Acessibilidade / Reportar erro

Dolarização, âncora cambial e reservas internacionais* * O autor agradece o apoio financeiro do Núcleo de Pesquisas e Publicações da Fundação Getúlio Varga - São Paulo. O trabalho beneficiou-se de comentários e sugestões de Carlos Eduardo Carvalho, Luiz Carlos Bresser-Pereira, Maria Lobo N. Batista, Roberto Messemberg e Valdir Ramalho. Cristina De Luca colaborou na revisão do texto no levantamento bibliográfico. Paulo Barelli e Delmário Ferreira Lima auxiliaram na coleta e elaboração das estatísticas.

Dollarization, exchange-rate anchor and international reserves

RESUMO

Discussões técnicas sobre alternativas de estabilização para o Brasil focaram recentemente na utilização da taxa de câmbio como âncora nominal e medidas que envolvem um grau de dolarização da economia. Este último implicaria sanção oficial pela crescente substituição de moeda estrangeira por moeda nacional, um tipo de decisão que a experiência de vários países latino-americanos mostrou ser extremamente difícil de reverter. Além disso, as estabilizações baseadas na taxa de câmbio muitas vezes desencadearam crises na balança de pagamentos. Este artigo analisa o recente programa de estabilização da Argentina e algumas das lições que ele pode trazer para o Brasil. Argumenta que a abordagem argentina, bem como algumas de suas variações, não pode ser aplicada com sucesso no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE:
Dolarização; inflação; estabilização

ABSTRACT

Technical discussions of stabilization alternatives for Brazil have recently focused on the utilization of the exchange-rate as a nominal anchor and measures that involve a degree of dollarization of the economy. The latter would imply official sanction for the increasing substitution of foreign for national currency, a kind of decision that the experience of several Latin American countries has shown to be extremely difficult to reverse. Moreover, exchange-rate based stabilizations have often unleashed balance of payments crises. This paper reviews Argentina’s recent stabilization program and some of the lessons it may hold for Brazil. It argues that the Argentinian approach, as well as some of its variations, cannot be applied successfully in Brazil.

KEYWORDS:
Dollarization; inflation; stabilization

“O que está sendo discutido sob a denominação de dolarização é a sobrevivência de moedas nacionais em face do desafio competitivo suscitado por outras moedas ‘superiores’ como o dólar.”

Pablo E. Guidotti e Carlos A. Rodriguez1 1 Guidotti & Rodriguez (1991:4)

1. INTRODUÇÃO

As propostas de “dolarização” da economia vêm atraindo bastante atenção no Brasil desde 1991, em parte devido ao sucesso inicial do programa argentino, o chamado plano Cavallo, em parte por causa do fracasso de sucessivas tentativas de estabilizar o cruzeiro, seja com políticas de tipo tradicional, seja com choques anti-inflacionários centrados no congelamento de preços ou ativos financeiros.

A finalidade deste artigo é discutir alguns aspectos dessas propostas e suas dificuldades inerentes, com ênfase na experiência da Argentina em 1991/92. Examinarei também os obstáculos que se antepõem à importação pelo Brasil do modelo argentino de estabilização e de algumas de suas variantes.2 2 Uma discussão mais completa dessas questões pode ser encontrada em Batista Jr. (1992).

2. HISTERESE NO PROCESSO DE DOLARIZAÇÃO

Nas discussões recentes sobre dolarização no Brasil, um aspecto importante tem sido praticamente esquecido: medidas de dolarização - definidas como decisões que estimulam a substituição da moeda nacional e removem restrições à utilização da moeda estrangeira - costumam ser de difícil reversão.

Nos anos 70 e 80, diversos países latino-americanos experimentaram processos graduais de dolarização nos quais o dólar norte-americano foi substituindo as moedas nacionais no desempenho de todas as funções monetárias. Esses processos resultaram em geral da liberalização dos mercados monetários e financeiros em economias sujeitas a inflações mais altas que a internacional. A eliminação de controles cambiais e a autorização para que residentes realizassem operações em moeda estrangeira levaram a uma redução progressiva do papel da moeda nacional, não só como reserva de valor, mas também como unidade de conta e até como meio de troca.3 3 Guidotti & Rodriguez (1991:3-4).

A experiência de países como Bolívia, México, Peru e Uruguai, nas últimas duas décadas, indica que a dolarização pode ser um caminho sem volta. Depois que os agentes econômicos se habituam a operar com moeda estrangeira, não é nada fácil induzi-los a arcar, mais uma vez, com os custos associados à mudança de unidade monetária e convencê-los a abandonar a moeda historicamente mais estável em favor da local, mesmo que se tenha conseguido garantir uma redução apreciável ela taxa de inflação. Em outras palavras, uma queda da inflação doméstica não implica, nessas circunstâncias, que a moeda nacional volte necessariamente a ser utilizada com maior frequência. Ao contrário, nas décadas de 70 e 80 ocorreram na América Latina diversos episódios em que a dolarização persistiu, e até aumentou, durante períodos de queda significativa do diferencial de inflação vis-à-vis do dólar.

Na Bolívia, por exemplo, os depósitos em dólares ou denominados em dólares representavam 84% do total dos depósitos bancários domésticos em fins de 1989, mais de quatro anos depois do início de uma estabilização bem-sucedida.4 4 Morales (1991: 24). A Bolívia constitui, na verdade, um exemplo de dolarização crescente em uma época de diminuição substancial da inflação.5 5 Uma análise recente do processo de dolarização na Bolívia pode ser encontrada em Clements & Schwartz (1992). Quando teve início o programa de estabilização de 1985, o grau de dolarização da economia boliviana era relativamente baixo, em função de um esquema de desdolarização forçada dos depósitos em moeda estrangeira no sistema financeiro local, implementado em 1982. Os depósitos dolarizados voltaram a ser permitidos em 1984. Entre 1985 e 1990, o grau de dolarização, definido como a razão entre os depósitos em moeda estrangeira e a soma do M2 em moeda doméstica com os depósitos em moeda estrangeira, aumentou de forma quase contínua, alcançando cerca de 60% em 1989/90.6 6 Guidotti & Rodriguez (1991:4, 4a, 5, 8). Isso aconteceu apesar de uma redução espetacular da inflação boliviana, que passou de 8.171% ao ano, em 1985, para uma taxa anual de 17% em média, no período 1987/90.7 7 Os dados referem-se à evolução dos preços ao consumidor de dezembro a dezembro. Comissión Económica para América Latina y el Caribe (1992c:69). Em fins de 1990, o grau de dolarização era alto mesmo no nível das contas correntes, com os depósitos em moeda estrangeira respondendo por quase metade do total dos depósitos à vista.8 8 Guidotti & Rodriguez (1991:5).

