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Coréia do Sul e Taiwan: Notas sobre a política industrial

South Korea and Taiwan: Notes on industrial policy

RESUMO

Este artigo trata das políticas industriais decretadas pela Coreia do Sul e Taiwan após a Segunda Guerra Mundial. Ordenamos nossa apresentação em três tópicos principais: i) forte intervencionismo estatal; ii) diferenças entre os dois, Taiwan com forte presença do setor produtivo estatal e capital privado fragmentado, enquanto na Coréia do Sul há maior presença de indústrias pesadas e de alta tecnologia e conglomerados privados; iii) os avanços e obstáculos desta década.

PALAVRAS-CHAVE:
Política industrial; desenvolvimento econômico; intervencionismo

ABSTRACT

This piece is concerned about the industrial policies enacted by South Korea and Taiwan after WWII. We order our presentation into three main topics: i) strong state interventionism; ii) differences between the two, Taiwan with strong presence of state-led productive sector and fragmented private capital, while in South Korea there is higher presence of heavy and high-tech industries and private conglomerates; iii) the advances and obstacles in this decade.

KEYWORDS:
Industrial policy; economic development; interventionism

1. INTRODUÇÃO

O presente texto tem como objeto a política industrial implementada na Coréia do Sul e em Taiwan a partir do final da Segunda Grande Guerra. Esses dois Newly Industrializing Countries (NICs) da Ásia têm despertado atenção em face de seus desempenhos industriais, assim como pela melhoria em vários dos indicadores sociais, incluindo graus de concentração de renda baixos em relação à maioria das economias periféricas (videAnexos ANEXOS ANEXO (A) Coréia do Sul e Taiwan Indicadores Econômicos Coréia do Sul - População (1983): 40 milhões hab. - PNB per capita (em US$) 1961 1975 1983 80 670 2010 - Taxas Anuais de Crescimento do PNB per capita (%) 1950-65 1960-76 1965-83 3,3 7,3 6,7 - Exportações/PNB (%) 1960 1970 1980 1984 3,3 14,0 33,7 38,5 - Taxas Reais de Crescimento Anual da Ativid. Manufatureira (%) 1960-70 1970-81 1974-81 17,6 15,6 11,1 - Taxas Anuais de Crescimento das Exportações em Volume (%) 1960-82 (i) Totais 26,4 (ii) Manufaturados 38,3 - Taxas Anuais de Crescimento do Salário Real (%) 1963-73 1973-83 5,4 9,5 Taiwan - População (1983): 19 milhões - PNB per capita (em US$) 1961 1975 1983 150 956 2670 - Taxas Anuais de Crescimento do PNB per capita (%) 1952-84 6,2 - Taxas Anuais de Crescimento dos Salários Reais (%) 1952-84 5,8 - Exportações/PNB (%) 1960 1970 1980 1984 11,3 29,7 53,0 57,6 - Exportações industriais/Exportações Totais (%) 1951 1960 1970 1984 8,1 32,3 78,6 93,9 Fonte:Unido (1986, pp. 6, 7, 9, 23 e 26), Liang & Liang (1985, pp. 31, 32 e 34); Eiu (1985, p. 95), Mody (1985, p. 3), IMF Statistical Yearbook (vários anos), World Bank, World Debt Tables, 1983 (p. 103). ANEXO (B) Coréia do Sul e Taiwan Distribuição de Renda e Outros Indicadores Sociais Coeficientes GINI Anos 60 Anos 70 CS 0,367 0,382 T 0,323 0,292 Distribuição de Renda Pessoal (em %) Coréia do Sul (1976) Brasil (1972) 20% mais pobres 5,7 2,0 2.º quintil 11,2 5,0 3.º quintil 15,4 9,4 4.º quintil 22,4 17,0 20% mais ricos 45,3 66,6 10% mais ricos 27,5 50,6 Expectativa de Vida (feminina) - Em anos 1965 1983 Taiwan 70 75 Coréia do Sul 58 71 Economias periféricas de renda média 55 63 Economias capitalistas avançadas 74 79 Matrículas na Escola Secundária (% da população na respectiva idade escolar) 1965 1982 Taiwan 53 98 Coréia do Sul 35 89 Economias periféricas de renda média 20 42 Economias capitalistas avançadas 71 87 Fonte:Oshima (1986, p. 804); World Bank, World Development Report (1978, 1985); Unido (1986, p. 13). ANEXO (C.1) Taiwan Direção das Exportações e Importações (% correspondentes a Estados Unidos, Japão, CEE e OPEP) Ano Estados Unidos Japão CEE OPEP Exportações Importações Exportações Importações Exportações Importações Exportações Importações 1952 3,5 47,0 52,6 31,0 5,2 5,9 2,6 - 1955 4,01 47,8 59,4 30,4 5,7 6,0 8,1 7,0 1960 11,6 38,1 37,8 35,4 6,1 8,4 11,0 6,4 1965 21,3 31,7 30,7 39,8 10,0 7,4 2,2 4,1 1970 38,1 23,9 14,6 42,9 9,5 8,3 4,5 4,8 1975 34,3 27,8 13,1 30,4 13,8 11,5 8,6 14,0 1980 34,1 23,7 11,0 27,1 14,2 8,1 9,5 23,6 1981 36,1 22,5 11,0 28,0 11,5 7,6 8,8 23,4 1982 39,5 24,2 10,7 25,3 10,8 9,7 9,2 20,8 1983 45,1 22,9 9,9 27,5 9,9 9,3 7,2 20,4 1984 48,9 23,0 10,5 29,3 9,0 8,7 5,1 17,8 Fonte:Liang & Liang (1985, p. 34). ANEXO (C.2) Coréia do Sul Direção das Exportações e Importações: 1979-85 Em US$ Bilhões 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 EXPORTAÇÕES TOTAISa 15,1 17,5 21,3 21,8 24,5 29,3 28,9 IMPORTAÇÕES TOTAIS 20,3 22,3 26,2 24,3 26,2 30,6 30,1 SALDO TOTALb -5,2 -4,8 -4,9 2,5 -1,7 -1,3 -1,2 ESTADOS UNIDOS Exportações 4,4 4,6 5,7 6,3 8,3 10,5 10,5 (% no total das exportações) (29%) (26%) (27%) (29%) (34%) (36%) (36%) Importações 4,6 4,9 6,0 6,0 6,3 6,9 6,5 SALDO -0,2 -0,3 -0,3 +0,3 +0,2 +3,6 +4,0 JAPÃO Exportações 3,4 3,0 3,5 3,4 3,4 4,6 4,5 (% no total das exportações) (23%) (17%) (16%) (16%) (14%) (16%) (16%) Importações 6,7 5,9 6,4 5,3 6,2 7,6 7,6 SALDO -3,3 -2,9 -2,9 -1,9 -2,8 -3,0 -3,1 CEE Exportações 2,5 2,7 2,8 2,9 3,1 3,3 3,0 (% no total das exportações) (17%) (15%) (13%) (13%) (13%) (11%) (10%) Importações 2,2 1,6 2,0 1,8 2,2 2,8 2,9 SALDO +0,3, +1,1 +0,8 +1,1 +0,9 +0,5 +0,1 PAÍSES EXPORTADORES DE PETRÓLEO Exportações 1,7 2,2 2,7 2,4 2,8 2,0 1,8 Importações 3,7 5,9 5,9 4,9 ,4,2 4,0 3,4 SALDO -2,0 -3,0 -3,2 -2,5 -1,4 -2,0 -1,6 DEMIS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO Exportações 2,2 3,2 4,1 4,3 4,4 6,1 5,8 Importações 1,6 1,8 2,5 3,3 4,1 5,1 5,4 SALDO +0,6 +1,4 +1,6 +1,0 +0,3 +1,0 +0,4 Notas: a. Dados totais segundo a soma dos países (DOTS World Total) e não pelos totais estimados como IFS World Total. b. Os saldos foram obtidos com os dados já arrendondados. ). Três aspectos serão abordados neste trabalho:

  1. O equívoco do estereótipo muito difundido sobre o crescimento industrial das duas economias, segundo o qual estes processos de industrialização, liderados por crescentes exportações, estariam associados a uma obediência à livre atuação de forças de mercado e a uma integração liberal à economia internacional. Na verdade, conforme tentaremos mostrar, a política industrial nos dois países tem se caracterizado, desde o pós-guerra, por um elevado grau de intervenção, traçando estratégias e objetivos definidos de industrialização. Os diversos instrumentos de regulação econômica, nos dois casos, têm sido acionados com grande seletividade, flexibilidade e coerêneia, atributos sem os quais seria difícil explicar a capacidade de rápida reestruturação e expansão que as referidas indústrias vêm exibindo desde os anos 60.

