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Hiperinflação e estabilização no Brasil: o primeiro Plano Collor

Hyperinflation and stabilization in Brazil: the first Collor Plan

RESUMO

Neste artigo são analisadas (1) as condições que deram origem à hiperinflação no início de 1990, (2) os programas alternativos de estabilização que estavam sendo sugeridos e (3) o plano de estabilização que foi finalmente adotado, o Plano Collor, cuja falha os autores, escrevendo em junho de 1990, já preveem no título do artigo: “o primeiro Plano Collor”. Este plano examinou de acordo com (1) a lógica por trás do congelamento de 70% dos ativos financeiros; (2) o aspecto do ajuste fiscal; (3) a questão monetária ou de liquidez; (4) o problema da demanda; e finalmente (5) as causas do ressurgimento da inflação com a recessão. Para essa análise, os autores utilizam uma abordagem neo-estruturalista da inflação inercial ou autônoma prevalecente no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE:
Inflação, estabilização; Plano Collor

ABSTRACT

In this paper are analyzed (1) the conditions that gave rise to hyperinflation in early 1990, (2) the alternative programs of stabilization that were being suggested, and (3) the stabilization plan that was finally adopted, the Collor Plan, whose failure the authors, writing in June 1990, predict already in the title of the paper: “the first Collor Plan”. This plan examined according to (1) the logic behind freezing 70% of the financial assets; (2) the fiscal adjustment aspect; (3) the monetary or liquidity question; (4) the demand problem; and finally (5) the causes of the resurgence of inflation with recession. For this analysis, the authors utilize a neo-structuralist approach to the inertial or autonomous inflation prevailing in Brazil.

KEYWORDS:
Inflation; stabilization; Collor Plan

No início de 1990 a economia brasileira viveu pela primeira vez a hiperinflação. A taxa de inflação chegou a 56% em janeiro, 73% em fevereiro e 84% em março. Em 15 de março, o presidente eleito tomou posse e, no dia seguinte, anunciou um ambicioso programa de estabilização, incluindo uma reforma monetária profunda. Noventa dias depois, quando este trabalho foi concluído, estava claro que o plano não havia conseguido realizar o que esperavam seus autores: a inflação estava de volta, de maneira muito similar à dos planos anteriores, e uma recessão já estava em curso, diferentemente dos planos anteriores.

Neste trabalho, dividido em oito seções, iremos analisar: 1. as condições que levaram à hiperinflação no início de 1990; 2. os diferentes programas de estabilização que estavam sendo sugeridos; 3. o plano de estabilização finalmente adotado; 4. sua lógica; 5. a insuficiência do ajuste fiscal; 6. a questão da liquidez; 7. o problema da demanda; e, finalmente, 8. as causas do ressurgimento da inflação com recessão.

I. A HIPERINFLAÇÃO BRASILEIRA

As condições gerais que levaram à hiperinflação no Brasil foram similares àquelas encontradas nos países que viveram hiperinflações no passado. O Brasil não foi derrotado numa guerra, nem lhe foi exigido que pagasse reparações de guerra, mas a dívida externa acumulada nos anos 70, o choque externo de 1979 (segundo choque do petróleo e choque dos juros) e a suspensão de financiamentos externos desde 1982 tiveram, juntos, consequências semelhantes. O país, que nos anos 70 recebera poupanças externas correspondentes a aproximadamente 2% do PIB, viu-se forçado a transferir recursos reais da ordem de 4 a 5% aos países credores.1 1 A transferência real de recursos é igual à conta corrente menos os pagamentos por fatores (juros e dividendos), ou então igual ao superávit real de transações: superávit na conta comercial mais o saldo real da conta de serviços. A redução no investimento interno foi basicamente proporcional a essa transferência: a taxa de investimento, que girava em torno de 22% do PIB nos anos 70, caiu para aproximadamente 17% nos anos 80.

Há, de outro lado, as consequências fiscais da dívida externa. A dívida, que em meados dos anos 70 era 50% privada e 50% pública, foi quase inteiramente nacionalizada durante o ajustamento de 1981-1983: no final dos anos 80, 90% da dívida era de responsabilidade do setor público. O programa de estabilização de 1981-1983 continha um grande esforço de redução do déficit orçamentário, mas esse esforço foi frustrado, primeiro, pelas elevadas taxas de juros pagos pelo Estado e, segundo, pelo aumento das dívidas públicas interna e externa (v. Bresser-Pereira, 1990)BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos (1990). “The Perverse Logic of Stagnation: Debt, Deficit and Inflation in Brazil”, Journal of Post-Keynesian Economics, vol. 12, no. 4, Summer, 1990. . Com a interrupção dos empréstimos externos, o financiamento do déficit passou a depender cada vez mais do endividamento interno e da senhoriagem. Como consequência, gerou-se uma crise fiscal: o déficit orçamentário continuou elevado (v. Tabela 1), a dívida pública interna aumentou para aproximadamente 50% do PIB e os prazos de vencimento da dívida interna tornaram-se incrivelmente curtos (a maior parte da dívida interna passou a ser financiada no overnight). Esta última característica é a mais importante na definição da crise fiscal, uma vez que ela mostra que o Estado havia perdido completamente sua credibilidade.

Tabela 1:
Contas do setor público (% PIB)

A crise fiscal imobilizou a política econômica, transformando o governo num instrumento passivo de validação da inflação através de déficits fiscais e de finanças inflacionárias.

O forte programa de ajustamento de 1981-1983, embora incompleto, e a desvalorização real da moeda local em 1983 levaram, num primeiro momento, a uma redução dos salários reais e ao agravamento do conflito distributivo (dada a convicção amplamente difundida de que a distribuição de renda é profundamente desigual no Brasil); e, num segundo momento, a uma espiral de preços e salários. Esta espiral de preços e salários foi engendrada por um acordo informal, porém efetivo entre os sindicatos e as empresas das indústrias modernas e oligopolizadas (Nakano, 1989)NAKANO, Yoshiaki (1989). “Da Inércia Inflacionária à Hiperinflação”. In: Rego, J. M., ed. (1989) São Paulo, Bienal. .

As origens desta espiral de preços e salários remontam aos anos de 1978-1979, quando ocorreram as primeiras grandes greves desde 1964, mas ela só adquire impulso em 1985, depois de completada a transição para a democracia. Ela só não conduziu à hiperinflação mais cedo por duas razões: em primeiro lugar, os planos de estabilização heterodoxos (1986, 1987, 1989) empurraram a inflação temporariamente para baixo e, em segundo lugar, dado o alto grau de indexação formal e informal, a inflação no Brasil tem um forte componente inercial (Bresser-Pereira e Nakano, 1987)BRESSER-PEREIRA, L. e NAKANO, Y. (1987). The Theory of Inertial Inflation. Boulder, Lynne Reiner Publisher. .

A inflação inercial tende a ter uma rigidez para baixo, dado que a inflação futura é fortemente vinculada à inflação passada. Entretanto, também tende a impedir a aceleração da inflação na medida em que evita ou posterga a dolarização da economia. Na hiperinflação alemã de 1923, por exemplo, a dolarização da economia levou ao surgimento de uma espiral de taxa de câmbio e preços. Os agentes econômicos recebiam seus pagamentos em moeda local e imediatamente tentavam comprar dólares para proteger seus ativos. Como consequência, a demanda real por dólares aumentou e passaram a ocorrer contínuas desvalorizações reais da moeda local, levando à hiperinflação (Merkin, 1982)MERKIN, Gerald (1982). “Towards a Theory of the German Inflation”. In: Gerald Feldman et. al. (1982). . No Brasil, diferentemente, os agentes econômicos podiam proteger seus ativos financeiros comprando títulos indexados, mormente letras do Tesouro financiadas diariamente no overnight. Essas letras (as LFTs - Letras Financeiras do Tesouro) representavam uma quase-moeda remunerada que pagava juros e, portanto, significavam uma alternativa mais interessante à compra de dólares.

De fato, comprar dólares era arriscado, primeiro porque a taxa do câmbio paralelo tende a ser artificialmente elevada e, segundo, porque ela sofreria uma acentuada flutuação. Em alguns momentos, ataques especulativos contra o cruzado faziam o ágio da taxa de câmbio do mercado paralelo sobre a do oficial crescer muito. A inflação, contudo, não a acompanhava imediatamente, dado o baixo coeficiente de importação da economia brasilera (menos de 5% do PIB) e o duplo mercado de câmbio. A taxa de câmbio oficial estava sob rígido controle do governo, protegendo o saldo comercial das flutuações erráticas da taxa do câmbio paralelo. Ela era indexada, seguindo uma política de minidesvalorizações diárias. A taxa do câmbio paralelo era determinada pelo mercado. Após cada golpe especulativo, o ágio cairia novamente, determinando pesadas perdas para os últimos compradores.

A indexação da economia postergou a hiperinflação, mas não conseguiu evitá-la. A inflação tendia a uma aceleração permanente, mas esta se dava na forma de níveis ou platôs e era interrompida por congelamentos de preços, começando em 1986 com o Plano Cruzado. Com o colapso do Plano Cruzado e particularmente com o do Plano Verão (janeiro de 1989), contudo, a inflação se acelerou muito rapidamente, já que esses planos contribuíram para desorganizar a economia (v. Tabela 2).2 2 Excluímos o Plano Bresser com relação a essas consequências por se tratar de um plano de emergência adotado para controlar a profunda crise decorrente do fracasso do Plano Cruzado. Não pretendia acabar com a inflação, mas apenas freá-la momentaneamente. Não estavam incluídos, ao contrário dos outros planos, uma reforma monetária, a desindexação da economia e o congelamento da taxa de câmbio. Lançado em junho de 1987, previa que em dezembro a inflação alcançaria os 10%; de fato, a inflação chegou a 14% naquele mês (Bresser-Pereira, 1988b). A confiança no sistema de indexação, que já era muito baixa, despencou com o Plano Verão, porque a indexação convencional é baseada na inflação passada, e a inflação passada já não era um bom substituto para a inflação corrente. Com a falência da indexação, o sistema de preços perdeu sua principal âncora. A inflação começou a acelerar-se como uma espiral (v. Tabela 3).