México e Uruguai passaram por experiências parecidas. Até meados dos anos 70, o grau de dolarização dos depósitos bancários no México era baixo e estável. Com o surto inflacionário iniciado em 1976 e algumas medidas de liberalização na área financeira, a dolarização aumentou consideravelmente. Em 1977/79, o governo mexicano conseguiu produzir expressiva diminuição da taxa de inflação, trazendo o diferencial entre a inflação interna e a externa para o nível observado antes de 1976. Não obstante, o grau de dolarização da economia, definido como acima indicado, não acusou diminuição, flutuando em torno de 15% até 1981, quando voltou a subir junto com a taxa de inflação.9 9 Idem, págs, 4a, 5, 6.

No Uruguai, o processo de dolarização foi estimulado, desde 1974, por um sistema de livre conversibilidade de moedas e por um sistema financeiro que acolhe depósitos em moeda local ou estrangeira a taxas de juro de mercado. Além disso, em 1976 o governo passou a permitir que as transações comerciais e financeiras fossem denominadas e liquidadas em moeda estrangeira, transformando-a em moeda de curso legal. Nesse contexto, e dada a persistência de um significativo diferencial de inflação diante do dólar, a dolarização avançou de modo praticamente contínuo entre 1972 e 1982, a despeito de um declínio acentuado da inflação uruguaia.10 10 Idem, págs. 4a, 5. Baseando-se nos casos do México e do Peru, Dornbusch e Reynoso também ressaltaram a dificuldade de reverter o processo de dolarização: “Se a mudança para ativos seguros é um processo gradual, associado a um processo de aprendizagem, dois aspectos merecem registro. O primeiro é que a dolarização não é uma reação instantânea ao menor erro de política. Ao contrário, há uma inércia substancial em manter ativos. Porém também é verdade que, uma vez que o aprendizado tenha ocorrido, torna-se difícil a reversão. Um retorno para taxas de inflação moderadas não é rapidamente recompensado por um retorno completo das aplicações para os ativos em moeda local”. Dornbusch e Reynoso (1989:489) (grifo do original).

A experiência desses países revela também que os poucos episódios de desdolarização têm sido de caráter não-voluntário. Foi o que aconteceu não só na Bolívia, em 1982, como também no México no mesmo ano e no Peru em 1985. Excetuados esses episódios, que envolveram, entre outras medidas, a conversão forçada dos depósitos dolarizados existentes no sistema financeiro local, a tendência geral nessas economias tem sido de progressiva substituição da moeda nacional pelo dólar. O fato de a dolarização só ter sido revertida por esquemas compulsórios reforça a percepção de que constitui, em grande medida, um fenômeno irreversível.11 11 Guidotti & Rodriguez (1991:6, 8). Observe-se de passagem que economias como a argentina, a boliviana e a peruana começaram a se dolarizar antes das hiperinflações da década de 80. Em outros casos, como os do México e Uruguai, a dolarização avançou consideravelmente sem que a instabilidade monetária chegasse a níveis hiperinflacionários. Nos anos 70 e 80, a taxa máxima de inflação, em termos anuais, foi de 100% no Uruguai (em 1973) e 132% no México (em 1987). International Monetary Fund (1991: 532-3, 756-7). (Os dados referem-se à variação da média anual dos índices de preços ao consumidor.) A trajetória de diversas economias latino-americanas nesse período mostra, portanto, que a hiperinflação não é condição necessária para que aconteça a substituição da moeda nacional pela estrangeira em grande escala, bastando para tal que processos de liberalização do sistema financeiro local sejam implementados em economias caracterizadas por taxas de inflação substancialmente superiores à internacional.

3. PLANO CAVALLO E DEFASAGEM CAMBIAL

No caso da Argentina, dificuldades específicas, decorrentes de uma valorização particularmente acentuada da taxa de câmbio real, se acrescentam aos problemas inerentes à dolarização. Ao contrário do que às vezes se afirma, a “defasagem” cambial não resulta apenas de uma inflação pós-plano Cavallo superior à do dólar, mas sobretudo da forte valorização real do austral no ano anterior à adoção da lei de conversibilidade.12 12 Entre janeiro e dezembro de 1990, a taxa de câmbio austral/dólar sofreu apreciação real de mais de 40%. V. Comissión Económica para América Latina y el Caribe, Panorama Económico de América Latina 1991 (1991: 23). Análises do programa argentino podem ser encontradas em Lopes (1991: 146-54), Ferrer (1991: 141-52), Nakano (1991: 154-7) e Canavese (1992: passim).

