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Os bancos, a indústria e o Estado no Brasil* * Traduzido por Ricardo Borges Costa.

Banks, industries and the State in Brazil

RESUMO

O crédito é uma força motriz em todas as economias modernas e, como tal, entender como os bancos operam na alocação de poupança é fundamental. Igualmente importante é a relação entre bancos e indústrias, pois há uma correlação entre os avanços nesses dois setores. Este estudo visa compreender tal interação, tanto em nível institucional quanto comercial.

PALAVRAS-CHAVE:
Bancos; crédito; sistemas financeiros-industriais

ABSTRACT

Credit is a driven force in all modern economies and, as such, to understand how banks operates in allocating savings is pivotal. Equally important is the relationship between banks and industries, as there is a correlation between advances in these two sectors. This study aims to understand such interaction, in both institutional and commercial levels.

KEYWORDS:
Banks; credit; financial-industrial systems

INTRODUÇÃO

Existe uma correlação histórica entre a industrialização acelerada e a sofisticação de mercados e instituições financeiros. Abundam estudos de casos sobre sistemas financeiros, a diversificação estrutural desses sistemas e a importância do processo de intermediação de crédito para a atividade econômica como um todo.1 1 Veja Cameron et al. (1967), (1972) para estudos de casos europeus; Goldsmith (1986), Hadley (1970), Suzuki (1986) para o caso japonês; Goldsmith (1958) para o caso americano; e Galvêas (1981), Goldsmith (1986), Montoro Filho (1982), Ness (1974), Passos (1973), Silva (1981), Banco Mundial (1985), Zini Jr. (1982) para o caso brasileiro. Tradicionalmente, aqueles que controlam estas instituições têm poder em função do papel discricionário que assumem em decidir quem recebe crédito e a que fins é destinada a poupança. Está muito pouco claro, entretanto, quão racional é o comportamento dos bancos, a natureza da influência que lhes é atribuída e qual tem sido a importância deles na promoção ou distorção do desenvolvimento econômico.

A importância crescente do crédito para uma economia em processo de modernização sugere que o comportamento das instituições financeiras teria um impacto significativo sobre o comportamento das firmas industriais. Ainda assim, apesar de sua importância, pouca atenção tem sido dada ao relacionamento entre os bancos e a indústria.2 2 Existem poucos trabalhos acadêmicos sobre este ponto com uma base empírica sólida. Veja o trabalho de Linz (1961). A nível teórico, também devem ser citados o produtivo trabalho de Hilferding (1981 [1910]) e o ressurgimento de literatura sobre capital financeiro. Veja, por exemplo, Sweezy (1971: 1-33), Zeitlin (1974: 1073-1116). O que falta na literatura sobre o papel dos bancos no desenvolvimento econômico é investigar a natureza do relacionamento creditício existente entre tomadores e ofertadores internos.

Este trabalho analisa a interação entre financiamento e indústria, tanto a nível institucional quanto a nível do relacionamento comercial pessoal. Não me proponho a medir a contribuição direta dada pela modernização das instituições financeiras ao crescimento econômico com base em índices agregados do crescimento no estoque de capital. A maioria dos estudiosos de finanças e desenvolvimento concorda que é virtualmente impossível isolar o papel de um único fator, como a estrutura financeira de um país, do contexto do processo geral de crescimento econômico.3 3 Para a argumentação teórica veja Cameron et al. (1967) e (1962); Goldsmith (1969), Shaw (1967: 257-268); McKinnon (1973), Patrick (1966: 174-189); Shaw (1973); Charles Tilley in Cameron et al. (1967). Como sociólogo, usei um quadro de referência diferente para levantar questões novas e reformular as antigas sobre o papel dos bancos no processo de aprofundamento industrial. Como é que o industrial mobiliza capital, tanto para o investimento produtivo quanto para o financiamento cotidiano? Em que medida os industriais se utilizam do crédito e outros serviços bancários? Para que fins está sendo utilizado o crédito bancário? Quais são os critérios não-econômicos envolvidos na alocação de crédito? Os bancos desempenham um papel positivo de indução do crescimento, respondendo às necessidades de sua clientela? Qual a medida da penetração dos bancos em setores não financeiros da economia ou vice-versa? Qual é o poder de decisão que os banqueiros efetivamente possuem na alocação do crédito? E quais são as filosofias que permeiam o relacionamento creditício?

Para responder a estas perguntas, realizei entrevistas semiestruturais com 120 líderes empresariais dos setores financeiro e industrial no Brasil.4 4 Foram feitas também entrevistas suplementares não estruturadas com diretores do BNDES, um banco estatal, autoridades monetárias, líderes de grupos de interesse, analistas financeiros e gerentes de agências bancárias. Os resultados preliminares apresentados neste trabalho são baseados em pesquisa de campo conduzida no Brasil no período de 1984 a 1986. A tabulação ainda em andamento de respostas de questionários impossibilita qualquer apresentação de dados neste trabalho. Mostro, isto sim, uma avaliação qualitativa do sistema bancário brasileiro, o que os reformadores bancários de 1964 imaginavam ser esse sistema e como ele de fato se encontra nos anos 80.

Meu objetivo não era testar uma hipótese apriorística, mas sim explorar e gerar novas hipóteses sobre a natureza do relacionamento financeiro entre os bancos e a indústria, no contexto de um país em desenvolvimento. Consultando os verdadeiros tomadores e ofertadores, posso ampliar a compreensão do processo e prover uma visão mais integrada de como os bancos efetivamente se comportam, os pontos fortes e fracos do sistema bancário e suas relações com a indústria e com o Estado. Este estudo complementa a perspectiva mais quantitativa de um economista sobre a questão mais abrangente do papel dos bancos no desenvolvimento econômico.

Mais concretamente, meu estudo oferece, vinte anos após o início das principais reformas do setor financeiro, uma avaliação dos objetivos do novo regime de remediar dois problemas que se perpetuam na história da industrialização brasileira: primeiro, a insuficiência crítica de capital para investimento e, segundo, a natureza do processo de alocação de crédito. Há essencialmente um “gap financeiro”5 5 Tomei emprestado este termo do trabalho de Zoninsein (1985). ou uma assimetria entre os fundos para investimento necessários e os que estão disponíveis. A oferta limitada de poupança interna para investimento produtivo sugere uma questão: estarão os financiamentos fluindo para os tomadores absolutamente “seguros”, de reputação comprovada? Os países latino-americanos têm sido tradicionalmente criticados pela alocação ineficiente dos créditos disponíveis, a qual tem sido historicamente baseada em formas tradicionais de apadrinhamento, interesses familiares e, em grande medida, condicionada por ligações políticas ou preestabelecidas.6 6 Veja McKinnon (1973: 73), Glade (1969: 466-467). No caso brasileiro, não temos, além da noção corriqueira do “pistolão” no setor bancário público, uma visão histórica deste problema.