  2. As dessemelhanças apresentadas pelas duas economias em seus processos de industrialização, a despeito de partirem de condições similares no imediato pós-guerra e de terem seguido trajetórias industriais orientadas para a exportação. Duas diferenças são marcantes: (i) Taiwan se caracteriza por uma forte presença do setor produtivo estatal e por uma relativa fragmentação do capital privado local, em contraste com o alto grau de concentração e conglomeração do capital coreano; (ii) a partir dos anos setenta, a economia coreana vem obtendo maior aprofundamento nas indústrias pesada e de alta tecnologia, relativamente a Taiwan.

  3. Os avanços e os obstáculos tendenciais que estão se colocando para as duas economias no curso da presente década, tendo em vista suas estratégias de industrialização.

Para tratar esses aspectos, o texto está dividido em três itens. No primeiro; enfocaremos as políticas industriais coreana e taiwanesa em seus atributos e os instrumentos utilizados para levar a cabo as estratégias industriais preestabelecidas. Em seguida, buscar-se-á contextualizar o forte teor diretivo destas políticas na conformação de seus Estados nacionais desde o pós-guerra. Por último, abordaremos as estratégias de industrialização adotadas nas duas últimas décadas de modo a explicitar as semelhanças e diferenças nos percursos seguidos pelas duas economias.

INSTRUMENTOS DA POLÍTICA INDUSTRIAL

As políticas industriais da Coréia do Sul e de Taiwan têm se afigurado ativas, o que se expressa em seus caracteres de· seletividade, abrangência, coerência e flexibilidade: seletividade, posto que, em lugar da ênfase nos incentivos gerais, delimitam com detalhe os segmentos a serem fomentados; abrangência, porque os setores relacionados com os eleitos são também observados de maneira a não prejudicar a coerência quanto aos fins perseguidos; a convergência dos instrumentos em planos e programas possibilita a coerência na implementação de política industrial; e, por fim, flexibilidade em razão da rapidez nas correções de rumo frente a fatores estruturais e conjunturais que as duas economias têm mostrado. Estes traços deverão tornar-se evidentes a seguir, quando nos detivermos na gestão de alguns dos instrumentos que dão conteúdo às respectivas políticas industriais.

2.1. Instrumentos Financeiros

É reconhecido o papel que exerce, para a política industrial, a capacidade de influenciar a destinação dos recursos financeiros para investimento, particularmente quando a intermediação financeira é baseada no crédito e não no mercado de capitais, dado que neste último o agente captador decide em última instância a aplicação dos fundos, enquanto a disponibilidade de crédito está vinculada à aprovação de projetos específicos. Assim, quanto mais importante. for a participação do crédito entre as fontes de financiamento do investimento e maior o controle estatal sobre a alocação nos fluxos financeiros, maior será também o poder do Estado na determinação do padrão de investimento da economia.

Na Coréia do Sul e em Taiwan, o sistema financeiro é fortemente lastreado no crédito, como se pode observar nos patamares alcançados pela razão dívida/capital próprio das empresas produtivas nos dois países: nos anos setenta, este coeficiente se situou nas faixas de 300-400% na Coréia e 160-200% em Taiwan, comparados a 50-100% no Brasil e no México durante o mesmo período (Wade, 1985Wade, Robert. (1985) The Role of Government in Overcoming Market Failure: Taiwan, South Korea and Japan. World Bank, 1985., pp. 4-5); em 1982, o índice médio referente às empresas listadas na Bolsa coreana era de 420% e de 176% em Taiwan (Eiu, 1985EIU - The Economist Intelligence Unit, (1985) South Korea to 1990: Liberalisation for Growth, Special Report n. 225, The Economist Publications Ltd., Londres., p. 20):

Nos dois países, o comando estatal sobre as fontes de financiamento para o setor privado é quase absoluto, envolvendo criteriosa ordenação tanto da intermediação financeira local quanto das relações financeiras com o exterior.

No que concerne ao conjunto de instituições financeiras locais, no qual os bancos têm predominância, o sistema bancário tem sido quase inteiramente estatal em Taiwan, da mesma forma que na Coréia desde os anos sessenta até a privatização no período 1980-83; neste segundo caso, conforme Fajnzylber (1983Fajnzylber, Fernando. (1983) La Industrialización Trunca de América Latina, Editorial Nueva Image: México., p. 135), 87% do valor agregado pelo sistema bancário em 1972 originou-se de órgãos públicos. Vale observar que, mesmo após a privatização dos cinco bancos comerciais de âmbito nacional na Coréia, sua gestão não está isenta da direção governamental, posto que a nomeação dos principais dirigentes, a política de pessoal e as faixas de serviços ainda passam por forte crivo do Estado. A estreiteza do raio de manobra para os agentes não-participantes da orientação dominante se demonstra pelo fato de que a única alternativa nos dois países, qual seja, o mercado semilegal de crédito, correspondeu nos anos setenta a apenas entre 20 e 30% dos empréstimos totais (Wade, 1985Wade, Robert. (1985) The Role of Government in Overcoming Market Failure: Taiwan, South Korea and Japan. World Bank, 1985., pp. 41-2).

No tocante aos fluxos financeiros com o exterior, um estrito controle governamental é· mantido nas duas economias. São esclarecedoras as seguintes observações: em Taiwan, os bancos estrangeiros podem participar apenas com uma agência (Business Week, 30.9.85, p. 36) e “são permitidos somente nos bolsões de negócios nos quais os bancos locais não podem ter bom desempenho. Os bancos de Taiwan reportam semanalmente todas as transações externas ao Banco Central, e seus bancos estrangeiros são obrigados a relatar diariamente todas as transações” (Wade, 1985Wade, Robert. (1985) The Role of Government in Overcoming Market Failure: Taiwan, South Korea and Japan. World Bank, 1985., p. 10). Segundo este mesmo autor, o acesso à liquidez sob a forma de divisas tem sido utilizado como “instrumento poderoso de controle sobre o crescimento setorial e das firmas”, em ambas as economias, devido à dependência de importações de matérias-primas e componentes para a indústria (p. 10).

Constatamos, portanto, que os bancos coreanos e taiwaneses têm operado diretamente como instrumentos da política econômica. Apenas com a subordinação da órbita financeira à política industrial é que se torna inteligível o fato de que o alto nível de endividamento empresarial não se traduziu em fragilização do investimento produtivo durante quase todo o transcurso dos referidos processos de industrialização.

2.2. Instrumentos Comerciais

O conteúdo de flexibilidade e seletividade da política industrial nos países sob exame se explicita de modo cabal na gestão dos instrumentos comerciais. Aqui, torna-se evidente o equívoco da visão tradicional, quando postula que o exitoso desempenho coreano e taiwanês é devido a uma suposta integração liberal ao comércio internacional. Pelo contrário, o ·volume e a composição das importações sempre estiveram sujeitas a controle seletivo através de tarifas e restrições quantitativas. O que acontece é que a orientação para a exportação exigiu grande cuidado para que essa ingerência não prejudicasse a competitividade dos setores eleitos e, para tanto, ao invés da liberalização pura e simples, a opção nas duas políticas industriais foi pelo aprofundamento na seletividade, reforçando, em certos casos, as taxas de proteção efetiva dos segmentos priorizados. Do mesmo modo, para a sucessão de atividades a serem fomentadas - uma necessidade de suas trajetórias industriais -, a escolha recaiu na flexibilização dos instrumentos comerciais, em lugar de sua abolição. Por outro lado, a proteção não é perpetuada e os beneficiados são instados a adquirir capacidade de concorrer internacionalmente, mas, para tanto, dispõem do apoio dos demais instrumentos.

Nas industrializações coreana e taiwanesa, o comércio externo nunca deixou de ser objeto da política industrial.