No início de 1992, já não havia mais dúvida de que a “defasagem” cambial constituía a principal ameaça ao plano Cavallo. Em consequência da valorização cambial de 1990, de uma inflação residual ainda superior à internacional e da própria rigidez do programa Cavallo, a economia argentina parece particularmente vulnerável aos ciclos econômicos típicos das estabilizações com âncora cambial.13 13 Muitas das características e dificuldades do plano Cavallo são típicas de processos de estabilização com âncora cambial. Contudo, não se deve perder de vista que esse plano incluiu, desde o início, bem mais que o simples recurso à estabilização da taxa de câmbio nominal, pois previu também a plena conversibilidade e o compromisso de subordinar a base monetária em moeda nacional às reservas internacionais do Banco Central. Representou, além disso, a consolidação de um sistema bimonetário, que permite a circulação da moeda estrangeira na economia e a realização de contratos denominados e liquidáveis em dólar. Recorde-se, ademais, que essas medidas não se apoiaram apenas em decisão do Banco Central ou do Ministério de Economia, pois constituem determinações estabelecidas em lei aprovada pelo Congresso. O programa argentino pode ser visto, portanto, como uma variante extraordinariamente rígida de estabilização com âncora cambial. E é esta rigidez incomum que tanto o aproxima das regras de funcionamento do antigo padrão-ouro ou câmbio-ouro, com o dólar ocupando o lugar da “relíquia bárbara”. V. Batista Jr. (1992: 16- 32). A lei de conversibilidade foi publicada na Revista de Economia Política (1991: 157-9). Como lembra trabalho recente de dois macroeconomistas do Banco Mundial, esses ciclos costumam começar com uma fase de expansão, induzida pela queda da taxa de juro interna e pela recuperação dos fluxos de crédito, para terminar em período de recessão, associada muitas vezes a crises de balanço de pagamentos.14 14 Kiguel & Liviatan (1992: 279-305).

A queda da taxa de juro real, resultante da expectativa de apreciação real do câmbio e da redução dos prêmios de risco, tem no início um impacto sobre a absorção doméstica que tende a superar o efeito recessivo da valorização cambial, especialmente em economias com baixo grau de abertura comercial, como é o caso da Argentina e do Brasil.15 15 Recorde-se, contudo, que, no caso de uma economia bimonetária como a argentina, a recomposição inicial dos níveis de produção e utilização da capacidade instalada não pode ser atribuída apenas à recuperação do crédito e à baixa das taxas de juro para operações em moeda nacional. Em 1991/92, graças à conversibilidade com câmbio fixo e à supressão de obstáculos jurídicos à dolarização dos contratos, ocorreu uma forte expansão dos créditos e dos depósitos em moeda estrangeira Junto ao sistema financeiro local. Os depósitos em moeda estrangeira passaram de US$ 3,4 bilhões, em março de 1991, para US$ 8,8 bilhões, em junho de 1992, aumentando nesse período de 45 para 51% como proporção do M3 em moeda argentina. Ministério de Relaciones Exteriores y Culto (1991: 4-5; set 1992: 4-5). Sobre a forte expansão do segmento dolarizado do sistema financeiro após o programa de conversibilidade ver Fundación Cedeal (1992: 12-4, 25-6). A expansão da demanda interna costuma ser estimulada também pela recuperação do salário real, associada à queda da taxa de inflação.16 16 No caso da Argentina, esse mecanismo teve influência limitada, pois o incremento no poder de compra dos salários não foi de grande magnitude. Comissión Económica para América Latina y e! Caribe (1992a: 8, 59, 60-1). O resultado, num primeiro momento, é o crescimento mais rápido da economia, o que tende a produzir, juntamente com a valorização cambial, deterioração da balança comercial e do balanço de pagamentos em transações correntes. Dependendo da disponibilidade de crédito externo, o déficit em transações correntes pode ser financiado, nessa primeira fase, com a absorção de recursos do exterior, estimulada em parte por um diferencial de juros superior à expectativa de variação cambial, como aconteceu na Argentina em 1991/92.17 17 A expectativa de apreciação da taxa de câmbio real do austral/peso e a redução do risco cambial coincidiram com uma diminuição acentuada das taxas de juro para operações em dólares no mercado internacional. Em 1991 e durante a maior parte do ano de 1992, a conjugação desses dois fatores deu ao Banco Central argentino condições de reconciliar o estímulo à entrada de recursos externos com a prática de taxas de juros para operações em moeda nacional bastante inferiores às que se observaram em 1990. Estatísticas sobre a evolução das taxas de juros nominais e reais em 1991/92 podem ser encontradas em Comissión Económica para América Latina y e! Caribe, “Indicadores Macroeconómicos de la Argentina” (1992b:Cuadro 33) e Fundación Cedeal (1992:30).

Com o passar do tempo, contudo, os efeitos da apreciação real do câmbio vão se tornando mais significativos, contribuindo para reduzir o nível de atividade e alimentar incertezas quanto à sustentabilidade da taxa de câmbio fixada.18 18 Kiguel & Liviatan (1992:282, 296-8). Ao mesmo tempo, crescem as despesas com o serviço da dívida externa, em função do endividamento acumulado na fase inicial, e também a dificuldade de atrair novos capitais do exterior, seja devido ao esgotamento dos ajustes de carteira parcialmente responsáveis pelos ingressos anteriores de capital, seja devido ao estreitamento progressivo das margens extraordinárias de ganho propiciadas pelo reduzido valor inicial dos ativos domésticos públicos e privados. Com a tendência de ampliação do déficit em transações correntes e os primeiros sintomas de queda no saldo da conta de capitais, aumentam também as dúvidas quanto à possibilidade de continuar defendendo a taxa de câmbio, o que contribui para realimentar a própria queda do influxo de capitais. Nessas circunstâncias, o Banco Central acaba sendo levado a subir a taxa de juros, reforçando o movimento de retração da economia provocado pela apreciação cambial. Por ter começado com uma taxa de câmbio defasada, o programa argentino enfrentou dificuldades desse tipo num prazo relativamente curto, já no segundo semestre de 1992.

4. APLICAÇÃO DO PROGRAMA ARGENTINO AO BRASIL?

O problema da defasagem cambial não se apresentaria da mesma forma no caso brasileiro, uma vez que não houve aqui a forte valorização real do câmbio ocorrida na Argentina no ano anterior ao lançamento do plano Cavallo. Mas há dificuldades de outra natureza. O grau de dolarização do sistema de preços no Brasil é inferior ao que se observou na Argentina nos últimos anos.19 19 Pereira & Ferrer (1991:5-15). Em consequência, a inflação posterior a uma eventual fixação do câmbio nominal poderia vir a ser maior que a inflação do plano Cavallo. A taxa de câmbio real começaria em uma posição mais favorável do que foi o caso na Argentina, mas tenderia, em compensação, a sofrer uma apreciação mais significativa após a estabilização do câmbio nominal.