Restringi a análise a bancos comerciais e de investimento e a firmas industriais em duas áreas metropolitanas, São Paulo e Rio de Janeiro.7 7 Os bancos de investimento brasileiros assemelham-se aos bancos comerciais na medida em que oferecem os mesmos serviços de empréstimo oferecidos pelos bancos comerciais, mas impedidos de trabalharem com depósitos de demanda. Os bancos comerciais privados nacionais licenciados contavam 64 em 1985. Em 1985 existiam também 18 bancos comerciais estrangeiros e 38 bancos de investimento. Minha análise exclui o maior banco comercial, o Banco do Brasil, entidade pública que atua tanto como uma quase autoridade monetária quanto como um ofertador comercial, concentrando empréstimos ao setor agrícola. O universo total chega então a 120 em escala nacional. Meu universo, restrito a São Paulo e Rio de Janeiro, alcança 84; 55 bancos comerciais privados (nacionais e estrangeiros) e 29 bancos de investimento, dos quais 58 foram entrevistados (ou 69% do universo). Tenho uma amostra muito menos representativa do setor industrial, contando 49 estabelecimentos privados entrevistados de um espectro de 12 setores econômicos diferentes e três categorias de tamanho por número de empregados. Não era meu objetivo fazer inferências estatísticas baseadas numa grande amostragem proporcional de firmas industriais, mas sim explorar vários temas referenciados na literatura sobre os bancos no desenvolvimento econômico. Foram conduzidas entrevistas com os presidentes, vice-presidentes, membros de conselho, ou diretores financeiros de um total de 107 estabelecimentos individuais. Em alguns casos mais de um respondente foi entrevistado, passando para 121 o número total de entrevistas em ambos os setores, financeiro e industrial. Bancos públicos, como o banco de desenvolvimento brasileiro, o BNDES, foram extensivamente estudados, por causa do importante papel de intermediação que desempenham na alocação de recursos financeiros para a expansão produtiva.8 8 Veja Villela (1974), Pinto (1969), Suzigan (1974). Os bancos comerciais privados, entretanto, receberam consideravelmente menos atenção.9 9 A abundante literatura que explica a ascensão dos conglomerados financeiros constitui exceção. Suas explanações, contudo, apoiam-se fortemente em argumentos de economia de escala. Veja Coentro Filho (1980); Moreira (1984); Oliveira (1980); Perdigão (1983). Devem também ser mencionados trabalhos conduzidos por estudiosos brasileiros sobre as fontes e usos do crédito bancário. Veja Calabi et al. (1981); Filardo (1980); Rodrigues (1984); Teixeira (1977); e Zini Jr. (1984). Meu trabalho sobre as relações banco/indústria procura ir além do enfoque mais geral destes trabalhos para explorar o relacionamento comercial pessoal entre banqueiros e industriais. Historicamente, os bancos comerciais são os supridores de créditos comerciais de curto prazo e de capital de giro das empresas, sendo, portanto, acusados de não contribuir para a formação de capital industrial. Argumenta-se que tendência de curto prazo não tem relação com padrões de longo prazo de crescimento e desenvolvimento econômico.

Os bancos privados, entretanto, assumem um papel crítico no contexto brasileiro, em que as altas taxas de inflação automaticamente encurtam os horizontes para investimento, diminuindo portanto o prazo de vencimento dos empréstimos. O nível de influência dos bancos privados, como fornecedores de créditos de curto prazo, sobre o comportamento dos investimentos, cresce na medida em que os industriais, tomando empréstimos de curto prazo e estendendo-os a prazos maiores, submetem-se a processos de avaliação de crédito mais frequentes. Os bancos privados brasileiros são também importantes em função do papel de intermediação que desempenham no “repasse” de empréstimos para investimento de longo prazo subsidiados pelo BNDES10 10 Programa Especial de Financiamento Industrial (Finame). Um programa feito para estimular a expansão da indústria privada doméstica por via do fornecimento de até 60% do financiamento necessário para a compra de maquinaria nova ou para a importação de maquinaria do exterior. Os empréstimos do Finame são costumeiramente referenciados como empréstimos de “repasse”. Os principais agentes financeiros do programa são os seguintes: BNDES como executor-chefe, bancos de desenvolvimento regionais e estatais, bancos comerciais incluindo o Banco do Brasil, bancos de investimento e companhias financeiras. e de outros empréstimos externos de médio e longo prazo11 11 Resolução 63, 21.8.1967, Banco Central. Pela resolução 63, os bancos domésticos poderiam tomar empréstimos em mercados internacionais com uma duração de longo termo (até oito anos), para então serem emprestados, ou “repassados”, a firmas domésticas públicas ou privadas, estrangeiras ou nacionais, geralmente em bases de médio e curto termo. , além da série de sofisticados serviços financeiros que oferecem.

Finalmente, um desdobramento importante que nos chama a atenção para os bancos privados é a recente coalescência de instituições financeiras privadas, formando grupos poderosos, cuja força e visibilidade têm crescido rapidamente nos últimos vinte anos. Está claro que o desenvolvimento de novas formas de instituições econômicas tem implicações sociais e políticas que vão além das consequências econômicas. Além do trabalho dos economistas, que fazem a mensuração do nível de concentração crescente que esses conglomerados representam, não existem estudos sobre a força ou os vínculos dos grupos financeiros, apenas menção de sua força econômica e política.

No presente trabalho, analiso os avanços do sistema bancário brasileiro desde 1964 até o presente. Baseando-me em respostas de entrevistas e em fontes secundárias, avalio em que medida a estrutura bancária atual se parece com a visão que dela tinham os reformadores de 1964. Ofereço ainda algumas reflexões sobre os pontos fortes e fracos do sistema financeiro, em termos de sua importância para o setor industrial.

EVOLUÇÃO DA ESTRUTURA FINANCEIRA BRASILEIRA

Anteriormente aos anos 60, o sistema financeiro brasileiro era estruturalmente simples, dominado por bancos comerciais e fontes de financiamento de curto prazo baseados em depósitos à vista. Fora do setor público, a única fonte alternativa para a obtenção de recursos pelas empresas era o desconto de títulos resgatáveis e notas promissórias junto aos bancos comerciais, obrigando-se à quitação num curto espaço de tempo. Essas fontes, então, desencorajavam as empresas a investirem em projetos de longo termo. O estabelecimento legal de um teto de 12% para as taxas de juros12 12 Decreto-lei n. 22.626 de 7 de abril de 1933. implicou que as transações de curto prazo se tomassem a norma, especialmente quando a taxa oficial de inflação alcançou os 13% em 1957.

Os bancos ficaram atrasados com relação ao incipiente crescimento industrial e comercial, preservando seu caráter essencialmente regional, a propriedade familiar e um espectro limitado de serviços. Em 1965, apenas 2,9% da poupança nacional bruta era canalizada pelo sistema financeiro, uma cifra muito pequena quando comparada com a de outros países latino-americanos, que tinham uma participação média de 10 a 15%.13 13 Montoro (1982): 79. Divergindo da experiência histórica alemã e japonesa, e mais identificados com a experiência britânica ou americana, os bancos privados constituíam meros emprestadores de dinheiro, divorciados de qualquer função de desenvolvimento. A exemplo de outros países de desenvolvimento tardio, no Brasil, uma grande quantidade de bancos de desenvolvimento oficiais forma uma rede por meio da qual o Estado persegue seus objetivos econômicos de longo termo.

Tornou-se logo evidente que o sistema financeiro tinha se tomado um obstáculo ao avanço do desenvolvimento econômico. À medida que o setor industrial crescia e se diversificava, as necessidades financeiras também mudavam. A natureza mais acentuadamente capital-intensiva do movimento de substituição de. importações requeria investimentos iniciais maiores de capital fixo e um aumento no volume de financiamentos operacionais. O aumento da demanda de recursos financeiros ocorreu tanto para os créditos de curto prazo quanto para os de longo prazo. Por volta de 1963 a inflação chegava a 100%, os investimentos estrangeiros haviam caído 20% em relação aos níveis de 1957-1961 e o crescimento econômico estava estagnado.

Em 1964, os militares tomaram o poder.

A prioridade do novo regime era reduzir e controlar a inflação e retomar as altas taxas de crescimento econômico. Os novos governantes entendiam que era impossível um crescimento acelerado e duradouro sem uma estrutura financeira eficiente para suportar este crescimento. Uma ampla reorganização do sistema financeiro passou, portanto, a fazer parte do programa mais geral de redução da inflação e retomada do crescimento. A filosofia que lastreava as mudanças institucionais era promover instituições financeiras independentes voltadas para mercados específicos e revitalizar programas de mercado de capitais, para criar condições favoráveis aos investimentos de médio e longo prazo.14 14 As três principais leis de reforma foram a Lei n. 4.595 de dezembro de 1964 (Lei de Reforma Bancária), que criava o quadro jurídico para as autoridades monetárias, além de estabelecer as regras básicas para a atividade bancária e para a política e instituições de crédito; Lei n. 4.357 de julho de 1964, que introduziu o conceito de correção monetária; e Lei n. 4.728 de julho de 1965 (Lei dos Mercados de Capitais), que fornecia as regras básicas para um sistema de mobilização de capital de investimento. Para uma discussão detalhada sobre as várias reformas institucionais, veja Galvêas (1981); Montoro Filho (1982); Ness (1974); e Silva (1981).