Tabela 2:
Taxa anual de inflação
Tabela 3:
Taxa mensal de inflação

À medida que o mercado financeiro perdia confiança nas letras do Tesouro, o governo aumentava suas taxas de juros. O resultado foi o crescimento do déficit orçamentário e, de maneira perversa, uma perda adicional de crédito das letras do Tesouro. Por outro lado, os planos sucessivos modificaram o comportamento inflacionário dos agentes econômicos, introduzindo novos fatores desestabilizantes na economia. Os agentes econômicos passaram a antecipar-se a possíveis ações governamentais - como congelamentos e cancelamentos de dívida interna - aumentando preços e promovendo a fuga de capital.

Com a aceleração mensal da inflação, as expectativas de que a inflação continuaria a acelerar-se assumiam um caráter de autorrealização. A economia estava a caminho da hiperinflação, a qual se materializou no início de 1990.

O Plano Verão pretendia ser fortemente ortodoxo em sua política monetária. Assim, provocou o aumento das taxas de juros a níveis extremamente elevados. Alcançaram a marca dos 16% ao mês em termos reais durante os dois primeiros meses. Em seguida, como os agentes econômicos percebessem a desagradável aritmética envolvida (os juros altos seriam pagos primariamente pelo próprio Estado, aumentando dramaticamente o componente de juros do déficit), a taxa de juros foi reduzida, porém manteve-se ainda muito elevada.

A essa altura, a crise fiscal do Estado finalmente tornou-se evidente para todos. O governo tinha cada vez mais dificuldade para financiar seu déficit, cujo componente de juros era agora esmagador (v. Tabela 4). A suspensão dos pagamentos de juros relativos à dívida externa em agosto de 1989 ajudou muito pouco, uma vez que a expectativa dos agentes econômicos já era clara: a hiperinflação e algum tipo de confisco da dívida interna eram considerados altamente prováveis.

Tabela 4:
Pagamentos de juros do setor público (% PIB)

Durante todo o ano, os agentes econômicos viveram com essas duas expectativas, tentando antecipar as ações governamentais mais prováveis. Buscam proteger seus ativos financeiros vendendo suas letras do Tesouro (“fugindo do overnight”); encontram, porém, poucas alternativas, já que os preços de outros ativos, incluindo o dólar no mercado paralelo, tinham subido muito. O ágio da taxa de câmbio do mercado paralelo sobre a do oficial, que costumava ser de aproximadamente 25%, ultrapassou os 150% várias vezes durante o ano.3 3 Na realidade, essa diferença sofre intensa variação durante o ano à medida que os sucessivos ataques especulativos contra o cruzado novo aumentam-na. O governo respondeu a esses ataques com sua única e autodestruidora arma: o aumento da taxa de juros.

A oferta de moeda, geralmente endógena, neste caso era inteiramente passiva, crescendo automaticamente com o crescimento da demanda nominal por moeda. Quando a inflação é alta e crônica (inercial), a oferta de moeda é endógena, validando os aumentos de preços, porque a alternativa de tentar mantê-la fixa enquanto os preços disparam significa provocar uma séria crise de liquidez. Por outro lado, espera-se do governo que financie seu déficit no overnight. A especulação com letras do Tesouro era muito grande. Os intermediários financeiros frequentemente compravam essas letras sem terem um comprador final para elas. Em tal situação, o procedimento normal seria o de financiar-se no mercado de dinheiro. Porém, como usualmente não possuíam crédito para isso, o Banco Central recomprava as letras do Tesouro. Esta recompra, que se estabeleceu como prática no início dos anos 80, tornou-se em 1986 uma regra. Paradoxalmente, esta era uma política correta, uma vez que reduzia a especulação e diminuía o fardo de juros carregado pelo Estado. Como consequência, entretanto, a oferta de moeda passou a ser inteiramente passiva. Sempre que os agentes econômicos fugissem das letras do Tesouro, deixando os intermediários financeiros sem reservas, o Banco Central recompraria essas letras automaticamente, sem ônus para o intermediário.

A hiperinflação seria necessariamente o resultado de todos esses eventos: a taxa de inflação oficial (IPC - Índice de Preços ao Consumidor) foi de 53% em dezembro, 56% em janeiro, 73% em fevereiro e 84% em março. Na realidade, esses números referem-se ao mês anterior, dada a sistemática adotada de cálculo do índice de preços. O novo plano de estabilização foi decidido, portanto, depois que a inflação alcançou os 84% em fevereiro.4 4 O IPC para um dado mês, m, é calculado tomando-se os preços médios entre o 16º. dia de m-1 e o 15º. de m, e comparando-os com os preços médios coletados entre os dias 16 de m-2 e 15 de m-1. Assim, o IPC para o mês m é, na verdade, uma aproximação dos aumentos de preços verificados no mês anterior, m-1.

II. AS ALTERNATIVAS

Após o fracasso do Plano Verão, a capacidade de elaboração de políticas do governo Sarney esgotou-se. O governo ficou imobilizado. Todos concordaram em que não se poderia esperar mais nada do governo antigo. E as expectativas se dirigiram àquilo que o novo governo - a ser eleito em dezembro - faria ao tomar posse em 15 de março de 1990.

Durante 1989, o debate econômico foi intenso. Formou-se um consenso em torno da gravidade da crise, seu caráter fiscal e a necessidade de um profundo ajuste fiscal.5 5 Este consenso só foi quebrado por alguns economistas populistas que, ou insistem em que um déficit orçamentário é aceitável quando não há pleno emprego (na realidade, o Brasil estava próximo do pleno emprego em 1989), ou diziam que reduzir o estoque da dívida pública seria mais efetivo na estabilização da economia que cortar o déficit orçamentário, déficit este essencialmente financeiro ou estrutural. Como a taxa de câmbio esteve sobrevalorizada em torno de 40% durante e após o Plano Verão, estabeleceu-se igualmente um consenso sobre a necessidade de uma desvalorização do cruzado. Nenhum acordo, contudo, foi alcançado quanto a duas questões: se seriam ou não necessários um novo congelamento de preços e uma moratória da dívida interna.

O debate sobre uma política de rendas dividiu os economistas em três grupos: a) economistas monetaristas puros, que acreditavam não ser indicada qualquer política de rendas; b) monetaristas que, ao perceberem o alto custo social ou econômico de políticas ortodoxas numa situação de inflação crônica, incorporavam algumas das ideias neo-estruturalistas sobre inflação inercial (Blejer e Liviatan, 1987, Kiguel e Liviatan, 1988); e c) economistas neo-estruturalistas (e pós-keynesianos) que acreditavam que, além de uma política fiscal e monetária, dever-se-ia combinar uma profunda reforma econômica com um programa de estabilização que necessariamente teria como primeiro passo um novo congelamento.

A visão monetarista pura não era considerada nem defendida seriamente no Brasil. Embora preferindo não dizê-lo abertamente, a maioria dos economistas monetaristas sabe que, quando a inflação tem um forte componente inercial, os custos econômicos e sociais de um choque monetário e fiscal não combinado com algum tipo de política de rendas são muito elevados. Preferem pensar na liberalização após o choque.

A ideia de uma desindexação gradual da economia, com metas de taxas de inflação decrescentes, possuía um maior número de adeptos. A experiência mostra que, quando a inflação é crônica e atinge níveis elevados, os programas gradualistas são ineficazes e só a terapia de choque pode funcionar (Yeager, 1981YEAGER, Leland B. and associates (1981). Experiences with Stopping inflation. Washington, American Enterprise Institute for Public Policy Research. ; Dornbusch e Fischer, 1986DORNBUSCH, R. e FISCHER, S. (1986). “Stopping Hyperinflation: Past and Present”, Weltwirtschaftliches Archiv, vol. 22, jan. 1986. ; e os economistas que desenvolveram no Brasil a teoria da inflação inercial6 6 Para citar apenas as primeiras apresentações completas da teoria da inflação inercial no Brasil: Bresser-Pereira e Nakano, 1983; Arida e Rezende, 1984; Lopes, 1984. ). O caráter impopular do recurso ao congelamento entre as elites brasileiras, contudo, dado o fracasso de experiências anteriores, estava por trás da atitude de rejeição de um novo congelamento. Por outro lado, é verdade que a inflação inercial pode, teoricamente, ser combatida de maneira administrativa e gradual. O que foi esquecido por esses economistas é que o gradualismo só é possível quando a inflação inercial está em seus estágios iniciais; é muito difícil, e implica um enorme custo social, quando a inflação inercial ultrapassou o limite de um dígito ao mês; é impossível quando a inflação beira a hiperinflação.

A impraticabilidade do gradualismo quando a inflação é muito elevada diz respeito ao problema do free rider. Suponhamos duas situações: numa a inflação é de 4% ao mês, em outra ela é de 80%. Em ambos os casos a decisão é reduzir a inflação gradualmente, em quatro meses, dividindo a inflação pela metade a cada mês e definindo diretrizes para essa redução. No primeiro caso, a vantagem que o free rider leva por não seguir as diretrizes é de apenas 2%; no segundo caso, 40; o risco é o mesmo. Se, ao invés de diretrizes, o governo decide impor o caminho gradual, ele terá as mesmas dificuldades suscitadas pela adoção de repetidos congelamentos. Na realidade, essas dificuldades serão ainda maiores porque é mais fácil controlar um congelamento total do que um “parcial”. No primeiro caso, a norma é muito simples: os preços devem permanecer os mesmos. No segundo, a regra poderá também ser clara, porém muito difícil de ser controlada por funcionários do governo e pelos agentes econômicos: os preços devem ser corrigidos de acordo com uma taxa decrescente e preestabelecida.