Além disso, como a participação dos produtos manufaturados na pauta de exportações do Brasil é mais alta que na da Argentina20 20 Entre 1986 e 1991, as manufaturas de origem industrial responderam por 27% das exportações totais da Argentina, cm média. Ministério de Relaciones Exteriores y Culto (ago 1992: 6). No mesmo período, os produtos manufaturados responderam por 55% das exportações totais do Brasil. cm média. V. Coordenação Técnica de Intercâmbio Comercial (dez 1991: 6). Cabe notar, porém, que a diferença é menor do que sugere a simples comparação entre as estatísticas habitualmente divulgadas pelos governos argentino e brasileiro, uma vez que a definição brasileira de “produto manufaturado” abrange diversas mercadorias não classificadas como “manufatura de origem industrial” pelo governo argentino. Ajustando-se a estatística brasileira com base em uma comparação entre os dados desagregados para as exportações da Argentina e do Brasil em 1991, a participação dos produtos manufaturados cairia no mínimo para 42% do total das exportações brasileiras, ficando ainda assim bem acima da participação de 25% observada na Argentina no mesmo ano. Informações detalhadas sobre a composição por produtos das pautas de exportações brasileiras e argentinas podem ser encontradas no mesmo trabalho (págs. 10-3) e cm Melconian & Santangelo (1992: 22). , pode-se presumir que os fluxos de exportação responderiam com mais rapidez a uma valorização real do câmbio. No caso brasileiro, uma dada defasagem cambial poderia, portanto, exercer efeitos mais rápidos e destrutivos sobre o balanço de pagamentos. Esses problemas não são necessariamente incontornáveis, mas teriam de ser considerados com cuidado na preparação de qualquer esquema de estabilização que envolvesse a utilização da taxa de câmbio como âncora nominal, especialmente se houvesse a pretensão de aplicar ao Brasil um programa com a rigidez do plano Cavallo.

Outra dificuldade se situa na dimensão relativa das reservas internacionais do Banco Central brasileiro. Como observou Gustav Cassel, referindo-se às crises monetárias dos anos 20, se a estabilização passa pela decisão de amarrar um novo padrão monetário a um outro que apresente valor estável e comande confiança, a segurança do novo padrão depende, em primeira instância, da possibilidade de convertê-lo imediatamente no padrão estável e, portanto, dos fundos que garantem a conversibilidade.21 21 Cassel (1924: 225).

Ora, como o grau de dolarização das reservas de valor do setor privado é relativamente baixo no Brasil, a relação entre as reservas cambiais do Banco Central e os ativos financeiros líquidos em cruzeiros ainda parece insuficiente para sustentar a conversibilidade contra ataques especulativos, pelo menos quando se toma como referência o parâmetro argentino. Quando teve início o plano Cavallo, as reservas declaradas pelo Banco Central correspondiam a nada menos que 64% dos ativos monetários ou quase-monetários expressos em moeda argentina (Tabela 1). Já as reservas do Banco Central do Brasil, no conceito de caixa, equivaliam em fins de dezembro de 1992 a apenas 34% do M2 e 17% do M4 (Tabela 2).

Tabela 1
Argentina: reservas internacionais, agregados monetários e importações
Tabela 2
Brasil: reservas internacionais, agregados monetários e importações

Observe-se que essa diferença não se deve primordialmente ao fato de as reservas brasileiras serem menores que as argentinas quando mensuradas pelos critérios habituais de aferição do nível relativo de liquidez externa de um país. A relação reservas/importações, por exemplo, correspondia a onze meses em dezembro de 1992, o equivalente a quase 80% da que se observava na Argentina no início do plano Cavallo (Tabelas 1 e 2). A diferença reside fundamentalmente no grau muito mais elevado de desmonetização verificado no caso argentino.

Cabe lembrar ainda que as reservas internacionais do Banco Central brasileiro se constituíram, em parte, com a absorção de recursos externos voláteis ou de curto prazo.22 22 Dados preliminares, referentes ao balanço de pagamentos do primeiro semestre de 1992, indicam ingressos apreciáveis sob a forma de linhas comerciais de curto prazo e aplicações no mercado de capitais. A movimentação de capitais a curto prazo registrou ingresso líquido de US$ 3,8 bilhões no período de janeiro a março de 1992, refletindo em grande medida a maior disponibilidade de linhas de crédito destinadas ao financiamento das exportações. O ingresso bruto de recursos no mercado de capitais alcançou US$ 2,2 bilhões no primeiro semestre, respondendo por 67% do investimento direto total. V. Banco Central do Brasil (1992: 88-90, 93). Além disso, o andamento das negociações com os bancos comerciais estrangeiros leva a crer que o Brasil poderá acabar aceitando imobilizar uma parte significativa de suas reservas para garantir alguns dos bônus previstos no novo acordo.23 23 V. González (1992: 8-9).

Todas essas considerações sugerem não ser recomendável a mera aplicação do esquema argentino ao caso brasileiro. Ainda que a experiência recente da Argentina e de outros países possa ser de grande valia para a discussão das alternativas de que dispõe o Brasil, a estabilização da moeda nacional depende, antes de mais nada, da possibilidade de formular e implementar soluções que respeitem as peculiaridades da situação brasileira.

5. VARIANTES DO PROGRAMA ARGENTINO

A impossibilidade de basear a estabilização do cruzeiro na importação pura e simples do esquema argentino vem levando à apresentação de variantes desse esquema, supostamente mais compatíveis com as particularidades da situação brasileira.