Outra razão para a reorganização do setor financeiro, embora raramente mencionada na literatura, era “disciplinar” ou profissionalizar o estabelecimento bancário. Uma comissão para a reforma bancária expressava, em 1959, sua preocupação com o comportamento normativo dos banqueiros:

“O crédito bancário deixou de ser um instrumento racional de progresso, tornando-se um promotor dos negócios particulares de seus diretores...Alguns bancos chegaram à liquidação e mesmo falência, com seus ativos concentrados em empresas, conglomerados e grupos que os exploravam ... O que se vê hoje é competição especulativa e interesse no lucro fácil e rápido, diante dos quais a prudência, a honestidade e os princípios morais começam a ceder (Comissão de Constituição e Justiça da Câmara de Deputados de 1959”. Senado Federal (1963), vol. I, p. 159).

A lei de reforma bancária separou as funções das instituições de crédito de curto termo (bancos comerciais) das instituições de crédito de médio e longo termo (bancos de investimento privados e bancos de desenvolvimento público). O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE)15 15 Mudou de nome em 1982 para Banco Nacional para o Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). foi designado como principal fonte de fundos de investimento de longo termo para projetos de desenvolvimento, bem como para o setor privado. A lei de reforma dos mercados de capitais criou e definiu o banco de desenvolvimento, introduziu incentivos fiscais para o investimento em ações por parte de indivíduos e corporações e ofereceu incentivos fiscais para as companhias abrirem seu capital.

Desde o tempo das principais reformas bancárias e do mercado financeiro de 1964, e da entrada de empréstimos de capital estrangeiro durante os anos 70, aumentou em termos absolutos a participação do setor bancário privado doméstico no processo de prover os recursos necessários para o financiamento do dia a dia,16 16 Mesmo que em termos relativos, diminuiu a importância do crédito de bancos comerciais desde 1969 na medida em que o governo brasileiro aumentou sua participação relativa no processo creditício. como também aumentou o papel deste setor na intermediação de fundos de longo termo. A tendência histórica era reinvestir os lucros retidos na expansão produtiva das próprias firmas. E isto continuou como a tendência dominante. O crédito intermediado pelos bancos somava-se, contudo, aos lucros retidos, constituindo a principal fonte “complementar” de financiamento não próprio para as firmas brasileiras. Em níveis variados, a indústria nacional utilizava de forma crescente empréstimos estrangeiros intermediados por bancos comerciais privados domésticos e por bancos de investimento, e empréstimos subsidiados de bancos do governo. Até 1979, na maioria dos casos, os tomadores de empréstimos em dólares estavam operando a taxas de juros reais negativas. Com uma fonte tão abundante e relativamente barata de crédito, presumia-se que todas as firmas tomassem parte neste tipo de financiamento. Não foi este, contudo, o caso, conforme verifiquei. Uma grande porcentagem de pequenas e médias empresas não confiava que o governo não viria, de uma hora para a outra, alterar sua política cambial. Várias delas não tocaram estes empréstimos estrangeiros ou usaram-nos de modo muito limitado. Este receio provou ser procedente quando em dezembro de 1979, e novamente em fevereiro de 1983, o cruzeiro foi desvalorizado em 30%. Aqueles que detinham grandes empréstimos estrangeiros foram seriamente afetados. Alguns abriram falência, enquanto outros optaram por trocar esta dívida por participação acionária por parte do BNDES. O resultado último foi tornar o governo ainda mais desacreditado perante os empresários privados.

De um modo geral, os vários programas de empréstimo subsidiado do governo e a estratégia de contar com poupança estrangeira tiveram o efeito de induzir o crescimento através do endividamento bancário, particularmente durante o anos 70 e começo dos anos 80, como contrapartida aos recursos internos. Estima-se que, no início dos anos 70, quase a metade de todo o investimento no setor industrial foi financiado através de empréstimos, em sua maioria bancários.17 17 Calabi et al. (1981); Montoro Filho (1982), pp. 104-108. Num estudo de quase 4.000 firmas industriais de 1969 a 1977, Zini Jr. (1984Zini Jr., Álvaro Antônio, (1984) “Evolução da Estrutura Financeira das Empresas no Brasil, 1969/1977”, Estudos Econômicos 14(1); 83-105.) verificou que os níveis gerais de endividamento18 18 Dados pela proporção entre a soma dos capitais de terceiros. e o total do capital da empresa. subiram de 46% a 56%. Estes níveis de endividamento são maiores do que os níveis médios americanos ou britânicos, como destacado por Filardo (1980Filardo, Maria Lúcia Rangel. (1980) Fontes de Financiamento das Empresas no Brasil, Rio de Janeiro, BNDES, 1980.).

O BRASIL NOS ANOS 80

Nos anos 80, o Brasil já tem uma economia mais diversificada e madura e técnicas bancárias e de investimento muito mais sofisticadas, em comparação com o que tinha há vinte anos. Sejam banqueiros ou industriais; todos concordam em que o sistema financeiro do Brasil é um dos mais sofisticados do mundo. As novas necessidades financeiras domésticas e a internacionalização das transações financeiras trouxeram o mundo da alta finança para dentro das salas de todo diretor financeiro; instalou-se uma agência bancária a cada esquina em todas as principais áreas metropolitanas. O “hábito” bancário tomou conta. Em 1964 o número médio de agências por banco era de 21; em 1984 este número chegou a 133. O número total de agências aumentou de 6.490 em 1964 para 15.070 em 1985. O setor bancário, sendo uma indústria trabalho-intensiva, empregava em 1985 um total de 700.000 trabalhadores. E, também em 1985, o maior conglomerado do setor privado, Bradesco, tornou-se a maior empresa do setor privado, tendo suplantado em número total de empregados o gigantesco complexo industrial Votorantim.19 19 O Bradesco emprega mais de 158 mil, suplantando o número de 95 mil empregados pela Votorantim. Isto tem levado alguns pesquisadores a especularem sobre a substituição de antigos industriais por novos financistas.

Vários fatores contribuíram para a proliferação de bancos no Brasil. No início dos anos 70, a política monetária fixou as taxas de juros. Ao mesmo tempo, a inflação declinou, caindo, portanto, os custos dos empréstimos, de modo que os bancos comerciais puderam contar com os depósitos à vista para lastrear a maior parte das transações em moeda local. Os bancos então estenderam suas redes por todo o país, com objetivo de captar poupanças, principalmente por meio de incorporações e aquisições. Depois de 1974, a inflação acelerou-se e a atividade bancária tornou-se uma indústria muito lucrativa, promovendo sua expansão. Um banco tem vantagens num clima inflacionário como o do Brasil. Os depósitos à vista, que não implicavam pagamento de juros, estavam protegidos contra a inflação.20 20 Veja Ness Jr. (1977). Um banco que receba correção monetária sobre depósitos à vista numa economia altamente inflacionária realiza lucros, mesmo que ilusórios. Entrevistados admitiram ser esta uma época lucrativa para os donos de bancos, embora extremamente ruim para o país.