O debate sobre a necessidade de uma moratória da dívida interna girava em torno de duas questões: o tamanho da dívida e seu prazo de vencimento. Os que propunham a moratória diziam ou que a dívida era a principal causa do déficit orçamentário, dada a quantidade de juros a serem pagos, ou então que havia uma grande probabilidade de que os agentes econômicos, vítimas da ilusão monetária, gastassem seus ativos financeiros (investidos em letras do Tesouro e contas de poupança) tão logo deixassem de contabilizar enormes incrementos nominais a cada mês em seus ativos financeiros indexados. Neste caso, uma menor taxa nominal de juros levaria os agentes econômicos a consumir ou a investir retirando os recursos de sua riqueza financeira e provocando um grande crescimento da demanda agregada logo após o congelamento de preços. O Plano Cruzado era apresentado como uma demonstração empírica dessa hipótese.

O primeiro argumento acerca do tamanho da dívida pública é muito frágil. A dívida interna, embora crescendo, não era, afinal, tão elevada. O total de letras do Tesouro representava 6% do PIB em 1979 e perto de 13% em 1989. Para chegar a 50% do PIB (a dívida pública total), seria preciso adicionar por volta de 12% do PIB relativos à dívida interna das empresas estatais e dos estados e municípios, e 25% do PIB relativos ao total da dívida pública externa.

O fardo representado pelos juros da dívida interna era de fato pesado. Estava em torno de 3% do PIB antes de 1989.7 7 A taxa de juros reais incidindo sobre as letras do Tesouro foi alta entre 1981 e 1984, e em 1988 e 1989, quando prevaleceram as políticas monetaristas. Foi baixa ou negativa em 1985-1986 por razões populistas. No final de 1986, com a criação de um novo sistema de letras do Tesouro, cujas taxas de juros eram definidas diariamente (as LBCs, Letras do Banco Central, e LFTs, Letras Financeiras do Tesouro, que substituíram as OTNs, Obrigações do Tesouro Nacional), foi possível limitar a especulação e reduzir a taxa de juros no overnight. Em 1987, o governo pôde pagar taxas de juros baixas ao mesmo tempo que mantinha uma taxa de juros positiva no mercado financeiro. Em compensação, a oferta de moeda tornava-se mais endógena. Nesse ano, com o Plano Verão e a perda do controle da economia conduzindo à hiperinflação, as taxas de juros reais pagas pelo governo explodiram. A taxa de juros sobre a dívida interna saltou para 9,5% do PIB (v. Tabela 4).8 8 Os números da Tabela 4 superestimam os juros sobre a dívida interna e o déficit público. Foram calculados pelo Banco Central usando como deflator o IPC do mês t. Como a aceleração da inflação foi muito forte em 1989, essa metodologia não é aceitável. Uma vez que o IPC mede a inflação com uma defasagem de aproximadamente um mês, um deflator alternativo (o IPC de t + 1) pode ser usado. De acordo com esta metodologia, mais correta, os juros sobre a dívida interna caem para 4,3% do PIB em 1989; para os outros anos, serão provavelmente negativos. O déficit público em 1989 cai para 7,2% do PIB.

O verdadeiro problema com a dívida do governo era o prazo de vencimento muito curto das letras do Tesouro. Eram quase que inteiramente financiadas no overnight, mostrando que o Estado havia perdido credibilidade - além da perda de credibilidade do governo. Este fato foi apresentado como um segundo argumento em favor de uma moratória interna. De fato, os agentes econômicos poderiam decidir transformar em consumo ou investimento os seus ativos financeiros líquidos no momento em que cessasse sua valorização nominal. Mas isto era apenas uma possibilidade, não uma necessidade. Após o congelamento de 1987, não houve uma fuga do mercado de dinheiro em direção aos ativos reais. Os custos e riscos de tal fuga são muito altos. Se ela ocorre, como aconteceu em 1989 por medo da hiperinflação e de uma moratória interna, o custo e o risco de comprar ativos reais sobrevalorizados (dólar, ouro, imóveis) são muito altos. Na realidade, nessas circunstâncias, o grau de liberdade dos agentes econômicos em relação a seus portfolios é pequeno.

Tendo isto em mente, um grupo de economistas - entre os quais nos incluímos - recusou a ideia de uma moratória interna como primeiro passo. Não apenas porque a medida era muito arriscada (uma política sem retorno), mas especialmente porque poderia ameaçar a credibilidade do Estado e a confiança nas instituições financeiras. Se, após a decisão de um ajuste fiscal e de um novo congelamento, os agentes econômicos começassem a desfazer-se de seus ativos financeiros, causando um aumento indesejável e descontrolado da demanda agregada, mesmo com a adoção de uma política monetária rígida, embora convencional (taxa de juros alta), seria possível acrescentar a moratória interna ao programa de estabilização.

III. A LÓGICA DA REFORMA MONETÁRIA

O plano de estabilização - o Plano Collor -, adotado pelo novo governo em seu primeiro dia de mandato (16 de março de 1990), incluía quatro grupos de medidas de curto prazo: a) uma reforma monetária, que incluía o bloqueio de 70% dos ativos financeiros do setor privado; b) um ajuste fiscal; c) uma política de rendas baseada num novo congelamento de preços; e d) a introdução de uma taxa de câmbio flutuante. Como políticas de médio prazo: liberalização do comércio exterior e privatização.

Os quatro grupos de medidas de curto prazo eram importantes, mas a verdadeira ênfase do programa de estabilização foi colocada sobre a moratória interna, que representava uma tentativa de controlar a inflação através de um aperto monetário radical.

A reforma monetária possuía alguma semelhança com as reformas realizadas após a Segunda Guerra Mundial no Japão, Bélgica, Alemanha Ocidental e outros países europeus. Incluía, porém, características específicas. Ao invés de estabelecer um fator de conversão maior que um entre a moeda antiga (o cruzado novo) e a nova moeda (o cruzeiro),9 9 Na reforma monetária alemã de junho de 1948, por exemplo, o fator de conversão entre o marco do Reich e o marco alemão era de 10 para 1. Assim, 90% dos marcos antigos foram confiscados, ao passo que no Brasil os cruzados novos (a moeda antiga) foram apenas bloqueados. por volta de 70% do M4 foram bloqueados em cruzados novos (que só poderiam ser utilizados para o pagamento de dívidas passadas), enquanto 30% foram imediatamente convertidos em cruzeiros.10 10 O M4 era de NCz$ 4,2 trilhões (US$ 100 bilhões, considerando a taxa de câmbio oficial de 16 de março de 42,3 cruzeiros por dólar). Por volta de US$ 33 bilhões foram convertidos em cruzeiros, ficando inicialmente US$ 77 bilhões bloqueados como cruzados novos. Enquanto na Alemanha os marcos do Reich deixaram de funcionar como moeda, os cruzados novos, além de serem usados para o pagamento de dívidas anteriores a 16 de março, serão supostamente devolvidos após dezoito meses em doze prestações, com correção monetária integral e uma taxa anual de juros de 6%.

Essa conversão de 30% em cruzeiros foi o resultado ponderado da conversão de 20% de todos os ativos financeiros (mercado de dinheiro, depósitos a prazo e até os saldos de conta corrente), excetuando-se as contas de poupança, onde a conversão foi limitada a 50 000 cruzeiros. Foram aplicadas as mesmas regras para indivíduos e empresas, enquanto na Alemanha, por exemplo, as empresas receberam, além dos marcos alemães correspondentes ao fator de conversão, sessenta marcos alemães por empregado (a mesma quantidade mínima que cada indivíduo receberia).

Por que se decidiu por uma moratória interna tão radical? Já vimos que se o problema era a possibilidade de os agentes econômicos se desfazerem de seus ativos financeiros, a moratória poderia ser decidida num segundo momento, desde que aquela possibilidade se materializasse. Estamos convencidos, entretanto, de que as razões fundamentais que levaram as novas autoridades econômicas a decidir pela moratória eram diferentes. Confrontaram-se com a impraticabilidade de um ajustamento fiscal drástico num período de tempo muito curto. Acharam, além disso, que o aperto monetário acabaria com a inflação.

Esta é a verdadeira lógica da moratória interna. O ajuste fiscal de médio prazo necessário para proporcionar um pequeno superávit fiscal seria de aproximadamente 7% do PIB ao ano. Esse valor pode ser explicado de duas maneiras: em termos fiscais e em termos das contas nacionais. Em termos fiscais ou em termos das necessidades de empréstimos do setor público, o déficit público operacional do Brasil em 1987 e 1988 foi em média 5%. Em 1989, houve um aumento para 12,4%.11 11 Não há números oficiais acerca do déficit operacional em 1989, mas as estimativas giram em torno de 7%. Parte desse aumento pode ser explicada pela extraordinária aceleração da inflação e a ativa política de juros adotada pelo governo anterior. Esse número, entretanto, superestima o déficit permanente do Brasil em função dos juros excepcionalmente elevados pagos pelo Estado nesse ano. Em termos das contas nacionais, podemos chegar a um valor semelhante, considerando que a poupança do setor público é negativa em cerca de 3%, enquanto deveria ser positiva em 4% do PIB para financiar programas essenciais de investimento do governo. De acordo com esse segundo raciocínio, fica claro que estamos assumindo que o ajuste fiscal não pode impor uma redução ainda maior nos investimentos públicos. O ajuste fiscal terá que ser feito através do aumento dos impostos e do corte de dispêndios correntes.