Comprovando-se o disposto acima, as estruturas tarifárias de ambos são minuciosamente detalhadas e a seletividade se revela no fato de que, embora suas taxas médias de proteção sejam menores que na América Latina e na Índia, a dispersão em torno das médias coreana e taiwanesa é muito maior, dado que uma seletiva promoção exportadora requer alta proteção a um número reduzido de itens (Wade, 1985Wade, Robert. (1985) The Role of Government in Overcoming Market Failure: Taiwan, South Korea and Japan. World Bank, 1985., pp. 13, 17 e 27). No tocante à evolução dessas barreiras tarifárias, a evidência disponível aponta na direção de uma intensificação do caráter discriminatório a partir dos anos sessenta (Unido, 1986Unido-United Industrial Development Organization (1986) Industrial Policy in East Asia: 1950-85., pp. 44-6; Fajnzylber, 1983Fajnzylber, Fernando. (1983) La Industrialización Trunca de América Latina, Editorial Nueva Image: México., p. 118). Neste sentido, a menção de taxas médias mais baixas em Taiwan e na Coréia não sustenta a atribuição de menor intervencionismo posto que, a rigor, a variância das taxas se distancia ainda mais da regra preconizada pela concepção ortodoxa, que recrimina as “distorções” dos preços relativos internos em relação àqueles vigentes na economia internacional.

A negação do liberalismo comercial coreano e taiwanês fica ainda mais forte ao levarmos em conta o fato de que as restrições quantitativas são intensamente usadas nos dois casos e que não se pode afirmar que elas caíram desde os anos sessenta (Wade, 1985Wade, Robert. (1985) The Role of Government in Overcoming Market Failure: Taiwan, South Korea and Japan. World Bank, 1985., pp. 13-4; Fajnzylber, 1983Fajnzylber, Fernando. (1983) La Industrialización Trunca de América Latina, Editorial Nueva Image: México., p. 116). Em ambos, as importações são criteriosamente classificadas em três grupos, de itens proibidos, controlados e permitidos, e mesmo neste último, as compras passam por mecanismos informais de controle para sua aprovação, funcionando de modo próximo ao das tradicionais “leis de similares nacionais”; porém de maneira não explícita, sem o peso do estatuto formal de lei e com fácil alteração nos itens abrangidos. A transferência de itens para os grupos com importação controlada ou permitida, sugerindo uma aparente liberalização, pode significar nada mais que flexibilização no controle discriminatório. Qualquer afirmação, pois, de que as duas economias reduziram seu intervencionismo, baseada em eventuais quedas de tarifas e em anúncios oficiais de redução nas barreiras quantitativas, é uma proposição sem fundamento.

2.3. Controle do Investimento Direto Externo

Taiwan e Coréia do Sul aparecem frequentemente na literatura como “plataformas de exportação”. Este rótulo, entretanto, é inadequado tanto em relação ao volume quanto à liberdade de movimento do capital externo.

Na Coréia, o ingresso de capital produtivo acumulado US$ 580 milhões no período de 1967 a 1976 e, entre os anos de 1979 a 1982, as marcas anuais nunca ultrapassaram US$ 60 milhões1 1 Estas e as demais estatísticas deste parágrafo foram obtidas de Westphall et allii (1985, pp. 14 e 23), Evans (1984, pp. 7-8) e Wade (1985, p. 19). . Em Taiwan, o volume de entrada foi de US$ 479 milhões em 1967-76, e o último registro anual do Banco Mundial é de pouco mais de US$ 100 milhões em 1978. São cifras relativamente diminutas quando comparadas às de Brasil e México, mesmo levando-se em conta as dimensões maiores do PNB e das exportações destes NICs latino-americanos: os influxos acumulados no período de 1967-76 somaram US$ 7,6 bilhões no Brasil e US$ 3,9 bilhões no México e as médias anuais entre 1979 e 1982 alcançaram, respectivamente, US$ 2,2 e US$ 1,5 bilhões. No curso dos anos setenta, a participação dos investimentos externos no total dos investimentos manufatureiros correspondeu a apenas 8% em Taiwan e a um percentual ainda menor na Coréia. No caso taiwanês, deve-se ressaltar ainda que 1/3 do investimento externo representa aplicações efetuadas por chineses no exterior, cujos elos com a economia do país significam pouca diferenciação vis-à-vis a burguesia local.

As condições de operação das corporações transnacionais também diferem da imagem difundida. “Na Coréia, somente 6% das subsidiárias de transnacionais possuem a íntegra do capital. O capital externo é minoritário na maioria das empresas de que participa. Em Taiwan, somente as firmas estrangeiras que sejam dedicadas exclusivamente às exportações podem ser integralmente possuídas por estrangeiros. No Brasil e no México, em contraste, mais de 60% e 50%, respectivamente, das subsidiárias de empresas estrangeiras têm a propriedade integral de seu capital (Evans, 1984Evans, Peter (1984) Class, State and Dependence in East Asia: lessons for Latin Americanists, Center for the Comparative Study of Development, Brown University, mimeo., p. 8).

Nos dois NICs asiáticos, o acesso aos mercados internos tem sido em geral restringido e, sob diversos meios, os governos direcionam as empresas multinacionais à exportação de produtos determinados, diminuindo as exigências apenas nos casos em que haja interesse na absorção de tecnologia (Wade, 1985Wade, Robert. (1985) The Role of Government in Overcoming Market Failure: Taiwan, South Korea and Japan. World Bank, 1985., p. 19). Assim como as relações comerciais com o exterior, a entrada de capital não escapa de um forte crivo estatal (Westphall et allii, 1985Westphall, L. E., Rhee, Y. W. & Pursell, G. (1985) Korea Industrial Competence: Where it Came From, World Bank Staff Working Papers, n. 469, 1985 (1.ª edição, 1981).; Cheng, 1986Cheng, Tum-Ien. (1986) Political Regimes and Development Strategies-Korea versus Taiwan, Center for U.S. - Mexican Studies, mimeo.; Fajnzylber, 1983Fajnzylber, Fernando. (1983) La Industrialización Trunca de América Latina, Editorial Nueva Image: México., pp. 128-131).

As informações a esse respeito estão mais disponíveis para a Coréia, onde se sabe, por exemplo, que a reserva do mercado interno se faz em acordo com uma programação de investimentos. A incorporação de produtos de alta tecnologia na pauta de consumo local, bens caracteristicamente produzidos por empresas multinacionais, se dá de modo sincronizado com a capacitação dos grupos nacionais para ocupar o mercado, na medida em que as subsidiárias de empresas estrangeiras nestes setores são circunscritas à produção para a venda externa. Baptista (1987Baptista, Margarida A. C. (1987) A Indústria Eletrônica de Consumo a Nível Internacional e no Brasil: Padrões de Concorrência, Inovação Tecnológica e Caráter da Intervenção do Estado, dissertação de mestrado, IE/UNICAMP., item 3.2) evidencia estes aspectos no caso da indústria eletrônica, uma das prioridades da atual política industrial, como veremos no item 4, e uma das poucas onde a participação do capital externo tem significância. Vejamos três exemplos constantes desse texto: (i) a transmissão televisiva em cores teve seu início retardado até 1980, até que um dos grupos locais (Sansung), cuja produção de aparelhos (para exportação) se iniciara em 1977, instalasse suficiente capacidade produtiva; (ii) em 1984, as firmas estrangeiras detiveram 0,2% das vendas internas no total da indústria eletrônica, a despeito de sua parcela de 17,4% na produção (os percentuais para as joint-ventures foram respectivamente de 21,7% e 19,6%); e (iii) o mercado interno cativo foi fator relevante para que os conglomerados locais ascendessem na escala tecnológica de seus produtos, avançando nos segmentos do consumo sofisticado, na microeletrônica e na eletrônica profissional, nos quais havia se concentrado o investimento externo.