Outro importante desenvolvimento do setor financeiro brasileiro nos últimos vinte anos foi a coalescência de instituições financeiras privadas em “grupos” poderosos, cuja força e visibilidade cresceu rapidamente. Medindo-se em termos de depósitos totais no sistema bancário, os cinco maiores bancos controlavam 29,7% em 1970 e 34,5% em 1984; os dez maiores controlavam 43% e 51,9%, respectivamente; e os 25 maiores bancos detinham 63,2% e 79,5%.21 21 Moreira (1984: 306). Os conglomerados financeiros típicos são privados e tendem a ser compostos de um banco comercial, um banco de investimento, um banco de poupança, uma companhia financeira, uma companhia de crédito habitacional ou hipotecário, uma companhia de seguros e uma firma de representação e corretagem de títulos. Estes conglomerados são geralmente liderados pelo banco comercial, o qual lança mão de suas numerosas agências para captar poupança e oferecer os serviços do grupo para o público em geral. O controle último e a direção do conglomerado financeiro geralmente é centralizado numa holding sob controle familiar. A holding controla as principais companhias do grupo, as quais, por sua vez, controlam várias outras através de participações majoritárias e minoritárias. Estes grupos financeiros são frequentemente eles mesmos parte de um grupo “econômico· ou “de investimento”, entendendo-se por esta expressão o sentido dado por Aubey (1970Aubey, Robert. (1970) “Private Sector Capital Mobilization and Industrialization in Latin America”, Journal of Inter-American Studies and World Affairs, 12(4).: 589), a saber, o de um aglomerado de organizações industriais, comerciais e financeiras. É comum referenciar esse grupos pelo nome da família ou do indivíduo que aparentemente controla ou administra o grupo. Argumenta-se que o grupo financeiro, frequentemente administrado ou de propriedade de uma família proeminente, pode ter evoluído da tradicional empresa familiar.22 22 Veja Aubey (1980), Brandenburg (1962: 3-23), Leff (1978: 661-676), Strachan (1976). Pesquisas realizadas em outros países latino-americanos, como México, Nicarágua, Chile e Argentina, levantaram evidências nesse sentido. O grupo, baseado em riqueza acumulada nos primeiros estágios de crescimento de uma firma, tornou-se capaz de fornecer as grandes e sempre crescentes somas de capital necessárias ao crescimento e à expansão. Os agrupamentos familiares, por meio da reunião de recursos, eram capazes de expandir em direção a novos setores econômicos, explorando novas fontes de lucro, podendo ainda absorver melhor perdas econômicas que levariam um empresário individual à falência. Os grupos financeiros brasileiros, entretanto, têm uma peculiaridade significativa. Os grupos brasileiros não penetraram em grande medida no setor industrial da economia. Suas atividades não financeiras incluem negócios agrícolas, processamento de dados, hotelaria e, em pouquíssimos casos, indústria pesada como a petroquímica ou papel e celulose. Sua forma organizacional reflete, contudo, uma relação institucional aos problemas da escassez de capital e do subdesenvolvimento dos mercados de capitais. Eles também representam um fenômeno sociológico, já que apontam a perpetuação em grande medida do capitalismo familiar. A fusão da propriedade com a família, que se pensava ser uma relíquia dos estágios iniciais do capitalismo, parece ser de fato um elemento central para a acumulação capitalista e para a manutenção do sistema de classes, no contexto de uma economia e sociedade em desenvolvimento tardio.

Hoje, os investidores institucionais enfrentam uma variedade de opções competitivas de investimento que transcendem as tradicionais contas bancárias de poupança ou o investimento na própria firma: a compra de letras e títulos do Tesouro no overnight, o mercado monetário e fundos de ações e certificados de depósito bancário. Tanto empresas grandes quanto pequenas passaram a ter cada vez mais contato com banqueiros, na medida em que a tomada de decisões complexas sobre matérias financeiras tornou-se uma rotina cada vez mais diária: onde conseguir o financiamento imprescindível para a importação de maquinaria pesada? Como aplicar o saldo de caixa ocioso em mercados financeiros sofisticados? Como interpretar balanços com lucros ilusórios provenientes de receitas não-operacionais? E como acompanhar a confusa enxurrada de novas normas e regulamentos do Banco Central? Passou-se também a conviver com uma grande diversidade de novas instituições e uma intervenção estatal crescente no processo creditício, incluindo instituições de crédito oficiais, bancos de investimento, mercados organizados de títulos e firmas de consultoria financeira.

No entanto, apesar de todas as reformas institucionais feitas para acumular poupança externa e interna, no início dos anos 80 as firmas industriais encontravam-se novamente com falta de fundos para investimento. Novos empréstimos estrangeiros deixaram de entrar no país, uma recessão mundial fez diminuir as taxas de crescimento e a inflação descontrolou-se, alcançando o nível de 1964, 100%, em 1981, acelerando-se até os 230% no final de 1984.23 23 Taxas extraídas de Arida (1986). A nova regra passou a manter-se livre de endividamento bancário, o que conduziu a um recente processo de desintermediação bancária e a uma nova redefinição do papel dos bancos privados, os quais passaram a ser predominantemente instituições orientadas à prestação de serviços.24 24 O Brasil experimentou de forma limitada uma espécie de boom no mercado de ações em 1981-1982, com as companhias procurando capitalizar suas dívidas, trocando dívidas por participação acionária. Foram feitos 44 novos registros em 1980, 67 em 1981; 87 em 1982; 42 em 1983; e 34 em 1984. Não obstante, o número total real de registros de companhias de capital aberto declinou no mesmo período devido aos cancelamentos de registros. Os números totais de companhias de capital aberto para os anos de 1980 a 1984 são, respectivamente: 1.034, 1.068, 1.135, 1.153 e 981. Veja Relatório da Comissão de Valores Mobiliários, 1984. Houve apenas um outro grande boom no mercado primário no Brasil em 1971. Nestas condições, os empresários nacionais preferem não recorrer ao crédito bancário. As firmas que continuam a tomar emprestado dos bancos só querem capital de giro de curto prazo, rolando ou renovando estes créditos para vencimentos mais longos. O industrial médio só recorre aos bancos para descontar títulos ou para usar seus serviços na intermediação da compra e venda de papéis do governo no mercado aberto. O que efetivamente aconteceu foi que as “melhores” firmas (isto é, o grupo de menor risco) diminuíram seus níveis de endividamento bancário, deixando como clientela as de pior desempenho e abrindo novos espaços para o setor governamental assumir.

AVALIAÇÃO DAS REFORMAS FINANCEIRAS BRASILEIRAS

O atual sistema financeiro do Brasil tomou um caminho completamente diferente do traçado pela legislação original da reforma dos bancos e dos mercados de capitais, de 1964. A filosofia inicial por trás da reestruturação do setor financeiro era promover instituições financeiras independentes para mercados específicos. Com o objetivo de produzir um setor financeiro altamente especializado e eficiente as reformas incentivaram maior concentração no setor bancário. Estas incorporações reduziram o número de bancos comerciais de 328 em 1964 para 107 em 1985. Ainda que a estrutura atual dos conglomerados financeiros seja um amálgama legal de instituições especializadas e independentes, na prática elas não funcionam dessa maneira. O que resultou, na verdade, foi um processo de homogeneização de instituições financeiras e uma estrutura do tipo “multibanco”, similar à tendência observada nos Estados Unidos, onde uma instituição lidera o grupo e simplesmente oferece os outros serviços das instituições independentes sob sua estrutura de guarda-chuva.

