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Mutações industriais e condicionantes sociais no Brasil: Dois exemplos da diversidade da tentativa de adaptação à crise* * Traduzido por Solange Ramos Esteves.

Industrial mutations and social constraints in Brazil: Two examples of the diversity of attempts to adapt to the crisis

RESUMO

A partir da análise das tendências de acumulação nas indústrias automobilística e têxtil, este trabalho pretende determinar o processo multiforme de adaptação e reação à crise em uma economia semi-industrializada, como a brasileira, fortemente atingida pela recessão. Nesse sentido, analisam-se as relações entre o processo de acumulação de capital, as mudanças tecnológicas e as novas formas de mobilização da força de trabalho.

PALAVRAS-CHAVE:
Indústria têxtil; indústria automotive; crise econômica

ABSTRACT

Relying on the analysis of the accumulation trends in the car and textile industries, this paper pretends to determine the multiform process of adaptation and reaction to the crisis in a semi-industrialized economy, as the Brazilian one, strongly reached by recession. In that sense, relations between the process of capital accumulation, technological changes, and new forms of workforce mobilization are analysed.

KEYWORDS:
Textile industry; auto industry; economic crisis

A crise econômica que vive o Brasil desde 1980 provoca, por parte da indústria, reações e buscas de solução dos problemas que merecem ser analisadas. As políticas monetaristas colocadas em prática a partir de 1980 para fazer face ao estrangulamento financeiro externo e interno (Castro, 1984Castro, A. B., (1984) “Estrangulamento externo e adaptação estrutural da economia”, Rio de Janeiro, Boletim do IERJ, 1º. semestre 1984. ) e à inflação galopante conduziram a uma contração sem precedentes dos ganhos reais da população, do mercado interno e da capacidade de investimento (Malan e Bonelli, 1983Malan, P., Bonelli, R., (1983) “Crise internacional, crise brasileira: perspectivas, opções”, Pensamiento Iberoamericano, n. 4, jul.-dez. ). Uma das traduções mais gritantes dos efeitos dessa política foi a explosão do desemprego e do subemprego. No bojo dessa recessão, as mutações industriais e técnicas acontecem, seja na indústria automobilística ou na têxtil, dois dos principais setores industriais do Centro-Sul e, portanto, do Brasil. Elas traduzem orientações industriais tanto para o Brasil quanto para o mercado mundial por parte das principais firmas desses ramos, inteiramente multinacionais na indústria automobilística, multinacionais e nacionais na indústria têxtil. Entretanto, essas dinâmicas de adaptação estão longe de ser homogêneas no que concerne a seus efeitos sobre as formas de organização da produção.

No caso da indústria automobilística, longamente analisada mais adiante, onde os centros de decisão são externos, a integração da produção e do comércio em escala internacional conduz as empresas a se voltarem para suas próprias capacidades e a se apoiarem sobre um número mais restrito de subempreiteiras. Face às exigências de ampliação das séries de produção a fim de baixar os custos e elevar o padrão de qualidade a um nível internacional, o setor de subempreiteiras, produtoras de peças avulsas, vive um processo de concentração ditado pelo custo dos investimentos devido à sofisticação das normas tecnológicas de produção. A queda dos efetivos do setor de produção de peças avulsas foi de 23% entre 1980 e 1983 e, portanto, da mesma ordem que a queda observada nas montadoras (-24% entre 1980 e 1983). Por outro lado, é mais difícil conhecer a evolução da atividade das oficinas mecânicas (manutenção e consertos) que, certamente, sofrem o contragolpe da contração das vendas de veículos novos, mas que também podem lucrar com o crescimento do mercado de veículos usados.

O setor têxtil é um setor industrial menos concentrado e cuja ação estrutura-se de maneira mais difusa. A abertura do mercado internacional, acompanhada de um processo de modernização acelerada dos métodos de gestão, concepção e produção, longe de ter contraído as capacidades globais de produção, ao contrário, multiplicou os espaços, os ‘’interstícios’’, permitindo que formas de organização da produção diferentes, mas complementares prosperem em plena recessão (C. Courlet, 1985Courlet, C., (1985) Accumulation du capital, dynamiques sociales et restructurations industrielles dans les pays semi-industriaíisés, Grenoble, IREP-CERCID, Ministério da Pesquisa e da Tecnologia. ). A indústria têxtil, durante muito tempo considerada tradicional, revela-se capaz de reações inesperadas em período de crise, à semelhança do que acontece em outros países, onde a indústria têxtil ocupa um lugar importante, como Portugal ou Itália (Garofoli, 1985Garofoli, G., (1985) Industrialisation diffuse et petite entreprise: le modele italien des annees 70, Grenoble, IREP-CERCID. , e Silva, 1984Silva, M. R., (1984) Le rapport salarial dans les industries textiles et de l’habillement au Portugal, Grenoble, IREP-CERCID . ). Esta complementaridade das atividades se baseia, portanto, em uma verdadeira “abundância industrial” (Judet, 1985Judet, P., (1985) Industrialization et tissu industriel, Grenoble, IREP-CERCID.), uma trama industrial onde se misturam grandes empresas exportadoras, PME, oficinas de produção clandestinas, trabalho em domicílio, todo o conjunto sendo sustentado por uma demanda ativa canalizada pelo comércio dito “informal”.