Ainda na Coréia, as reservas de mercado não funcionam apenas como instrumento de garantia de escalas mínimas, mas também como meio de transferência de tecnologia mediante a constituição de joint-ventures, que se tomam mais atrativas para as firmas estrangeiras. O caráter conglomerado dos grupos locais (vide adiante) possibilita a realização de acordos de licenciamento, joint-ventures etc., a partir de pequenas pontas em sua estrutura, sem perda de sua autonomia e com a capacidade de aglutinar fontes de tecnologia dispersas no exterior. O carro coreano do grupo Hyundai, por exemplo, surgiu em meados dos anos setenta como um pacote de elementos importados: design da Itália, motores e caixas de marcha da Mitsubishi do Japão, assistência técnica e administrativa da Inglaterra e diversos acordos de licenciamento firmados para outros componentes. Por volta de 1982-83, aproximadamente 90% de seu conteúdo já era produzido localmente e o automóvel começava a se projetar no mercado internacional, o ·primeiro empreendimento independente de firma do Terceiro Mundo a vender em massa no mercado mundial (UNCTC, 1983Uncte-United Nations Centre on Transnational Corporations. (1983) Transnational Corporations in the International Auto Industry, Nova York., pp. 135-6).

No caso taiwanês, também “a contribuição do investimento direto externo não tem sido de fundamental importância, ( ... ) a não ser em alguns setores manufatureiros, tais como a eletrônica” (Liang & Liang, 1985Liang, Kuo-Shu & Liang, Ching-ing (1985) The Industrial Policy of Taiwan, 15th Pacific Trade and Development Conference, Tóquio., p. 12). É verdade que o tratamento dado ao capital externo é aparentemente menos restritivo em relação ao coreano, a julgar pelas dimensões relativas do ingresso e pelo seu acesso a segmentos relevantes do mercado interno. Na eletrônica, foco de atração das empresas estrangeiras nos dois países, a participação do capital externo no total investido em 1979 era de 45% em Taiwan contra 25% na Coréia e, em contraste com o que ocorre nesta, subsidiárias não-integrais também disputam, por exemplo, o mercado taiwanês de televisores coloridos (Baptista, 1-87, item 3.2). Contudo, o fato inegável é que, quando o capital internacional passou a se interessar pelos dois NICs, a partir do início dos anos setenta, seus Estados não declinaram da capacidade de direção.

Nos dois países, são elaborados planos quinquenais de desenvolvimento, definindo setores-líderes, programas específicos para estes setores, além de projetos específicos de P&D com a participação do Estado e assim por diante. Tal processo de planejamento significa a minimização de medidas ad hoc e pulverizadas, ao indicar os pontos de convergência na utilização dos diversos instrumentos, essência das políticas industriais ativas presentes nas duas economias.

Na Coréia do Sul e em Taiwan, como em qualquer outro contexto nacional, os moldes assumidos pela regulação estatal refletem os perfis particulares das relações entre os segmentos da sociedade civil e o Estado, definindo-se inclusive o conteúdo e o limite da gestão governamental. O forte teor diretivo da política industrial nos dois países, ou seja, a articulação Estado-capital em torno de trajetórias preestabelecidas e expressas nos instrumentos discricionários, deve ter sua raiz buscada na conformação de seus Estados nacionais desde o pós­guerra, o objeto do próximo item.

Localizaremos, nesse mesmo processo, a gênese das diferenças entre as formas típicas de organização industrial dos dois países, mencionada na introdução. Enquanto em Taiwan uma estrutura relativamente pulverizada do capital local se combina com grande participação estatal nas atividades produtivas, na Coréia do Sul a estrutura do capital é extremamente concentrada. O faturamento conjunto dos cinco principais conglomerados coreanos - Sansung, Hyundai, Lucky-Goldstar, Daewoo e Sunkyong - foi em torno de US$ 50 bilhões em ·1986, montante equivalente a mais da metade do PNB do país (Info, fevereiro, 1987, p. 32), com cada um desses conglomerados atuando em um espectro altamente diversificado de atividades, abrangendo eletrônica e comunicações, construção civil, construção naval, química, têxteis e vestuários, siderurgia, papel e celulose, petróleo e energia, automóveis ou autopeças, comércio geral e varejista etc. (Business Week, 22.6.82, 20.2.84, 23.12.85 e 24.3.86). As poucas empresas gigantes de Taiwan são menores em tamanho e menos diversificadas que suas contrapartes na Coréia do Sul (Mody, 1985Mody, Ashoka. (1985) Recent Evolution of Microelectronics in Korea and Taiwan: an Institutional Approach to Comparative Advantage, mimeo., p. 9). Por sua vez, a presença do setor produtivo estatal em Taiwan pode ser aferida a partir de uma amostra de 51 países em desenvolvimento citada por Wade (1985Wade, Robert. (1985) The Role of Government in Overcoming Market Failure: Taiwan, South Korea and Japan. World Bank, 1985., pp. 42-3), com dados sobre a participação de empresas públicas na formação bruta de capital fixo, na qual essa economia aparece no quintil superior. Tais singularidades nas formas da organização industrial, próprias às duas economias têm origem nos processos de constituição dos Estados coreano e taiwanês, resumidos a seguir.

3. A CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS

As regiões hoje demarcadas como Taiwan e Coréia do Sul guardavam várias semelhanças no imediato pós-guerra. Durante a colonização japonesa - 1895-1945 em Taiwan e 1910-45 na Coréia -, foram principalmente supridores de produtos primários, e todos os ativos industriais eram de propriedade dos japoneses. Ao cabo dessa colonização:

  1. estes ativos foram assumidos pelos aparelhos estatais emergentes e ambas as economias se caracterizavam pela inexistência de burguesias estruturadas;

  2. ao mesmo tempo, foram incorporadas ao sistema de segurança norte-americano, em decorrência da imediata erupção da Guerra Fria, da qual eram fronts;

  3. passaram por amplas reformas agrárias que pulverizaram a estrutura de posse e uso da terra;

  4. os novos Estados surgiram excepcionalmente fortes, em sua dimensão de autonomia relativa, e privilegiados na geopolítica dos Estados Unidos. Os desdobramentos, porém, foram diferentes.

Em 1945, a ilha de Taiwan foi incorporada à China continental, na qual travavam luta as forças de Mao Tsé-tung e do partido Kuomintang (KMT); após sua derrota em 1949, o KMT retirou-se para a ilha. Em 1947, ocorrera um conflito entre os taiwaneses e os continentais, concluído com a subjugação dos primeiros. Enfim, após 1949, um partido de estrutura continental se comprimia numa ilha, pretenso refúgio temporário, e diante de “hospedeiros” hostis.

As novas circunstâncias da sobrevivência do KMT, agora circunscrita à ilha pouco receptiva, alteraram seu· “programa de ação “ em relação a sua época continental. A burguesia industrial-financeira do. continente não o acompanhara, e os desterrados proprietários de terra do continente nada mais significavam. Uma vez em Taiwan, o KMT desbaratou os interesses latifundiários locais e reteve o grosso da propriedade industrial e bancária herdada do período colonial (Cheng, 1986Cheng, Tum-Ien. (1986) Political Regimes and Development Strategies-Korea versus Taiwan, Center for U.S. - Mexican Studies, mimeo., pp. 20-4). Segundo Jones (1980Jones, L. P. (1980) Jae-bul and the Concentration of Economic Power in Korea Development: Issues, Evidence and Alternatives, Boston University., pp. 78-80), apudFajnzylber (1983Fajnzylber, Fernando. (1983) La Industrialización Trunca de América Latina, Editorial Nueva Image: México., p. 127), o governo taiwanês, enquanto instrumento de dominação dos “continentais”, teve sempre como preocupação restringir sistematicamente as eventuais tendências de concentração na comunidade de negócios, integrada basicamente por indivíduos de origem local.

O fim da colonização japonesa na Coréia, como em Taiwan, implicou a absorção da propriedade dos ativos industriais pelo Estado, sendo transferidos pelo “Governo Militar Americano” (1943-48) ao primeiro governo da Coréia do Sul (a linha divisória Norte-Sul foi congelada em 1947). Em contraste com Taiwan, porém, não houve uma contraparte ao KMT ocupando o “vazio” político do imediato pós-guerra: as forças armadas constituídas pelo governo dos Estados Unidos foram mantidas como instituição independente e acompanhavam a distância o processo; sem burguesia industrial, sem grandes proprietários de terra e com um conjunto rarefeito de organizações civis populares, restava apenas a aliança heterogênea e precária entre os líderes antijaponeses e sua relação carismática com a população, aliança que começou a se fragmentar após a divisão Norte-Sul (Cheng, 1986Cheng, Tum-Ien. (1986) Political Regimes and Development Strategies-Korea versus Taiwan, Center for U.S. - Mexican Studies, mimeo., pp. 10-6).