O objetivo deve ser um pequeno superávit orçamentário, dado que o governo, durante a transição para a estabilidade, estaria proibido de recorrer a qualquer tipo de financiamento interno ou externo adicional. Após a estabilização, o superávit orçamentário daria ao governo um certo grau de liberdade para estimular a demanda agregada e retomar o crescimento com estabilidade.

Hoje está bem claro que, dadas as limitações políticas e constitucionais enfrentadas, o novo governo não tinha o poder de impor tal ajuste fiscal no tempo necessário. A Constituição estabelece o princípio da anuidade para impostos sobre a renda. Em termos políticos, não há, no Brasil, apoio suficiente, quer no Congresso, quer na elite empresarial, para a realização de aumentos substanciais de impostos.

IV. A INSUFICIÊNCIA DO AJUSTE FISCAL

É difícil determinar o tamanho do ajuste fiscal incorporado ao plano. O governo falou num ajuste de 10%, mas isso é obviamente uma declaração exagerada. Por outro lado, é essencial que se faça a distinção entre um ajustamento permanente e um ajustamento de uma vez por todas. Apresentamos na Tabela 5 uma estimativa do ajuste fiscal apresentado pelo Ministério da Economia (Gazeta Mercantil, 18/ 4/90).

Tabela 5:
Ajuste fiscal estimado pelo plano (% PIB)

Deve ser destacado que quase dois terços dos ganhos (6% do PIB) não se referem a um ajuste fiscal permanente, mas, sim, a um ajuste feito de uma vez por todas (particularmente o IOF - Imposto sobre Operações Financeiras - e a venda de ativos do setor público). Este ganho estimado de 6% ainda não está assegurado. Com relação ao ajustamento permanente, a reforma fiscal im­plementada pelo Plano Collor aumentará a receita do governo federal em apenas 1,3% do PIB em 1991. Apesar de pequena, a redução dos gastos também não está ainda assegurada.

Este ajuste fiscal é claramente insuficiente. O novo Ministério da Economia já reconheceu o fato ao anunciar que está estudando um novo pacote fiscal a ser enviado ao Congresso. De qualquer modo, está claro que a moratória interna assumiu o papel de um substituto provisório do ajuste fiscal.

Ao decidir pela moratória interna, o governo ganhou tempo para aprofundar seu ajuste fiscal no futuro.

Entretanto, é importante frisar que uma medida de estoque como essa não é um verdadeiro substituto a um ajustamento do fluxo fiscal. Também não pode ser confundida com uma política monetária que controle efetivamente o fluxo da oferta de moeda. A redução radical do estoque de moeda pode ter algumas consequências de fluxo (fiscal e monetário) em termos de uma redução nos juros. Isso, porém, não aconteceu. A dívida interna foi bloqueada e ligeiramente reduzida, mas não cancelada.

Houve alguma redução no estoque da dívida. Um feriado bancário de três dias, durante os quais não se computou a correção monetária sobre as letras do Tesouro, representou uma redução de quase 8%. O imposto sobre capital (IOF) representou uma redução de aproximadamente 9% do estoque da dívida do governo. Uma certa redução também foi conseguida pelo não pagamento da correção integral dos ativos financeiros em março de 1990 (o BTN foi limitado a um aumento de 41 %). 12 12 Para os detentores de ativos financeiros que fizeram seus investimentos no final de fevereiro, isso não significou uma perda, já que a taxa de inflação “ponta a ponta”, de 28 de janeiro a 31 de março, foi de aproximadamente 40%. Para os investidores que compraram seus ativos financeiros antes, contudo, pode ter havido uma perda (isto é, o governo conseguiu uma redução de dívida) uma vez que houve uma certa subestimação da inflação que seria compensada pela taxa oficial de inflação de 84% em março.

Esta limitada redução da dívida mais a redução forçada da taxa de juros sobre a dívida pública bloqueada causou uma certa redução dos juros para o setor público. Entretanto, é evidente que a moratória interna não substitui o ajuste fiscal.

Complementar e aprofundar o ajustamento fiscal é agora uma tarefa essencial a ser empreendida pelas autoridades econômicas, já que o sucesso do plano depende de que não se recorra a finanças inflacionárias. O déficit público não foi a causa direta de o Brasil ter chegado à hiperinflação. Dada a inflação crônica ou inercial, o déficit público frequentemente significava uma maneira conveniente de validar o aumento da oferta de moeda necessário para acomodar a demanda por moeda decorrente das transações entre os agentes econômicos (Bresser-Pereira e Nakano, 1987: 73-79)BRESSER-PEREIRA, L. e NAKANO, Y. (1987). The Theory of Inertial Inflation. Boulder, Lynne Reiner Publisher. . Mas, uma vez chegada a hora da estabilização, não há alternativa senão eliminar o déficit público.

V. A QUESTÃO DA LIQUIDEZ

Um programa de estabilização geralmente envolve um certo grau de recessão da economia, mesmo se a inflação passada não pode ser diretamente atribuída a um excesso de demanda. O ajustamento fiscal e o controle monetário têm um caráter recessivo, o controle dos salários indica algum nível de desaquecimento da atividade econômica, e a necessidade de se manter fixa uma âncora nominal (geralmente a taxa de câmbio) requer uma sobre desvalorização prévia que é contracionista. Se um congelamento faz parte do plano de estabilização, uma demanda agregada fraca irá facilitar a subsequente liberação dos preços.

No programa de estabilização de Collor, uma recessão moderada foi encarada como um objetivo ou mesmo como uma consequência necessária. A ideia geral, correta, era de que é impossível estabilizar uma economia tão profundamente desequilibrada sem algum sacrifício. O instrumento utilizado para impor este sacrifício, contudo, foi, ao invés do ajuste fiscal, a redução da oferta de moeda. E esta redução foi tão radical, atingindo as empresas tão duramente, que acabou desorganizando a produção e está levando a economia a uma recessão muito mais profunda do que a esperada ou desejada, sem, contudo, lograr o controle da inflação.

Nos primeiros sessenta dias depois do plano, a atenção do público e dos economistas estava principalmente dirigida à “questão da liquidez”. Primeiro, foi dito que a redução abrupta da liquidez seria tanto a causa da estabilização quanto a razão da recessão. Depois, quando a oferta de moeda começou a crescer, esta foi responsabilizada pelo excesso de demanda e/ou pela volta da inflação. Nosso ponto de vista é de que, em primeiro lugar, a recessão foi mais consequência - do lado da oferta - da desorganização da produção, causada pelo bloqueio de ativos financeiros incluindo o bloqueio de capital de giro, que da redução da liquidez provocando uma diminuição da demanda. Em segundo lugar, o aumento subsequente da oferta de moeda foi uma clara demonstração do caráter endógeno da oferta de moeda. E, em terceiro lugar, a volta da inflação não pode ser atribuída a esse aumento. Nesta seção discutiremos os dois primeiros pontos. O terceiro será discutido na seção VII.

De acordo com a economia neo-estruturalista e pós-keynesiana, a oferta de moeda é endógena.13 13 Veja Rangel, 1963; Kaldor, 1970; Merkin, 1982; Bresser-Pereira e Nakano, 1983; Davidson, 1988. O trabalho de Merkin inclui um estudo sobre a matéria. É basicamente determinada pela demanda por moeda; acomoda o aumento do PIB e valida a taxa de inflação.

A restrição orçamentária do governo, numa economia fechada ou num país altamente endividado, determina a necessidade de que o déficit fiscal seja financiado pela criação líquida de obrigações do governo: aumento da oferta de moeda, dM, e emissão de letras do Tesouro dB.

D = d B + d M

A economia convencional assume que, nessa equação, a variável exógena é ora dM, ora D. Quando D é o fator determinante, o aumento da oferta de moeda é um resíduo, dada a incapacidade do governo de financiar inteiramente o déficit com letras do Tesouro. Se isso não é necessariamente verdadeiro numa situação de inflação moderada, é uma afirmação seguramente inválida quando a inflação é muito alta e crônica, ou inercial. Nesse caso, a oferta de moeda - e, portanto, dM - é determinada pela demanda por moeda, e o aumento do endividamento do governo é o resíduo. No Brasil, antes do plano de estabilização, o Banco Central projetava a taxa de inflação e, passivamente, estabelecia o aumento necessário na oferta nominal que a manteria equilibrada com a demanda por moeda, ou, em outras palavras, que evitaria uma crise de liquidez. Essa prática foi adotada independentemente da orientação dos ministros da área financeira e dos dirigentes do Banco Central.

Na verdade, no caso do Brasil, onde, além da existência de uma inflação crônica, a economia estava inteiramente indexada, a oferta de moeda endógena deveria incluir uma parte das letras do Tesouro negociadas no overnight. O prazo de vencimento das letras do Tesouro era de uma noite. E o governo, para reduzir sua conta de juros e induzir os intermediários financeiros a comprar suas letras, garantia a recompra automática e diária dos papéis que não encontrassem compradores entre o público. Dessa maneira, a taxa de juros era inteiramente determinada pelo Banco Central, e a oferta de moeda, inteiramente endógena.

Como consequência, os depósitos no overnight representavam uma quase-moeda, além de remunerada. A oferta de moeda potencial era próxima a M4, já que todos os ativos financeiros eram extremamente líquidos, porém a oferta real de moeda era formada por MI mais uma parte dos depósitos no overnight.

O conceito convencional de oferta de moeda descreve-a como sendo igual a MI. No equilíbrio, temos

M d = Y p / V = M 1

onde Md é a demanda por moeda, Yp a renda nominal, V a velocidade-renda da moeda e M1 a oferta de moeda.

