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Déficit e financiamento do setor público brasileiro: 1983 - 1988

Brazilian public sector and financing debt: 1983-1988

RESUMO

Este artigo analisa a evolução do déficit do setor público brasileiro e de suas fontes de financiamento de 1983 a ·1988. Mostra-se que os crescentes problemas financeiros do governo decorrem, em certa medida, da forte redução do superávit primário a partir de 1985. Mas isso foi parcialmente compensado por uma carga de juros substancialmente menor. Com isso, não houve aumento explosivo do déficit operacional até 1988. As crescentes dificuldades financeiras do setor público resultaram basicamente de um importante estreitamento da oferta de crédito, processo iniciado com a crise da dívida externa e que foi reforçado pelos efeitos da aceleração da inflação combinados com o aumento das dúvidas sobre a credibilidade do governo.

PALAVRAS-CHAVE:
Déficit; financiamento do setor público

ABSTRACT

This article analyses the evolution of the Brazilian public sector’s deficit and of its sources of financing from 1983 to ·1988. It is shown that the government’s growing financial problems arose, to a certain extent, from a sharp reduction in its primary surplus from 1985 on. But this was partly compensated by a substantially lower interest burden. As a result, there was no explosive increase in the operational deficit up to 1988. The public sector’s increasing financial difficulties resulted basically from a significant narrowing of the supply of credit, a process that began with the external debt crisis and that was reinforced by the effects of accelerating inflation combined with increasing doubts concerning the government’s creditworthiness.

KEYWORDS:
Deficit; public sector funding

I - INTRODUÇÃO

Ao longo da década de 80, e sobretudo nos seus anos finais, o setor público brasileiro experimentou graves e crescentes dificuldades financeiras. Esta experiência levou a que se formasse um consenso relativamente amplo, que abarca economistas das mais diferentes tendências teóricas e ideológicas, quanto à importância do problema do déficit público e do seu financiamento para o entendimento e a superação da crise econômica brasileira.

Ainda não existe, entretanto, um conhecimento adequado sobre o processo que conduziu o setor público ao impasse financeiro dos últimos anos. Prevalece infelizmente uma tendência a substituir a análise macroeconômica e a pesquisa empírica por enunciados genéricos de caráter doutrinário ou ideológico, o que dificulta a avaliação dos problemas recentes e a formulação de políticas para enfrentá-los.

O propósito deste artigo, que constitui uma versão condensada de trabalho mais amplo,1 1 BATISTA JR., Paulo Nogueira. Superávit Primário, Encargos Financeiros e Dívida do Setor Público Brasileiro: 1983-1988, Centro de Análise de Políticas Macroeconômicas/Instituto de Economia do Setor Público/FUNDAP, jan./1990. (Mimeografado) é contribuir para a análise da evolução do déficit público e de seu financiamento entre l 983 e 1988, enfatizando o período de transição política que vai do início do Governo Sarney à promulgação da Nova Constituição. O que se procurará mostrar é que as crescentes dificuldades financeiras do setor público brasileiro decorrem, em certa medida, de uma expressiva redução do superávit primário, registrada a partir de 1985. No entanto, esta redução do saldo primário foi parcialmente neutralizada por uma acentuada queda no peso relativo dos encargos financeiros internos e externos devidos pelo setor público. Em consequência, não ocorreu um aumento explosivo do déficit público no período 1985-88. O agravamento dos problemas financeiros do Estado resultou sobretudo do estreitamento das suas fontes de financiamento, processo este que teve início com a retração do financiamento externo e que se aprofundou como resultado da aceleração inflacionária e da crescente desconfiança em relação à capacidade de pagamento do governo.

A seção II, a seguir, examina brevemente as variações do déficit operacional e do superávit primário do setor público como um todo, confrontando-as com o comportamento do produto real e da taxa de inflação. A seção III destaca os fatores responsáveis pela diminuição do peso relativo dos encargos financeiros após 1985. Os problemas de financiamento do déficit são discutidos na seção IV. A seção V apresenta as principais conclusões.

II - DEFICIT OPERACIONAL E SUPERAVIT PRIMARPO

O exame das contas consolidadas do setor público, no conceito operacional,2 2 O déficit operacional corresponde à diferença entre as necessidades globais de financiamento e a correção monetária e cambial imputada aos diversos componentes da dívida pública. Ver COSTA, Margaret Hanson, PEREIRA, Lia M. Alt e SILVA, Carlos Lavalle da. Medidas do Déficit Público: Variações em Torno dos Principais Conceitos, Centro de Estudos Fiscais, IBRE/FGV, jan./ 1988, pp. 65 e 66. (Mimeografado) permite observar a tendência de crescimento do déficit a partir de 1985. Como se verifica na tabela 1, o déficit operacional fora reduzido em quase dois terços nos dois últimos anos do Governo Figueiredo, passando de 7,3 % do PIB em 1982 para 2,5% do PIB em 1984. De 1985 em diante, a tendência se inverte: o déficit aumenta para 4,3% do PIB em 1985, se reduz apenas ligeiramente no ano do Plano Cruzado, volta a crescer de modo significativo em 1987 e se mantém ainda acima de 4% do PIB no ano de 1988 (tabela 1). O déficit operacional médio do quadriênio 1985/88 alcançou 4,4% do PIB contra um déficit de 3,4% do PIB em 1983/84.

Tabela 1:
Setor Público*: Déficit Operacional, Encargos Financeiros e Superávlt Primário, 1981-1988 (Em % do PIB)

O aumento do déficit público não reflete necessariamente “afrouxamento” da política fiscal. Como se sabe; as variações do déficit observado podem resultar não apenas de decisões “autônomas” do setor público no que diz respeito a gastos correntes, investimentos, tributação, tarifas públicas etc., mas também de variáveis que independem, no todo ou em parte, da política fiscal e financeira do governo. A dimensão do déficit reflete, entre outros fatores, a posição cíclica da economia e flutuações na taxa de inflação. A ampliação do hiato do produto tende a reduzir a carga tributária e a forçar a ampliação de gastos associados ao nível de desemprego da mão-de-obra. O aumento da taxa de inflação costuma reduzir as receitas reais do setor público com mais intensidade do que os seus gastos reais. Em anos de recessão e/ou aceleração inflacionária, o déficit público observado tende a aumentar, portanto, de forma automática, isto é, independentemente da política fiscal e financeira seguida pelo governo.

No que diz respeito ao comportamento do nível de atividade econômica e da taxa de inflação, o período 1985/88 pode ser dividido em dois subperíodos bastante distintos. Nos primeiros dois anos, a economia cresceu quase 8% a.a. em média, acima da taxa de expansão de longo prazo, e a taxa anual de inflação, após relativa estabilização em 1985, diminuiu de modo acentuado em 1986. Em 1987/88, ao contrário, a taxa de inflação acusou forte aceleração e a taxa de crescimento econômico ficou substancialmente abaixo da tendência de longo prazo (tabela 2). Note-se que em 1985/86, período caracterizado por forte crescimento econômico e estabilização ou redução da taxa de inflação, o déficit aumentou como proporção do PIB (tabela 1). Este aumento resultou provavelmente de um certo relaxamento da política orçamentária no final do Governo Figueiredo e nos primeiros dois anos do Governo Sarney. Já o aumento observado de 1986 para 1987, ocorreu no contexto de uma aceleração da inflação e de uma redução da taxa de crescimento da economia e pode não ter resultado de um afrouxamento adicional da política fiscal. Em 1988, entretanto, o déficit operacional se reduziu de· modo expressivo. Isto apesar da estagnação da economia e do forte aumento da inflação (tabelas 1 e 2).

Tabela 2:
Taxas de Inflação e Taxas de Crescimento de PIB Real 1981-1988 (Em%)

Esta primeira aproximação indica, portanto, que em apenas um dos anos desse quadriênio ocorreu um esforço de ajustamento claramente perceptível na área do setor público. Em 1985/86, a tendência da política fiscal parece ter sido expansionista.

A evolução do superávit primário

Deve-se ressaltar, contudo, a precariedade das inferências que se pode fazer a partir da simples observação de dados agregados referentes à razão déficit operacional/PIB, à taxa de crescimento real do produto e à taxa de inflação. Uma forma de se procurar obter uma percepção mais precisa da tendência da política fiscal é substituir o conceito de déficit operacional pelo de déficit primário. Este último é definido como a diferença entre os gastos não financeiros e as receitas não financeiras do setor público ou, alternativamente, como a diferença entre o déficit operacional e os pagamentos de juros referentes à dívida pública externa e interna.

Por excluir as despesas líquidas de juros, a variação do déficit primário reflete com mais precisão o grau de ajustamento fiscal efetivamente realizado em determinado período. Isto porque variações na conta de juros respondem a outros fatores que não a política fiscal realizada no período corrente. e o caso, por exemplo, de modificações nas taxas de juros internacionais ou nas políticas monetária e cambial. Estes e outros fatores podem provocar significativa variação na carga de juros do setor público e, portanto, na razão déficit operacional/PIB, sem que isto reflita alterações na tendência da política orçamentária no período em questão.