Uma delas propõe que a conversibilidade e a fixação do câmbio nominal sejam antecedidas de uma mega desvalorização cambial, que cumpriria dois propósitos: (i) o de aumentar o nível real da taxa de câmbio, abrindo espaço para uma apreciação real após a fixação do câmbio nominal; e (ii) o de reduzir o valor em dólares dos ativos financeiros líquidos e dos passivos monetários ou quase-monetários do governo federal e do Banco Central, reforçando a capacidade de intervenção deste último no mercado cambial. Para colocar a relação reservas/M, no nível observado na Argentina, no começo do plano Cavallo, por exemplo, seria necessário desvalorizar o cruzeiro em nada menos de 280%! Admitindo-se que o agregado monetário relevante para essa comparação deva excluir os depósitos de poupança, os depósitos a prazo e as letras hipotecárias e de câmbio, a desvalorização requerida para alcançar o patamar observado no início do plano Cavallo ainda seria substancial, da ordem de 90%.24 24 Para cálculo da desvalorização requerida do cruzeiro. tomou-se como referência a relação reservas/M3 registrada na Argentina logo antes da promulgação da lei de conversibilidade (v. Tabela 1). A desvalorização requerida corresponde à divisão da relação desejada entre reservas e agregado monetário pela relação observada à taxa de câmbio vigente. Os números mencionados no texto foram calculados com base nos estoques de reservas. M, e M4, em fins de dezembro de 1992 (v. Tabela 2).

Tal sugestão, batizada pejorativamente de “plano Hiroxima” por Mário Henrique Simonsen25 25 (1992: 13). , resolve certos problemas, mas cria inúmeros outros. Em primeiro lugar, porque significaria começar o pretendido processo de estabilização com um surto hiperinflacionário, cujos efeitos distributivos poderiam desorganizar por completo a economia.26 26 Belluzzo & Almeida (1992: 344-6). Entre outras consequências, a desvalorização inicial produziria uma queda acentuada dos salários reais e perdas expressivas de capital para os investidores que trouxeram recursos do exterior em 1991/92. Como garantir que esses investidores e outros detentores de ativos financeiros em cruzeiros não reajam de forma perversa ao choque cambial, correndo para moedas estrangeiras ou mercadorias e forçando assim a alta das taxas de juros internas?27 27 Simonsen (1992: 13). Além disso, a mega desvalorização aumentaria substancialmente a carga representada pelo serviço da dívida externa pública28 28 A dívida externa líquida do setor público (incluindo obrigações do governo federal, Banco Central, estados, municípios e empresas estatais) alcançava, em junho de 1992, segundo dados preliminares, US$ 78,6 bilhões, o equivalente a 17,8% do PIB e 54,2% do total da dívida pública líquida. V. Banco Central do Brasil (1992: 64-5). , o que poderia dificultar ou mesmo inviabilizar o equacionamento dos problemas financeiros do Estado e, portanto, a própria consolidação do processo de estabilização.

Uma outra variante do programa argentino foi proposta por André Lara Resende.29 29 V. Resende (1992a: 25-7). O mesmo texto foi republicado, com alguns acréscimos e sob outro título, na REP (1992b: 113-20). Esta envolveria a introdução de uma moeda paralela emitida por um currency board, que funcionaria nos moldes das instituições emissoras dos antigos regimes coloniais ingleses. A moeda paralela seria conversível, em dólares, a uma taxa de câmbio nominal fixa. Sua conversibilidade seria assegurada pela obrigação imposta ao board de manter uma relação de pelo menos 100% entre seus ativos líquidos em moeda-lastro (ou realizáveis em moeda-lastro) e a moeda de sua emissão. Esta última circularia simultaneamente com o cruzeiro, sem que se fixasse de imediato a taxa de câmbio entre as duas moedas.

A proposta de Lara Resende foi construída de forma a fazer face a algumas das dificuldades que a “dolarização” à la Cavallo poderia criar quando aplicada ao Brasil. O problema da insuficiência de reservas internacionais seria enfrentado com a determinação de que a moeda do board fosse emitida contra a entrega de dólares. Assim, independentemente do volume de reservas do Banco Central, o board poderia acumular reservas internacionais próprias à medida que houvesse demanda pela moeda de sua emissão.

Como não se fixaria de imediato a taxa de câmbio entre a nova moeda e o cruzeiro, diminuiria também o risco de sobrevalorização cambial associado a uma inflação pós-plano superior à internacional. A expectativa seria de que, no período de transição, um número cada vez maior de preços passasse a se remeter à moeda paralela, o que resultaria em diminuição gradual dos reajustes baseados na inflação passada. Quando a referência ao cruzeiro se tornasse insignificante, bastaria então fixar sua taxa de câmbio com a moeda do board.30 30 Resende (1992a: 26).

Note-se que essa variante do esquema de conversibilidade também equivale, em última análise, à adoção de um sistema semelhante ao padrão-ouro. Implicaria, portanto, perda de soberania monetária, pois também traria o inconveniente de subordinar o sistema monetário nacional às flutuações da moeda-lastro. A perda de soberania associada a esse tipo de proposta aparece inclusive no próprio fato de se inspirar nos regimes monetários que existiram na maioria dos regimes coloniais ingleses e hoje circunscritos a países pequenos como Cingapura, Brunei e Hong Kong.31 31 Sobre a origem e funcionamento dos currency boards, v., por exemplo, Walters (1989: 109-14).

Mas a principal crítica ao esquema, como reconhece o próprio Lara Resende, consiste em que a introdução da moeda paralela dolarizada poderia desencadear uma hiperinflação no cruzeiro. Como não se fixaria a taxa de câmbio entre ambos, a criação de uma segunda moeda legal, superior ao cruzeiro, poderia resultar numa explosão de preços na moeda velha.

É interessante registrar que esse tipo de proposta era muito difundido na Europa no início dos anos 20. Acreditava-se então que países com moeda fortemente desvalorizada deveriam lidar com o problema introduzindo uma nova unidade monetária, referida ao ouro, que circularia em paralelo à moeda-papel existente.32 32 Cassel (1932: 79). Esse remédio foi proposto para o caso da Áustria, por exemplo, por Vissering, presidente do Banco dos Países Baixos e um dos mais conhecidos especialistas em assuntos financeiros na época. Sua ideia consistia em introduzir uma nova moeda-ouro sem que a Áustria renunciasse de imediato à antiga. Haveria, nesse caso, duas moedas legais que circulariam lado a lado, com uma taxa de câmbio livre entre elas.33 33 Idem, p. 79.