Nossa abordagem, centrada na indústria automobilística e na têxtil, pretende agarrar esta dinâmica multiforme das reações em período de crise em uma economia industrializada, bastante atingida pela recessão, cercando as inter-relações existentes entre o regime de acumulação de capital, o processo de inovação tecnológica e as novas forças de mobilidade da forma de trabalho que acompanham estes fenômenos.

A INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA NO CRESCIMENTO DOS ANOS 70. A INTENSIDADE DA ACUMULAÇÃO DO CAPITAL

A interação de vários fenômenos pode ser dividida em quatro períodos:

  • - de 1966 a 1976: há a conjunção entre o investimento, os ganhos de produtividade e a ampliação do parque automobilístico interno, cujos salários médios superiores em progressão são garantidos, a produção cresce 338% e a produtividade 212%;

  • - de 1977 a 1981: há a ruptura dessa sinergia, o investimento, os ganhos de produtividade e a demanda interna decaem enquanto os ganhos salariais reais crescem;

  • - de 1981 a 1982: o investimento, os ganhos de produtividade e a demanda interna desmoronam, enquanto os ganhos dos baixos salários continuam a progredir; a produção e a produtividade diminuem respectivamente 33% e 25%;

  • - a partir de 1982, o investimento, os ganhos de produtividade retomam o crescimento, enquanto o salário real do ramo diminui. A inserção no mercado mundial vem substituir o mercado interno enfraquecido. Opera-se uma virada estratégica no setor. As normas tecnológicas e a homogeneização das condições de produção se alinham com o padrão internacional: crescimento da produtividade e baixos salários são os trunfos do Brasil.

A tecnologia de produção durante a primeira fase de crescimento não acompanhava o nível internacional. Uma parte do investimento destinou-se à compra de máquinas usadas originárias das matrizes. Todavia, entre 1966 e 1974, a produção por trabalhador dobra: a qualidade das máquinas melhora, o número de trabalhadores produtivos em relação aos não produtivos cresce. Entretanto, é antes de tudo por uma intensificação do trabalho que estes ganhos são obtidos: crescer o ritmo sem modificação fundamental nas técnicas de produção (Humphrey, 1982Humphrey, J., (1982) Fazendo o milagre, Petrópolis, Vozes. ).

Depois de 1974, FIAT e VOLVO instalam-se no Brasil para produzir, no primeiro caso, veículos em Minas Gerais e caminhões no Rio de Janeiro, e no segundo caso caminhões e ônibus (auto-cars). Estes investimentos possuem unidades de produção e equipamentos muito sofisticados para a época.

A partir de 1980, a alta muito acentuada das taxas de juros no consumo (para comprar um veículo em 24 meses, a taxa de juros é 150% ao ano), a redução do poder de compra das categorias sociais alimentadoras do mercado automobilístico (quadros médios e superiores) e as dificuldades energéticas provocam uma tripla mutação:

  • - uma estagnação e depois uma diminuição da demanda interna de automóveis;

  • - a emergência do veículo a álcool, fortemente subvencionado para a compra (de táxis, principalmente) e para a venda de combustível (em 1983, de 85 a 90% dos veículos novos produzidos funcionam a álcool) (G. Assouline, 1983Assouline, G., (1983) Bioénergie et développement agroindustriel: Le Plan National Alcool brésilien, tese do 3º. ano de Ciências Econômicas, IREP-D, novembro. );

  • - duplicação das exportações de veículos entre 1979 e 1981.

A GESTÃO DA FORÇA DE TRABALHO EM PERÍODO DE CRESCIMENTO

Política dos setores e rotação da mão-de-obra

Durante toda a década de 1970, altos salários para os operários qualificados e turnover elevado foram dois aspectos da política das firmas em matéria de gestão da mão-de-obra (Humphrey, 1982Humphrey, J., (1982) Fazendo o milagre, Petrópolis, Vozes. ). A renovação do pessoal diz respeito tanto a reduções sazonais consideráveis quanto a uma renovação dos operários. Isso se deve a vários fatores:

  • - a gestão da massa salarial: seus custos são geridos segundo vários critérios. Eles representam uma parte fixa dos custos de produção. Assim, se a produção diminui, a massa deve diminuir. O empregado acompanha a curva da produção e do volume dos negócios. Não é raro, portanto, assistir a altas e baixas muito rápidas de emprego. Há um segundo critério conforme o qual a massa salarial pode ser controlada com a dispensa dos trabalhadores melhor remunerados e substituindo-os por outros. Com uma força de trabalho estável, o salário médio aumentaria constantemente, o que se remedeia com a renovação do pessoal.

Em 1978, de 2/3 a 3/4 dos trabalhadores foram despedidos na indústria automobilística, por simples decisão unilateral da direção, e a maioria estava trabalhando há um ano nas firmas. No presente caso, não se trata, a não ser raramente, de decisão voluntária do trabalhador ou de mobilidade de trabalho, à semelhança dos Estados Unidos antes da Segunda Guerra;

  • - se a rotação permite reduzir os custos salariais, as firmas têm, paralelamente, uma política de salários muito elevados que permite atrair ou conservar os trabalhadores que ela deseja. Altos salários e rotação de mão-de-obra caminham, assim, lado a lado, pois permitem intensificar o ritmo do trabalho e da produtividade.