A tabela 1 apresenta uma estimativa do saldo primário do setor público para o período 1983 /88.3 3 O saldo primário corresponde, por definição, à diferença entre os encargos financeiros e o déficit operacional. A estimativa apresentada na tabela 1 foi construída com base em dados referentes ao déficit operacional do setor público, regularmente publicados pelo Banco Central, e em estimativas do valor em dólares dos encargos financeiros externos e internos do setor público, elaboradas pelo Departamento Econômico do Banco Central. Note-se que a estimativa da tabela 1 difere significativamente da única série de déficit primário publicada até agora pelo Banco Central. Ver Banco Central do Brasil, Brasil: Programa Econômico, vol. 24, mar./1990, p. 66. A série publicada pelo Banco Central, referente ao período 1985/89, foi calculada com base nas mesmas séries utilizadas na tabela 1. No entanto, para calcular a razão encargos financeiros/PIB, o Banco Central converteu o PIB em dólares não pela taxa média de câmbio observada em cada ano, como deveria ter feito, mas pela taxa de câmbio correspondente ao nível real de 1985. Como o cruzado/cruzeiro registrou valorização real contínua em relação ao dólar a partir de 1986, este procedimento tende a superestimar o peso dos encargos financeiros e, portanto, a superestimar também a razão saldo primário/PIB no período 1986/89, sobretudo nos anos finais da série. Ressalte-se, em primeiro lugar, que o orçamento primário foi superavitário durante todo esse período, excetuando-se apenas o ano de 1987. Contudo, convém registrar também que, de 1985 a 1987, o saldo primário se reduziu de maneira acentuada e em ritmo bastante superior ao aumento do déficit operacional. Entre 1984 e 1987, a razão saldo primário/PIB acumulou diminuição de nada menos que 5,6 pontos de percentagem, em comparação com um aumento de 3 pontos no déficit operacional como proporção do PIB. A recuperação alcançada em 1988, embora significativa, permitiu apenas equilibrar o orçamento primário e reduzir o déficit operacional em pouco mais de 1% do PIB (tabela 1).

A observação das variações do superávit primário permite reforçar as considerações acima enunciadas acerca da tendência da política orçamentária de 1985 em diante. Em consequência do programa de ajustamento implementado sob supervisão do FMI a partir de janeiro de 1983, a razão superavit primário/PIB alcançara nada menos que 4,2% em 1984, o equivalente a quase dois terços dos encargos financeiros internos e externos4 4 Observe-se, contudo, que o ajustamento fiscal realizado em 1983/84 parece ter resultado, em parte, da adoção de medidas não sustentáveis ou de efeito apenas temporário, tais como a redução ou o adiamento de despesas essenciais de investimento e a forte compressão dos salários reais no setor público. Isto parece ter gerado um grau relativamente elevado de “tensão fiscal”, isto é, uma significativa discrepância entre o déficit observado e o déficit sustentável ou subjacente. Sobre o conceito de tensão fiscal ver TANZI, Vito, Fiscal Policy and Economic Restructuring in Latin America: Discussion of some Basic Issues, paper prepared for the conference on Economic Reconstruction in Latin America, Getúlio Vargas Foundation, Rio de Janeiro, August 7-8, 1989, preliminary draft, pp. 37 e 38. (Mimeografado) (tabela 1).

No primeiro ano do novo governo, refletindo em parte decisões tomadas no final do governo anterior, a razão superávit primário/PIB diminuiu para 2,6%, apesar da relativa estabilização da inflação e de a economia ter alcançado nesse ano a maior taxa de crescimento registrada desde 1980. No ano seguinte, embora o produto real tenha crescido novamente a uma taxa próxima a 8% e a inflação tenha diminuído de forma substancial em decorrência do Plano Cruzado5 5 A rápida expansão do mercado interno e a queda da taxa de inflação contribuíram para que a carga tributária bruta chegasse a 25,0% em 1986, superando em nada menos que três pontos percentuais o nível registrado no ano anterior. Banco Central do Brasil, Indicadores Macroeconômicos do Setor Público, Departamento Econômico, set./ 1989, tabela 2. (Mimeografado) , houve deterioração adicional do orçamento primário de 1,5% do PIB, o que sugere ter ocorrido significativo relaxamento do controle orçamentário, possivelmente em função das eleições de novembro para os governos estaduais e a Assembleia Constituinte.

Em 1987, a deterioração observada foi ainda mais acentuada: nada menos que 2,5% do PIB. Isto reflete certamente o agravamento do ambiente macroeconômico de 1986 para 1987. Mas uma redução desta magnitude no saldo primário, em apenas um ano, dificilmente poderia ter ocorrido sem um afrouxamento adicional da política fiscal. ·

A que atribuir esta forte redução do superávit primário no triênio 1985/87? A julgar pelas Contas Nacionais, ela se deve, em grande medida, a um acentuado crescimento dos gastos de consumo do governo. Entre 1984 e 1987, as despesas do governo federal com pessoal aumentaram de 2,4% para 2,8% do PIB; a folha salarial dos governos estaduais e municipais subiu de forma mais expressiva, passando de 3,2% para 4,7% do PIB nesse período. Além disso, as despesas de consumo com bens e serviços cresceram de 2,6% para 4,8% do PIB. No cômputo global, o consumo da administração pública (incluindo estados e municípios) aumentou mais de quatro pontos de percentagem em relação ao PIB, passando de 8,1% do PIB em 1984 para 12,3% do PIB em 1987.6 6 Idem. Estimativas do Banco Mundial indicam que a recuperação do investimento público foi modesta nesse período. Entre 1984 e 1987, o investimento público global (inclusive empresas públicas) aumentou de 6,0% para 6,9% do PIB. PFEFFERMANN, Guy e MADARASSY, Andrea. Trends in Private Investment in 30 Developing Countries, International Finance Corporation, Economics Department, Draft Discussion Paper, July 1989, p. 8. (Mimeografado)

Outro fator que contribuiu para a redução do superávit primário nesse período foi a queda dos preços e tarifas do setor público em termos reais. Isto ocorreu em 1985, em consequência do congelamento de preços públicos, decretado logo no início do Governo Sarney, e novamente em 1986, como resultado do Plano Cruzado.7 7 AMARAL FILHO, José Bonifácio de S. e GALLETTA, Paulo Domingos, Preços e Tarifas do Setor Produtivo Estatal, Instituto de Economia do Setor Público - IESP / FUNDAP, Textos para Discussão, n. 21, São Paulo, set./1989, pp. 6-10. Entre 1984 e 1987, a maior parte dos principais preços administrados pelo governo acusou expressiva redução em termos reais.8 8 Banco Central do Brasil, Brasil: Programa Econômico, vol. 21, jun./1989, p. 28.

Em 1988, a tendência se inverte novamente e o orçamento primário volta a ser marginalmente superavitário. Esta inversão é significativa não apenas pela dimensão do aumento registrado no saldo primário (1,6% do PIB de 1987 para 1988), mas também pelo fato de ter ocorrido em um contexto. nitidamente desfavorável no que tange às taxas de inflação e de crescimento do PIB 9 9 Esta Recuperação do saldo primário parece ter resultado: a) de uma recomposição parcial dos preços e tarifas do setor público em termos reais; b) de um controle mais rigoroso do endividamento dos estados, municípios e empresas estatais; c) da diminuição das despesas com subsídios diretos; e d) da suspensão temporária dos reajustes salariais para o funcionalismo federal e das empresas estatais. CARNEIRO, Ricardo e BUAINAIN, Antônio Márcio (orgs.). O Retorno da Ortodoxia, Bienal-Unicamp, São Paulo, 1989, pp. 124, 125 e 140. Boa parte do efeito positivo resultante do aumento do saldo primário, contudo, foi neutralizada pelo impacto das operações de conversão de dívida externa sobre as necessidades internas de financiamento do Banco Central. Idem, pp. 183-205. (tabelas 1 e 2).

Em suma, a observação das variações do saldo primário consolidado tende a· indicar que a política fiscal teve efeito expansionista de 1985 a 1987 e contracionista em 1988. Registre-se que a tendência da política orçamentária aparece de forma mais nítida quando se observa a evolução do saldo primário do que quando se toma por base a variação do déficit operacional.

III - A REDUÇÃO DA CARGA DE JUROS

Como foi indicado na seção anterior, a acentuada queda do superávit primário a partir de 1985 não se refletiu em aumento equivalente do déficit operacional. Isto se deve evidentemente a uma expressiva diminuição das despesas de juros como proporção do PIB.

Em 1985, primeiro ano do Governo Sarney, a carga de juros continuou elevada, próxima a 7% do PIB (tabela 1), refletindo fundamentalmente o grau de endividamento acumulado pelo setor público. A partir de 1986, contudo, a situação se modifica substancialmente. A despesa de juros diminui como proporção do produto, caindo para 4,7% do PIB em 1986 e 4,1% do PIB em 1987 (tabela 1).

Quando a dívida pública se constitui preponderantemente de obrigações em moedas estrangeiras ou de obrigações domésticas indexadas, as despesas de juros refletem não apenas o nível das taxas de juros e o grau de endividamento acumulado, mas também a relação entre a taxa de inflação e as correções monetária e cambial. A carga de juros, definida como a relação juros/PIB, é função inversa da taxa de crescimento real do PIB e função direta das taxas de juros interna e externa, do estoque de dívida pública, da desvalorização real do câmbio e da correção monetária real.10 10 Para análise mais detalhada dos determinantes da carga de juros, ver BATISTA JR., Paulo Nogueira, Superávit Primário, Encargos Financeiros e Dívida do Setor Público Brasileiro: 1983-1988, Centro de Análise de Políticas Macroeconômicas/Instituto de Economia do Setor Público/FUNDAP, jan./1990, pp. 21-26. (Mimeografado). A “correção monetária real” corresponde à variação real do valor do título que serve de indexador para a dívida pública interna. Idem, pp. 23 e 24.