Um esquema semelhante chegou a ser aceito pelo governo alemão em plena crise hiperinflacionária. Em setembro de 1923, anunciou-se a decisão, revogada pouco depois, de fundar um banco emissor de moeda-ouro, que deveria funcionar de forma autônoma e emitir uma moeda paralela ao marco-papel, lastreada em ouro, divisas e letras comerciais, sem estabelecer uma taxa de câmbio determinada entre as duas.34 34 V. Albers (1928: 22-3) e Helfferich (1924: 1-2). Como o dólar mantinha uma relação fixa com o ouro, essas propostas dos anos 20 são, no essencial, equivalentes à variante de conversibilidade sugerida por Resende.

Apesar de sua grande difusão, esse tipo de proposta nunca alcançou muito sucesso na década de 20, tendo sido rejeitada por alguns dos principais especialistas que se debruçaram sobre o tema naquele período. Keynes, por exemplo, considerava-a uma alternativa à qual só se deveria recorrer em último caso, embora reconhecesse que a introdução de uma moeda paralela, referida ao ouro, apresentaria certas vantagens, por conferir às empresas uma unidade sólida de conta e uma moeda de valor permanente como reserva. Se a moeda paralela cumprisse funções que a estrangeira vinha desempenhando nas economias instáveis, sua introdução permitiria também reduzir a demanda por divisas, aliviando a pressão no mercado cambial.35 35 Keynes (1981: 41-3). Para Keynes, porém, esta seria uma solução incompleta. Enquanto a moeda-papel flutuasse em termos da moeda-ouro, um dos principais problemas ficaria sem solução: a inexistência de uma unidade de conta estável para fins de recolhimento dos impostos, uma vez que os agentes econômicos continuariam a ter seus tributos fixados em moeda-papel ou ainda teriam, em todo caso, seus rendimentos pagos nessa moeda. A coexistência da antiga com a moeda-ouro perpetuaria, portanto, a instabilidade orçamentária, dificultando ou mesmo impedindo a consolidação do processo de estabilização.36 36 ldem, p. 42.

A crítica de Cassel era ainda mais veemente e se centrava no argumento de que uma nova unidade monetária estável viria a debilitar ainda mais a confiança na antiga, provocando sua desvalorização adicional e dificultando a solução efetiva do problema: “a existência simultânea de duas unidades monetárias diferentes, sem uma relação de valor determinada entre ambas, seria em si mesma uma quimera e produziria uma confusão no regime monetário do país”.37 37 Cassel (1932: 79). V. também Cassel (1924: 226). Se um signo monetário gozasse de mais confiança que o outro, observava ele, a consequência seria uma tendência geral a referir os preços à moeda nova e, em seguida, a empregá-la como meio de pagamento. A velha perderia, assim, seus derradeiros pontos de apoio, o que acabaria provocando forte aceleração em seu ritmo de desvalorização.

Até certo ponto, foi possível observar essas consequências na própria Áustria em 1922. Embora a proposta de Vissering não tenha sido implementada, a hiperinflação levou a que o franco suíço fosse utilizado de forma espontânea como unidade de conta e mesmo como meio de troca. A Cassel parecia inegável que essa concorrência contribuíra para apressar o colapso da coroa austríaca.38 38 Idem (1932: 80).

Algo parecido ocorreu também na Alemanha. A utilização crescente de moedas estrangeiras e de uma grande variedade de moedas indexadas, conhecidas como “moedas emergenciais de valor constante” twertbestiindige Notgelder), parece ter contribuído para uma violenta redução da demanda real por marcos, intensificando a hiperinflação em sua fase final, em 1923.39 39 As “moedas de valor constante” foram emitidas cm 1922/23 por governos estaduais e municipais, associações industriais, câmaras de comércio, firmas privadas e pelo próprio governo central. Essas emissões foram originalmente reguladas por uma lei de julho de 1922, mas no período final da hiperinflação houve grande aumento das emissões não autorizadas ou ilegais. V. Schacht (1927: 53-4, 75-7) e também Bresciani-Turroni (1937: 341-5). No auge da hiperinflação, o Reich emitiu pequenas denominações do chamado empréstimo-ouro, um título do Tesouro indexado ao preço do ouro. Hans Luther, o ministro das Finanças durante o período da estabilização, observou que a decisão contribuiu para jogar lenha na fogueira da inflação. “A presença de dois tipos de meio de pagamento”, escreveu, “só fez provocar desvalorização adicional do marco-papel” (1924: 72).

Pode-se mesmo levantar a hipótese de que hiperinflações catastróficas, como a que ocorreu na Alemanha de 1923,40 40 Dentre as hiperinflações dos anos 20, a alemã se destacou pela virulência. No momento mais crítico, em outubro de 1923, a taxa de inflação mensal chegou a 32,4 x 103! Nos demais países atingidos por hiperinflações nesse período (Áustria, Hungria, Polônia e Rússia), a taxa mensal máxima de aumento dos preços situou-se entre 98%, na Hungria, e 275% na Polônia. Cagan (1956: 26). só são possíveis quando o governo legaliza (ou não consegue impedir) a circulação de uma ou mais moedas paralelas à oficial, sem estabelecer uma relação estável entre esta última e a(s) nova(s) moeda(s). Foi o que aconteceu também na Hungria de 1946, quando a introdução de uma moeda indexada, o pengo fiscal, inicialmente como unidade de conta e depois como meio de pagamento41 41 O pengo fiscal surgiu como unidade de conta destinada a proteger o valor real dos impostos contra a corrosão decorrente de taxas de inflação elevadas e crescentes. Posteriormente o governo autorizou a criação de depósitos à vista e até mesmo a emissão de papel-moeda em pengo fiscal, transformando-o cm moeda no sentido pleno do termo. V. Nogaro (1948: 529-30), para quem teria ocorrido uma inversão da lei de Gresham, com a moeda boa (pengo fiscal) expulsando a má (o pengo) e contribuindo assim para acelerar a depreciação da última (539-42). , destruiu a última capacidade de resistência da moeda velha, o pengo, desencadeando a maior inflação de que se tem notícia até hoje.42 42 Bornberger & Makinen (1980: 550-60). Entre agosto de 1945 e julho de 1946, a taxa de inflação em pengos foi de 198.000% ao mês em média. No auge da hiperinflação húngara, em julho de 1946, a taxa média de aumento dos preços alcançou nada menos de 41,9 x 105 no mês! V. Cagan (1956: 26). Este observou que a introdução do pengo fiscal, ao abrir uma nova alternativa para manter saldos em caixa, reduziu ainda mais a demanda real pela moeda velha:”( ... ) the effect of issuing a stable-valued currency along with a depreciating one is to hasten the liquidation of balances composed of the latter”. Idem, p. 53. Bombergere Makinen sustentam que o pengo fiscal constituiu “the dccisive mechanisrn whcreby the 1945-46 Hungarian hyperinflation became the most severe in recorded history” (1980: 551). V. também dos mesmos autores (1983: 801-11).