Também não foi suficiente simplesmente criar novas estruturas para mercados que não existiam. Os bancos de investimento foram criados originalmente para especializarem-se no fornecimento de empréstimos de médio e longo prazo, de um ano ou mais, e para incentivarem a profissionalização de firmas nacionais, administrando as subscrições públicas no mercado de ações. Hoje, no Brasil, não há qualquer diferença entre os serviços de empréstimo oferecido pelos bancos comerciais e pelos bancos de investimento, restringindo-se estes serviços, em ambos os casos, a créditos de curto prazo para cobrir capital de giro ou financiamento comercial. Os incentivos para abrir o capital ao público causou pouco efeito.25 25 Não obstante ter o Brasil a reputação de possuir o maior e mais sofisticado mercado de ações da América Latina, existem apenas 988 companhias de capital aberto registradas (quadro de dezembro de 1985), públicas e privadas, financeiras e não financeiras, das quais um número muito menor são ativamente negociadas. O principal fator explicativo são as altas taxas de inflação. Sabe-se que um dentre os muitos efeitos adversos da inflação é encurtar a escala temporal dos investimentos. Daí ser uma tendência histórica no Brasil a inclinação a tomar emprestado a curto termo e optar pelo endividamento em oposição à participação acionária.

Outra explicação frequentemente mencionada por entrevistados tem a ver com os padrões de propriedade e a estrutura da indústria brasileira. A preferência por crédito em vez de capital também tem origem na forte tradição da empresa familiar no Brasil. Mais de 80% das indústrias brasileiras são pequenas (com menos de 50 empregados), negócios gerenciados por uma família que insiste em ter controle acionário, investindo lucros retidos na modernização ou expansão, e cuja estrutura requer investimentos de capital fixo menores. Também sem força política ou assessoria para lidar com os procedimentos burocráticos do Banco Nacional- de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), preferem depender basicamente de recursos próprios, buscando apenas recursos complementares os bancos privados.

Um outro objetivo do novo regime era revitalizar a iniciativa privada, aumentando o acesso a empréstimos de capital. Como os bancos de investimento nunca assumiram esse papel, não há, fora o BNDES, nenhum mercado de empréstimos de longo prazo no Brasil e o grosso do crédito intermediado pelos bancos foi dirigido para o setor público. O crédito tornou-se cada vez mais “estatizado”. Baseando-se numa amostra de cem bancos de 1984 a 1985, Matias (1985Matias, Alberto Borges. (1985) Estatização do Crédito na Economia Brasileira, Tese de Mestre em Administração, Universidade de São Paulo.) encontrou as seguintes tendências: os bancos estatais eram responsáveis por 54% do total dos empréstimos bancários comerciais, ao passo que só 46% cabiam aos bancos privados; o setor público absorveu 59% do total dos empréstimos de bancos comerciais em 1985, evoluindo dos 50% registrados no ano anterior, enquanto os bancos do setor privado declinavam, nos mesmos anos, de 49% a 41%; a alocação de empréstimos feita pelos bancos do setor público às entidades do setor público aumentou de 54% em 1984 para 76% em 1985. O setor bancário privado tornou-se, na prática, o principal sócio do setor público.

A lógica por trás das reformas era criar uma estrutura institucional que pudesse acumular melhor as poupanças e canalizá-las para o investimento produtivo. Apesar de a maioria dos industriais entrevistados ter concordado que os empréstimos estrangeiros foram bem administrados, financiando efetivamente projetos pesados de infraestrutura, eles identificam um meio altamente especulativo nos mercados financeiros, em termos do dia a dia. O próprio Estado brasileiro depende em grande parte do sistema bancário privado para acumular capital privado para o pagamento do serviço da dívida externa de 112 bilhões de dólares. A emissão, por parte do governo, de títulos (OTNs) e letras (LTNs) de alta remuneração favoreceu esse meio especulativo, no qual é mais seguro tanto para os investidores como para os poupadores individuais jogar um jogo de “dinheiro grosso”. No mercado aberto, os investidores podiam comprar títulos indexados do governo a uma taxa de juros de 25-28% ao ano. Com uma taxa de inflação de 15% ao mês em março de 1986, estes altos spreads significavam que os lucros dos bancos estavam irrealisticamente altos.

Outro aspecto que contribuiu para reforçar esta situação foi o fato de que grandes empresas com excesso de saldo de caixa passaram a aplicar esses recursos de maneira especulativa, devido à incerteza de seus horizontes de investimento. As grandes empresas entrevistadas mantêm um relacionamento um tanto diferente com os bancos privados, quando comparadas com firmas de tamanho médio ou pequeno. As grandes empresas usam os bancos basicamente para aplicar o excesso de fundos nos mercados financeiros, não sendo tomadoras de empréstimos. Esta corrida aos papéis do mercado aberto veio a ser conhecida como a ‘ciranda financeira’. Os críticos deste comportamento argumentam que esteja ocorrendo uma séria transferência de recursos financeiros, em termos reais, dos setores produtivos dá economia para o setor financeiro.

No início de 1986, um novo pacote de reformas financeiras26 26 Decreto-lei n. 2.284, de 11 de março de 1986. chamado ‘Plano Cruzado’ foi instaurado pelo Presidente José Sarney. Combinando a desindexação da economia brasileira com uma estabilização da moeda e um congelamento geral da maioria dos preços, o Plano Cruzado foi apresentado como um tratamento de choque contra a inflação que impedia os investimentos. A era cruzado tem sido proclamada como uma tentativa de fazer os bancos voltarem a seu verdadeiro papel de intermediadores financeiros e não meros apostadores no jogo da especulação financeira. Nos primeiros meses do plano, tornou-se evidente que para que os bancos sobrevivessem o sistema bancário teria que voltar a aplicar seus recursos na produção. Com a desindexação, os bancos não teriam mais altos lucros com a especulação no overnight. O sucesso do plano em controlar a inflação teve, contudo, vida curta. Em alguns meses ficou evidente que o plano falharia, já que os políticos se recusaram a intervir no sentido de fazer os ajustamentos refinados que o plano demandava.

Com respeito ao objetivo de profissionalizar o estabelecimento bancário, a maioria dos industriais sentem que os financistas ainda detêm um lugar historicamente privilegiado com o governo. Eles citam os nomes de proeminentes banqueiros que são figuras políticas, o fato de o governo não ter, durante vários anos, combatido a sério a inflação, o que resultou no aumento do lucro dos bancos, e o fato de que apenas um importante banqueiro foi penalizado por crime de colarinho branco durante todos esses anos.27 27 O primeiro caso em que um proeminente banqueiro enfrentou acusações criminais foi o de Mário Garnero, Presidente do Brasilinvest. A lei de reforma bancária de 1964 definia claramente as limitações legais à alocação de crédito: era ilegal fazer qualquer empréstimo a diretores dos próprios bancos, a parentes de diretores ou de proprietários e a empresas associadas ao grupo, sempre que mais de 10% de seu capital fosse detido pelo banco em questão.28 28 Decreto-lei n- 4.595. de 31 de dezembro de 1964. artigo 34. E comum no Brasil, entretanto, ouvir falar de mecanismos usados por banqueiros para contornar estas limitações legais, sendo o mais comum deles a chamada “troca de chumbo”, mecanismo através do qual um banco empresta a uma associada de outro banco em troca de um favor semelhante. Tentar estimar em que proporções se dá esta prática entre os bancos privados constitui tarefa extremamente difícil. Os banqueiros dirão que esta não é uma prática tão comum, a ponto de fazer com que a sociedade perca a confiança nos bancos. Tem havido, contudo, uma crescente fiscalização de tais práticas nos últimos anos pelo Banco Central. Em minha pesquisa, realmente constatei validade para a crítica de que os banqueiros são mais fortemente representados nos altos postos políticos do que os industriais. Embora não represente um perfil rigoroso, meus dados revelam que de um total de 55 banqueiros, 7 (12,7 por cento) disseram ocupar ou já ter ocupado um ou mais cargos públicos, sendo a maioria a nível federal. Comparativamente, de um total de 57 industriais participantes, apenas 2 (3,5 por cento) afirmaram ter tido carreira política. É necessária uma análise posterior dos dados para se determinar se esta diferença é significativa ou não.