O essencial é, portanto, manter uma diferença de salário em relação aos outros setores industriais, o que permite um certo controle da mão-de-obra.

O importante não é, então, o nível absoluto dos salários, mas a relação entre os salários da indústria automobilística e os dos outros setores. Por seu turno, os salários reais dos operários não qualificados ou semiqualificados das empresas automobilísticas de São Paulo seguiram a curva dos salários da indústria em geral. Até houve uma queda: o salário real médio de 1974 igualou-se ao de 1966, após um crescimento de 17% em 1972.

Até 1976 a distância se aprofunda entre a evolução da produtividade e a evolução do salário real do ramo. A partir dessa data, de novo as distâncias se aprofundam entre os dois em proveito da produtividade.

Face a isso, parece que somente os operários qualificados estavam em condições de deixar voluntariamente seu trabalho (dada a penúria de mão-de-obra qualificada) ou de resistir à pressão. Estes trabalhadores qualificados puderam negociar a elevação de seus salários e escapar da rotação que atinge os semiqualificados e os não qualificados.

Tal política dos anos 70 supunha a ausência de organização sindical. Realidade que se modifica fundamentalmente a partir de 1978-1979 com o crescimento da mobilização e o surgimento das grandes greves do setor metalúrgico.

O CRESCIMENTO DAS TENSÕES INTERNAS - A EMERGÊNCIA DE UM NOVO SINDICALISMO

Os grandes conflitos sociais no final do período 70-80 marcam a história social do Brasil por várias razões:

  • - fecham uma fase de crescimento industrial especulativo de mais de dez anos;

  • - revolucionam as relações Estado/patronato/classe operária, congeladas desde o período negro da repressão 1968-1970;

  • - ocorrem em um contexto político de transição e de retorno à democracia. Se o epicentro desses movimentos de greve de 1978, 1979 e 1980 foram os operários da indústria automobilística da região de São Paulo, rapidamente os conflitos se generalizaram a empresas de outros setores.

Na maioria das empresas, os operários qualificados tomaram a iniciativa e constituíram a primeira trincheira de oposição às direções.

Os impactos desses movimentos sociais são múltiplos:

  • - o projeto de retorno progressivo à democracia política se delineia a partir de 1978-1979, notadamente com a lei da anistia para os presos e exilados políticos, cria um clima propício à expressão das reivindicações, mas· pressiona o governo, cuja margem de manobra é estrita e rígida no domínio social;

  • - um novo tipo de relações industriais emerge desse período, no qual os sindicatos se impõem como negociadores e onde a greve torna-se, novamente, uma arma em um país regido pela lei militar, mesmo que as direções das empresas não façam concessões a respeito dos delegados sindicais. As negociações se institucionalizam;

  • - a curto prazo, as greves afetam pouco os resultados da produção das filiais automobilísticas; os anos de 1978, 1979 e 1980 são anos de recordes de produção.

Mas esses conflitos trazem à luz do dia os “fatores de crescimento” da década:

  • - uma defasagem significativa entre ganho de produção e salários reais;

  • - uma instabilidade muito grande de emprego;

  • - ausência total de liberdade sindical e de expressão real dos trabalhadores.

Essa emergência das contradições sociais marca, em todo caso, o fim de um “crescimento milagroso”. O lento declínio da produtividade do trabalho, cujo ponto crítico foi atingido em 1981, e a manutenção das baixas rendas são um sinal desse fenômeno.

A recessão interna e a exploração do desemprego, ligadas ao estrangulamento financeiro do Brasil, tornam-se os fatos mais marcantes dos anos 1980-1984.

A CRISE E A SAÍDA DA CRISE NO CAMPO DA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA A PARTIR DE 1980. CRISE INTERNA E MERCADO MUNDIAL

Em 1971, as firmas instaladas no Brasil exportavam para 16 países, dos quais apenas dois absorviam 63% de total. Na época, a produção e a instalação de novas empresas destinavam-se, antes de tudo, à satisfação de um mercado interno em plena expansão.

Em 1980, as exportações são efetuadas em direção a 77 países, dos quais apenas três absorvem 51% do total; 1981 é um ano-chave nesta orientação. É um ano de recessão interna histórica e de queda acentuada no consumo e é, talvez, o último considerado “fácil” para as exportações brasileiras.1 1 A diminuição sensível das exportações em 1982 (-18,2%) traduz uma dupla dificuldade: - os países do Terceiro Mundo viram suas dificuldades financeiras crescerem e, portanto, sua solvência colocada à prova; - a concorrência japonesa é virulenta sobre os mesmos mercados: 2/3 das importações dos PVD são preenchidos pelo Japão. Mesmo na América Latina as vendas aumentaram: na Argentina, no Uruguai e no Chile. (Castro, 1984Castro, A. B., (1984) “Estrangulamento externo e adaptação estrutural da economia”, Rio de Janeiro, Boletim do IERJ, 1º. semestre 1984. ).