A redução da carga de juros observada a partir de 1986 se deve fundamentalmente à evolução das taxas de juros e das correções cambial e monetária. Por um lado, ocorreu significativa redução das taxas de juros internas e externas incidentes sobre a dívida pública. Por outro, a desvalorização cambial e a correção monetária passaram a ser inferiores à taxa de inflação. Convém examinar em separado o comportamento de cada uma destas variáveis.

A taxa de juros externa paga pelo setor público sofre diminuição apreciável em 1986 e 1987, refletindo principalmente a queda das taxas de juros nominais nos mercados financeiros internacionais. A taxa média sobre a dívida pública externa, que fora da ordem de 12% a.a. no período 1983/85, cai para 9,5% em 1986 e 8,1% em 1987 (tabela 3).

Tabela 3:
Encargos Financeiros e Dívida Líquida do Setor Público1 1983-1988

As taxas de juros internas acusaram redução ainda mais pronunciada nesses dois anos, passando de uma média de 16% em 1983/85 para 11% em 1986 e 9% em 1987 (tabela 3). Esta redução pode ser atribuída à adoção de uma política monetária mais flexível a partir do final de 1985 e, mais especificamente, a modificações na composição da dívida mobiliária de 1988 em diante.11 11 A partir de meados de 1986, o custo da dívida mobiliária federal foi significativamente reduzido pela substituição das ORTNs/OTNs por Letras do Banco Central (LBCs), cujo rendimento passou a ser determinado basicamente pela taxa de juros do overnight, A introdução da LBC diminuiu o risco de carregamento dos títulos federais, permitindo a sua colocação com deságios bastante reduzidos. SILVEIRA, Caio Cézar L. Prates da e GIAMBIAGI, Fábio. Dívida Externa, Encargos Financeiros e seu Impacto no Déficit Público: uma Reavaliação, Instituto de Economia Industrial, Universidade Federal do Rio de Janeiro, jan./1989, versão preliminar, pp. 17-31. (Mimeografado). Para uma explicação dos motivos que levaram à criação da LBC, ver REZENDE, André Lara. A LBC e o Mercado Aberto, in Associação Nacional das Instituições do Mercado Aberto, LBC: uma Análise de sua Curta História, Painel de Debates, realizado em 28 de maio de 1987, Rio de Janeiro, pp. 13-18.

A tendência. de redução das taxas de juros é revertida em 1988, ano em que se verificam aumentos na taxa· externa e sobretudo na taxa interna de juros pagas pelo setor público (tabela 3). Mas as taxas de juros não voltam aos níveis observados em 1983/85. As taxas externa e interna foram, respectivamente, de 9% e 13% em 1988, contra uma média de 12% e 16% em 1983/85; a taxa média ponderada diminui de 13,7% em 1983/85 para 10,4% em 1988 (tabela 3).

O impacto da diminuição das taxas de juros foi substancialmente reforçado pela redução real da correção monetária e do câmbio. Em 1986/88, o valor real da OTN caiu nada menos que 28%. A redução foi particularmente acentuada em 1988.12 12 BATISTA JR., Paulo Nogueira. Op. Cit., pp. 30 e 31. Embora nem toda a dívida pública interna seja pós-fixada, esta correção monetária negativa em termos reais certamente ajudou a diminuir o custo efetivo da dívida interna.

O custo efetivo da dívida externa sofreu influência análoga, decorrente de uma certa valorização da taxa de câmbio real. A tabela 4 apresenta uma estimativa de taxa efetiva real de câmbio relevante para o custo da dívida externa, calculada com base em um sistema de ponderação móvel, no qual o peso de cada uma das seis principais moedas (dólar norte-americano, iene, marco, DES, franco suíço e franco francês) é determinado pela sua participação normalizada no total da dívida externa.13 13 Na ausência de informações mais desagregadas, admitiu-se que a composição monetária da dívida pública é idêntica à da dívida externa total. Para maiores detalhes sobre o cálculo desta taxa efetiva de câmbio, ver BATISTA JR, Paulo Nogueira. Op. Cit., pp. 30-36. Em 1983, a taxa efetiva real de câmbio do cruzeiro acusou desvalorização de 33%, em consequência da maxidesvalorização decretada em fevereiro daquele ano. Em 1984 e 1985, a taxa efetiva de câmbio se manteve praticamente constante em termos reais.

Tabela 4:
Desvalorização Efetiva do Cruzeiro/Cruzado 1983-1988 (Em %)

De 1986 em diante, apesar de acentuada desvalorização do dólar em relação às demais moedas da “cesta”, a taxa de câmbio efetiva começa a se valorizar em termos reais. Em 1986, a valorização observada reflete basicamente o congelamento da taxa cambial durante o Plano Cruzado. Em 1987/88, a valorização do câmbio (assim como a redução real do valor da OTN) resultou da aceleração inflacionária combinada com regras de desvalorização cambial (e correção monetária) baseadas na inflação passada e em índices de preços que ficaram abaixo do deflator implícito do produto. Note-se que · a apreciação cambial de 1988 foi inclusive superior à registrada no ano do Plano Cruzado. No triênio 1986/88, a valorização efetiva acumulada pelo cruzado foi de 17,2% em termos reais (tabela 4), fato que contribuiu de forma significativa para a redução da carga de juros do setor público.

Em suma, como resultado da queda das taxas de juros, da apreciação cambial e de uma correção monetária negativa. em termos reais, a carga de juros se reduziu significativamente de 1986 em diante. Como já foi indicado, esta redução da despesa de juros como proporção do produto permitiu. neutralizar grande parte do impacto da contração do superávit primário sobre o déficit operacional. O aumento deste último foi assim consideravelmente inferior à redução do primeiro. Entre 1983/84 e 1985/88, o superávit primário diminuiu de 3,0% para 0,6% do PIB em média, ao passo que o déficit operacional aumentou de 3,4% para 4,4% do PIB em média (tabela 1).

IV - OS PROBLEMAS DE FINANCIAMENTO DO SETOR PÚBLICO

Um aumento dessa magnitude no déficit operacional, embora significativo, não é, entretanto, suficiente para explicar a dramática deterioração da situação financeira do setor público, nem para dar conta da forte aceleração da inflação, cuja taxa anual quintuplica nesse período, passando de cerca de 200% em 1984 para 1000% em 1988 (tabela 2). Vale a pena registrar que o déficit operacional médio do período 1985/88 foi inclusive inferior ao déficit médio registrado no quadriênio anterior 14 14 Cabe recordar, além disso, que a definição usual de déficit operacional pode conduzir a uma superestimativa do déficit efetivo e do crescimento real da dívida pública. Isto acontece sempre que as correções monetária e cambial ficam abaixo da taxa de inflação, a exemplo do que se observou em 1986/88. Ver GIAMBIAGI, Fábio. Os Conceitos de Custo da Dívida Mobiliária Federal e Déficit Operacional do Setor Público: Uma Crítica, in Revista Brasileira de Economia, vol. 43, n. l, jan-mar 1989, pp. 65-76. (tabela 1).

A origem da crise financeira do setor público parece estar na acentuada retração das suas fontes de financiamento, retração esta que remonta aos choques financeiros externos do início da década de 80 e que tende a se aprofundar a partir de 1985. Como se sabe, a forte elevação das taxas de juros internacionais a partir de 1979/80 afetou não só o balanço de pagamentos do Brasil, como também as finanças governamentais, uma vez que a dívida externa brasileira já estava àquela altura concentrada nas mãos do setor público.15 15 Em 31.12.1980, a dívida pública (direta e indireta) representava 69,2% do total da dívida externa brasileira de médio e longo prazos. Banco Central do Brasil, Relatório Anual 1980, vol. 17, n. 2, fev./1981, pp. 118-120. Em 1982, ademais, cessa o fluxo voluntário de empréstimos bancários, o que configura a ruptura do precário padrão de financiamento ao setor público que havia sido estabelecido ao longo dos anos 70.16 16 BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello. Financiamento Externo e Déficit Público, in Déficit Público, São Paulo, Instituto de Economia do Setor Público - IESP /FUNDAP, Textos para Discussão n. 15, set./1988, pp. 3-10.

O resultado desse processo acabaria sendo um expressivo aumento das necessidades internas de financiamento do governo e das empresas públicas. Durante certo tempo, este aumento poderia ser contido (ou retardado) pela redução das reservas cambiais, pela transferência de dívida externa do setor privado para o setor público ou pelo aumento da participação do setor público nos fluxos remanescentes de financiamento externo líquido. Contudo, esgotadas as possibilidades de reduzir as reservas ou de aumentar a participação do setor público na dívida externa, a única forma de compensar a reversão do fluxo de recursos externos passaria a ser a geração de um superávit no orçamento primário.

De fato, a restrição orçamentária do setor público (na ausência de ajustes patrimoniais) pode ser escrita da seguinte forma:17 17 A rigor, a restrição orçamentária deveria ser expressa da seguinte forma: DO=C·DE-1+tC-1·DE-1+DI-1+cDI-1+B-B-1 (1a) onde: DO = déficit operacional; C = taxa de câmbio (unidades de moeda nacional por unidade de moeda estrangeira); t = desvalorização da taxa de câmbio nominal; e c = correção monetária As variações de endividamento indicadas na equação (1) correspondem, portanto, à diferença entre o aumento nominal dos componentes externo e interno da dívida pública e as correções cambial e monetária.