Assim, as catástrofes monetárias ocorridas em alguns países nos anos 20 e 40 parecem dar razão à análise desenvolvida por Cassel. Haveria algum motivo para supor que o esquema do currency board teria melhor sorte no caso brasileiro? Aparentemente, não. Tudo indica que a introdução de uma moeda paralela conversível e estável em relação ao dólar, ao lado de uma moeda oficial inconversível, cujo valor continuaria decrescendo rapidamente, teria o efeito de acelerar a queda da última, contribuindo provavelmente para dificultar e retardar a estabilização da economia.

6. IMPASSES DA POLÍTICA DE ESTABILIZAÇÃO NO BRASIL

A inflação é hoje o principal problema de curto prazo da economia brasileira. Embora alguns grupos e camadas sociais consigam proteger-se de seus efeitos, ou até se beneficiar dela, o grosso da sociedade sofre com a persistente instabilidade monetária. Aos que preferem destacar as consequências sociais da recessão e do desemprego, caberia lembrar que a retração do nível de atividade é, em grande medida, o resultado da tentativa de evitar a eclosão de uma hiperinflação aberta e que a retomada sustentável do crescimento e do emprego não é concebível sem a prévia recuperação de um padrão monetário confiável. Pode-se argumentar até mesmo que todos os nossos principais problemas se subordinam, de uma forma ou outra, à superação de uma crise inflacionária que é inédita, na experiência brasileira, em termos de intensidade e duração.

Traumatizado pelo fracasso de sucessivos programas de choque, urdidos em gabinetes fechados, o sistema político e o pensamento econômico brasileiros têm se revelado até agora incapazes de apontar caminhos viáveis. Quando se discute o combate à inflação, os economistas brasileiros agrupam-se em duas vertentes principais, que parecem igualmente condenadas ao insucesso. A maioria se refugia na reiteração de fórmulas e princípios tradicionais, insistindo na tese de que o primeiro passo é um ajustamento fiscal de grandes proporções combinado com uma política monetária restritiva. A segunda vertente alimenta a tentação de imitar, mais uma vez, no todo ou em parte, a experiência da Argentina, visualizando alguma forma de dolarização como saída para os impasses da política de estabilização.

A primeira vertente é inviável, ou de difícil implementação na melhor das hipóteses, não apenas pelos motivos costumeiramente alegados (resistência política ao choque fiscal, falta de compreensão do Executivo ou do Congresso etc.), mas especialmente porque desconsidera as peculiaridades de uma situação hiperinflacionária, caracterizada pelo colapso da confiança na moeda e no poder público. Nessas circunstâncias, há uma extraordinária dificuldade de produzir a indispensável reversão das expectativas inflacionárias, o que transforma por completo a natureza do processo de estabilização.43 43 Para uma discussão das limitações de políticas tradicionais no combate a inflações extremas como a brasileira, v. Batista Jr. (1992: 1-15) e também Pereira (1992).

A segunda vertente reconhece essa dificuldade e busca superá-la com o recurso a uma âncora externa à economia nacional. Implica, por isso mesmo, perda de soberania e de autonomia na condução da política econômica. Os processos de dolarização, espontâneos ou induzidos pelo governo, podem ser entendidos como a dimensão monetária de um processo mais amplo de erosão da soberania das nações latino-americanas. Não se deve esquecer que a soberania monetária é um elemento essencial da soberania nacional. Perdê-la significa sujeitar-se à interferência estrangeira e tornar-se ainda mais vulnerável à flutuação de variáveis exógenas, como as taxas de juro externas, as condições de liquidez nos mercados internacionais e a incerta disponibilidade de apoio financeiro do exterior.