Em 1980, o mercado interno absorve um milhão de unidades, enquanto em 1981 absorve apenas 570 mil! A queda global da produção e das exportações vem responder, em parte, a essa contração do mercado interno. É fundamental assinalar que a produção brasileira se torna, progressivamente, inacessível aos consumidores internos.

Em julho de 1984, o governo decide suspender o controle dos preços dos auto­óveis. Seguem-se altas acentuadas: o fusca passou, assim, entre janeiro e julho de 1984, de 3,2 milhões de cruzeiros a 6,9 milhões, ou seja, uma alta de 115%. O aumento acumulado do primeiro semestre de 1984 representa 1,5 vez a inflação do período (75,6%).

Em termos de salário-mínimo, a deterioração da capacidade de compra dos brasileiros é espetacular! Era preciso 54 salários em janeiro de 1983 contra 71 em julho de 1984 para comprar um veículo, ou seja, uma queda de 23% do poder de compra potencial. Em julho de 1984, as taxas de juros, ao ano, eram de 435%.

Tabela 1:
Evolução Das Vendas Da Indústria Automobilística

Tal tendência é observada desde 1980: se tomarmos o número de veículos por mil habitantes em três centros urbanos de produção automobilística (próximos a São Paulo), observamos que a diminuição da taxa é mais forte do que a conservada para todo o Estado de São Paulo; que agrupa categorias sociais muito diversas.

Tabela: 2

Essa deterioração do modo de consumo da zona industrial do ramo automobilístico suscita várias observações:

  • - mesmo se o salário médio real se elevasse entre 1980 e 1982 em função de uma política salarial mais favorável aos altos salários do que aos baixos, a perda do emprego (a partir de 1980) e a total ausência de proteção social aos desempregados vão pesar sobre o modelo de consumo;

  • - vimos que o preço dos veículos tornou-os inacessíveis para uma parte considerável da população: o centro do mercado automobilístico é atacado pela política salarial.

Os baixos salários, mesmo em alta, não podem abarcar esse tipo de consumo. Está aí, parece-nos um ponto importante de nossa análise. Retomando o caso da indústria automobilística, podemos ver que o salário real aumenta de modo significativo e retoma os ganhos de produtividade de 1974 a 1982. Esta evolução é o resultado de uma política salarial que visa estender a distribuição das rendas - no entanto, a observação precisa revela que o centro do mercado de automóvel não se amplia senão muito pouco durante o mesmo período. E quando, a partir de 1979, o poder de compra das categorias sociais privilegiadas é afetado, o mercado interno automobilístico reage rapidamente à queda.

NOVA ESTRATÉGIA OOS PRODUTORES

O Brasil possui importantes trunfos para ser um polo exportador importante.

Entre as vantagens comparativas é preciso destacar:

  • - a debilidade dos custos salariais: mesmo levando em conta o diferencial de produtividade, a desvalorização dos salários é considerável.

As perdas de salários na Ford (salários horários em dólar, ano de 1980) são, comparativamente, as indicadas na Tabela 3.

  • - a existência de capacidades de produção consideráveis;

  • - medidas de incentivo à exportação.

Tabela: 3

Se as exportações recaíram, acima de tudo, sobre os veículos montados (built up), que passaram de 1.981 milhões de dólares em 1975 a 721 milhões de dólares em 1980, as peças e equipamentos passaram de 52 milhões de dólares em 1975 a 265 milhões de dólares em 1980. Estes últimos destinam-se aos países das empresas matrizes (FIAT-Itália) e aos países onde são realizadas as montagens (Ford nos Estados Unidos e Volkswagen, na Alemanha).

Paralelamente, o processo de integração na Divisão Internacional do Trabalho se intensifica. Vai o Brasil tornar-se um segundo Japão para as montadoras ocidentais?

Em consequência da concorrência internacional muito intensa, as montadoras devem fazer face a vários problemas:

  • - enfrentar uma diminuição da demanda nos países industrializados (Europa, Estados Unidos até 1973);

  • - produzir veículos econômicos em combustível;

  • - baixar os custos de produção de maneira a resistir à concorrência japonesa, aumentando as séries de produção e aumentando a produtividade.

Para responder a essas dificuldades, as montadoras existentes no Brasil lançaram-se em uma política massiva de investimento, contrastante com o clima recessivo atual do país:

  • - de 1983 a 1987, a VW investiu massivamente para produzir um veículo mundial - o “Santana”;

  • - a Ford já investiu 400 milhões de dólares no Escort e ainda colocará 500 milhões de dólares para fazer do Brasil um dos seis produtores mundiais deste carro (com a Inglaterra, os Estados Unidos, a RFA, a Espanha e a África do Sul);

  • - a General Motors já investiu mais de 600 milhões de dólares no Monza (Ascona) e continuará a fazê-lo.

Ressalta destes fatos que as empresas pretendem, de um lado, reforçar os polos de produção brasileiro e mexicano para abastecer de veículos montados e desmontados o mercado mundial, mas também integrar a ferramenta de produção no quadro da internacionalização das provisões de componentes e peças a partir de países com baixos custos salariais.