D P = D E - D E - 1 - J E + D I - D I - 1 - J I + B - B - 1 (1)

  • onde DP = déficit primário

  • DE - DE-1 = variação da dívida externa líquida do setor público

  • JE = juros externos

  • DI - DI-1 = variação da dívida interna líquida do setor público

  • JI = juros internos

  • B - B-1 = variação da base monetária

As necessidades de financiamento interno, a serem cobertas com colocação líquida de dívida interna ou criação de moeda primária, correspondem, portanto, à diferença entre o déficit primário e a contribuição líquida do crédito externo:

N F I = D I - D I - 1 - J I + B - B - 1 = D P - D E - D E - 1 - J E (2)

  • onde: NFI = necessidades de financiamento interno

A crise da dívida externa trouxe uma acentuada elevação dos juros pagos pelo setor público (JE) e uma forte diminuição do ingresso líquido de empréstimos externos. Como impedir que os choques financeiros externos resultassem em aumento das necessidades internas de financiamento do setor público? Mantido o pagamento da dívida externa, isto só seria possível na medida em que se pudesse: a) permitir uma redução das reservas internacionais do Banco Central; b) aumentar a participação do setor público na dívida externa do país; e/ou c) aumentar o superávit primário. As duas primeiras alternativas, especialmente a primeira, tinham alcance limitado. A prazo mais longo, a única forma de reconciliar os choques externos com estabilidade das necessidades internas de financiamento teria sido promover um choque fiscal de mesma magnitude. O problema é que um ajustamento deste tipo, de difícil implementação em qualquer país e em quaisquer circunstâncias, esbarrava ainda em efeitos de segunda ordem provocados pela própria crise da dívida externa e pela resposta da política econômica brasileira aos choques internacionais do período 1979/82.

Dada a decisão do governo brasileiro de aceitar passivamente os limitados esquemas de reescalonamento e financiamento propostos pelos credores externos, o reequilíbrio do balanço de pagamentos passou a depender essencialmente da geração de saldos comerciais sem precedentes. Um dos problemas dessa estratégia é que a produção dos superávits comerciais se fez, em grande medida, à custa de pressões sobre o orçamento público. Isto ocorreu por diversos motivos. Primeiramente, porque a maxidesvalorização de fevereiro de 1983, decretada com o intuito de acelerar a ampliação do superávit comercial, teve corno efeito colateral uma forte pressão sobre as necessidades de financiamento do setor público e a taxa de inflação. Como o superávit comercial gerado pelo setor público não era expressivo e como a dívida externa brasileira era preponderantemente pública, uma desvalorização real de 30% não podia deixar de produzir aumento significativo do déficit governamental. Dadas as defasagens entre os fatos geradores dos impostos e o seu recolhimento pelo Tesouro, o choque inflacionário decorrente da desvalorização real do câmbio contribuiu, além disso, para reduzir a receita fiscal em termos reais.

A ampliação do superávit comercial a partir de 1983 resultou, também, da adoção de políticas de redução da demanda interna e de controle administrativo das importações. A redução da demanda interna e o controle direto das importações contribuíram para que de princípios de 1983 até meados de 1984 a economia atravessasse uma profunda recessão industrial, com efeitos inevitavelmente negativos sobre a receita tributária do governo e a receita operacional das empresas públicas. Mais uma vez, o efeito colateral da crise do setor externo era o agravamento do déficit público.

Mas o rápido crescimento do superávit comercial não resultou apenas da combinação de recessão com desvalorização real do câmbio. Refletiu também a manutenção de um amplo arsenal de incentivos e isenções fiscais, subsídios diretos e créditos favorecidos aos setores exportadores ou vinculados à substituição de importações.18 18 Sobre a evolução da política comercial brasileira nas décadas de 70 e 80 ver BAUMANN, Renato. Ajuste Externo - Experiência Recente e Perspectivas para a Próxima Década, in Para a Década de 1990: Prioridades e Perspectivas de Políticas Públicas, vol. 2: Setor Externo, Secretaria de Planejamento, Brasília, DF, IPEA/IPLAN, 1989, pp. 1-27. Além disso, boa parte da chamada competitividade externa da economia brasileira continuou a depender nesse período da compressão das tarifas e preços públicos em termos reais, o que contribuiu para descapitalizar diversas empresas estatais e para forçar algumas delas a buscarem recursos junto ao Tesouro.19 19 Dados referentes ao comportamento dos preços e tarifas dos setores siderúrgico, de energia elétrica e de comunicações no período 1979/84 podem ser encontrados em WERNECK, Rogério L. F., Empresas Estatais e Política Macroeconômica, Rio de Janeiro, Editora Campus, 1987, pp. 54-60.

Em suma, a geração de elevados superávits comerciais de 1983 em diante teve como contrapartida uma série de efeitos desfavoráveis sobre a situação financeira do setor público. Parcialmente neutralizadas pelos efeitos colaterais do ajustamento das contas externas, as políticas de ajustamento fiscal aplicadas em 1983/84 não foram suficientes para compensar o impacto do choque de juros internacionais e do colapso do financiamento externo. Em consequência, o pagamento do serviço da dívida externa pública começou a ser parcialmente financiado com emissão de dívida interna e de base monetária.

O período 1985 / 88

No período de 1985/88, prossegue a tendência de estreitamento das fontes não-inflacionárias de financiamento do setor público. Ao contrário do que frequentemente se previa, não ocorreu nesse período uma recuperação das fontes de financiamento externo ao país. Acentua-se, pelo contrário, a retração da oferta de crédito externo iniciada nos primeiros anos da década de 80. O mercado bancário, principal fonte de crédito externo até meados de 1982, continua completamente fechado para o Brasil e para dezenas de outros países subdesenvolvidos com problemas semelhantes de endividamento externo. Não só não reaparecem os empréstimos voluntários, como cessam a partir de 1985 até mesmo os créditos “involuntários”, do tipo dos que haviam sido negociados com os bancos comerciais no âmbito de esquemas de. reescalonamento implementados em 1983 e 1984.

Os financiamentos de fontes oficiais (multilaterais e governamentais) também sofrem acentuada retração nesse período. Em 1983/84, a ampliação dos empréstimos externos oficiais havia compensado, em parte, a abrupta redução do financiamento bancário. De 1985 em diante, contudo, tanto o crédito fornecido por agências governamentais, como os empréstimos de entidades multilaterais diminuem em relação aos níveis alcançados em 1983/84.20 20 Entre 1983/84 e 1985/88, o fluxo líquido de empréstimos, definidos como a diferença entre os empréstimos novos e as amortizações pagas, passou de US$ 3,1 bilhões para apenas US$ 40 milhões por ano, em média, no caso das entidades multilaterais (FMI, BIRD, BID) e de US$ 677 milhões para um valor negativo de US$ 368 milhões, em média, no caso das agências governamentais (inclusive Clube de Paris). Banco Central do Brasil, Relatório - 1987, vol. 24, 1988, p. 126; e. Relatório - 1988, vol. 25, 1989, p. 116. Tampouco se constata uma recuperação dos investimentos diretos estrangeiros ou dos financiamentos externos de fontes privadas não-bancárias.

O resultado foi um significativo aumento das transferências líquidas de recursos ao exterior, refletindo essencialmente a discrepância entre os volumosos pagamentos de juros e amortizações (não-reescalonadas) e os limitados ingressos de novos empréstimos externos.21 21 No período 1985-88, os pagamentos de amortização e juros ao exterior excederam os ingressos de novos empréstimos externos em US$ 10,3 bilhões por ano, em média. Ibidem. A taxa média de crescimento da dívida externa de médio e longo prazos, expurgada do efeito de flutuações cambiais, caiu de 15,2% a.a. em 1983/84 para apenas 0,4% a.a. em 1985/88.22 22 MEYER, Arno e MARQUES, Maria Sílvia Bastos. A Fuga de Capital no Brasil, Centro de Estudos Monetários e de Economia Internacional, IBRE/FGV; ago./1989, pp. 45, 48 e 49. (Mimeografado)

O financiamento externo só viria a se recuperar em 1987, e mesmo assim de forma transitória, com a decretação da moratória, cujo impacto líquido sobre o caixa do Banco Central foi da ordem de US$ 3,5 bilhões naquele ano.23 23 BATISTA JR., Paulo Nogueira. Da Crise Internacional à Moratória Brasileira; São Paulo, Editora Paz e Terra, 1988; pp. 125-135. A suspensão de pagamentos atingiu exclusivamente a dívida de médio e longo prazos com os bancos comerciais. Ibidem, pp. 32-37. Em 1988, contudo, com a retomada dos pagamentos de juros e a assinatura de um acordo com os bancos estrangeiros, que não previa um volume satisfatório de recursos, volta-se à estaca zero no que diz respeito ao financiamento externo do setor público e da economia como um todo.24 24 Para uma análise crítica de· acordo assinado com os bancos comerciais em 1988, ver Comissão Especial do Senado Federal para a Dívida Externa. Relatório Final. Ago./1989, pp. 157-166. (Mimeografado) Além disso, a implementação de um amplo programa de conversão de dívida externa em capital de risco contribuiu de forma apreciável para reforçar as pressões sobre a dívida interna e a base monetária em 1988.25 25 Segundo estimativas do Banco Central, a conversão formal e informal alcançou US$ 6,7 bilhões em 1988. Nesse ano, o impacto monetário associado à conversão formal representou o equivalente a US$ 2,1 bilhões. Dados da Diretoria da Área Externa do Banco Central reproduzidas na Gazeta Mercantil, 8.11.1989, p. 20. Para uma avaliação do impacto da conversão sobre a base monetária e as finanças públicas ver MEYER, Arno e MARQUES, Maria Sílvia Bastos. Implicações Macroeconômicas da Conversão de Dívida Externa, Centro de Estudos Monetários e de Economia Internacional, IBRE/ FGV, dez./1988, pp. 39-47. (Mimeografado)