Ainda com respeito ao objetivo de democratizar o processo de alocação de crédito, na opinião dos industriais brasileiros não tem havido mudanças na mentalidade dos banqueiros privados nos últimos vinte anos. Historicamente confrontados com a falta de capital de empréstimo, os industriais acusam os bancos de não alocarem créditos em bases democráticas e o fator laços de amizade ainda prevalece como fator de grande importância para a obtenção de empréstimos.

Os bancos minimizam os riscos emprestando para quem não precisa, para tomadores de reputação conhecida, para o setor público - até recentemente considerado um risco absoluto - e distribuindo grandes blocos de crédito em pequenas parcelas por muitos clientes. :É comum ouvir industriais compararem bancos a guarda-chuvas. Bancos, como guarda-chuva, deveriam ser usados em períodos de mau tempo. No Brasil, entretanto, os bancos são guarda-chuvas dispo­níveis em tempos de sol e não disponíveis quando deles mais se precisa, quando chove.

Em suma, respondendo à questão mais geral sobre se os bancos brasileiros são “crescimentos indutivos”, atuantes na promoção do desenvolvimento econômico, a opinião dominante é, enfaticamente, não. Eu diria que o sistema bancário, antes de ter representado um impulso ao processo de industrialização, respondeu, isto sim, às demandas da indústria. A julgar pelo comportamento dos conglomerados financeiros, o setor industrial da economia teve pouca penetração neles. O capital financeiro brasileiro, diferentemente do zaibatzu japonês ou do universal mixed bank alemão, não se fundiu com o capital industrial de modo significativo. Há sempre exceções à regra. No Brasil, dentre os dez maiores conglomerados privados, apenas dois diversificaram. significativamente, adentrando o setor industrial. Do total da população de bancos privados, apenas um punhado tem penetrado sequer no setor não financeiro. Na maioria dos casos em que houve essa penetração o banco possuía raízes industriais, isto é, os proprietários, como nos casos do Banco Itaú e do Iochpe, ramificaram para a atividade bancária a partir da indústria e não vice-versa. É interessante notar que um número significativo de bancos pequenos e médios diversificaram para a indústria e o comércio, como nos casos do Fenícia, Iochpe ou Geral do Comércio. Em nenhuma das firmas entrevistadas, nem os bancos, nem os empréstimos bancários desempenharam um papel significativo em sua fundação. O único exemplo em que os bancos iniciaram e promoveram o crescimento de um novo campo tecnológico foi o caso do processamento de dados.29 29 Atualmente sendo investigado por Peter Evans. Harry Makler propôs um estudo aprofundado sobre seus vínculos com outros setores da economia, uma contribuição muito necessária ao estudo das instituições financeiras no desenvolvimento econômico. A grande maioria dos entrevistados concorda que as duas esferas, bancária e industrial, devem estar separadas. A maioria concordou que havia uma contradição fundamental entre seus papéis e suas mentalidades. O dinheiro é um tipo de produto completamente diferente dos produtos industriais.

Os banqueiros brasileiros culpam um Estado intervencionista e excessivamente controlador de usurpar este papel. A intervenção direta tem sido empregada para regular a composição das carteiras de empréstimo das instituições financeiras. Tais regulamentos têm sido alterados durante os anos, mas contêm tipicamente um elemento de empréstimo compulsório e a taxas subsidiadas ao setor agrícola, a empresas médias e pequenas e a certas regiões priorizadas para o desenvolvimento. A intervenção governamental afetou cerca de 83% das carteiras de bancos comerciais lastreados em depósitos à vista e 10% de bancos de investimento e comerciais lastreados por depósitos a prazo durante a primeira metade dos anos 80.30 30 Coopers and Lybrand. Profile of Banking and Finance in Brazil. São Paulo, Coopers and Lybrand, 1986. Um proeminente banqueiro privado expressou o seguinte parecer: “Os bancos privados foram virtualmente nacionalizados no Brasil por via de regulamentos governamentais, sem que fosse preciso tomar formalmente as medidas nesse sentido”.31 31 Entrevista, 21 de novembro de 1984.

Trata-se também de uma questão de mentalidade. A maioria dos banqueiros brasileiros simplesmente alega não ser uma função dos banqueiros privados participar ativamente da promoção do desenvolvimento econômico, mas que seu papel na alocação eficiente de crédito contribui indiretamente para esse desenvolvimento. A imagem que me ficou é a de que os banqueiros privados não são “forças propulsoras” do desenvolvimento econômico. Ao contrário, na verdade eles se aproximam de seus correspondentes contemporâneos em países já desenvolvidos, tais como os Estados Unidos. São típicos banqueiros conservadores, avessos ao risco, envolvidos em transações comerciais de curto termo, basicamente interessados em ter seus empréstimos devolvidos. Os banqueiros dos bancos de investimento não têm sequer uma visão de longo prazo, mas se parecem com os merchant bankers da Inglaterra, especializados em financiamento comercial, ou com os pequenos banqueiros independentes dos Estados Unidos, especializados na administração de fundos. Não pretendo, contudo, dizer com isso que os banqueiros privados não são atores importantes. Os maiores conglomerados financeiros têm de fato a capacidade de influenciar os mercados financeiros, sendo, portanto, capazes de influenciar, a longo prazo, o desenvolvimento econômico.

Além de culparem o Estado intervencionista, os banqueiros culpam também a mentalidade dos industriais brasileiros por não investirem a longo prazo. Hoje no Brasil a firma industrial típica é pequena, de propriedade familiar, e tem aversão ao endividamento bancário, contando mais com recursos próprios para financiamento. É comum ouvir banqueiros caracterizando os industriais brasileiros como proprietários interessados em tornar-se ricos às custas de suas firmas ao invés de terem firmas ricas e serem proprietários pobres.

Uma impressão que fica do sistema financeiro brasileiro é o seu nível de sofisticação. Medindo-se o impacto do sistema bancário no desenvolvimento geral, pode-se aferir a influência positiva que um maior número de serviços e instrumentos financeiros poderia ter no provimento das necessidades da indústria. A crítica de que os bancos privados têm pouco impacto no desenvolvimento econômico não considera a maneira como a indústria realiza o crédito de curto termo para liberar recursos próprios para investimento fixo, contribuindo por esta via indireta para o crescimento e o desenvolvimento. A rede de agências bancárias que se estende por todas as regiões, fornecendo um maior número e variedade de serviços e instrumentos financeiros, contribui para o funcionamento mais suave do comércio e da indústria. Existe, contudo, um nível de sofisticação quase supérfluo, que não se coaduna com as reais necessdades de uma economia e sociedade em desenvolvimento. Os horizontes de curto termo do sistema financeiro brasileiro frus­tram as necessidades de investimento de longo termo.