Para atingir esses objetivos, as empresas procedem a uma homogeneização internacional de sua gama de produção, desenvolvendo “o carro mundial”: Monza (General Motors), Escort (Ford), Santana (VW), Uno (FIAT).

Esta necessidade de ampliar as séries é acompanhada de uma redistribuição geográfica dos estoques de componentes: se a GM exporta motores de seu Monza para Estados Unidos e RFA, importa a transmissão e a tração do Japão. Os mesmos esquemas de integração valem para Ford, FIAT ou VW.

Verifica-se, aí, uma ruptura da política de substituição de importação até então em vigor, que supunha um alto grau de integração em componentes, peças e equipamentos.

SAÍDAS PARA A CRISE E MUDANÇAS TÉCNICAS

Várias condições são necessárias para o sucesso dessa mutação industrial:

  • 1) homogeneizar as condições de produção. A homogeneização da gama de produção e a abertura dos mercados supõe que no Brasil: a) os custos de produção permaneçam competitivos e que os processos de trabalho continuem a se intensificar; b) o nível de qualidade satisfaça ao padrão internacional.

Segundo as contas da Ford, um operário japonês das linhas de montagem ganha 12 dólares por hora entre seu salário e os custos indiretos, enquanto o brasileiro ganha 5 dólares por hora.

Mas em razão da automatização acelerada da indústria japonesa, um operário produz 48 carros por ano, contra menos de 10 produzidos pelo operário brasileiro.

É preciso acrescentar a esses dois fatores o fato de que a matéria-prima (ferro) só é importada no Brasil. O veículo brasileiro seria 20 a 25% mais caro do que o veículo japonês equivalente embarcado para a Europa.

A defasagem do custo é coberta pelas subvenções do governo à exportação e pelas isenções fiscais. Assim, um Escort, que é vendido a 5.000 dólares no Brasil, pode ser exportado para a Europa por menos de 4.000 dólares, preço considerado pela Ford inferior aos estabelecidos pelas firmas japonesas para os veículos de categoria equivalente.

No momento atual, esta política de subvenção é questionada pelo FMI: dumping, déficit orçamentário ... devem ser suprimidos dentro dos limites do saneamento da economia brasileria;

  • 2) modernizar o aparelho de produção. As montadoras aproveitaram a ocasião em que novas séries de produção foram introduzidas para modificar e intensificar os métodos de produção recorrendo à microeletrônica: intensificar e tornar mais flexível as indústrias de montagem estão entre as vantagens esperadas (Coriat, 1984Coriat, B., (1984) “Crise et électronisation de la production: robotisation d’atelier et modele fordien d’accumulation du capital”, CEP, n. 26127, jan.-jun. ).

A automatização das técnicas de produção ainda está em sua fase inicial: se ela permite aumentar a produtividade, desencadeia também uma acentuada desvalorização do capital fixo e exige polpudos investimentos.2 2 Em 1980, seis sociedades fabricavam, no Brasil, máquinas-ferramenta de comando numérico: quatro são de capital alemão e duas de capital brasileiro. Em 1984, há quatro firmas brasileiras que compraram licença e levaram quatro anos para absorver a tecnologia. Todavia, o volume de produção ainda é modesto, o custo de uma unidade produzida localmente é de duas a três vezes mais elevado do que no mercado mundial. (Tauile, 1984Tauile, J. R., (1984) Employment effect of microelectronic equipment in the Brazilian automobile industry, Genebra, BIT. ):

  • - o motor do Monza (GM) é construído sobre uma linha de transmissão flexível, controlada por 130 máquinas automáticas programadas. Este tipo de linha de transmissão produz 2.000 motores por dia de seis modelos diferentes: 90% são exportados;

  • - a Ford utiliza oito robôs soldadores, comumente utilizados no Brasil, um robô pintor e dois soldadores multiponto flexíveis de comando eletrônico. Oito desses robôs foram importados do Japão;

  • - a FIAT, pelo contrário, cujas instalações são bem mais recentes (1978), não tem projeto de microeletrônica, salvo para os equipamentos de controle que a empresa utiliza em sua produção de motor a diesel para exportação. Ela emprega igualmente duas máquinas-ferramenta de comando numérico para sua produção de veículos (e duas para os caminhões).

Por mais surpreendente que pareça, só a filial japonesa instalada no Brasil (Toyota) utiliza os métodos de produção mais tradicionais. Ela tem uma capacidade de produção de menos de 500 jipes a diesel por mês. A opção é otimizar os métodos de produção e aumentar a produtividade do trabalho: um jipe por trabalhador no Brasil, contra cinco no Japão.

No momento atual, parece que a evolução da microeletrônica caminha lentamente por várias razões:

  • - as taxas salariais ainda são muito baixas e muito competitivas em relação aos ganhos esperados pela robotização;

  • - ela responde antes de tudo a um nivelamento com as normas internacionais de qualidade de métodos de produção (flexibilidade dos estúdios de projeto, gestão de estoques ... );

  • - ela se faz por ocasião da colocação em prática de novas linhas de produção com característica mundial. Isto é, importantes montadoras, como a FIA T ou a VW (para vários de seus modelos de característica nacional, como o fusca) não avançam senão timidamente nesse domínio.