Ao término da Guerra da Coréia, em 1953, sob pressão das missões governamentais norte-americanas, o governo sul-coreano começou um processo de privatização em massa de empresas industriais e bancos públicos. Mais de cinquenta grandes empresas industriais foram privatizadas em benefício de ex-gerentes e clientelas políticas e, em 1957, três bancos comerciais de porte nacional foram também privatizados, para os mesmos beneficiários da onda anterior (Cheng, 1986Cheng, Tum-Ien. (1986) Political Regimes and Development Strategies-Korea versus Taiwan, Center for U.S. - Mexican Studies, mimeo., p. 13). Não havia interesse do capital multinacional, e a privatização acelerada só poderia acumular ativos nas mãos dos favorecidos iniciais, aqueles que já haviam usufruído das primeiras facilidades para aquisição. Nascia uma “burguesia industrial”, altamente concentrada e gestada pelo próprio Estado. Após o golpe militar de 1961, reafirmou-se a aliança entre o Estado, em seu novo regime, e o grande capital. Os bancos foram novamente estatizados e, em troca do “esquecimento “ quanto à forma de constituição dos grandes grupos, estes se comprometeram a operar como instrumento ideal e afinado com o projeto militar de modernização, disposição expressa no conjuntamente elaborado 1.º Plano Quinquenal de Desenvolvimento (1962-67).2 2 Em alguns textos, como Mody (1985, pp. 8-9), esse processo aparece como uma emulação do modelo japonês, preferido ao taiwanês; como uma opção feita pelo Estado, a partir de critérios de “racionalidade econômica”. A sintonia Estado-capital local, a acentuação do grau de centralização deste e o autoritarismo militar vêm caracterizando a Coréia do Sul desde então.

Da constituição dos dois Estados nacionais brotaram duas economias marcadas pela confluência de interesses em torno da industrialização, capitaneados por aparelhos de Estado fortes em sua dimensão de relativa autonomia, ou seja, em sua capacidade de elaborar e implementar um projeto de modernização. Mesmo no caso coreano, no qual a regulação estatal e a gestão dos conglomerados estão profundamente imbricadas desde a origem destes, o governo manteve sempre o poder de direção em última instância, manifesto, por exemplo, na permanência do caráter estatal do sistema financeiro (até o início dos anos oitenta). Em tais condições, não é de admirar que, em ambos, as resultantes fossem políticas industriais ativas e com grande capacidade de influenciar a direção dos acontecimentos, embora envolvendo estruturas industriais tão contrastantes.

4. AS ESTRATÉGIAS DE INDUSTRIALIZAÇÃO

Voltar-nos-emos, neste item, para as trajetórias de industrialização orientada para a exportação, no curso das quais as duas economias em exame transitaram, em trinta anos, de baixos níveis de industrialização e renda per capita ao status de exportadores de produtos de alta tecnologia. Buscaremos detectar as peculiaridades históricas influentes sobre o desenvolvimento industrial-exportador da Coréia do Sul e Taiwan, assim como as razões do maior avanço industrial do primeiro.

4.1. A Primeira ISI e a Transição para a IOE

A industrialização nos dois países passou pela chamada Primeira ISI, ou etapa “fácil” da Industrialização por Substituição de Importações (ISI), nos anos cinquenta. Ao longo da década, expandiu-se rapidamente a produção de têxteis, vestuários, calçados, madeira compensada, alimentos beneficiados e outros tipos de manufaturas leves.

A ajuda externa cumpriu papel fundamental neste período. Segundo estimativas citadas por Evans (1984Evans, Peter (1984) Class, State and Dependence in East Asia: lessons for Latin Americanists, Center for the Comparative Study of Development, Brown University, mimeo., p. 10), o montante de ajuda norte-americana correspondeu a aproximadamente 80% da formação bruta de capital fixo coreana durante o período de 1953-62 e a 5/6 de suas importações ao longo dos anos cinquenta. No caso de Taiwan, a ajuda superou em valor a 35% do investimento interno bruto e das importações. Embora boa parte dessa ajuda fosse dirigida a gastos militares, não se deve esquecer sua contribuição às reservas cambiais, cobrindo parcela do déficit corrente do período, bem como seu efeito sobre a demanda interna de bens e serviços. Westphall et alii (1985Westphall, L. E., Rhee, Y. W. & Pursell, G. (1985) Korea Industrial Competence: Where it Came From, World Bank Staff Working Papers, n. 469, 1985 (1.ª edição, 1981)., p. 10) mostram, também, como as compras militares norte-americanas, além de injetarem dinheiro, vinham acompanhadas de exigências e assistência técnica concedida a construtores, produtores de madeira, pneus e outros produtos, funcionando como meio de aprimoramento técnico.

Com o crescimento industrial acelerado, os dois pequenos mercados internos, embora crescentes, foram ocupados ao longo da década. A expansão manufatureira em Taiwan, dobrando entre 1950 e 1958, passou a se defrontar com a tendência ao esgotamento do empuxe dinâmico da Primeira ISI já na segunda metade do período (Liang & Liang, 1985Liang, Kuo-Shu & Liang, Ching-ing (1985) The Industrial Policy of Taiwan, 15th Pacific Trade and Development Conference, Tóquio., p. 3). No lado coreano, a Primeira ISI se iniciou apenas ao fim da Guerra da Coréia e a inflexão dos investimentos se pronunciou no começo dos anos sessenta. A perspectiva de redução da ajuda externa e a pressão norte-americana, aliadas à exaustão das oportunidades internas e à dificuldade de salto para o aprofundamento substitutivo em direção à indústria pesada e a bens de consumo tecnologicamente superiores, explicam por que Taiwan promoveu reformas em sua política industrial em direção à “orientação para a exportação” (IOE) em 1958-61, com a Coréia seguindo os passos no período de 1962-65, após o golpe militar. As dificuldades para o aprofundamento substitutivo decorriam das exigências de escala contrapostas ao pequeno tamanho das duas economias, exigindo a extensão horizontal da indústria obtida da Primeira ISI através da ocupação de mercados internacionais de manufaturas leves.

As reformas, em ambos, consistiram em desvalorizações cambiais, na unificação das taxas de câmbio em cada um, no estabelecimento de incentivos fiscais e creditícios às exportações e na adoção dos critérios de seletividade e flexibilidade no tocante à proteção comercial. No final dos anos sessenta, segundo estimativas de Bela Balassa, citadas pela Unido (1986Unido-United Industrial Development Organization (1986) Industrial Policy in East Asia: 1950-85., p. 38), somente o valor das concessões de impostos equivaliam, nos dois países, a 10% das receitas brutas das exportações.

A mudança de curso para a IOE na política industrial contou com condições favoráveis no lado externo. O crescimento da economia internacional, a ausência de protecionismo para os produtos coreanos e taiwaneses em razão de sua peculiar posição geopolítica e o número relativamente pequeno de países do Terceiro Mundo a seguir a mesma estratégia, permitiram grande expansão de suas exportações de manufaturas leves ao longo dos anos sessenta, incluindo têxteis, vestuário, calçados, brinquedos, madeiras compensadas etc.

Apesar das semelhantes trajetórias, diferenças de fundo marcaram os dois processos. Em Taiwan, a industrialização se deu com base em pequenas e médias empresas e de modo geograficamente descentralizado, sendo a ligação entre os meios rural e urbano um objeto explícito da política industrial (Cheng, 1986Cheng, Tum-Ien. (1986) Political Regimes and Development Strategies-Korea versus Taiwan, Center for U.S. - Mexican Studies, mimeo., p. 41). Já na Coréia, a concentração industrial em vários mercados e a conglomeração foram acentuadas, acompanhadas da concentração urbana, em decorrência do caráter discriminatório assumido pela política industrial em favor dos grandes grupos locais (Eiu, 1985EIU - The Economist Intelligence Unit, (1985) South Korea to 1990: Liberalisation for Growth, Special Report n. 225, The Economist Publications Ltd., Londres., pp. 7-10; Cheng, 1986Cheng, Tum-Ien. (1986) Political Regimes and Development Strategies-Korea versus Taiwan, Center for U.S. - Mexican Studies, mimeo., pp. 31-2). Os determinantes históricos traçados no item 2 se desdobraram, no período, em tais caracteres particulares das duas políticas industriais.