Numa situação de inflação alta, V aumentaria abruptamente enquanto a oferta de moeda convencional seria muito menor. A velocidade de circulação da moeda, contudo, não aumenta tanto quanto parece, porque a oferta de moeda de fato não pode ser igualada a M1. A oferta de moeda de fato, M’, deve ser considerada como sendo formada por M1 mais uma porção, z, dos depósitos no overnight, B. O coeficiente z, menor que um, é determinado pela taxa de inflação e a correspondente demanda nominal por moeda. Quanto maior a inflação, maior será z. Esta parcela, zB, dos depósitos no overnight é a quantidade de moeda que os agentes econômicos utilizam de fato como dinheiro. É também a variável que, endogenamente, iguala a oferta de moeda de fato à demanda por moeda. Nesse caso, a velocidade-renda real da moeda, V’, é menor do que quando tomamos a definição convencional ou restrita de moeda, M1.

M ' d = Y p / V ' = M 1 + z B = M '

Nesta equação, zB é tão moeda quanto M1; é um meio de troca tanto quanto o é a moeda convencional. Os agentes econômicos utilizam habitualmente parte de seus depósitos no overnight, zB, em suas transações. Para isso, transformam zB em M1 diariamente, aumentando M1; mas, como os recebedores do M1 adicional investem-no imediatamente em letras do Tesouro no overnight, o aumento de M1 é automaticamente neutralizado e desaparece dos registros. Ele desaparece dos registros, mas não do processo econômico.

A Tabela 6 apresenta uma estimativa da oferta de moeda de fato como uma proporção do PIB para o Brasil em três momentos: quinze dias antes do plano de estabilização, quinze dias após e 45 dias após. É forçoso admitir que a estimativa da oferta de moeda de fato é uma estimativa um tanto imprecisa, porém não arbitrária.

Tabela 6:
Oferta de moeda (% PIB)

Antes do plano, fazer esta estimativa era muito difícil porque o estoque de quase-moeda, B, do qual se poderia retirar a oferta de moeda de fato, era muito grande. Estimamos que a oferta de moeda de fato era de aproximadamente 14% do PIB. Os parâmetros de que dispomos para chegar a esta estimativa são: M1 era de aproximadamente 17% do PIB no início dos anos 70, quando a inflação era moderada, mas não desprezível (20% ao ano), e foi reduzido a 2% do PIB no início de 1990 (v. Tabela 7).14 14 Estamos considerando um PIB de US$ 365 bilhões. Segundo nosso conceito de demanda por moeda de fato, a desmonetização causada pela aceleração da inflação é neutralizada pelo aumento de zB, que é considerado parte da oferta de moeda de fato. Admitimos, porém, que a inflação e inovações financeiras permitiram uma certa redução da demanda por moeda de 17% do início dos anos 70 para 14% do PIB nos anos 80. Desses 14%, 2% representavam MI e 12%, zB. Como B era de 16% do PIB, estamos admitindo um z de 0,75.

TABELA 7:
Ativos financeiros (% PIB)

Com a moratória da dívida interna, a oferta de moeda foi drasticamente reduzida. M4, que pode ser entendido como a oferta de moeda potencial, foi reduzido de 29 para 9% do PIB, os depósitos no overnight, de 13 para 3% do PIB e nossa estimativa é de que a oferta de moeda de fato caiu de 14 para 5% do PIB. Nesse primeiro momento (31 de março) estamos admitindo que z é igual a um, isto é, que o total dos depósitos no overnight fazem parte da oferta de moeda de fato.15 15 O plano de estabilização não modificou as regras do mercado financeiro com relação aos depósitos no overnight. Continuou a ser possível transferir toda tarde (até as 13 horas) parte dos depósitos em dinheiro para depósitos overnight e tê-los automaticamente disponíveis em dinheiro na manhã seguinte. Assim, o aumento de MI e a redução nos depósitos overnight foram menores do que se o governo tivesse estabelecido um prazo de vencimento mínimo de uma semana para as letras do Tesouro. Tivesse o governo feito algo nesse sentido, a confusão sobre o que é moeda e o que não é teria sido reduzida, embora não eliminada.

Tal redução não fazia parte dos objetivos dos autores do plano. Eles confundiram a quantidade de cruzeiros existentes na economia (9% do PIB) com a oferta de moeda. Disseram (em várias entrevistas nos jornais) que no segundo semestre de 1986, após vários meses de estabilidade de preços proporcionada pelo Plano Cruzado, MI era de 9%. Assim, 9% de “oferta de moeda” seriam suficientes. Na realidade, a oferta de moeda, mesmo incluindo os depósitos no overnight, era de apenas 5%. Por outro lado, a demanda por moeda era de pelo menos 14%. No período do Plano Cruzado, foi possível conviver com um MI menor porque havia uma grande quantia em depósitos no overnight à disposição dos agentes econômicos.

O efeito dessa redução da oferta de moeda sobre as empresas foi dramático. Ela desorganizou a produção. O capital de giro das empresas foi bloqueado, provocando a paralisação imediata das atividades. O bloqueio foi realizado sem um critério econômico. As disparidades de situação entre empresas eram, portanto, muito grandes. A perspectiva era de que os bancos fariam os cruzeiros circularem, mas, em função das altas taxas de juros, esse papel foi apenas parcialmente desempenhado por eles.

De acordo com um estudo conduzido pela FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), as vendas das firmas industriais em São Paulo foram reduzidas em aproximadamente 70% na segunda metade de março. Este fato foi causado não apenas pela falta de dinheiro (global e setorialmente) e pela desorganização da economia, mas também por razões psicológicas. O impacto sobre as expectativas foi muito negativo. O desemprego imediatamente começou a crescer. Muitas empresas decidiram decretar férias coletivas para seus empregados enquanto aguardavam uma melhor definição da situação. Os trabalhadores começaram a aceitar reduções de salários combinadas com reduções da jornada de trabalho.

No mês seguinte, a quantidade de cruzeiros foi aumentada por vários meios, alcançando 14% do PIB em meados de maio (em meados de junho, 16%). Parte deste aumento estava sob controle do governo e parte não estava. O governo imaginou ser capaz de controlar o aumento de liquidez, mas o mercado, aproveitando-se da existência de duas moedas, foi capaz de aumentar a quantidade de cruzeiros pela correspondente redução do estoque de cruzados.

Nesse momento, os bancos começaram a informar que estavam encontrando dificuldades em fazer empréstimos em função de uma demanda reduzida por empréstimos. Vários analistas e as autoridades econômicas concluíram que “o problema da liquidez” estava resolvido. Mais que isso, que agora havia um “excesso de liquidez”, o qual provocaria um excesso de demanda e/ou traria de volta a inflação.

Pela análise da Tabela 6, percebe-se facilmente que, em meados de maio, a oferta de moeda potencial (MI mais os depósitos no overnight) continuou a ser relativamente pequena (12% do PIB), e que a oferta de moeda de fato, embora aumentada, ainda estava abaixo do nível anterior ao plano (por volta de 10% do PIB em maio, contra 12% em fevereiro).

Por que, então, era pequena a demanda por empréstimos? Por que a liquidez não estava mais apertada, mas sim relativamente frouxa? O aumento da oferta de moeda explica parte da mudança, mas a verdadeira explicação está na redução da demanda por empréstimos. Dada a perspectiva pessimista acerca das vendas e as altas taxas de juros (por volta de 100% ao ano em termos reais), as firmas não estavam interessadas em tomar empréstimos.16 16 As taxas de juros reais, logo após o plano, estavam muito elevadas. Caíram à medida que as autoridades (ou a política monetária) baixaram a taxa nominal de juros. No início de maio, estavam ainda muito altas. Em junho, à medida que se acelerava a inflação e o Banco Central não reconhecia o fato, tornaram-se cada vez menores e finalmente negativas. Preferiram diminuir a produção. De fato, tudo indicava que uma recessão já se instalara na economia. A demanda por empréstimos e a demanda por moeda foram reduzidas de acordo com as expectativas pessimistas dos agentes econômicos.

VI. O PROBLEMA DA DEMANDA

A origem da recessão nesse caso não está na demanda, mas, sim, na oferta. Sua causa básica não foi uma redução da demanda agregada, mas a desorganização da produção. As vendas no varejo constituíam o único indicador que inicialmente não apontava no sentido da recessão. Elas aumentaram imediatamente após o congelamento, como ocorreu depois dos outros três congelamentos. Há algumas razões gerais porque isso acontece. Primeiro, embora já tenhamos dito que este fato frequentemente recebe uma importância exagerada, não deixa de ser verdade que, com o fim da ilusão monetária, as pessoas tendem a gastar um pouco mais em consumo. Em segundo lugar, seja por otimismo, seja pela desconfiança no sucesso da estabilização, as pessoas tendem a antecipar suas compras. Em terceiro lugar, Helpman (1988)HELPMAN, E. (1988). “Macroeconomic Effects of Price Controls: the Role of Market Structure”, Economic Journal, vol. 98, no. 391, jun. 1988. argumenta que um congelamento de preços numa economia oligopolizada tem um efeito semelhante ao de uma redução dos preços reais; a demanda, portanto, cresceria ao longo da curva de demanda.

No Plano Collor, havia três explicações adicionais para o crescimento do consumo: em primeiro lugar, a perda de credibilidade dos ativos financeiros levou as pessoas a consumir; em segundo lugar, a retomada do crédito ao consumidor, que havia praticamente desaparecido com a hiperinflação, deu impulso às vendas de bens duráveis; em terceiro lugar, o plano determinou um aumento real dos salários de 23% em março.