A partir de 1985 ocorreu, portanto, um agravamento das condições externas que tendiam a provocar a substituição de dívida externa por fontes internas de financiamento. Não se deve perder de vista, contudo, que uma redução do financiamento externo à economia como um todo não se traduz necessariamente em redução equivalente do financiamento ao setor público. Do ponto de vista da restrição orçamentária do governo, o que interessa não são propriamente os fluxos líquidos de financiamento externo ou as variações da dívida externa total do país, mas sim o montante de financiamento externo líquido disponível para o setor público. O componente externo do financiamento corresponde, como foi anteriormente indicado na equação (1), à variação da dívida externa líquida do setor público. A dívida líquida é definida como a diferença entre a dívida externa bruta do setor público e as suas disponibilidades em moeda estrangeira. Estas últimas correspondem basicamente às reservas internacionais do Banco Central. O financiamento externo líquido ao setor público pode ser expresso, portanto, da seguinte forma:

D E - D E - 1 = D E B - D E B - 1 - R - R - 1 = D E T - D E T - 1 ~ D E P - D E P - 1 - R - R - 1 (3)

  • onde: DEB - DEB-1 = aumento da dívida externa bruta do setor público

  • R - R-1 = aumento das reservas internacionais do Banco Central

  • DET - DET-1 = aumento da dívida externa do país

  • DEP - DEP-1 = aumento da dívida externa do setor privado

Da equação (3) se depreende que o. efeito de uma queda no financiamento externo global pode ser contrabalançado por uma diminuição das reservas internacionais ou por um aumento da participação do setor público na dívida externa total. Em outros termos, o impacto sobre (DE - DE - 1) de uma redução em (DET - DET-1) pode ser neutralizado, no todo ou em parte, por uma redução em (DEP - DEP-1) e/ou em (R-R -1).

Um fato pouco notado é que em 1983/84 grande parte da pressão decorrente da queda do influxo global de financiamento externo foi amortecida por um acentuado aumento da participação do setor público na dívida externa total. Isto parece ter resultado, por um lado, de uma maior participação do setor governamental no fluxo remanescente de novos empréstimos externos e, por outro, da absorção de dívidas externas privadas por parte do Banco Central. Como se verifica na tabela 5, a participação da dívida pública no total da dívida externa registrada passou de 65,6% em dezembro de 82 para 77,5% em dezembro de 84, aumentando nesses dois anos seis pontos percentuais por ano em média.

Tabela 5
Dívida Externa Registrada - Pública e Privada 1982-1988 (Em USS milhões)

No período 1985/88 e especialmente após 1987, este processo de estatização da dívida externa sofre acentuada desaceleração. Em 1985/86, a participação da dívida pública ainda cresce 3,6 pontos percentuais por ano, em média, mas a partir de 1987 os aumentos adicionais se tornam bem menos significativos, situando-se em 1,8 ponto percentual por ano em média entre dezembro de 86 e dezembro de 88 (tabela 5). A partir de 1985, e sobretudo de 1987, diminuiu substancialmente, portanto, o efeito amortecedor resultante do processo de estatização da dívida externa.

No entanto, os dados apresentados na tabela 5 não são suficientes para avaliar a evolução da disponibilidade de crédito externo para o setor público. Isto por três motivos, pelo menos. O primeiro é que as estatísticas referentes à dívida externa pública, tal como geralmente publicadas pelo Banco Central, subestimam o seu montante efetivo, por não incluírem a dívida não-registrada do setor público26 26 A chamada dívida externa não-registrada corresponde essencialmente a linhas comerciais de curto prazo e, em determinados períodos, ao estoque de pagamentos externos atrasados. Ver, por exemplo, Banco Central do Brasil, Relatório - 1987, vol. 24, 1988, pp. 120, 121 e 125; e Relatório - 1988, vol. 25, 1989, pp. 114 e 115 e a dívida externa vincenda do setor privado depositada no Banco Central. O segundo motivo é que a variação do estoque de endividamento externo precisa ser expurgada do efeito de flutuações no valor do dólar em relação a terceiras moedas, uma vez que parte significativa da dívida externa é denominada em outras moedas estrangeiras que não o dólar dos EUA. Finalmente, é preciso também deduzir, do financiamento externo canalizado para o setor público, a parcela que corresponde à acumulação de reservas externas por parte do Banco Central.

A coluna 1 da tabela 6 apresenta uma estimativa dos fluxos brutos de financiamento externo, de médio e longo prazos, absorvidos pelo setor público brasileiro no período 1983/88. Aos dados de dívida pública reproduzidos na tabela 5, acrescentou-se uma estimativa da dívida externa vincenda do setor privado depositada no Banco Central.27 27 A rigor, seria preciso dispor também de dados referentes à distribuição interna dos créditos externos obtidos via Resolução 63. Nas estatísticas referentes à dívida externa registrada, a dívida regida pela Resolução 63 é classificada como “pública” quando o tomador é um banco oficial e como “privada” quando o tomador é um banco privado, independentemente da destinação final dos recursos contratados. Se a participação do setor público no total dos recursos repassados for superior (inferior) à participação dos bancos oficiais na dívida contraída via Resolução 63, os dados reproduzidos na tabela 5 e os dados utilizados para construir a tabela 6 subestimam (superestimam) a dívida externa pública e a sua participação no total da dívida externa registrada. Recorde-se, além disso, que parte do crescimento da dívida externa pública resultou, nesse período, da absorção de dívidas privadas pelo Banco Central. Como se sabe, em casos de inadimplência do devedor privado, esta absorção não representa uma contribuição ao financiamento do setor público. As estimativas apresentadas na tabela 6 partem do pressuposto de que estes casos representam parcela pouco expressiva do aumento global da dívida externa pública nesse período. O financiamento externo bruto, de médio e longo prazos, foi então estimado a partir da variação da dívida pública, expurgada do efeito de flutuações do valor do dólar.28 28 Na ausência de dados mais desagregados, admitiu-se que a distribuição da dívida externa pública por moedas é idêntica à da dívida externa registrada. A variação da dívida foi calculada com base nas paridades cambiais do final de cada ano.

Tabela 6:
Estimativa do Fluxo de Financiamento Externo ao Setor Público 1983-1988 (Em US$ milhões)

Como se verifica na primeira coluna da tabela 6, o montante de financiamento externo bruto, de médio e longo prazos, ainda foi extremamente expressivo em 1983/84. Nesses dois anos, como já foi indicado, a interrupção na entrada de empréstimos voluntários dos bancos comerciais foi compensada pela ampliação dos créditos de fontes oficiais, pela obtenção de empréstimos involuntários junto aos bancos comerciais e por um forte aumento da participação do setor público na dívida externa registrada.

A partir de 1985, em consequência da redução do financiamento externo à economia como um todo e da desaceleração do ritmo de estatização da dívida externa, o financiamento externo bruto de médio e longo prazos diminui de forma drástica, caindo para uma média anual de US$ 3,2 bilhões em 1985/86 e apenas US$ 100 milhões em 1987 88 (tabela 6).

Como se depreende das equações (1) e (3), no entanto, a variável relevante do ponto de vista da restrição orçamentária do setor público é o montante de financiamento externo líquido, o qual corresponde basicamente à diferença entre o total do financiamento externo bruto ao setor público (incluindo variações na dívida não-registrada) e a variação das reservas internacionais. Vejamos então como evolui esta disponibilidade líquida de financiamento externo no período 1983/88.

Observando-se a coluna 5 da tabela 6, verifica-se que o setor público ainda teve acesso a um volume substancial de financiamento externo líquido em 1983. Em 1984, entretanto, a maior parte do financiamento externo bruto teve como contrapartida uma acentuada acumulação de reservas pelo Banco Central (tabela 6). Em consequência, o financiamento externo líquido se reduziu para apenas US$ 2 bilhões, o equivalente a cerca de 1/4 dos juros externos devidos naquele ano (cf. tabelas 3 e 6). O ano de 1984 marca, portanto, o início do processo de substituição da dívida externa pública por fontes domésticas de financiamento. Mais precisamente: uma parte preponderante dos juros externos devidos pelo setor público passou a ser financiada com emissão de dívida interna e base monetária.

Em 1985, o quadro não se altera de forma substancial, uma vez que a redução no fluxo bruto de financiamento é compensada, em grande medida, por uma certa redução das reservas. Em 1986, contudo, com a expressiva perda de reservas ocorrida durante o Plano Cruzado, o financiamento externo líquido supera em quase duas vezes o montante bruto de financiamento externo absorvido pelo setor público (cf. colunas 3 e 5 da tabela 6).

Em 1987, foi a vez de a moratória atuar como instrumento de contenção das pressões sobre as necessidades internas de financiamento. De fato, o aumento da dívida não-registrada do setor público, que corresponde nesse ano essencialmente à capitalização unilateral de juros referentes à dívida de longo prazo com bancos comerciais, foi suficiente para compensar a redução do financiamento bruto de médio e longo prazos. No entanto, a necessidade de iniciar a recomposição das reservas do Banco Central, traduziu-se em redução do financiamento externo líquido ao setor público, que correspondeu em 1987 a pouco mais de um terço dos juros externos líquidos devidos pelo setor público (cf. tabelas 3 e 6).