Durante a fase de Primeira IOE, essas singularidades não significaram resultados distintos quanto à performance industrial, devido à natureza dos produtos envolvidos, vale dizer, manufaturas sem grandes requisitos de escala e tecnologia. Contudo, nos anos setenta, quando o aprofundamento industrial se afigurou inevitável, as dessemelhanças se intensificaram e, desta vez, tiveram consequências para a industrialização nas duas economias.

4.2. O Aprofundamento Industrial nos Anos Setenta

A IOE de manufaturas leves, enquanto fonte de superexpansão, também tendeu à exaustão. Afinal, os manufaturados tradicionais tendem a ter um aumento vegetativo em sua demanda mundial, ou seja, no máximo igual à taxa global de crescimento econômico. Deste modo, o incremento acelerado das exportações coreanas e taiwanesas, no estilo da década de sessenta, pressupõe a expulsão contínua de competidores. Mesmo se fosse possível manter o ritmo dessa expulsão, ainda assim haveria o teto posto pelas dimensões absolutas dos mercados. Além disso, entravam em cena os NICs da América Latina buscando os mesmos mercados e outras economias do Terceiro Mundo, com salários ainda menores, ensaiando os primeiros passos no sentido de reproduzir o trajeto dos NICs asiáticos. Com efeito, a necessidade de transitar a um novo estágio industrial já era percebida em Taiwan e na Coréia no início dos anos setenta. Dois foram os pilares do novo estágio de industrialização-exportadora: a indústria pesada e outros tipos de manufaturas leves a serem incorporadas à pauta de exportações, notadamente produtos da eletrônica (calculadoras, rádios, fonógrafos e TVs preto-e-brancos, itens simples da escala tecnológica e já dominados localmente desde os anos sessenta, passando a aparelhos de TV em cores e gravadores na segunda metade da década). O aprofundamento industrial, quando exportador, leva a economia a seguir “linhas de menor resistência”, ou seja, iniciar-se pelos segmentos tecnologicamente maduros e nos quais os custos com a mão-de-obra sejam relevantes, em face do requisito de competitividade externa. O avanço industrial se dá mediante o upgrading na escala tecnológica, colocando-se a necessidade de que os segmentos em implantação adquiram competitividade em um dado limite de tempo, de modo a que a sucessão tenha curso. A política industrial adequada deve conter seletividade e flexibilidade, atributos não por acaso encontrados nos casos aqui examinados.

Nos setores da industrialização pesada dos dois países, a saber, siderurgia, metais básicos não-ferrosos, química e petroquímica, equipamentos de transporte, papel e celulose, construção naval e construção civil (no exterior), caracterizados pelo alto volume de capital envolvido, as trajetórias coreana e taiwanesa tiveram divergências acentuadas. A amplitude dos investimentos e a imediata orientação exportadora posta pelo Estado, no caso coreano, resultaram em rápida penetração, já ao final da década, nos mercados siderúrgico, naval e de engenharia civil a nível mundial. Em Taiwan, os investimentos se deram com menor intensidade e lentamente ao final da década. “No final dos anos setenta, a indústria pesada já era o principal setor da economia coreana, enquanto a indústria leve ainda dominava a economia de Taiwan” (Cheng, 1986Cheng, Tum-Ien. (1986) Political Regimes and Development Strategies-Korea versus Taiwan, Center for U.S. - Mexican Studies, mimeo., pp. 42-3).

Na Coréia, a maior parte dos empreendimentos foi assumida pelos grandes grupos que, ao também receberem incentivos para a formação de general trading companies, alcançaram a extrema diversificação que lhes é hoje peculiar. A participação estatal limitou-se à siderurgia e à promoção da construção civil além-mar, repassando nesse caso os contratos aos conglomerados locais. Entre os setores em questão, o capital externo permaneceu forte apenas no complexo químico (Westphall et alii, 1985Westphall, L. E., Rhee, Y. W. & Pursell, G. (1985) Korea Industrial Competence: Where it Came From, World Bank Staff Working Papers, n. 469, 1985 (1.ª edição, 1981)., p. 21).

A intensidade da industrialização pesada coreana cobrou-lhe um preço elevado, por três razões: (i) a criação de capacidade produtiva não-utilizada, embora usual nos setores envolvidos, foi de grandes proporções, dado o ritmo acelerado de sua implantação; (ii) tratavam-se, já então, de indústrias nas quais as economias avançadas vinham se defrontando com alta capacidade excedente desde o início da década e para as quais mantiveram forte proteção; e (iii) os volumes dos investimentos e o tempo de sua maturação exerceram grande impacto sobre a demanda agregada, com efeitos sobre a inflação e o endividamento externo. Muitos economistas no início dos anos oitenta atribuíram a Taiwan uma gestão “mais criteriosa e prudente”, apontando-a como a postura que a Coréia deveria ter adotado (vide, por exemplo, Unido, 1986Unido-United Industrial Development Organization (1986) Industrial Policy in East Asia: 1950-85., e Liang & Liang, 1985Liang, Kuo-Shu & Liang, Ching-ing (1985) The Industrial Policy of Taiwan, 15th Pacific Trade and Development Conference, Tóquio.).

A questão requer, entretanto, um exame mais cuidadoso. Antes de tudo, cabe destacar o fato de que a “prudência” taiwanesa refletiu, ao menos em parte, dificuldades para organizar uma “tríplice aliança” para os investimentos em pauta. Depois de tentativas frustradas de aglutinar o fragmentado capital local em torno dos projetos, ao que se seguiu a desistência também do capital externo, o Estado foi obrigado a estender sua participação direta no aparelho produtivo além do que inicialmente pretendia, notadamente na produção da petroquímica, de aço e de alumínio, não sem evitar o tempo gasto no longo e hesitante processo de negociação (Cheng, 1986Cheng, Tum-Ien. (1986) Political Regimes and Development Strategies-Korea versus Taiwan, Center for U.S. - Mexican Studies, mimeo., pp. 53-4 e 58). Poderíamos ter anotado, já no item 2, uma dificuldade potencial no caso de Taiwan, a saber, o confronto entre, de um lado, os limites de aprofundamento industrial por parte da estrutura pulverizada do capital local, exigindo uma expansão da atividade produtiva diretamente executada pelo Estado, e, do outro, os limites eventualmente postos para tal pelos caracteres ideológicos do KMT .3 3 Jones (1980, p. 80), apudFajnzylber (1983, p. 127), menciona a existência de um temor, na comunidade de negócios em Taiwan, quanto à “continuidade a longo prazo do respeito pela propriedade privada”. Esta “contradição” não se colocou na fase do crescimento à base dos ramos industriais tradicionais, para os quais a fragmentação do capital local não representou obstáculos, mas quando da industrialização pesada e da penetração nos setores de alta tecnologia, o tratamento ao capital externo teve de ser menos restritivo que na Coréia (como na eletrônica) e, no caso da indústria pesada, quando não funcionou a “tríplice aliança”, a ocupação da lacuna pelo Estado não deixou de ser problemática. A “cautela” taiwanesa quanto à indústria pesada deve, no mínimo, ser matizada.

O simplismo do contraponto entre as duas políticas industriais a partir de sua agressividade, como opções arbitrárias dos formuladores, se revela ainda mais ao nos voltarmos para a eletrônica. Neste caso, inclusive, a intensidade do aprofundamento industrial coreano indubitavelmente atuou de modo favorável, na medida em que o reforço à estrutura dos conglomerados e a rápida ampliação do mercado interno foram fundamentais para que adquirisse uma dianteira em relação a Taiwan (Mody, 1985Mody, Ashoka. (1985) Recent Evolution of Microelectronics in Korea and Taiwan: an Institutional Approach to Comparative Advantage, mimeo.). Neste, a composição do setor privado - empresas estrangeiras e firmas locais sem o tamanho e a diversificação das coreanas - só poderia redundar em uma inserção mais modesta na eletrônica, menos voraz na internalização dos segmentos mais avançados, restando ao Estado promover o esforço neste sentido (de fato, metade dos investimentos na indústria são estatais e concentrados em segmentos básicos - Baptista, 1987Baptista, Margarida A. C. (1987) A Indústria Eletrônica de Consumo a Nível Internacional e no Brasil: Padrões de Concorrência, Inovação Tecnológica e Caráter da Intervenção do Estado, dissertação de mestrado, IE/UNICAMP., p. 198). A margem de avanço coreana só não se verificaria caso a presença estatal fosse ainda maior, acrescentando-se à já grande participação em outros setores. A circunspecção da política industrial taiwanesa nos anos setenta está associada, por um lado, à conformação do capital local e, por outro, aos limites postos à posse estatal dos meios de produção, limites estes desconsiderados apenas quando inevitável e não sem hesitação.