Este aumento real de 23% ocorreu em março porque o governo decidiu que a inflação de fevereiro, de 73%, deveria corrigir os salários em março, de acordo com a lei de indexação salarial vigente. Por outro lado, a inflação em março, quando calculada com base na metodologia de final de mês contra final do mês anterior (ao invés de média do mês contra média do mês anterior, como fazem geralmente os índices de preços) foi de apenas 41%.17 17 O índice de preços ao consumidor de março, utilizando-se a metodologia tradicional de comparação dos preços médios do mês contra os preços médios do mês anterior, foi de 84%.

O aumento de 23% pode ser interpretado como uma contradição básica do plano de estabilização (Sylvio Bresser Pereira, 1990)BRESSER PEREIRA, Sylvio (1990). “O Erro Básico do Plano Collor”. Folha de S. Paulo, 4 de abril de 1990. . Combater a inflação geralmente significa reduzir a demanda e, se possível, aumentar a oferta. No Plano Collor fez-se o inverso: reduziu-se a oferta através do aperto sobre a oferta de moeda, enquanto os salários foram aumentados. O problema, contudo, é menos sério porque, ao contrário do que ocorreu no Plano Cruzado e à semelhança do Plano Bresser, os salários reais estavam diminuindo antes do plano, devido à aceleração da inflação. O aumento salarial de 23%, portanto, só compensou a redução anterior.18 18 Os salários reais médios decresceram em 22,6% de fevereiro de 1989 a fevereiro de 1990, de acordo com o índice de salários reais da FIESP [indexados pela inflação do mês seguinte (t + 1) porque o índice de preços ao consumidor (IPC/IBGE) tem uma defasagem de um mês]. Em março, a redução do salário real havia caído para 10%. Em junho, dada a pressão dos sindicatos, a principal discussão pública relacionada ao plano passou a ser a “reposição das perdas” sofridas pelos trabalhadores. Não representou uma incompatibilidade distributiva. As empresas não precisaram aumentar os preços compensatoriamente.

O aumento no consumo duraria necessariamente pouco, dado o aumento do desemprego. Em maio, as vendas no varejo, quando comparadas com as do mês correspondente do ano anterior, já eram negativas no Brasil. Dada a redução da produção e dos investimentos, a demanda deprimida estava agora tornando-se um fato generalizado.

VII. A RECESSÃO E A VOLTA DA INFLAÇÃO

Noventa dias após o lançamento do Plano Collor, a recessão continuava a ser o resultado mais provável, ao mesmo tempo que se tornava claro que a inflação estava de volta. Na realidade, o desaquecimento da economia tinha começado antes. O crescimento do PIB já era ligeiramente negativo no último trimestre de 1989 (-0,3%) e claramente negativo no primeiro trimestre de 1990 (-2,4%). Em abril, como resultado da desorganização provocada pelo Plano Collor, o índice de atividade econômica da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) apresentou uma queda de 22,3% em relação a abril de 1989; em fevereiro e março, os números correspondentes davam conta de um aumento de 8,0 e uma queda de 6,8% (v. Tabela 8). De acordo com a pesquisa econômica da Fundação Getúlio Vargas, o nível de utilização da capacidade instalada da indústria brasileira em abril foi o menor desde que esse índice começou a ser calculado em meados dos anos 60 (61%); três meses antes, em janeiro, esse índice foi de 79%. Em maio, à medida que a economia começava a reorganizar-se depois do choque, o nível de produção começou a se recuperar, como indicavam os primeiros números relativos ao consumo de energia elétrica, mas o aumento do desemprego registrado em São Paulo em maio frente ao mês anterior (taxa de demissões de 2,4% contra 2,2% do mês anterior) indicava que a recuperação era limitada. Nesse mês, de acordo com a ABDIB (Associação Brasileira da Indústria de Base), a taxa de capacidade ociosa na indústria pesada de bens de capital alcançou um pico de 48,6% contra uma média, nos anos 80, de 38%. A tendência recessiva parecia ser mais forte do que o impulso de recuperação.

Tabela 8:
Indicadores de atividade econômica em 1990 (variação percentual em relação a anos anteriores)

Quanto à inflação, não há dúvida de que ela está de volta. Os índices normais de preços são inadequados para medir a inflação depois de um congelamento porque incluem um resíduo inflacionário muito grande, na medida em que comparam os preços médios do mês corrente contra os preços médios do mês anterior. Consequentemente, decorre algum tempo até que o índice passe a retratar a parada da inflação. Até maio, os índices de preços que adotam essa metodologia (média contra média) ainda estavam mostrando uma queda (v. Tabela 3). O índice quadrissemanal da FIPE, contudo, já começou a indicar um aumento (v. Tabela 9). Quaisquer dúvidas acerca do ressurgimento da inflação, entretanto, foram eliminadas pelo índice de ponta a ponta da FIPE. Este só foi calculado por dois meses, mostrando claramente um aumento de 3,3% em abril para 6,4% em maio.

Tabela 9:
Taxa de inflação mensal (1990) (final de mês a final de mês)

Por que voltou a inflação? Há três explicações para fato: uma monetarista, uma keynesiana e uma neo-estruturalista ou inercialista. O raciocínio monetarista e o keynesiano baseiam-se no aumento da oferta de moeda nos três meses que se seguiram ao plano. A análise neo-estruturalista é baseada no desequilíbrio dos preços relativos e no correspondente conflito distributivo. O governo adotou um monetarismo ingênuo ao imaginar que uma drástica redução da oferta de moeda eliminaria a inflação. Ao fazer isso, esqueceu-se de que a inflação não é um problema de estoque, mas de fluxo.

Para controlar a inflação é preciso eliminar o déficit orçamentário e controlar a oferta de moeda, não o estoque de moeda. Quando a inflação tem um componente inercial, como no caso do Brasil, é preciso ainda congelar os preços ou, de uma maneira mais geral, promover uma política de rendas que dê sustentação (ela não é um substituto) às políticas monetária e fiscal. Para os autores do Plano Collor, o congelamento foi considerado uma medida acessória. O essencial seria, num primeiro momento, a redução da oferta de moeda e, num segundo, a eliminação do déficit fiscal. A inflação, contudo, estava de volta antes que o déficit pudesse ser controlado.

A verdadeira explicação monetarista para a volta da inflação é simples: os preços voltaram a subir porque, nos dois meses seguintes ao plano, a base monetária aumentou quatro vezes. O aumento de liquidez gerou expectativas de que a inflação voltaria - e a “expectativa racional” é uma profecia que se autorrealiza. Os monetaristas não aceitam que a oferta de moeda tem um caráter essencialmente endógeno, passivo, e esquecem que, depois da hiperinflação, uma estabilização súbita provoca um forte crescimento da base monetária. Para o monetarista neoclássico, a crença de que o aumento da oferta de moeda causa inflação assume um caráter quase religioso. A retórica monetarista - “verdadeira” por estar contida no pensamento econômico vigente - diz que um aumento da oferta de moeda causa inflação; a teoria das expectativas racionais acrescenta que os agentes econômicos formarão suas expectativas de acordo com a teoria “verdadeira” e, também racionalmente, comportar-se-ão segundo essas expectativas, aumentando preços. Assim, a profecia se autorrealiza.

A explicação monetarista está implícita na maioria das análises. Pastore (1990)PASTORE, Afonso Celso (1990). “A Reforma Monetária do Plano Collor”. In: Clóvis de Faro, ed., Plano Collor: Avaliação e Perspectivas. Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos. a adota explicitamente. A volta da inflação não depende de um excesso de demanda. Basta que haja um aumento da base monetária. A ser correta essa explicação, a aceleração da inflação verificada imediatamente após o Plano Collor teria sido o resultado das decisões das empresas de aumentar seus preços à medida que notavam que a base monetária estava crescendo. A indústria têxtil, os prestadores de serviços pessoais, os fazendeiros, a indústria de eletrodomésticos - os primeiros a aumentar preços depois do plano - teriam tomado esta decisão com base na verificação do crescimento da base monetária.

A explicação keynesiana é mais razoável, mas neste caso responde apenas em parte pela aceleração da inflação. De acordo com essa visão, adotada entre outros por Toledo (1990)TOLEDO, Joaquim Elói (1990). “Plano Collor em Zona de Perigo”. Jornal do Economista, no. 25, maio 1990. , a inflação voltou porque o aumento da oferta de moeda teria causado um excesso de demanda. A parada da inflação devido ao choque de liquidez teria sido temporária. Como a liquidez se restabeleceu, a demanda se recuperou e ressurgiu a inflação. Na realidade, já mostramos que a tendência é mais de recessão do que de crescimento. Houve um aumento das vendas no varejo no primeiro mês após o plano; as vendas, no entanto, logo esfriaram. Algumas empresas podem ter lucrado com esse pequeno impulso da demanda aumentando seus preços, mas apenas algumas, já que a demanda global estava diminuindo e não se expandindo.

A explicação neo-estruturalista ou inercialista para a volta da inflação não se baseia nos erros relacionados à oferta de moeda, mas sim na natureza da inflação no Brasil. A inflação no Brasil é inercial, e era muito elevada - na realidade já existia hiperinflação - quando o plano de estabilização foi lançado. A explicação neo-estruturalista enfatiza os desequilíbrios existentes nos preços relativos no dia do congelamento e o correspondente conflito distributivo. No Brasil, os agentes econômicos estão acostumados à inflação. Eles realmente acreditam que aumentar os preços é a melhor maneira de se proteger do conflito distributivo generalizado. Em 16 de março, quando os preços foram congelados, os preços relativos estavam necessariamente desequilibrados, uma vez que os reajustes de preços não eram sincronizados. Havia, portanto, um desequilíbrio intertemporal de preços relativos. Este desequilíbrio, que pode ser medido pela dispersão dos preços relativos, tende a aumentar com a aceleração [da inflação] até o momento em que a economia é completamente dolarizada.