No ano seguinte, a situação se deteriorou de modo muito mais acentuado. Na verdade, é só em 1988 que a crise da dívida externa atinge as finanças públicas com força plena. Como resultado do virtual esgotamento do processo de estatização da dívida registrada, da aguda escassez de capitais novos e das conversões de dívida em capital de risco, o financiamento bruto de médio e longo prazos continua próximo de zero. A regularização dos juros atrasados refletiu-se em redução de US$ 3,6 bilhões na dívida não-registrada. Em consequência, o financiamento externo bruto foi negativo em mais de US$ 3 bilhões. Como as reservas continuaram se recuperando, o financiamento líquido foi negativo em quase US$ 5 bilhões (tabela 6). O impacto total das operações relativas à dívida externa pública (juros menos financiamento líquido) alcançou nada menos que US$ 12,9 bilhões em 1988 (tabelas 3 e 6), o equivalente a quase 4% do PIB, contribuindo de forma decisiva para pressionar a dívida interna, os agregados monetários e a taxa de inflação.

Em síntese, até 1987 o setor público pôde se resguardar, em alguma medida, dos efeitos da retração do financiamento externo voluntário à economia brasileira. Em 1983/84 e, em menor grau, em 1985/86, pelo aumento da sua participação na dívida externa total. Em 1985, e sobretudo em 1986, pela utilização das reservas do Banco Central. Em 1987, pela suspensão dos pagamentos de juros aos bancos comerciais.

Em 1988, contudo, o financiamento externo ao setor público se torna violentamente negativo, o que resultou em pressão sem precedentes sobre as fontes internas de financiamento.

Fontes internas de financiamento

No plano doméstico, as condições de financiamento também evoluíram de forma crescentemente adversa, em parte como consequência da aceleração inflacionária observada em 1987/88. A aceleração da inflação tem diversas· repercussões desfavoráveis sobre a situação financeira do setor público. Além de provocar redução da carga tributária e aumento das despesas decorrentes da correção monetária e cambial da dívida pública, a alta da taxa de inflação resulta em queda na demanda real por base monetária.

Na segunda metade da década· de 70, a base monetária representava o equivalente a mais de 5% do PIB (tabela 7). A partir de 1980, taxas crescentes de inflação, aliadas à criação pelo sistema financeiro de uma grande variedade de ativos financeiros quase-monetários, levaram a uma redução substancial e praticamente contínua da base, que cai de 5,1% do PIB em 1979 para 1,6% do PIB em 1984/85. Em 1986, como resultado da remonetização provocada pelo Plano Cruzado, a tendência se inverte e a razão base monetária/PIB dobra. Nos dois anos subsequentes, entretanto, com a reaceleração da inflação e consequente desmonetização da economia, a base monetária volta a se reduzir para 2,2% do PIB em 1987 e apenas 1,4% do PIB em 1988. No período 1980/88, a base monetária acumulou queda real de nada menos que 66%, acusando reduções reais expressivas em todos os anos desse período, com exceção de 1985 e sobretudo de 1986 (tabela 7).

Tabela 7:
Base Monetária e Divida Mobiliária Federal 1975-1988

Do ponto de vista do setor público, esta contração da base monetária representa evidentemente um fator adicional de estreitamento das fontes de financiamento do déficit. Como se sabe, dentro dos limites dados pelo crescimento da demanda real por base monetária, a criação de moeda primária é um dos mecanismos de financiamento não-inflacionário de que dispõe o governo. A redução da base em termos reais e como percentual do produto limita as possibilidades de financiamento por essa via, contribuindo para reforçar a pressão sobre a dívida pública interna.

A dívida mobiliária descreveu trajetória oposta à base monetária nesse período. Entre 1975 e 1984, a dívida mobiliária federal correspondeu a 6,4% do PIB em média, flutuando entre um mínimo de 4,2% do PIB em 1980 e um máximo de 7,6% em 1982, sem acusar tendência de crescimento como percentagem do produto (tabela 7). A partir de 1985, entretanto, o quadro se modifica. A dívida mobiliária real cresce 71,6 % em 1985, aumentando para 10,4% do PIB. No ano seguinte, em consequência da redução abrupta da taxa de inflação e da recuperação transitória na demanda real por moeda, a dívida mobiliária diminui 3,4% em termos reais, caindo para 9,3% do PIB. Mas em 1987 e 1988, a dívida mobiliária volta a crescer de forma significativa, aumentando para 10,1% do PIB em 1987 e 12,1% do PIB em 1988. Entre 1984 e 1988, a dívida mobiliária federal cresceu nada menos que 121,8% em termos reais (tabela 7).

Este rápido crescimento da dívida mobiliária foi acompanhado, como se sabe, por um processo de “liquefação” dos títulos públicos federais, isto é, pelo encurtamento do prazo médio desses títulos e pela sua transformação em ativos quase-monetários.29 29 Em dezembro de 1988, o prazo médio da dívida mobiliária federal (OTN, LTN e LFT) era de apenas quatro meses e vinte e três dias. Associação Nacional das Instituições do Mercado Aberto, Carta Andima, 84, fev., mar. e abr./1989, p. 29. Esta “liquefação” da dívida mobiliária reflete, certamente, a procura do público por ativos financeiros capazes de substituir a moeda tradicional, mas constitui, também, sintoma adicional do estreitamento das fontes internas de financiamento do setor público.

De fato, a confiança nos títulos públicos parece ter diminuído nesse período, em função da incerteza provocada pela aceleração inflacionária e de dúvidas crescentes quanto à capacidade de pagamento do governo. Em particular, taxas de correção monetária sistematicamente inferiores à taxa de inflação devem ter contribuído para a retração da demanda real por ativos financeiros pós-fixados, dificultando o refinanciamento da dívida pública interna. Manter a correção monetária abaixo da taxa de inflação contribui, como vimos na seção III, para reduzir a carga de juros do setor público. Mas este alívio é obtido ao preço de uma deterioração das condições internas de financiamento do governo no período seguinte.30 30 Comentário análogo pode ser feito a respeito de outros mecanismos utilizados para reduzir a carga de juros no período 1986/88. A redução das taxas de juros internas por meio de um afrouxamento da política monetária· também contribui para reduzir a carga de juros do setor público, mas pode traduzir-se em queda da parcela do déficit financiada por emissão de títulos e, consequentemente, em crescimento excessivo dos agregados monetários. A apreciação cambial reduz, por sua vez, o componente externo da carga de juros do setor público, mas pode resultar em redução do saldo comercial e queda das reservas internacionais. Alternativamente, a redução do custo da dívida externa pública provocada pela apreciação cambial pode ser contrabalançada, no todo ou em parte, pela necessidade de compensar os seus efeitos sobre a competitividade externa com a concessão de incentivos fiscais e creditícios à exportação e à substituição de importações.

A retração na demanda por dívida pública, combinada com o aumento das necessidades de financiamento do governo, levaria, tudo o mais constante, a uma alta da taxa de juros interna. A forma que se encontrou para conter a pressão sobre as taxas de juros foi transformar os títulos públicos em ativos quase-monetários, refinanciados diariamente no overnight. Em 1988, o déficit operacional e a reversão do financiamento externo líquido ao setor público tiveram que ser integralmente financiados com expansão da liquidez monetária ou quase-monetária.

Em resumo, nos últimos anos, e sobretudo em 1988, o setor público brasileiro se viu confrontado com acentuada redução na oferta de financiamento, resultado da queda no financiamento externo e da retração na demanda real por base monetária e dívida pública interna. O insucesso do Plano Cruzado e o abandono prematuro da moratória externa impossibilitaram uma recomposição duradoura das fontes de financiamento do setor público nesse período. A aceleração da inflação, que alcançou em 1987 e 1988 taxas nunca antes registradas, e a retomada dos pagamentos de juros, sem garantia de um fluxo adequado de recursos externos, contribuíram para uma profunda deterioração das possibilidades de financiamento do setor público. Nessas condições, não é de surpreender que a economia brasileira se encontrasse, em fins de 1988, no limiar de uma hiperinflação.

V - CONCLUSÃO

No Brasil, as discussões sobre política econômica se reduzem frequentemente à monótona repetição de posições preconcebidas e chavões ideológicos ou doutrinários. Um dos preferidos é o de que a aceleração inflacionária do final da década de 80 decorreu fundamentalmente de um expressivo crescimento do déficit público.

As informações disponíveis não parecem dar sustentação a este tipo de afirmativa. Até 1988 pelo menos, o aumento observado no déficit operacional do setor público como um todo (incluindo empresas estatais) não é suficiente para explicar o dramático agravamento da situação financeira do governo, nem para dar conta da fortíssima aceleração da inflação desde 1987.

É verdade que o superávit primário do setor público, definido como a diferença entre as receitas e as despesas não-financeiras, diminuiu substancialmente a partir de 1985. Isto resultou primordialmente de um aumento das despesas de consumo do governo (folha salarial e outras) e da queda de preços e tarifas do setor público em termos reais.

Até 1988, contudo, esta redução do saldo primário foi compensada, em grande medida, pela diminuição do peso relativo dos encargos financeiros externos e internos devidos pelo setor público, reflexo da queda das taxas de juros externas e internas, da apreciação real do câmbio e da redução de valor da OTN em termos reais.