4.3. A Política Industrial nos Anos Oitenta

O desempenho das duas economias sofreu o impacto, no início da atual década, da recessão mundial. Além desta, os problemas com o crescimento das exportações de manufaturados tradicionais, já referidos, estavam aguçados ao fim dos anos setenta. A Coréia teve ainda que se defrontar com a sobrecapacidade na indústria pesada e com a interveniência do FMI, no curso da renegociação de sua dívida externa.

Os atributos de flexibilidade e seletividade das duas políticas industriais foram exercitados como resposta ativa à crise. A ênfase na indústria pesada deu lugar à concentração da prioridade nos setores de conteúdo tecnológico crescente e de maior dinamismo nas economias avançadas e, nestes, ao upgrading na escala de produtos exportados. Na Coréia, a “política de estabilização”, com reduções nos gastos públicos e nos incentivos financeiros, não foi executada com cortes horizontais, mas sim com base nas direções da política industrial.4 4 Os cinco bancos comerciais de âmbito nacional foram privatizados no triênio 1981-83, sem que a subordinação da esfera financeira à política industrial tenha sido substancialmente reduzida. No que tange à apropriação privada dos bancos “o governo não fez força para que os maiores beneficiários do sistema anterior, os grandes conglomerados, não capturassem parcelas acionárias ( ... ) e se acredita que esta participação tenha efetivamente findado maior do que poderia sugerir o limite de 8% estabelecido para acionistas individuais” (Eiu, 1985, p. 25).

Com efeito, a partir de 1983, quando se iniciou a recuperação americana, retornaram as altas taxas de crescimento nas exportações e no PNB, lideradas pelas vendas àquele mercado. Na composição do novo surto exportador, produtos mais sofisticados e de maior valor agregado passaram a ocupar parcela crescente. Nos fluxos de exportações coreano e taiwanês, apesar de sua maior parte ser ainda composta pelos itens tradicionais, os produtos com maior ascensão têm sido bens mais complexos da eletrônica: computadores, terminais, TV em cores, videocassetes; disk drives, equipamento telefônico, semicondutores etc. (Business Week, 25.6.84, p. 29). No caso coreano, por exemplo, a indústria leve compunha 48% das exportações em 1981, mas, no ano de 1983, as vendas da eletrônica, de máquinas e de navios cresceram 30% cada um, enquanto as exportações da indústria leve se elevaram em 1,7% (Business Week, 21.6.82 e 25 6.84). Mais recentemente, as duas pautas de exportação vêm incluindo partes de automóveis e carros completos. As taxas de expansão que as duas economias vêm apresentando têm sido acompanhadas de acumulação de reservas cambiais em Taiwan e de uma passagem para saldos positivos na conta corrente do balanço de pagamentos coreano.

A diferença entre os graus de aprofundamento industrial das duas economias, concomitante à adoção de uma trajetória comum, se agudizou neste recente boom. Na eletrônica, ambas avançaram na escala dos produtos, mas a Coréia detém uma vantagem nos segmentos mais sofisticados (Mody, 1985Mody, Ashoka. (1985) Recent Evolution of Microelectronics in Korea and Taiwan: an Institutional Approach to Comparative Advantage, mimeo.). Na indústria automobilística, o grupo Hyundai coreano produz e exporta carros completos, enquanto em Taiwan a-exportação é ainda integralmente de autopeças (o futuro carro taiwanês será produzido por uma joint-venture na qual a Ford participa em 70% - Business Week, 11.8.86). Nas duas indústrias em Taiwan, além da menor internalização, é pouco significativa a utilização de marcas próprias e maior o papel da subcontratação por firmas estrangeiras.

Entre os· determinantes comuns do êxito exportador recente dos dois NICs, cumpre destacar: (i) embora o dinamismo exportador tenha se dado sobre a “linha de menor resistência”, ou seja, seguindo uma escala gradual de facilidade no acesso à tecnologia e linhas de produto onde a competição por custos e preços tem relevo e para os quais o aparelho produtivo preexistente possa ser parcialmente convertido, os dois Estados tomaram a iniciativa de pressionar em direção à fronteira avançada, através de contratos de P & D, investimentos diretos etc.; (ii) a valorização do ien japonês, 50% só em 1985, facilitou o upgrading das exportações coreanas e taiwanesas.

Entre os elementos explicativos das diferenças, vale observar que a estrutura dos conglomerados coreanos concede, entre outros fatores, a possibilidade de reunir fundos internos e concentrá-los em investimentos produtivos ou em P&D de acordo com uma estratégia de avanço industrial, a obtenção de economias de escala em P&D é a internalização dos efeitos sinérgicos, a ‘existência de mercados cativos intrafirma, a capacidade financeira de sustentação de marketing e de marcas próprias e a viabilidade da absorção de tecnologia através de joint-ventures em “pontas” daquela estrutura. Estes fatores poderiam, em tese, também existir em Taiwan através do Estado: entretanto, como assinalamos, esta alternativa contém limites.

A continuação do atual ritmo de desenvolvimento industrial-exportador, contudo, tende a se deparar com crescentes obstáculos no futuro:

  • 1. A dependência das duas economias em relação ao comércio exterior é extremamente elevada - as exportações perfizeram 57,6% e 38,5%, respectivamente, dos PNBs taiwanês e coreano em 1984 (Anexo A), contra 13% no Japão e 7% nos EUA -, num contexto de relativa instabilidade econômica mundial. Nos anos sessenta, quando o Japão invadiu os mercados internacionais de bens de consumo durável, a economia mundial atravessava o longo período de boom do pós-guerra. Nos anos oitenta, ao contrário, ainda não se configura uma retomada firme e geral do crescimento, de acordo com a ·maioria das previsões.

  • 2. Além da magnitude dos coeficientes de exportação do produto, a distribuição geográfica dos fluxos comerciais externos das duas economias dificilmente será sustentável a longo prazo. A economia japonesa supre grande parcela das importações, além de ser a origem de uma significativa parcela do investimento direto externo, principalmente no caso coreano (Westphall et alii, 1985Westphall, L. E., Rhee, Y. W. & Pursell, G. (1985) Korea Industrial Competence: Where it Came From, World Bank Staff Working Papers, n. 469, 1985 (1.ª edição, 1981)., p. 21). A tendência estrutural de déficits comerciais de Taiwan e Coréia em seu comércio com o Japão foi paulatinamente compensada através do comércio com os EUA e, inclusive, com as exportações para este país se constituindo no “carro-chefe” do recente export drive. Não bastasse a vulnerabilidade diante de medidas protecionistas americanas, há o fato de que os severos e cumulativos desequilíbrios em conta corrente desta economia já estão sendo objeto de ataque por sua política econômica.

Trata-se, de fato, de uma dimensão relevante na industrialização exportadora dos dois países. Depreendem-se do Anexo C.1 os seguintes aspectos a respeito da direção dos fluxos comerciais de Taiwan:

  1. a crescente importância do mercado norte-americano como centro comprador dos produtos exportados, chegando, em 1984, a absorver quase 50% das exportações desse país;

  2. a tradicional dependência desta economia de produtos importados do Japão (observe-se que em 1952 o montante importado foi de 31% e, em 1984, de 29,3%);

  3. a decrescente importância do comércio com a Comunidade Económica Européia - CEE - e a debilidade estrutural com respeito aos países membros da OPEP.

O Anexo C.2 traz os principais fluxos do comércio exterior da Coréia do Sul. Antes de tudo, percebe-se que as exportações mantêm um padrão de concentração similar ao de Taiwan. O mercado dos EUA vem ampliando sua posição como principal escoadouro, enquanto o Japão diminuía seu papel relativo de absorvedor de exportações coreanas; podemos notar, contudo, comparando com o Anexo C.1, que este movimento foi menos acentuado no caso coreano, apresentando maior dispersão espacial em suas vendas externas. De qualquer forma, vê-se que os dois NICs asiáticos passaram a sustentar superávits comerciais com os EUA, cobrindo déficits com o Japão, o que deixa clara a associação entre o export drive dos dois países e a penetração no mercado norte-americano.