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  • *
    Traduzido por Ricardo Borges Costa.
  • 1
    Veja Cameron et al. (1967Cameron, Rondo (ed.) (1967) Banking in the Early Stages of Industrialization, Nova York, Imprensa da Universidade de Oxford.), (1972Cameron, Rondo (ed.) (1972) Banking and Economic Development, Nova York, Imprensa da Universidade de Oxford.) para estudos de casos europeus; Goldsmith (1986Goldsmith, Raymond. (1986) Brasil 1850-1984: Desenvolvimento Financeiro sob um Século de Inflação, São Paulo, Editora Harper & Row do Brasil Ltda.), Hadley (1970Hadley, Helen. A(1970) Antitrust in Japan, Princeton, Imprensa da Universidade de Princeton.), Suzuki (1986Suzuki, Yoshio. (1986) Money, Finance and Macroeconomic Performance in Japan, New Haven, Imprensa da Universidade de Yale.) para o caso japonês; Goldsmith (1958Goldsmith, Raymond. (1958) Financial Intermediaries in the American Economy since 1900, Princeton, Imprensa da Universidade de Princeton.) para o caso americano; e Galvêas (1981Galvêas, Ernane. (1969) Evolução do Sistema Financeiro, Brasília, Ministério da Fazenda, 1981.), Goldsmith (1986Goldsmith, Raymond. (1986) Brasil 1850-1984: Desenvolvimento Financeiro sob um Século de Inflação, São Paulo, Editora Harper & Row do Brasil Ltda.), Montoro Filho (1982Montoro Filho, André Franco. (1982) Moeda e Sistema Financeiro no Brasil, Rio de Janeiro, IPEA.), Ness (1974Ness, Walter. (1980) “Financial Market Innovations as a Development Strategy: Initial Results From the Brazilian Experience, Economic Development and Cultural Change 22(3); 453-472.), Passos (1973Passos, Carlos de Faro. (1973) Estrutura Financeira e Desenvolvimento: O Caso do Brasil, São Paulo, Editora Atlas.), Silva (1981Silva, Adroaldo Moura da. (1981) Intermediação Financeira no Brasil, FIPE, Universidade de São Paulo, mimeo.), Banco Mundial (1985Banco Mundial (1985) Brasil: Análise dos Sistemas Financeiros, Rio de Janeiro, IBMEC, 1985.), Zini Jr. (1982Zini Jr., Álvaro Antônio, (1982) Características Qualitativas e Avaliação do Funcionamento do Setor Financeiro no Brasil, Universidade de São Paulo, mimeo.) para o caso brasileiro.
  • 2
    Existem poucos trabalhos acadêmicos sobre este ponto com uma base empírica sólida. Veja o trabalho de Linz (1961Linz, Juan J. & Amando de Miguel. (1961) Los Empresarios Españoles y la Banca, Nova York, Instituto de Pesquisa Social Aplicada, Universidade de Colúmbia.). A nível teórico, também devem ser citados o produtivo trabalho de Hilferding (1981 [1910]Hilferding, Rudolf. (1981) Finance Capital: A Study of the Latest Phase of Capitalist Development, Trans. T. Bottomore, Boston, Routledge e Keygan Paul.) e o ressurgimento de literatura sobre capital financeiro. Veja, por exemplo, Sweezy (1971Sweezy, Paul M. (1971) “The Ressurgence of Finance Control: Fact or Phantasy?, Monthly Review 23(6).: 1-33), Zeitlin (1974Zeitlin, Maurice. (1974) “Corporate Ownership and Control: The Large Corporation and the Capitalist Class”, American Journal of Sociology 79(5).: 1073-1116).
  • 3
    Para a argumentação teórica veja Cameron et al. (1967Cameron, Rondo (ed.) (1967) Banking in the Early Stages of Industrialization, Nova York, Imprensa da Universidade de Oxford.) e (1962Cameron, Rondo (ed.) (1972) Banking and Economic Development, Nova York, Imprensa da Universidade de Oxford.); Goldsmith (1969Goldsmith, Raymond. (1969) Financial Structure and Development, New Haven, Imprensa da Universidade de Yale.), Shaw (1967Shaw, Edward and John Gurley. (1967) “Financial Aspects of Economic Development”, Economics Development and Cultural Change 15(3), 1967.: 257-268); McKinnon (1973McKinnon, Ronald. (1973) Money and Capital in Economic Development, Washington, Instituto Brookings.), Patrick (1966Patrick, Hugh, (1966) “Financial Development and Economic Growth in Underdeveloped Countries“, Economic Development and Cultural Change 15(3).: 174-189); Shaw (1973Shaw, Edward. (1973) Financial Deepening in Economic Development, Londres, Imprensa da Universidade de Oxford.); Charles Tilley in Cameron et al. (1967Cameron, Rondo (ed.) (1967) Banking in the Early Stages of Industrialization, Nova York, Imprensa da Universidade de Oxford.).
  • 4
    Foram feitas também entrevistas suplementares não estruturadas com diretores do BNDES, um banco estatal, autoridades monetárias, líderes de grupos de interesse, analistas financeiros e gerentes de agências bancárias.
  • 5
    Tomei emprestado este termo do trabalho de Zoninsein (1985Zoninsein, Jonas. (1985) “State Finance Capital and Industrialization: The Brazilian Experience”, Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro, mimeo.).
  • 6
    Veja McKinnon (1973McKinnon, Ronald. (1973) Money and Capital in Economic Development, Washington, Instituto Brookings.: 73), Glade (1969Glade, William. (1969) The Latin American Economies: A Study of Their Institutional Evolution, Nova York, Van Nostrand, 1969.: 466-467).
  • 7
    Os bancos de investimento brasileiros assemelham-se aos bancos comerciais na medida em que oferecem os mesmos serviços de empréstimo oferecidos pelos bancos comerciais, mas impedidos de trabalharem com depósitos de demanda. Os bancos comerciais privados nacionais licenciados contavam 64 em 1985. Em 1985 existiam também 18 bancos comerciais estrangeiros e 38 bancos de investimento. Minha análise exclui o maior banco comercial, o Banco do Brasil, entidade pública que atua tanto como uma quase autoridade monetária quanto como um ofertador comercial, concentrando empréstimos ao setor agrícola. O universo total chega então a 120 em escala nacional. Meu universo, restrito a São Paulo e Rio de Janeiro, alcança 84; 55 bancos comerciais privados (nacionais e estrangeiros) e 29 bancos de investimento, dos quais 58 foram entrevistados (ou 69% do universo). Tenho uma amostra muito menos representativa do setor industrial, contando 49 estabelecimentos privados entrevistados de um espectro de 12 setores econômicos diferentes e três categorias de tamanho por número de empregados. Não era meu objetivo fazer inferências estatísticas baseadas numa grande amostragem proporcional de firmas industriais, mas sim explorar vários temas referenciados na literatura sobre os bancos no desenvolvimento econômico. Foram conduzidas entrevistas com os presidentes, vice-presidentes, membros de conselho, ou diretores financeiros de um total de 107 estabelecimentos individuais. Em alguns casos mais de um respondente foi entrevistado, passando para 121 o número total de entrevistas em ambos os setores, financeiro e industrial.
  • 8
    Veja Villela (1974Villela, Annibal V. & Werner Baer. (1984) O Setor Privado Nacional: Problemas e Políticas para seu Fortalecimento, Rio de Janeiro, IPEA/INPES.), Pinto (1969Pinto, R. F. S. (1969) The Political Ecology of the Brazilian National Bank for Economic Development, Washington, DC, Organização para os Estados Americanos.), Suzigan (1974Suzigan, Wilson et al. (1974) Financiamento de Projetos Industriais no Brasil, Rio de Janeiro, IPEA/INPES.).
  • 9
