation ... “, op. cit., p. 30.
  • 40
    É interessante assinalar que em um dos primeiros documentos oficiais de planejamento do novo governo, que assumiu em março de 1985, afirma-se que “o Governo Federal não tem à sua disposição um sistema de controle que lhe permita prever ou mesmo acompanhar a evolução do déficit público com um grau desejável de precisão. A precariedade das estimativas é devida a um grande número de truques contábeis e de contas abertas que permitem vários tipos de interconexões entre os diferentes orçamentos”. SEPLAN­PR, Presidência da República, Secretaria de Planejamento, Diretrizes Gerais de Política Econômica: Notas para o I PND da Nova República, Brasília, maio de 1985, p. 7. Para outra discussão das dificuldades encontradas para medir os orçamentos, ver Maria Sílvia Bastos Marques, op. cit., pp. 34-39.
  • 41
    Luiz Aranha Correa do Lago, Margaret Hanson Costa, Paulo Nogueira Batista Jr. e Tito Bruno Bandeira Ryff, O Combate à Inflação no Brasil: Uma Política Alternativa, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1984. Esses autores afirmam que “ ... o Banco do Brasil opera com uma razão (de depósitos à vista para empréstimos) que é muito mais baixa que a dos bancos privados, o que é evidência de que conta com uma fonte adicional de fundos, que é a conta movimento ... “, p. 47.
  • 42
    Idem, p. 45; Maria Sílvia Bastos Marques, op. cit., pp. 24-31.
  • 43
    Mario H. Simonsen, “Inflation and Anti-Inflationary Policies in Brazil”, Brazilian Economic Studies, 8, Rio de Janeiro, IPEA, 1984, PP: 8-9.
  • 44
    As mais completas análises destas reformas institucionais podem ser encontradas nos estudos de Jorge Vianna Monteiro, Fundamentos da Política Pública, Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1982, cap. 7; “Uma Análise do Processo Decisório no Setor Público: O Caso do Conselho de Desenvolvimento Econômico - 1979-81 “, in Pesquisa e Planejamento Econômico, abril de 1983; “Mecanismos Decisórios da Política Econômica no Brasil”, in Revista IBM, n. 16, junho de 1983, Rio de Janeiro, IBM, 1983; “Organização e Disfunções da Política Econômica”, in Dívida Externa, Recessão e Ajuste Estrutural: o Brasil diante da Crise, ed. Pérsio Arida, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983.
  • 45
    Simonsen, op. cit., p. 10.
  • 46
    Para maiores detalhes, ver citações de Monteiro na nota 20.
  • 47
    Baer, The Brazilian Economy; cap. 10; Francisco L. Lopes e Eduardo Modiano, “Indexação, Choque Externo e Nível de Atividade: Notas sobre o Caso Brasileiro”, Pesquisa e Planejamento Econômico, abril de 1983; Fernando de Holanda Barbosa, A Inflação Brasileira no Pós-Guerra: Monetarismo Versus Estruturalismo, IPEA/PNPE, Rio de Janeiro, 1983, cap. 2; Fernando de Holanda Barbosa, “Inflação e Indexação”, Conjuntura Econômica, n. 4, abril de 1984.
  • 48
    Baer, The Brazilian Economy, cap. 10.
  • 49
    De acordo com o documento de planejamento do governo brasileiro de 1985, “ ... o pagamento de juros, de acordo com as estimativas atuais, absorve não menos que 20,5% das receitas do setor público ... “. Diretrizes ... , op. cit., p. 10. Ver também Dionísio Carneiro Neto e Eduardo Modiano, “Inflação e Controle do Déficit Público: Análise Teórica e Algumas Simulações para a Economia Brasileira”, in Revista Brasileira de Economia, out.-dez. 1983; Eliana Cardoso, “Imposto Inflacionário, Dívida Pública e Crédito Subsidiado”, Pesquisa e Planejamento Econômico, dez. 1982; Rudiger Dornbusch, in John Williamson (ed.), Inflation and Indexation: Argentina, Brazil and Israel, Washington, D.C., Institute for lnternationai Economics, 1985, p. 52.
  • 50
    Fernando de Holanda Barbosa, A Inflação Brasileira ... , op. cit., p. 29.
  • 51
    Peter T. Knight, “Brazil: Deindexation ... “, op. cit., p. 41.
  • 52
    Isso ocorreu, de fato, em 1980. No início daquele ano, o governo anunciou um limite máximo de correção monetária para o ano de 45%. Em 1979 a inflação havia chegado a quase 77% e em 1980 acabou atingindo os 110%. O limite na correção monetária era destinado a reduzir as expectativas inflacionárias e frear as pressões inflacionárias desta fonte. Isso não aconteceu, mas houve uma acentuada redução dos depósitos em poupança e em papéis financeiros, que chegou a 13,2%. Como assinalou Dias Carneiro, essa política resultou em “ ... crédito barato para o consumo e para o capital ativo, taxas de juros negativas para as poupanças individuais, um enorme subsídio concedido às hipotecas e aos devedores do BNDE ... “. Dionísio Dias Carneiro, “Long-Run Adjustment, Debt Crisis and the Changing Role of Stabilization Policies in the Recent Brazilian Experience”, mimeo, Rio de Janeiro, junho de 1985, p. 16.