No dia da decretação do congelamento, as empresas que tinham acabado de aumentar seus preços ganharam com o congelamento, uma vez que aumentaram suas margens de lucro, enquanto aquelas que estavam às vésperas de realizá-los perderam. Numa situação de inflação crônica, as firmas que perderam - ou que presume terem perdido - com o congelamento aumentarão seus preços na primeira oportunidade. No Plano Collor, as empresas sentiram-se ainda mais prejudicadas pela retenção dos ativos financeiros. Essa era uma segunda razão para aumentar preços na primeira oportunidade.

Alguns fatores favoreceram a subida dos preços: a) o aumento dos dispêndios com consumo logo após o congelamento; b) o aumento da oferta de moeda que enfraqueceu a recessão; c) a liberalização precipitada dos preços de indústrias claramente oligopolizadas. Essas eram as oportunidades que as empresas estavam esperando. A subida dos preços teria, no entanto, ocorrido de qualquer maneira, dado o caráter inercial da inflação brasileira. O congelamento e o bloqueio dos ativos financeiros induziram a uma trégua de um mês. Em seguida, porém, as empresas começaram a aumentar preços. Ninguém pode perder com a inflação ou com um plano de estabilização. Salários e lucros não podem sequer ser temporariamente reduzidos. Não importa o fato de que é impossível estabilizar a economia sem alguma recessão que reduza lucros e salários. Alguns dias após o congelamento, as empresas, de acordo com a Gazeta Mercantil, o principal jornal brasileiro de negócios, “estavam buscando um indexador para seus preços”. Com medo do desemprego, os trabalhadores suspenderam temporariamente suas reivindicações. Entretanto, dois meses após o plano, já estavam fazendo enormes exigências e conseguindo aumentos salariais de 20 a 30%.19 19 Os trabalhadores, com base na lei salarial anterior, que indexava os salários de acordo com inflação (IPC/IBGE) do mês anterior, reivindicaram um aumento de salário de 84% para abril e 44% para maio (total de 166%), ao passo que a inflação de fato verificada, calculada de acordo com a metodologia de final do mês a final do mês, em vez da metodologia da média mensal, foi de 3,3% em abril e 6,2% em maio. É quase certo que as empresas que concordaram com essas reivindicações salariais repassarão o aumento correspondente dos custos para os preços.

É importante frisar, contudo, que desde 1987 a indexação no Brasil não significa mais aumentar preços de acordo com a inflação passada. Os agentes econômicos estão tão preocupados em não perder com a inflação que eles ou trocam de indexador para conseguir um mais favorável ou então passam a “indexar” seus preços de acordo com sua própria previsão de que a inflação está se acelerando. Em outras palavras, tendem a incluir em suas decisões de preços um prêmio de risco sobre a inflação do último mês. Como todas as empresas comportam-se de maneira semelhante, cada empresa individualmente não precisa se preocupar com a possibilidade de que seus competidores não aumentem também os seus preços. Assim, a inflação inercial será também - paradoxalmente - uma inflação em aceleração.

VIII. OUTRAS QUESTÕES

O fracasso do Plano Collor em controlar a inflação pode estar relacionado a algumas outras questões. A estabilização de uma inflação crônica ou inercial requer uma âncora nominal, além de algum tipo de política de rendas (Kiguel e Liviatan, 1988). As hiperinflações geralmente terminaram no momento em que se estabilizou a taxa de câmbio. No Brasil, em função de ser sua economia relativamente fechada, a taxa de câmbio não é tão importante quanto em outros países. Entretanto, uma taxa de câmbio fixa seria certamente uma referência importante na formação de expectativas. O Plano Collor, contudo, decidiu adotar uma taxa de câmbio flutuante. É verdade que a influência do mercado na determinação desta taxa de câmbio flutuante é muito limitada. A demanda por moeda estrangeira continua sob controle das autoridades: os controles administrativos sobre a importação foram mantidos e os pagamentos de juros, dividendos e todos os outros movimentos de capital continuam sob controle do Banco Central. Assim, as possíveis vantagens de uma taxa de câmbio flutuante não estão presentes, ao passo que sua desvantagem - a falta de uma âncora nominal - é bem evidente. As vantagens não estão presentes porque a economia brasileira não comporta uma taxa flutuante parcialmente controlada pelo Banco Central. Ela pode conviver com uma taxa flutuante quase inteiramente controlada pela intervenção do Banco Central (a opção do Plano Collor), mas esta é sem dúvida uma opção perigosa. O governo abriu mão de uma âncora nominal e a taxa de câmbio ficou sujeita a flutuações inesperadas e indesejáveis. Se, por exemplo, as reservas internacionais crescem devido a uma moratória da dívida externa (a situação atual do Brasil), a taxa de câmbio tenderá, de maneira perversa, a tornar-se sobrevalorizada. Uma alternativa mais segura seria uma taxa de câmbio competitiva, porém administrada que, após um plano de estabilização radical como o Plano Collor, deveria ter sido fixada.

As dificuldades atualmente enfrentadas pelo Plano Collor têm também origem em problemas ainda não encarados diretamente. Três problemas estão nessa categoria: dívida externa, liberalização do comércio e pacto social e político.

As informações preliminares acerca da política de Collor em relação à dívida externa são reconfortantes. A decisão é de primeiro fazer um acordo com o FMI e só depois passar à negociação com os bancos. Nesta negociação, as ideias básicas são subordinar o pagamento de juros ao problema fiscal e ter como parâmetro para a necessária redução da dívida o preço da dívida brasileira no mercado secundário. Na realidade, não há muito o que negociar com os bancos. Uma redução de 50 a 60% da dívida externa permitirá um ganho fiscal de l,5% do PIB. Seguindo uma política de distribuição do fardo, esta é a contribuição mínima que os bancos estrangeiros podem dar ao programa de estabilização brasileiro. O problema é saber se o governo brasileiro vai atuar com firmeza e rapidez nesse sentido, decidindo a redução da dívida quase que unilateralmente e eliminando das contas orçamentárias e do balanço de pagamentos a parte correspondente a essa redução. A alternativa é atrasar os pagamentos, o que tem efeitos muito negativos sobre as expectativas dos agentes econômicos.

O mesmo raciocínio aplica-se à questão da liberalização do comércio. O governo já deixou claro sua intenção de liberalizar as importações. No entanto, as perspectivas atuais indicam uma liberalização gradual. O gradualismo nessa questão não ajudará o programa de estabilização. Não ajudará a controlar os oligopólios organizados em cartéis existentes no Brasil. Ademais, políticas graduais são, nessa questão, raramente bem-sucedidas. Os grupos de interesse terão tempo de reagir e frear o processo. Um estudo conduzido pelo Banco Mundial sobre 37 experiências bem-sucedidas de liberalização comercial mostrou que uma condição para o sucesso é dar início ao processo através de uma ação radical (Papageorgiou, Choksi e Michaely, 1990)PAPAGEORGIOU, D.; CHOKSI, A. e MICHAELY, M. (1990). “Liberalizing Foreign Trade in Developing Countries: the Lessons of Forty Years of Experience”. Washington, World Bank, working paper, May 1990. .

Finalmente, temos o problema político. O Plano Collor foi um plano autoritário, baixando num momento em que se esperava um processo de consultas e acordos. Ninguém foi consultado. Não se realizou qualquer negociação prévia. Até o momento, o governo negociou muito pouco com o Congresso - onde o plano foi aprovado - e com os trabalhadores. É irrealista achar que os trabalhadores aceitarão facilmente o plano simplesmente porque os salários foram parcialmente preservados. A causa básica da aceleração da inflação no Brasil em anos recentes, além do conflito distributivo intertemporal entre as empresas que tem origem no aumento não sincronizado dos preços, tem sido o conflito distributivo entre capital e trabalho. No momento, os trabalhadores estão deixando bem claro que não estão convencidos de que seus salários foram preservados. Como em planos anteriores, alegam que a inflação do mês do congelamento (março, quando a inflação oficial foi de 84%) foi “roubada” pelo governo. A alegação não faz sentido e o raciocínio econômico subjacente é insustentável, mas, uma vez que não se tentou qualquer acordo social ou político, a probabilidade de que ocorram grandes disputas trabalhistas e políticas no futuro próximo é muito grande.

Para concluir: o Plano Collor não foi capaz de controlar a inflação. O governo Collor falhou em sua primeira prova. Mas ela não será a última. A época da inflação crônica está acabando no Brasil. Depois da breve experiência brasileira com hiperinflação, parece claro que o controle da inflação terá prioridade no governo Collor. O Plano Collor I contou demais com a drástica redução da oferta da moeda. Por outro lado, alguns erros relacionados à oferta de moeda e aos salários, um ajustamento fiscal incompleto, uma visão errônea acerca da taxa de câmbio, as dificuldades naturais envolvidas em sair de um congelamento em condições de preços relativos desequilibrados, a demora em enfrentar o problema da dívida externa e em liberalizar o comércio e finalmente a falta de um verdadeiro acordo social e político trabalharam contra o plano. Mais uma vez, o pior inimigo dos planos de estabilização no Brasil - a inflação inercial - não foi vencido.

Em meados de maio, quando se tornou claro que a inflação estava de volta, o governo tomou a decisão de controlá-la pela adoção de uma política monetária rígida. Foi definida uma âncora nominal. MI não poderá crescer mais do que 9% até o final do ano e a indexação dos salários foi barrada. No primeiro mês, quando este trabalho foi concluído, o Banco Central conseguiu controlar a oferta de moeda, mas os salários estavam sendo informalmente indexados e a inflação continuou a subir. As autoridades monetárias estão novamente subestimando o caráter acelerado e inercial da inflação brasileira. A inflação beira agora os 10% ao mês e provavelmente continuará a subir. As políticas ortodoxas de estabilização são custosas e ineficazes quando a inflação é alta e tem um forte componente inercial, como já é o caso da inflação brasileira em junho de 1990.