Entre 1980 e 1983 o emprego no ramo diminuiu 23,3% somente para atividade de montagem (cujo volume baixou 21,2%).

Todavia, alguns sinais dos efeitos dessa mutação tecnológica são perceptíveis: - os investimentos enormes efetuados no ramo a partir de 1982 (a começar pela GM) não reverteram a tendência de queda dos efetivos, a qual permaneceu em 1983;

  • - entre 1981 e 1983, os ganhos de produção de 23,8% foram acompanhados de ganhos de produtividade de 30%.

A maioria das tentativas de valorização convergem para o fato de que o processo de penetração da eletrônica tem efeitos negativos sobre os efetivos das empresas. Mas elas divergem sobre vários pontos:

  • - o ritmo e a amplitude da modernização;

  • - as modalidades e inserção da eletrônica em suas fábricas.

Tabela 4:
Emprego na Indústria Automobilistica Brasileira: 1974-1983 (Peças Avulsas - Montagem)

Estes dados empíricos recolhidos por J. R. Tauile deixam entrever que, em 1980, a difusão de 700 unidades de produção provocou uma perda de efetivos que varia de 2 000 a 4 800 pessoas sobre um total de 4 200 a 7 000 unidades de produção efetuadas pelas máquinas, o que dá uma taxa de supressão de emprego que varia de 48 a 69%.

Segundo pesquisas mais precisas efetuadas nas empresas automobilísticas, cada unidade de produção substitui de três a cinco máquinas-ferramenta convencionais. Assim, em 1984, 190 unidades de produção suprimiram entre 570 e 950 máquinas-ferramenta, o que afetou entre 1 140 e 1 900 unidades de trabalho ligadas a estas máquinas. Bem entendido, uma parte das unidades é convertida para operar sobre as NCMT, que obrigam· as empresas a reforçar suas equipes de programação e de manutenção.

AS CONDICIONANTES SOCIAIS DESSAS MUTAÇÕES

  • 1) A organização do trabalho se transforma. A maioria das empresas pesquisadas por J. R. Tauile afirma que os operadores de unidades de produção e os programadores são recrutados entre o pessoal da empresa, que vê nisso uma possibilidade de promoção na sociedade. A metade delas efetua pagamento de salários mais elevados aos operadores de unidade de. produção do que aos operadores de máquinas convencionais.

Face às exigências em matéria de qualificação impostas pelo emprego de unidades de produção, parece que as empresas têm dois tipos de atitude muito diferentes: algumas preferem formar jovens operários considerados como mais aptos para se adaptarem às técnicas novas. Outras apoiam-se, ao contrário, nas categorias de trabalhadores qualificados que têm uma longa experiência com máquinas convencionais e são capazes de conduzir equipamentos custosos que têm uma função primordial na indústria.

Tabela 5:
Salários na indústria Automobilistica no Brasil/dólares por hora (em março de 1984)

Nestes dois casos, uma nova categoria de trabalhadores qualificados está se constituindo, a qual joga um papel central nas mutações em curso. Várias questões ainda permanecem sem resposta:

  • - de que modo esses trabalhadores vão pesar nas negociações salariais para valorizar sua qualificação e sua função central (melhoria da qualidade e da produtividade) em suas fábricas?

  • - de que modo as organizações sindicais pretendem fazer a junção entre as preocupações desses trabalhadores (formação, promoção, salários) e as das outras categorias semi ou não qualificadas (estabilidade no emprego, salários, condições de trabalho) que constituem, pelas suas remunerações baixas, um dos trunfos do Brasil no mercado mundial do automóvel?

  • 2) Como controlar as mudanças? Essas mutações operam-se em um clima de crise profunda marcada por um desemprego maciço e geral e por perdas de renda real relativas à quase totalidade dos assalariados.

Os sindicatos e os trabalhadores do ramo, antes de tudo, preocupados com as perdas salariais e o desemprego, estão pouco preparados para antecipar e negociar os efeitos dessas mudanças.

José Ricardo Tauile relata em seu trabalho para o BIT que o DIEESE, organismo intersindical de estudos econômicos e sociais, distribuiu no início de 1983 um questionário a 19 500 metalúrgicos de 21 empresas do aglomerado de São Paulo (Santo André) - 12% deles responderam. Entre as respostas provenientes de cinco empresas de peças avulsas, as preocupações prioritárias são as seguintes:

  • - estabilidade do emprego: 31,8% das respostas;

  • - representação sindical nas fábricas: 26,2%;

  • - melhoria das condições de trabalho: 19,3%.

O controle sobre os efeitos da mecanização e da robotização não atrai senão 3,8% das respostas, vindo em 6º. lugar.

Medir os efeitos do emprego dessa intensificação do modo de acumulação permanece muito problemático em função de o fenômeno ser recente e de continuar havendo dispensas em massa imputadas à grave recessão atual.

Em abril de 1985, enquanto a “nova República” se instala dolorosamente, e devem ser renegociadas as convenções coletivas, na área metalúrgica, a extensão rápida de movimentos de greve em São Paulo traduz a importância dos descontentamentos e evidencia as prioridades na negociação: o aumento de salário, a estabilidade no emprego, uma diminuição da jornada de trabalho e uma reforma do direito do trabalho.