Em consequência, o déficit operacional cresceu relativamente pouco nesse período, passando de uma média de 3,4% do PIB em 1983/84 para 4,4% do PIB em 1985/88. Vale a pena notar que o déficit médio do período 1985/88 foi inclusive inferior ao déficit médio registrado no quadriênio anterior.

Como explicar então a aguda crise financeira experimentada pelo setor público nos últimos anos desse período? A origem das dificuldades financeiras do governo parece estar sobretudo do lado do financiamento do déficit, isto é, na acentuada retração das fontes externas e internas de financiamento não-inflacionário. A retração da oferta de crédito para o setor público começou com a crise da dívida externa em 1982. O colapso do financiamento externo acabaria conduzindo à substituição de dívida externa pública por fontes internas de financiamento, com conhecidas consequências desfavoráveis para as finanças públicas e a economia como um todo.

Um fato pouco conhecido é que, entre 1983 e 1987, ainda foi possível acionar uma série de expedientes ou mecanismos que reduziram a intensidade dos efeitos da crise externa sobre a situação financeira do setor público, isto é, que retardaram a transformação de dívida externa pública em dívida interna e base monetária. Em 1983/84, o crédito externo de fontes oficiais (multilaterais e governamentais) compensou, em parte, a drástica redução dos empréstimos contratados com bancos comerciais estrangeiros. Em 1983/84 e, em menor grau, em 1985/86, o setor público brasileiro aumentou significativamente a sua participação no total da dívida externa do país, o que reduziu a pressão sobre as fontes domésticas de financiamento. Em 1985, e sobretudo em 1986, a utilização. das reservas cambiais do Banco Central compensou, em parte, a menor entrada de recursos externos. Em 1987, finalmente, a moratória externa representou a criação de uma fonte automática de crédito para o setor público, na medida em que se traduziu na capitalização unilateral dos juros referentes à dívida de longo prazo com os bancos comerciais.

Na verdade, é só em 1988 que a crise da dívida externa atinge as finanças públicas com força plena. Como resultado do abandono prematuro da moratória, da conversão de dívidas externas em investimento, da aguda escassez de recursos externos novos e do virtual esgotamento do processo de estatização da dívida, o financiamento externo bruto foi negativo em mais de US$ 3 bilhões. Como as reservas cambiais acusaram alguma recuperação, o financiamento externo líquido foi negativo em quase US$ 5 bilhões. As operações relativas à dívida externa pública (juros menos empréstimos líquidos) tiveram um impacto de nada menos que US$ 12,9 bilhões em 1988, contribuindo decisivamente para pressionar a dívida interna de curto prazo, os agregados monetários e a taxa de inflação.

A esta acentuada redução do financiamento externo, vem somar-se a evolução adversa das condições de financiamento no mercado doméstico. A aceleração inflacionária, além de corroer a receita tributária, provocou uma acentuada redução na demanda real por base monetária. Enquanto isso, a crescente instabilidade macroeconômica e os sintomas cada vez mais evidentes de desagregação financeira do governo resultaram em perda de confiança nos títulos públicos. Em consequência, a dívida pública interna passou a ser refinanciada em condições extremamente desfavoráveis de custo e prazo.

Neste contexto de acentuada redução das fontes de crédito, o próprio conceito de déficit operacional perde valor como indicador da situação financeira do governo, posto que a sua utilização se baseia, em grande medida, na hipótese de estabilidade na demanda real por dívida pública. Quando esta última se reduz, um déficit operacional relativamente pequeno por padrões internacionais pode revelar-se incompatível com uma estabilização duradoura da economia.

Em suma, para compreender a natureza e a origem dos problemas financeiros do setor público é preciso ir além da infindável repetição de generalidades sobre a “excessiva estatização” da economia e o “crescimento descontrolado” dos gastos e do déficit público. A análise da evolução das contas governamentais no período 1983/88 indica que a crise financeira do setor público resultou não apenas da deterioração do orçamento primário, mas sobretudo de uma forte retração da disponibilidade de financiamento não-inflacionário.