Um novo plano de estabilização terá que ser iniciado nos próximos meses. A luta contra a inflação será demorada e difícil. Para ser bem-sucedido, o novo plano terá que ser cuidadosamente preparado, terá que ser precedido por um pacto social e irá necessariamente combinar uma política de rendas com políticas convencionais nas áreas fiscal e monetária.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • YEAGER, Leland B. and associates (1981). Experiences with Stopping inflation. Washington, American Enterprise Institute for Public Policy Research.
  • 1
    A transferência real de recursos é igual à conta corrente menos os pagamentos por fatores (juros e dividendos), ou então igual ao superávit real de transações: superávit na conta comercial mais o saldo real da conta de serviços.
  • 2
    Excluímos o Plano Bresser com relação a essas consequências por se tratar de um plano de emergência adotado para controlar a profunda crise decorrente do fracasso do Plano Cruzado. Não pretendia acabar com a inflação, mas apenas freá-la momentaneamente. Não estavam incluídos, ao contrário dos outros planos, uma reforma monetária, a desindexação da economia e o congelamento da taxa de câmbio. Lançado em junho de 1987, previa que em dezembro a inflação alcançaria os 10%; de fato, a inflação chegou a 14% naquele mês (Bresser-Pereira, 1988b)BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos (1988b). “The two Brazilian Price Freezes”. Trabalho apresentado no seminário Run-away lnflation: Austerity at What Cost?: Argentina, Brazil and Israel, School of International and Public Affairs, Columbia University, 25 de março de 1988. Revista de Economia Política, vol. 8, no. 4, out. de 1988. .
  • 3
    Na realidade, essa diferença sofre intensa variação durante o ano à medida que os sucessivos ataques especulativos contra o cruzado novo aumentam-na. O governo respondeu a esses ataques com sua única e autodestruidora arma: o aumento da taxa de juros.
  • 4
    O IPC para um dado mês, m, é calculado tomando-se os preços médios entre o 16º. dia de m-1 e o 15º. de m, e comparando-os com os preços médios coletados entre os dias 16 de m-2 e 15 de m-1. Assim, o IPC para o mês m é, na verdade, uma aproximação dos aumentos de preços verificados no mês anterior, m-1.
  • 5
    Este consenso só foi quebrado por alguns economistas populistas que, ou insistem em que um déficit orçamentário é aceitável quando não há pleno emprego (na realidade, o Brasil estava próximo do pleno emprego em 1989), ou diziam que reduzir o estoque da dívida pública seria mais efetivo na estabilização da economia que cortar o déficit orçamentário, déficit este essencialmente financeiro ou estrutural.
  • 6
    Para citar apenas as primeiras apresentações completas da teoria da inflação inercial no Brasil: Bresser-Pereira e Nakano, 1983BRESSER-PEREIRA, L. e NAKANO, Y. (1983). “Fatores Aceleradores, Mantenedores e Sancionadores da Inflação”. Anais do X Encontro Nacional de Economia da ANPEC. Belém, dez. 1983. Republicado in Bresser-Pereira e Nakano (1987: capítulo 2). ; Arida e Rezende, 1984LARA RESENDE, A. e ARIDA, P. (1984). “Inertial Inflation and Monetary Reform”. In: Williamson, J., ed. (1985). Originalmente apresentado num seminário, Washington, Institute of International Economics, nov. 1984.; Lopes, 1984LOPES, Francisco L. (1984). “Inflação Inercial, Hiperinflação e Desinflação”, Revista da ANPEC, no. 7, dez. 1984. .
  • 7
    A taxa de juros reais incidindo sobre as letras do Tesouro foi alta entre 1981 e 1984, e em 1988 e 1989, quando prevaleceram as políticas monetaristas. Foi baixa ou negativa em 1985-1986 por razões populistas. No final de 1986, com a criação de um novo sistema de letras do Tesouro, cujas taxas de juros eram definidas diariamente (as LBCs, Letras do Banco Central, e LFTs, Letras Financeiras do Tesouro, que substituíram as OTNs, Obrigações do Tesouro Nacional), foi possível limitar a especulação e reduzir a taxa de juros no overnight. Em 1987, o governo pôde pagar taxas de juros baixas ao mesmo tempo que mantinha uma taxa de juros positiva no mercado financeiro. Em compensação, a oferta de moeda tornava-se mais endógena.
  • 8
    Os números da Tabela 4 superestimam os juros sobre a dívida interna e o déficit público. Foram calculados pelo Banco Central usando como deflator o IPC do mês t. Como a aceleração da inflação foi muito forte em 1989, essa metodologia não é aceitável. Uma vez que o IPC mede a inflação com uma defasagem de aproximadamente um mês, um deflator alternativo (o IPC de t + 1) pode ser usado. De acordo com esta metodologia, mais correta, os juros sobre a dívida interna caem para 4,3% do PIB em 1989; para os outros anos, serão provavelmente negativos. O déficit público em 1989 cai para 7,2% do PIB.
  • 9
    Na reforma monetária alemã de junho de 1948, por exemplo, o fator de conversão entre o marco do Reich e o marco alemão era de 10 para 1. Assim, 90% dos marcos antigos foram confiscados, ao passo que no Brasil os cruzados novos (a moeda antiga) foram apenas bloqueados.
  • 10
    O M4 era de NCz$ 4,2 trilhões (US$ 100 bilhões, considerando a taxa de câmbio oficial de 16 de março de 42,3 cruzeiros por dólar). Por volta de US$ 33 bilhões foram convertidos em cruzeiros, ficando inicialmente US$ 77 bilhões bloqueados como cruzados novos.
  • 11
    Não há números oficiais acerca do déficit operacional em 1989, mas as estimativas giram em torno de 7%. Parte desse aumento pode ser explicada pela extraordinária aceleração da inflação e a ativa política de juros adotada pelo governo anterior.
  • 12
    Para os detentores de ativos financeiros que fizeram seus investimentos no final de fevereiro, isso não significou uma perda, já que a taxa de inflação “ponta a ponta”, de 28 de janeiro a 31 de março, foi de aproximadamente 40%. Para os investidores que compraram seus ativos financeiros antes, contudo, pode ter havido uma perda (isto é, o governo conseguiu uma redução de dívida) uma vez que houve uma certa subestimação da inflação que seria compensada pela taxa oficial de inflação de 84% em março.
  • 13
    Veja Rangel, 1963RANGEL, Ignácio (1963). A Inflação Brasileira. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro.; Kaldor, 1970KALDOR, Nicholas (1970). “The New Monetarism”. Lloyds Bank Review, July 1970. ; Merkin, 1982MERKIN, Gerald (1982). “Towards a Theory of the German Inflation”. In: Gerald Feldman et. al. (1982). ; Bresser-Pereira e Nakano, 1983BRESSER-PEREIRA, L. e NAKANO, Y. (1983). “Fatores Aceleradores, Mantenedores e Sancionadores da Inflação”. Anais do X Encontro Nacional de Economia da ANPEC. Belém, dez. 1983. Republicado in Bresser-Pereira e Nakano (1987: capítulo 2). ; Davidson, 1988DAVIDSON, Paul (1984). “Endogenous Money Supply, the Production Process and Inflation Analysis’’. Economie Apliqué, vol. 16, no. 1, 1988. Trabalho apresentado em Ottawa, out. 1984. . O trabalho de Merkin inclui um estudo sobre a matéria.
  • 14
    Estamos considerando um PIB de US$ 365 bilhões.
  • 15
    O plano de estabilização não modificou as regras do mercado financeiro com relação aos depósitos no overnight. Continuou a ser possível transferir toda tarde (até as 13 horas) parte dos depósitos em dinheiro para depósitos overnight e tê-los automaticamente disponíveis em dinheiro na manhã seguinte. Assim, o aumento de MI e a redução nos depósitos overnight foram menores do que se o governo tivesse estabelecido um prazo de vencimento mínimo de uma semana para as letras do Tesouro. Tivesse o governo feito algo nesse sentido, a confusão sobre o que é moeda e o que não é teria sido reduzida, embora não eliminada.
  • 16
    As taxas de juros reais, logo após o plano, estavam muito elevadas. Caíram à medida que as autoridades (ou a política monetária) baixaram a taxa nominal de juros. No início de maio, estavam ainda muito altas. Em junho, à medida que se acelerava a inflação e o Banco Central não reconhecia o fato, tornaram-se cada vez menores e finalmente negativas.
  • 17
    O índice de preços ao consumidor de março, utilizando-se a metodologia tradicional de comparação dos preços médios do mês contra os preços médios do mês anterior, foi de 84%.
  • 18
    Os salários reais médios decresceram em 22,6% de fevereiro de 1989 a fevereiro de 1990, de acordo com o índice de salários reais da FIESP [indexados pela inflação do mês seguinte (t + 1) porque o índice de preços ao consumidor (IPC/IBGE) tem uma defasagem de um mês]. Em março, a redução do salário real havia caído para 10%. Em junho, dada a pressão dos sindicatos, a principal discussão pública relacionada ao plano passou a ser a “reposição das perdas” sofridas pelos trabalhadores.
  • 19
    Os trabalhadores, com base na lei salarial anterior, que indexava os salários de acordo com inflação (IPC/IBGE) do mês anterior, reivindicaram um aumento de salário de 84% para abril e 44% para maio (total de 166%), ao passo que a inflação de fato verificada, calculada de acordo com a metodologia de final do mês a final do mês, em vez da metodologia da média mensal, foi de 3,3% em abril e 6,2% em maio.
  • 20
    JEL Classification: E31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1991
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