As perspectivas de substituição do mercado americano não são promissoras, em face da explícita resistência europeia a servir como escoadouro alternativo, bem como das dificuldades de penetração no mercado japonês. Por essa razão, os movimentos recentes nas políticas industriais coreana e taiwanesa com o objetivo de contornar a pressão protecionista do governo americano têm sido de dupla ordem: (i) reduzir algumas tarifas de importação e, (ii) facilitar o acesso do capital americano a certos setores antes restritos. Em Taiwan, 100 tarifas de uma lista de 174 submetida pelos EUA foram amplamente reduzidas (Business Week, 4.11.85), enquanto, na Coréia, 894 entre 1.560 itens de importação restringida estão tendo seu status alterado para “autorizadas” (Business Week, 2.7.84). Cumpre observar que a aparente liberalização não necessariamente entra em choque com a natureza anterior de suas políticas industriais, posto que estas se decidiram por uma maior seletividade desde o início da década.

  • 3. O upgrading industrial das duas economias deve enfrentar dificuldades maiores a partir de seu presente estágio, na medida em que, nos ramos a serem explorados, a competição via custos e preços tem pouca relevância, dando lugar crescente ao domínio da tecnologia, o que equivale a dizer que o acesso coreano e taiwanês a esta tecnologia se tornará mais árduo. O empenho dos dois Estados e, na Coréia, a estrutura dos conglomerados são atenuantes. É verdade que este problema parece menos importante para Taiwan, dado o caráter menos agressivo e mais complementar de sua trajetória industrial, ocupando principalmente nichos. No entanto, não se pode esquecer a instabilidade dos nichos a longo prazo, visto serem mercados muito vulneráveis às transformações no curso do tempo.

  • 4. Mesmo nos segmentos em que Coréia e Taiwan vêm ganhando presença nos últimos anos, beneficiando-se da valorização do ien, as empresas japonesas poderão reagir de duas formas: (i) aceitar a nova situação, buscando tanto ofertar produtos sofisticados que justifiquem preços altos (carros de luxo, TVs de tela grande etc.) como compartilhar dos ganhos coreanos e taiwaneses através da venda de componentes a estes; ou (ii) produzir em outras regiões da Ásia ou no interior dos próprios mercados nas economias avançadas. A economia japonesa não impediu a perda de seus mercados de manufaturados leves, mas, como a exportação permanece sendo elemento básico em seu dinamismo, tudo indica que será um competidor mais resistente à concessão de espaços mais “nobres” do que foram seus concorrentes em sua época.

Tomando em retrospectiva as estratégias de industrialização exportadora adotadas pelas economias coreana e taiwanesa, comprovamos sua propriedade nos dois· casos. Nada garante, porém, que o trajeto possa avançar .no mesmo ritmo, especialmente se não vigorarem condições internas e externas tão adequadas quanto o foram desde o pós-guerra.

5. COMENTÁRIOS FINAIS

Neste ponto, seguindo o enfoque histórico-estrutural aqui utilizado, o impressionante crescimento das economias sob análise adquiriu um sentido particular:

  1. Os processos de constituição dos Estados nacionais se configuraram de importância fundamental para o entendimento da trajetória econômico-social dos países em questão. Sem a breve reconstituição histórica aqui realizada, a política industrial efetivada nestes países, no período sob exame, assumiria conotação puramente instrumental. Pelo contrário, visto sob o prisma aqui proposto, o manejo da política industrial como mecanismo de regulação econômica tem seu conteúdo referido ao ambiente histórico-social e, mais precisamente, segundo o contexto interno e externo em suas singularidades.

  2. No que tange especificamente à orientação e implementação da política industrial - imersa nos determinantes acima apontados -, esta foi marcada pelos atributos de seletividade, flexibilidade, coerência e abrangência, de maneira a produzir, no interior das economias, vantagens comparativas dinâmicas. Seguindo as “linhas de menor resistência”, os processos de industrialização coreano e taiwanês foram capazes de progressivamente abocanhar fatias de mercado, primeiro de produtos tradicionais e, em seguida, em direção a bens dotados de maior sofisticação tecnológica.

  3. Devido às peculiaridades históricas supramencionadas, as estruturas de mercado resultantes do percurso econômico dos dois países apresentam dessemelhanças: conglomeração na Coréia e relativa fragmentação do capital em Taiwan - mais concentrada na produção de pequenas e médias empresas.

  4. Como decorrência deste último aspecto, quando do aprofundamento da base industrial nos anos setenta, as específicas formas de organização industrial impuseram possibilidades e limites próprios a cada uma das economias.

  5. Por último, devemos sublinhar a imprevisibilidade histórica e a irrepetibilidade dos modelos de industrialização aqui examinados. Dito de outro modo, os determinantes históricos envolvidos nos processos de industrialização coreano e taiwanês foram dotados de tal singularidade, que não se pode assegurar sequer o sucesso de sua continuidade, tampouco a transferência destas experiências para outras economias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • Wade, Robert. (1985) The Role of Government in Overcoming Market Failure: Taiwan, South Korea and Japan. World Bank, 1985.
  • Westphall, L. E., Rhee, Y. W. & Pursell, G. (1985) Korea Industrial Competence: Where it Came From, World Bank Staff Working Papers, n. 469, 1985 (1.ª edição, 1981).
  • 1
    Estas e as demais estatísticas deste parágrafo foram obtidas de Westphall et allii (1985Westphall, L. E., Rhee, Y. W. & Pursell, G. (1985) Korea Industrial Competence: Where it Came From, World Bank Staff Working Papers, n. 469, 1985 (1.ª edição, 1981)., pp. 14 e 23), Evans (1984Evans, Peter (1984) Class, State and Dependence in East Asia: lessons for Latin Americanists, Center for the Comparative Study of Development, Brown University, mimeo., pp. 7-8) e Wade (1985Wade, Robert. (1985) The Role of Government in Overcoming Market Failure: Taiwan, South Korea and Japan. World Bank, 1985., p. 19).
  • 2
    Em alguns textos, como Mody (1985Mody, Ashoka. (1985) Recent Evolution of Microelectronics in Korea and Taiwan: an Institutional Approach to Comparative Advantage, mimeo., pp. 8-9), esse processo aparece como uma emulação do modelo japonês, preferido ao taiwanês; como uma opção feita pelo Estado, a partir de critérios de “racionalidade econômica”.
  • 3
    Jones (1980Jones, L. P. (1980) Jae-bul and the Concentration of Economic Power in Korea Development: Issues, Evidence and Alternatives, Boston University., p. 80), apudFajnzylber (1983Fajnzylber, Fernando. (1983) La Industrialización Trunca de América Latina, Editorial Nueva Image: México., p. 127), menciona a existência de um temor, na comunidade de negócios em Taiwan, quanto à “continuidade a longo prazo do respeito pela propriedade privada”.
  • 4
    Os cinco bancos comerciais de âmbito nacional foram privatizados no triênio 1981-83, sem que a subordinação da esfera financeira à política industrial tenha sido substancialmente reduzida. No que tange à apropriação privada dos bancos “o governo não fez força para que os maiores beneficiários do sistema anterior, os grandes conglomerados, não capturassem parcelas acionárias ( ... ) e se acredita que esta participação tenha efetivamente findado maior do que poderia sugerir o limite de 8% estabelecido para acionistas individuais” (Eiu, 1985EIU - The Economist Intelligence Unit, (1985) South Korea to 1990: Liberalisation for Growth, Special Report n. 225, The Economist Publications Ltd., Londres., p. 25).
  • 5
    JEL Classification: O25; O14; F52.

ANEXOS

ANEXO (A)
Coréia do Sul e Taiwan Indicadores Econômicos
ANEXO (B)
Coréia do Sul e Taiwan Distribuição de Renda e Outros Indicadores Sociais
ANEXO (C.1)
Taiwan Direção das Exportações e Importações (% correspondentes a Estados Unidos, Japão, CEE e OPEP)
ANEXO (C.2)
Coréia do Sul Direção das Exportações e Importações: 1979-85 Em US$ Bilhões

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 1990
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