  • 1
    BATISTA JR., Paulo Nogueira. Superávit Primário, Encargos Financeiros e Dívida do Setor Público Brasileiro: 1983-1988, Centro de Análise de Políticas Macroeconômicas/Instituto de Economia do Setor Público/FUNDAP, jan./1990. (Mimeografado)
  • 2
    O déficit operacional corresponde à diferença entre as necessidades globais de financiamento e a correção monetária e cambial imputada aos diversos componentes da dívida pública. Ver COSTA, Margaret Hanson, PEREIRA, Lia M. Alt e SILVA, Carlos Lavalle da. Medidas do Déficit Público: Variações em Torno dos Principais Conceitos, Centro de Estudos Fiscais, IBRE/FGV, jan./ 1988, pp. 65 e 66. (Mimeografado)
  • 3
    O saldo primário corresponde, por definição, à diferença entre os encargos financeiros e o déficit operacional. A estimativa apresentada na tabela 1 foi construída com base em dados referentes ao déficit operacional do setor público, regularmente publicados pelo Banco Central, e em estimativas do valor em dólares dos encargos financeiros externos e internos do setor público, elaboradas pelo Departamento Econômico do Banco Central. Note-se que a estimativa da tabela 1 difere significativamente da única série de déficit primário publicada até agora pelo Banco Central. Ver Banco Central do Brasil, Brasil: Programa Econômico, vol. 24, mar./1990, p. 66. A série publicada pelo Banco Central, referente ao período 1985/89, foi calculada com base nas mesmas séries utilizadas na tabela 1. No entanto, para calcular a razão encargos financeiros/PIB, o Banco Central converteu o PIB em dólares não pela taxa média de câmbio observada em cada ano, como deveria ter feito, mas pela taxa de câmbio correspondente ao nível real de 1985. Como o cruzado/cruzeiro registrou valorização real contínua em relação ao dólar a partir de 1986, este procedimento tende a superestimar o peso dos encargos financeiros e, portanto, a superestimar também a razão saldo primário/PIB no período 1986/89, sobretudo nos anos finais da série.
  • 4
    Observe-se, contudo, que o ajustamento fiscal realizado em 1983/84 parece ter resultado, em parte, da adoção de medidas não sustentáveis ou de efeito apenas temporário, tais como a redução ou o adiamento de despesas essenciais de investimento e a forte compressão dos salários reais no setor público. Isto parece ter gerado um grau relativamente elevado de “tensão fiscal”, isto é, uma significativa discrepância entre o déficit observado e o déficit sustentável ou subjacente. Sobre o conceito de tensão fiscal ver TANZI, Vito, Fiscal Policy and Economic Restructuring in Latin America: Discussion of some Basic Issues, paper prepared for the conference on Economic Reconstruction in Latin America, Getúlio Vargas Foundation, Rio de Janeiro, August 7-8, 1989, preliminary draft, pp. 37 e 38. (Mimeografado)
  • 5
    A rápida expansão do mercado interno e a queda da taxa de inflação contribuíram para que a carga tributária bruta chegasse a 25,0% em 1986, superando em nada menos que três pontos percentuais o nível registrado no ano anterior. Banco Central do Brasil, Indicadores Macroeconômicos do Setor Público, Departamento Econômico, set./ 1989, tabela 2. (Mimeografado)
  • 6
    Idem. Estimativas do Banco Mundial indicam que a recuperação do investimento público foi modesta nesse período. Entre 1984 e 1987, o investimento público global (inclusive empresas públicas) aumentou de 6,0% para 6,9% do PIB. PFEFFERMANN, Guy e MADARASSY, Andrea. Trends in Private Investment in 30 Developing Countries, International Finance Corporation, Economics Department, Draft Discussion Paper, July 1989, p. 8. (Mimeografado)
  • 7
    AMARAL FILHO, José Bonifácio de S. e GALLETTA, Paulo Domingos, Preços e Tarifas do Setor Produtivo Estatal, Instituto de Economia do Setor Público - IESP / FUNDAP, Textos para Discussão, n. 21, São Paulo, set./1989, pp. 6-10.
  • 8
    Banco Central do Brasil, Brasil: Programa Econômico, vol. 21, jun./1989, p. 28.
  • 9
    Esta Recuperação do saldo primário parece ter resultado: a) de uma recomposição parcial dos preços e tarifas do setor público em termos reais; b) de um controle mais rigoroso do endividamento dos estados, municípios e empresas estatais; c) da diminuição das despesas com subsídios diretos; e d) da suspensão temporária dos reajustes salariais para o funcionalismo federal e das empresas estatais. CARNEIRO, Ricardo e BUAINAIN, Antônio Márcio (orgs.). O Retorno da Ortodoxia, Bienal-Unicamp, São Paulo, 1989, pp. 124, 125 e 140. Boa parte do efeito positivo resultante do aumento do saldo primário, contudo, foi neutralizada pelo impacto das operações de conversão de dívida externa sobre as necessidades internas de financiamento do Banco Central. Idem, pp. 183-205.
  • 10
    Para análise mais detalhada dos determinantes da carga de juros, ver BATISTA JR., Paulo Nogueira, Superávit Primário, Encargos Financeiros e Dívida do Setor Público Brasileiro: 1983-1988, Centro de Análise de Políticas Macroeconômicas/Instituto de Economia do Setor Público/FUNDAP, jan./1990, pp. 21-26. (Mimeografado). A “correção monetária real” corresponde à variação real do valor do título que serve de indexador para a dívida pública interna. Idem, pp. 23 e 24.
  • 11
    A partir de meados de 1986, o custo da dívida mobiliária federal foi significativamente reduzido pela substituição das ORTNs/OTNs por Letras do Banco Central (LBCs), cujo rendimento passou a ser determinado basicamente pela taxa de juros do overnight, A introdução da LBC diminuiu o risco de carregamento dos títulos federais, permitindo a sua colocação com deságios bastante reduzidos. SILVEIRA, Caio Cézar L. Prates da e GIAMBIAGI, Fábio. Dívida Externa, Encargos Financeiros e seu Impacto no Déficit Público: uma Reavaliação, Instituto de Economia Industrial, Universidade Federal do Rio de Janeiro, jan./1989, versão preliminar, pp. 17-31. (Mimeografado). Para uma explicação dos motivos que levaram à criação da LBC, ver REZENDE, André Lara. A LBC e o Mercado Aberto, in Associação Nacional das Instituições do Mercado Aberto, LBC: uma Análise de sua Curta História, Painel de Debates, realizado em 28 de maio de 1987, Rio de Janeiro, pp. 13-18.
  • 12
    BATISTA JR., Paulo Nogueira. Op. Cit., pp. 30 e 31.
  • 13
    Na ausência de informações mais desagregadas, admitiu-se que a composição monetária da dívida pública é idêntica à da dívida externa total. Para maiores detalhes sobre o cálculo desta taxa efetiva de câmbio, ver BATISTA JR, Paulo Nogueira. Op. Cit., pp. 30-36.
  • 14
    Cabe recordar, além disso, que a definição usual de déficit operacional pode conduzir a uma superestimativa do déficit efetivo e do crescimento real da dívida pública. Isto acontece sempre que as correções monetária e cambial ficam abaixo da taxa de inflação, a exemplo do que se observou em 1986/88. Ver GIAMBIAGI, Fábio. Os Conceitos de Custo da Dívida Mobiliária Federal e Déficit Operacional do Setor Público: Uma Crítica, in Revista Brasileira de Economia, vol. 43, n. l, jan-mar 1989, pp. 65-76.
  • 15
    Em 31.12.1980, a dívida pública (direta e indireta) representava 69,2% do total da dívida externa brasileira de médio e longo prazos. Banco Central do Brasil, Relatório Anual 1980, vol. 17, n. 2, fev./1981, pp. 118-120.
  • 16
    BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello. Financiamento Externo e Déficit Público, in Déficit Público, São Paulo, Instituto de Economia do Setor Público - IESP /FUNDAP, Textos para Discussão n. 15, set./1988, pp. 3-10.
  • 17
    A rigor, a restrição orçamentária deveria ser expressa da seguinte forma:
    DO=C·DE-1+tC-1·DE-1+DI-1+cDI-1+B-B-1 (1a)
    onde: DO = déficit operacional;
    C = taxa de câmbio (unidades de moeda nacional por unidade de moeda estrangeira);
    t = desvalorização da taxa de câmbio nominal;
    e c = correção monetária
    As variações de endividamento indicadas na equação (1) correspondem, portanto, à diferença entre o aumento nominal dos componentes externo e interno da dívida pública e as correções cambial e monetária.
  • 18
    Sobre a evolução da política comercial brasileira nas décadas de 70 e 80 ver BAUMANN, Renato. Ajuste Externo - Experiência Recente e Perspectivas para a Próxima Década, in Para a Década de 1990: Prioridades e Perspectivas de Políticas Públicas, vol. 2: Setor Externo, Secretaria de Planejamento, Brasília, DF, IPEA/IPLAN, 1989, pp. 1-27.
  • 19
    Dados referentes ao comportamento dos preços e tarifas dos setores siderúrgico, de energia elétrica e de comunicações no período 1979/84 podem ser encontrados em WERNECK, Rogério L. F., Empresas Estatais e Política Macroeconômica, Rio de Janeiro, Editora Campus, 1987, pp. 54-60.
  • 20
    Entre 1983/84 e 1985/88, o fluxo líquido de empréstimos, definidos como a diferença entre os empréstimos novos e as amortizações pagas, passou de US$ 3,1 bilhões para apenas US$ 40 milhões por ano, em média, no caso das entidades multilaterais (FMI, BIRD, BID) e de US$ 677 milhões para um valor negativo de US$ 368 milhões, em média, no caso das agências governamentais (inclusive Clube de Paris). Banco Central do Brasil, Relatório - 1987, vol. 24, 1988, p. 126; e. Relatório - 1988, vol. 25, 1989, p. 116.
  • 21
    No período 1985-88, os pagamentos de amortização e juros ao exterior excederam os ingressos de novos empréstimos externos em US$ 10,3 bilhões por ano, em média. Ibidem.
  • 22
    MEYER, Arno e MARQUES, Maria Sílvia Bastos. A Fuga de Capital no Brasil, Centro de Estudos Monetários e de Economia Internacional, IBRE/FGV; ago./1989, pp. 45, 48 e 49. (Mimeografado)
  • 23
    BATISTA JR., Paulo Nogueira. Da Crise Internacional à Moratória Brasileira; São Paulo, Editora Paz e Terra, 1988; pp. 125-135. A suspensão de pagamentos atingiu exclusivamente a dívida de médio e longo prazos com os bancos comerciais. Ibidem, pp. 32-37.
  • 24
    Para uma análise crítica de· acordo assinado com os bancos comerciais em 1988, ver Comissão Especial do Senado Federal para a Dívida Externa. Relatório Final. Ago./1989, pp. 157-166. (Mimeografado)
  • 25
    Segundo estimativas do Banco Central, a conversão formal e informal alcançou US$ 6,7 bilhões em 1988. Nesse ano, o impacto monetário associado à conversão formal representou o equivalente a US$ 2,1 bilhões. Dados da Diretoria da Área Externa do Banco Central reproduzidas na Gazeta Mercantil, 8.11.1989, p. 20. Para uma avaliação do impacto da conversão sobre a base monetária e as finanças públicas ver MEYER, Arno e MARQUES, Maria Sílvia Bastos. Implicações Macroeconômicas da Conversão de Dívida Externa, Centro de Estudos Monetários e de Economia Internacional, IBRE/ FGV, dez./1988, pp. 39-47. (Mimeografado)
  • 26
    A chamada dívida externa não-registrada corresponde essencialmente a linhas comerciais de curto prazo e, em determinados períodos, ao estoque de pagamentos externos atrasados. Ver, por exemplo, Banco Central do Brasil, Relatório - 1987, vol. 24, 1988, pp. 120, 121 e 125; e Relatório - 1988, vol. 25, 1989, pp. 114 e 115
  • 27
    A rigor, seria preciso dispor também de dados referentes à distribuição interna dos créditos externos obtidos via Resolução 63. Nas estatísticas referentes à dívida externa registrada, a dívida regida pela Resolução 63 é classificada como “pública” quando o tomador é um banco oficial e como “privada” quando o tomador é um banco privado, independentemente da destinação final dos recursos contratados. Se a participação do setor público no total dos recursos repassados for superior (inferior) à participação dos bancos oficiais na dívida contraída via Resolução 63, os dados reproduzidos na tabela 5 e os dados utilizados para construir a tabela 6 subestimam (superestimam) a dívida externa pública e a sua participação no total da dívida externa registrada. Recorde-se, além disso, que parte do crescimento da dívida externa pública resultou, nesse período, da absorção de dívidas privadas pelo Banco Central. Como se sabe, em casos de inadimplência do devedor privado, esta absorção não representa uma contribuição ao financiamento do setor público. As estimativas apresentadas na tabela 6 partem do pressuposto de que estes casos representam parcela pouco expressiva do aumento global da dívida externa pública nesse período.
  • 28
    Na ausência de dados mais desagregados, admitiu-se que a distribuição da dívida externa pública por moedas é idêntica à da dívida externa registrada. A variação da dívida foi calculada com base nas paridades cambiais do final de cada ano.
  • 29
    Em dezembro de 1988, o prazo médio da dívida mobiliária federal (OTN, LTN e LFT) era de apenas quatro meses e vinte e três dias. Associação Nacional das Instituições do Mercado Aberto, Carta Andima, 84, fev., mar. e abr./1989, p. 29.
  • 30
    Comentário análogo pode ser feito a respeito de outros mecanismos utilizados para reduzir a carga de juros no período 1986/88. A redução das taxas de juros internas por meio de um afrouxamento da política monetária· também contribui para reduzir a carga de juros do setor público, mas pode traduzir-se em queda da parcela do déficit financiada por emissão de títulos e, consequentemente, em crescimento excessivo dos agregados monetários. A apreciação cambial reduz, por sua vez, o componente externo da carga de juros do setor público, mas pode resultar em redução do saldo comercial e queda das reservas internacionais. Alternativamente, a redução do custo da dívida externa pública provocada pela apreciação cambial pode ser contrabalançada, no todo ou em parte, pela necessidade de compensar os seus efeitos sobre a competitividade externa com a concessão de incentivos fiscais e creditícios à exportação e à substituição de importações.
  • **
    O autor agradece o apoio financeiro do Instituto Latino-Americano de Desenvolvimento Econômico e Social (ILDES) e os comentários de Arno Meyer, Eduardo Teixeira, Márcia Nabão e Ricardo Carneiro. Agradece também o auxílio de Beni Papelbaum, Elaine C. Lima e Cristina Aparecida De Luca na elaboração das estatísticas apresentadas neste trabalho.
  • 32
    JEL Classification: H62.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1990
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