    A abundante literatura que explica a ascensão dos conglomerados financeiros constitui exceção. Suas explanações, contudo, apoiam-se fortemente em argumentos de economia de escala. Veja Coentro Filho (1980Coentro, Ailton Filho. (1980) “A Controvérsia dos Conglomerados Financeiros: O Caso Brasileiro”, Revista Brasileira de Mercado de Capitais, 6(18); 293-303.); Moreira (1984Moreira, Roberto Moreno. (1984) “A Concentração Bancária e a Conglomeração Financeira”, Revista Brasileira de Mercado de Capitais 10(32); 303-314.); Oliveira (1980Oliveira, Geraldo de (1980) “Evolução Recente do Sistema Financeiro e a Questão dos Conglomerados”, Revista Brasileira de Mercado de Capitais 6(18); 305-314.); Perdigão (1983Perdigão, Luís Antônio. (1983) Conglomerados Financeiros: Análise de seu Desempenho no Brasil, Rio de Janeiro, IBMEC.). Devem também ser mencionados trabalhos conduzidos por estudiosos brasileiros sobre as fontes e usos do crédito bancário. Veja Calabi et al. (1981Calabi, Andrea et al. (1981) Geração de Poupanças e Estrutura de Capital das Empresas no Brasil, Rio de Janeiro, IPEA.); Filardo (1980Filardo, Maria Lúcia Rangel. (1980) Fontes de Financiamento das Empresas no Brasil, Rio de Janeiro, BNDES, 1980.); Rodrigues (1984Rodrigues, Domingos de Gouveia. (1984) Empresas Não-Financeiras no Brasil: Evolução e Desempenho no Período 1975-84, Tese de Mestrado, PUC.RJ.); Teixeira (1977Teixeira, Wladomiro Nunes Jr. (1977) Um Estudo da Política de Financiamento das Empresas no Brasil da Década de 70, Tese de Mestrado, Universidade de São Paulo.); e Zini Jr. (1984Zini Jr., Álvaro Antônio, (1984) “Evolução da Estrutura Financeira das Empresas no Brasil, 1969/1977”, Estudos Econômicos 14(1); 83-105.). Meu trabalho sobre as relações banco/indústria procura ir além do enfoque mais geral destes trabalhos para explorar o relacionamento comercial pessoal entre banqueiros e industriais.
  • 10
    Programa Especial de Financiamento Industrial (Finame). Um programa feito para estimular a expansão da indústria privada doméstica por via do fornecimento de até 60% do financiamento necessário para a compra de maquinaria nova ou para a importação de maquinaria do exterior. Os empréstimos do Finame são costumeiramente referenciados como empréstimos de “repasse”. Os principais agentes financeiros do programa são os seguintes: BNDES como executor-chefe, bancos de desenvolvimento regionais e estatais, bancos comerciais incluindo o Banco do Brasil, bancos de investimento e companhias financeiras.
  • 11
    Resolução 63, 21.8.1967, Banco Central. Pela resolução 63, os bancos domésticos poderiam tomar empréstimos em mercados internacionais com uma duração de longo termo (até oito anos), para então serem emprestados, ou “repassados”, a firmas domésticas públicas ou privadas, estrangeiras ou nacionais, geralmente em bases de médio e curto termo.
  • 12
    Decreto-lei n. 22.626 de 7 de abril de 1933.
  • 13
    Montoro (1982Montoro Filho, André Franco. (1982) Moeda e Sistema Financeiro no Brasil, Rio de Janeiro, IPEA.): 79.
  • 14
    As três principais leis de reforma foram a Lei n. 4.595 de dezembro de 1964 (Lei de Reforma Bancária), que criava o quadro jurídico para as autoridades monetárias, além de estabelecer as regras básicas para a atividade bancária e para a política e instituições de crédito; Lei n. 4.357 de julho de 1964, que introduziu o conceito de correção monetária; e Lei n. 4.728 de julho de 1965 (Lei dos Mercados de Capitais), que fornecia as regras básicas para um sistema de mobilização de capital de investimento. Para uma discussão detalhada sobre as várias reformas institucionais, veja Galvêas (1981Galvêas, Ernane. (1969) Evolução do Sistema Financeiro, Brasília, Ministério da Fazenda, 1981.); Montoro Filho (1982Montoro Filho, André Franco. (1982) Moeda e Sistema Financeiro no Brasil, Rio de Janeiro, IPEA.); Ness (1974Ness, Walter. (1980) “Financial Market Innovations as a Development Strategy: Initial Results From the Brazilian Experience, Economic Development and Cultural Change 22(3); 453-472.); e Silva (1981Silva, Adroaldo Moura da. (1981) Intermediação Financeira no Brasil, FIPE, Universidade de São Paulo, mimeo.).
  • 15
    Mudou de nome em 1982 para Banco Nacional para o Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
  • 16
    Mesmo que em termos relativos, diminuiu a importância do crédito de bancos comerciais desde 1969 na medida em que o governo brasileiro aumentou sua participação relativa no processo creditício.
  • 17
    Calabi et al. (1981Calabi, Andrea et al. (1981) Geração de Poupanças e Estrutura de Capital das Empresas no Brasil, Rio de Janeiro, IPEA.); Montoro Filho (1982Montoro Filho, André Franco. (1982) Moeda e Sistema Financeiro no Brasil, Rio de Janeiro, IPEA.), pp. 104-108.
  • 18
    Dados pela proporção entre a soma dos capitais de terceiros. e o total do capital da empresa.
  • 19
    O Bradesco emprega mais de 158 mil, suplantando o número de 95 mil empregados pela Votorantim. Isto tem levado alguns pesquisadores a especularem sobre a substituição de antigos industriais por novos financistas.
  • 20
    Veja Ness Jr. (1977Ness Jr., Walter. (1977) A Influência da Correção Monetária no Sistema Financeiro, Rio de Janeiro, IBMEC.).
  • 21
    Moreira (1984Moreira, Roberto Moreno. (1984) “A Concentração Bancária e a Conglomeração Financeira”, Revista Brasileira de Mercado de Capitais 10(32); 303-314.: 306).
  • 22
    Veja Aubey (1980Aubey, Robert. (1970) “Private Sector Capital Mobilization and Industrialization in Latin America”, Journal of Inter-American Studies and World Affairs, 12(4).), Brandenburg (1962Brandenburg, Frank (1962) “A Contribution to the Theory of Entrepreneurship of the Developing Areas: The Case of Mexico“, Interamerican Economic Affairs, 16(3).: 3-23), Leff (1978Leff, Nathaniel. (1978) “Industrial Organization and Entrepreneurship in the Developing Countries: The Economic Groups”, Economic Development and Cultural Change, 26(40).: 661-676), Strachan (1976Strachan, Harry. (1976) Family and Other Business Groups in Economic Development: The Case of Nicaragua, Nova York, Imprensa Praeger.).
  • 23
    Taxas extraídas de Arida (1986Arida, Pérsio et al. (1986) Inflação Zero: Brasil, Argentina e Israel, São Paulo, Paz e Terra.).
  • 24
    O Brasil experimentou de forma limitada uma espécie de boom no mercado de ações em 1981-1982, com as companhias procurando capitalizar suas dívidas, trocando dívidas por participação acionária. Foram feitos 44 novos registros em 1980, 67 em 1981; 87 em 1982; 42 em 1983; e 34 em 1984. Não obstante, o número total real de registros de companhias de capital aberto declinou no mesmo período devido aos cancelamentos de registros. Os números totais de companhias de capital aberto para os anos de 1980 a 1984 são, respectivamente: 1.034, 1.068, 1.135, 1.153 e 981. Veja Relatório da Comissão de Valores Mobiliários, 1984Comissão de Valores Mobiliários (1984). Legislação Bancária e do Mercado de Capitais, Rio de Janeiro, CVM.. Houve apenas um outro grande boom no mercado primário no Brasil em 1971.
  • 25
    Não obstante ter o Brasil a reputação de possuir o maior e mais sofisticado mercado de ações da América Latina, existem apenas 988 companhias de capital aberto registradas (quadro de dezembro de 1985), públicas e privadas, financeiras e não financeiras, das quais um número muito menor são ativamente negociadas.
  • 26
    Decreto-lei n. 2.284, de 11 de março de 1986.
  • 27
    O primeiro caso em que um proeminente banqueiro enfrentou acusações criminais foi o de Mário Garnero, Presidente do Brasilinvest.
  • 28
    Decreto-lei n- 4.595. de 31 de dezembro de 1964. artigo 34.
  • 29
    Atualmente sendo investigado por Peter Evans. Harry Makler propôs um estudo aprofundado sobre seus vínculos com outros setores da economia, uma contribuição muito necessária ao estudo das instituições financeiras no desenvolvimento econômico.
  • 30
    Coopers and Lybrand. Profile of Banking and Finance in Brazil. São Paulo, Coopers and Lybrand, 1986.
  • 31
    Entrevista, 21 de novembro de 1984.
  • 33
    JEL Classification: G21; O16.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 1990
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