Essas mutações industriais estão longe de se restringir ao ramo da indústria automobilística.

Face à contração do mercado interno e à política oficial de incentivo à exportação, as grandes empresas da indústria têxtil e de vestuário, cuja ação é, antes de tudo, voltada para os mercados internos, responderam com opções industriais, comerciais e tecnológicas análogas às operadas por um setor tão concentrado quanto a indústria automobilística.

No entanto, os efeitos da indução dessa adaptação à crise sobre as estruturas da indústria têxtil são sensivelmente diferentes: toda a rede industrial e comercial se desenvolve em um espaço deixado livre pela especialização das grandes empresas sobre os produtos de alto nível de exportação.

Uma demanda bastante ativa em produtos de baixo nível e baratos canalizada para o comércio informal vem sustentar a atuação de formas de organização da produção de contorno por vezes difuso.

SAÍDA DA CRISE E HETEROGENEIDADE CRESCENTE NA INDÚSTRIA TÊXTIL E DO VESTUÁRIO (ITV)

A análise das tendências em curso em um outro ramo industrial, com intensa utilização de mão-de-obra3 3 O segundo setor utilizador de mão-de-obra após as indústrias agroalimentares. , é, aparentemente, um tanto sumária. Todavia, os primeiros elementos reunidos aqui lembram muito a estratégia dominante analisada precedentemente - racionalização, intensificação de procedimentos de produção e internacionalização crescente. Todavia, longe de ser acompanhadas por um movimento de desindustrialização, essas opções acompanham e/ou induzem um fenômeno de recuperação da atividade industrial e comercial da ITV de formas múltiplas e complementares.

Acumulação intensiva e abertura para o mercado mundial da ITV

O recuo do índice da produção industrial do setor traduz muito bem o desmoronamento das capacidades internas de consumo a partir de 1980, e isto até 1984.

Tabela 6:
Indústria Têxtil e do Vestuário produção industrial (índice: 100 em 1975)

Todavia, ao confrontarmos essa queda da produção industrial com o crescimento rápido das exportações, é preciso deduzir daí que uma parte crescente das capacidades de produção é orientada para o mercado mundial. Enquanto o índice de produção de 1983 era inferior ao de 1978, o valor das exportações aumentou 30% entre os mesmos anos e dobrou entre 1975 e 1983.

É interessante assinalar que as exportações cresceramw muito mais rapidamente para os produtos semiacabados (fios e fibras: + 53,7%, tecidos: + 58,8%) do que para os produtos acabados (confecção: -15,7%, produtos manufaturados diversos: +28,4ˆ).

Tabela 7:
Exportação de produtos têxteis (1.000 dólares FOB)

Esse movimento é acompanhado de um intenso processo de modernização e de racionalização das capacidades das grandes empresas exportadoras. Assim, a automatização penetra muito rapidamente tanto no momento da concepção e produção assistida por computador quanto na gestão. Uma grande empresa de confecção paulista - São Paulo Alpargatas S. A. - importou, em 1984, o primeiro sistema CAD (Computer Aid Design) da indústria brasileira. Essa empresa, que exporta perto de 70 milhões de dólares anualmente, espera amortizar em um ano o investimento de 4 000 000 de dólares.

Mesmo fenômeno no domínio da produção de fios e fibras. A divisão brasileira da Rhone-Poulenc, a Rhodia, lançou-se em uma longa fase de “descentralização” informática e de difusão de microcomputadores nos locais de produção: 6.000.000 de dólares em 1982 e 1,3 milhões em 1984 teriam sido investidos.

Os objetivos dessas medidas são extremamente claros: aceleração dos procedimentos, ganhos de produtividade, redução dos custos de produção e melhoria da qualidade.

Se as consequências sobre o nível de emprego da ITV são negativas, fica difícil separar as coisas entre a tendência histórica de queda dos efetivos recenseados na ITV e os efeitos da recessão.

Assim, por um longo período (1930-1970), os efetivos empregados baixaram 85% e o investimento por emprego aumenta 430% por uma mesma quantidade de fio produzido.

No Estado de São Paulo, os efetivos passaram de 120.000 operários para 65.000 entre 1968 e 1981. O crescimento da intensidade do trabalho foi nítido: o número de teares supervisionados por um operário tecelão passou de 4 para 30.

Entre 1981 e 1982, a tendência à redução dos efetivos continua no plano nacional: eles passam de 416.000 para 410.000.

A INTENSIFICAÇÃO NAS GRANDES EMPRESAS DO SETOR É ACOMPANHADA DE UMA HETEROGENEIDADE CRESCENTE DOS MODOS DE ORGANIZAÇÃO DA PRODUÇÃO

As formas de organização da ITV poderiam ser assim caracterizadas:

  • - um núcleo central de grandes empresas fortemente capitalizadas e integradas ao mercado mundial.

  • - pequenas e médias empresas, contando sobretudo com mão-de-obra abundante, notadamente feminina e barata, que pretendem responder à demanda interna, cuja renda real está em baixa.