  • 53
    É interessante notar que entre a metade da década de 1970 e o início da de 1980 mudou o perfil dos possuidores da dívida indexada do governo, conforme se mostra nos dados a seguir sobre a dívida a longo prazo do governo (ORTN):
    1975 1983 Bancos comerciais 25,97% 10, 12% Banco do Brasil 3,78% 1, 76% Bancos de investimento 0,19% 0,86% Bancos estaduais de desenvolvimento 0,13% 0,10% BNH 18,74% 2,18% BNDES 9,51% 2, 15% Banco Central 2,85% 55,86% Caixas Econômicas 3,37% 0,70% Orgãos públicos não financeiros 6,00% 3,34% Outros 29,46% 22,93% TOTAL 100,00% 100,00% Fonte: Calculados a partir de dados do Boletim do Banco Central, por Luiz Chrysostomo Filho, PUC/RJ, 1985.
  • 54
    A justificativa para o ajuste dos índices pode ser encontrada em Conjuntura Econômica, set. 1983; para uma discussão mais profunda da questão, ver também, Peter Knight, “Brasil: Deindexation ... “, op. cit., pp. 11-24 e Anexo I.
  • 55
    Ver a nota 52.
  • 56
    Ver as propostas de Francisco Lafaiete Lopes, “Inflação Inercial, Hiperinflação e Desinflação: Notas e Conjeturas”, in Revista da ANPEC, ano 7, n. 8, nov. 1984, pp. 68-69.
  • 57
    Uma descrição recente dos controles de preços no Brasil pode ser encontrada no Relatório da Missão do FMI no Brasil, 23.4.1984, pp. 19-20.
  • 58
    O novo plano foi adotado quando este ensaio já havia sido escrito. Como ele representa algo dramático no processo inflacionário brasileiro dos últimos 10 anos, achei que uma rápida descrição de seu impacto inicial e de suas implicações a longo prazo seria apropriada. -É claro que será necessário muito mais tempo e pesquisa para compreender plenamente o impacto do plano.
  • 59
    Os salários receberam um tratamento especial, com seu valor médio real estimado para os seis meses anteriores e depois elevado em 8%, e o salário-mínimo elevado em 15%. Ver Gustavo Maia Gomes, “Monetary Reform in Brazil”, mimeo, maio de 1986, pp. 10-11.
  • 60
    Uma descrição completa dos decretos-leis do cruzado pode ser encontrada em Conjuntura Econômica, março de 1986. A edição seguinte dessa revista (abril de 1986) continha um painel com vários economistas de destaque no Brasil sobre vários aspectos do Plano Cruzado.
  • 61
    A rápida expansão econômica de 1984 teve como base principal o forte crescimento das exportações, enquanto o crescimento de 1985 deveu-se em grande parte a um aumento real de 12% nos salários, que produziu um rápido crescimento do consumo interno.
  • 62
    Logo após a adoção do Plano Cruzado alguns dos principais autores de suas formulações (dentro e fora do governo) publicaram livros com ensaios que continham algumas das ideias e teorias que entraram em sua elaboração. Ver Francisco Lopes, O Choque Heterodoxo: Combate à Inflação e Reforma Monetária, Rio de Janeiro, Campus, 1986; Pérsio Arida (ed.), Inflação Zero, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986; ver especialmente o ensaio por Pérsio Arida e André Lara Resende, “Inflação Inercial e Reforma Monetária”, pp. 11-35; Eduardo Modiano, Da Inflação ao Cruzado, Rio de Janeiro, Campus, 1986.
  • 63
    Basicamente representados pelo ministro da Fazenda, Francisco Dorneles, e pelo presidente do Banco Central, Antonio Lemgruber, que renunciaram no final de agosto de 1985.
  • 64
    Maia Gomes, op.cit. pp. 13-14.
  • 65
    Para os dados específicos, ver Angelo Jorge de Souza, “Inflação e Preços Relativos”, Conjuntura Econômica, abril de 1986, pp. 29-30.
  • 66
    Maia Gomes, op. cit., pp. 24-25.
  • 67
    Contador afirma que “ ... estudos empíricos estimaram que uma flexibilidade de renda na demanda por moeda de 0,7, e um parâmetro em relação às expectativas inflacionárias situando-se entre -0,6 e - 0,9. Supondo-se um crescimento real do PIB de 5% em 1986 e uma queda das expectativas inflacionárias até 200%, estimou-se que a oferta nominal de moeda poderia crescer mais de 150% sem pressão inflacionária. A base monetária atual é de cerca de 2% do PIB, e com uma expansão não inflacionária da moeda torna-se possível que o governo tenha um déficit orçamentário de até 3% do PIB ... “. Cláudio R. Contador, “O espaço para o déficit público em 1986”, in Conjuntura Econômica, abril de 1986, p. 47.
  • 68
    Maia Gomes, op. cit., pp. 31-32.
  • **
    O autor expressa seu agradecimento por uma bolsa da Fundação Fulbright, que tornou possível sua permanência no Brasil durante seis meses, no segundo semestre de 1984, para estudar o processo inflacionário no país. Agradecimentos especiais às seguintes pessoas, por seus úteis comentários: Paul Beckerman, Utz Krusselberg, Curtis T. McDonald, Geraldo Vasconcelos e Renato Villela. Traduzido por Jalmar Nordin Carlson.
  • 70
    JEL Classification: E31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1987
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