  • - modos de organização da produção informais, isto é, não reconhecidos estatisticamente e fiscalmente, que vão do trabalho doméstico sob encomenda (confecção, tricô) às oficinas clandestinas de confecção. Quarteirões inteiros, em São Paulo, ocupados por coreanos vindos do Paraguai e da Bolívia, dedicam-se a essas atividades.

As duas últimas categorias estão muito ligadas uma com a outra, as PME recorrem frequentemente à produção informal de maneira sistemática ou pontual.4 4 Deste ponto de vista, é interessante constatar que a máquina de costura é um dos bens de consumo duráveis mais difundidos nas categorias de renda modesta. Elas são dinamizadas por uma demanda muito ativa, popular, canalizada para o comércio ambulante.

O comércio artesanal muito ativo adapta-se perfeitamente à evolução das necessidades de uma população que perde seu poder de compra. Em certas regiões (Rio de Janeiro, São Paulo), ele suscita a reativação de pequenas empresas de confecção quase falidas. Essa distribuição paralela de confecção e de lingerie representa um trunfo essencial para o setor industrial formal: um escoamento regular da produção e dos estoques, o pagamento à vista, nada de faturas ...

Hoje, quase 20% da produção nacional de lingerie são distribuídos no circuito paralelo.

Distribuição paralela não significa distribuição não estruturada: os camelôs se reúnem em cooperativas e associações, controlam várias dezenas de locais e intervêm como intermediários em relação aos produtores.

O governo tenta igualmente organizar a produção informal pelo viés dos canais de distribuição oficial que permitem escoar a produção. Nas favelas de Brasília, são criadas pequenas unidades de produção (têxtil ou de sabão, por exemplo).

CONCLUSÕES

1. Um único movimento em dois ramos

Nos dois ramos, a queda do salário real médio é um fator importante. Bloqueando toda possibilidade de crescimento do mercado interno, a queda do salário torna-se uma das vantagens comparativas do Brasil na competição internacional.

Nos dois casos, igualmente, o crescimento da produtividade e do nível de qualidade exige investimentos consideráveis de racionalização e de modernização. E somente as grandes empresas podem encarar tais investimentos, na situação de penúria financeira do Brasil. Apesar de ser nesse tipo de empresa que as organizações sindicais estão mais presentes, estas ainda estão relativamente desarmadas para enfrentar as consequências das mutações tecnológicas - os problemas do desemprego e do poder de compra as mobilizam completamente.

2. Efeitos estruturais diferenciados dessas políticas para sair da crise

À primeira vista, o reagrupamento das empresas automobilísticas no eixo de integração das produções e das trocas em escala mundial parece, ao mesmo tempo, fazer com que elas se isolem, ao induzir um processo de concentração da indústria de peças avulsas e ao reforçar o grau de domínio tecnológico.

Todavia, a questão permanece de pé quanto à estruturação do mercado de veículos usados, cujo dinamismo pode ser portador de uma conservação ou de uma elevação da atividade da mecânica artesanal.

Em contrapartida, nenhuma dúvida existe quanto aos efeitos estruturais de acompanhamento na indústria têxtil e do vestuário. Se a abertura para o mercado internacional é justamente a resposta à crise dada pelas grandes empresas do setor, a consolidação de formas múltiplas e complementares de organização industrial e comercial ilustra o potencial de adaptação de uma economia de contornos difusos à recessão e às suas manifestações: queda do poder de compra, modificação das necessidades, mas também debilidade das capacidades de investimentos. A vitalidade e o aporte econômico real - em termos de empregos mantidos ou criados, de rendas em um país onde a proteção social ao desempregado não existe - dessas atividades multiformes (formais e informais) merecem que as examinemos como uma resposta, como um todo, à crise.

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  • Tauile, J. R., (1984) Employment effect of microelectronic equipment in the Brazilian automobile industry, Genebra, BIT.
  • 1
    A diminuição sensível das exportações em 1982 (-18,2%) traduz uma dupla dificuldade: - os países do Terceiro Mundo viram suas dificuldades financeiras crescerem e, portanto, sua solvência colocada à prova; - a concorrência japonesa é virulenta sobre os mesmos mercados: 2/3 das importações dos PVD são preenchidos pelo Japão. Mesmo na América Latina as vendas aumentaram: na Argentina, no Uruguai e no Chile.
  • 2
    Em 1980, seis sociedades fabricavam, no Brasil, máquinas-ferramenta de comando numérico: quatro são de capital alemão e duas de capital brasileiro. Em 1984, há quatro firmas brasileiras que compraram licença e levaram quatro anos para absorver a tecnologia. Todavia, o volume de produção ainda é modesto, o custo de uma unidade produzida localmente é de duas a três vezes mais elevado do que no mercado mundial.
  • 3
    O segundo setor utilizador de mão-de-obra após as indústrias agroalimentares.
  • 4
    Deste ponto de vista, é interessante constatar que a máquina de costura é um dos bens de consumo duráveis mais difundidos nas categorias de renda modesta.
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    Traduzido por Solange Ramos Esteves.
  • 6
    JEL Classification: L62; L67; E32.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1987
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