O desafio é articular e negociar um programa de estabilização que, sem comprometer a soberania nacional, se mostre efetivamente capaz de lidar com os obstáculos inerentes a uma situação de crise monetária aguda. Enquanto não formos capazes de enfrentar esse desafio, tanto do ponto de vista técnico como do ponto de vista político, continuaremos mergulhados na instabilidade e no retrocesso econômico e social, ou sujeitos à tentação de buscar no exterior, com inevitável perda de autonomia, a base de apoio para enfrentar nossos problemas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • ALBERS, Edgar (1928). Die Entstehungsgeschichte und der Streit um den wirtschaftlichen Charakter der Deutschen Rentcnmarkwährung; Berlim: Industrieverlag Spaeth und Linde.
  • BANCO CENTRAL DO BRASIL. Brasil Programa Econômico, nº 33, jun./1992.
  • BANCO CENTRAL DO BRASIL. “Nota para a Imprensa”, mimeo, jan./1993.
  • BATISTA Jr., Paulo Nogueira (1992), “Crise Monetária, Reforma Fiscal e Dolarização da Economia”, mimeo, Centro de Análise Macroeconômica - Cerna/Fundap, dez./ 1992.
  • BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello e Júlio Sérgio Gomes de Almeida (1992). “A questão da dolarização”. In Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo e Paulo Nogueira Batista Jr., orgs. (1992), A Luta pela Sobrevivência da Moeda Nacional: ensaios em homenagem a Dilson Funaro, São Paulo: Paz e Terra.
  • BOMBERGER, William A. and Gail E. Makinen (1980). “Indexation, inflationary finance and hyperinflation: the 1945-1946 Hungarian experience”, Journal of Political Economy, vol. 88, no. 3, 1980.
  • BOMBERGER, William A. and Gail E. Makinen (1983). “The Hungarian hyperinflation and stabilization of 1945-1946”. Journal of Political Economy , vol. 91, no. 5, 1983.
  • BRESCIANI-TURRONI, Constantino (1937). The Economics of Inflation: A Study of Currency Depreciation in Post-War Germany. Londres: George Allen and Uniwin.
  • CAGAN, Phillip (1956). “The monetary dynamics of hyperinflation”. In Milton Friedman (org.), Studies in the Quantity Theory of Money Chicago: The University of Chicago Press.
  • CANAVESE, Alfredo J. (1992). “Hyperinflation and convertibility based stabilization in Argentina”, mimeo, Buenos Aires: Instituto Torcuato di Tella.
  • CASSEL, Gustav (1924). “Stabilization of the German standard”. The Statist, 16/02/1924.
  • CASSEL, Gustav (1932). El Problema de la Estabilización Barcelona: Editorial Labor.
  • CLEMENTS, Benedict and Gerd Schwartz (1992). “Currency substitution: the recent experience of Bolivia”, mimeo, International Monetary Fund, IMF Working Paper, WP/92/65, agosto, 1992.
  • COMISSIÓN ECONÓMICA PARA AMÉRICA LATINA Y CARIBE (1991). Panorama Económico de América Latina 1991 Santiago de Chile: Naciones Unidas, set., 1991.
  • COMISSIÓN ECONÓMICA PARA AMÉRICA LATINA Y CARIBE (1992a). “Nota sobre la evolución de la economía argentina en 1991“, mimeo, Oficina de la Cepal en Buenos Aires, Documento de Trabajo n. 46, jul., 1992.
  • COMISSIÓN ECONÓMICA PARA AMÉRICA LATINA Y CARIBE (1992b). “Indicadores macroeconomicos de la Argentina”, mimeo. Oficina de la Cepal en Buenos Aires, agosto, 1992.
  • COMISSIÓN ECONÓMICA PARA AMÉRICA LATINA Y CARIBE (1992c). Estudio Económico de América Latina y el Caribe 1991, vol. I, Santiago de Chile: Naciones Unidas , set., 1992.
  • COMISSIÓN ECONÓMICA PARA AMÉRICA LATINA Y CARIBE (1992d). Panorama Económico de América Latina 1992 Santiago de Chile: Naciones Unidas , set., 1992.
  • COORDENAÇÃO TÉCNICA DE INTERCÂMBIO COMERCIAL/Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento, “Balança Comercial Brasileira”, mimeo, vários números.
  • DORNBUSCH, Rudiger e Alejandro Reynoso (1989). “Fatores financeiros no desenvolvimento econômico”. Revista Brasileira de Economia, vol. 43, n. 4, out.-dez./1989.
  • FERRER, Aldo (1991). “As mudanças recentes na política econômica argentina”. In Pedro Motta Veiga, org. (1991). Cone Sul: A Economia Política da Integração. Rio de Janeiro: Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior, 1991.
  • FUNDACIÓN CEDEAL (1992). Situación Latinoamericana, ano 2, n. 10, Madri, agosto, 1992.
  • GONZÁLEZ, Manuel José Forero (1992). “O ‘Plano Brady’ do Brasil: uma avaliação de suas prováveis implicações”, mimeo, Centro de Análise Macroeconômica - Cema/Fundap, versão preliminar, set./1992.
  • GUIDOTTI, Pablo E. e Carlos A. Rodriguez (1991). “Dollarization in Latin America: Gresham’s Law in reverse?”, mimeo, International Monetary Fund, Research Department, IMF Working Paper, WP/91/117, dez. 1991.
  • HELFFERICH, Karl (1924) “Zur Geschichte der neuen Währung” Deutsche Tageszeitung, n. 52, Ausgabe B., nr. 26, 3l/jan./1924.
  • INTERNATIONAL MONETARY FUND, International Financial Statistics, vários números.
  • INTERNATIONAL MONETARY FUND (1991). International Financial Statistics -yearbook
  • KEYNES, John Maynard (1981). “Lecture to the Institute of Bankers”, 22/11/1922, in Donald Moggridge, org. (1981). The Collected Writings of John Maynard Keynes, vol. XIX, Part I, Inglaterra: Macmillan, Cambridge University Press for the Royal Economic Society.
  • KIGUEL, Miguel A. e Nissan Liviatan (1992). “The business cycle associated with exchange rate-based stabilizations”. The World Bank Economic Review, vol. 6, no. 2, maio, 1992.
  • Lei de conversibilidade do austral. Revista de Economia Política, vol. 11, n. 4, out.-dez./1991.
  • LOPES, Francisco L. (1991). “O austral conversível”. Revista de Economia Política , vol. 11, n. 4, out.-dez./1991.
  • LUTHER, Hans (1924). Feste Mark-solide Wirtschaft Berlim: Otto Stollberg & Co., Verlag für Politik und Wirtschaft.
  • MELCONIAN, Carlos e Rodolfo Santangelo (1992). “Overview especial: un manual externo y cambiario”, mimeo, Buenos Aires: M & S Consultores, n. 45, 7 de setiembre de 1992.
  • MINISTÉRIO DE RELACIONES EXTERIORES Y CULTO. “Argentina: principales indicadores económicos”, mimeo, Proyecto Relaciones Internacionales”, Política Económica, vários números.
  • MORALES, Juan Antonio (1991). “The transition from stabilization to sustained growth in Bolivia”. In Michael Bruno, Stanley Fischer, Elhanan Helpman e Nissan Liviatan, orgs. (1991). Lessons of Economic Stabilization and its Aftermath, Cambridge, Massachusetts: THe MIT Press.
  • NAKANO, Yoshiaki (1991). “Plano Cavallo de desdolarização”. Revista de Economia Política , vol. 11, n. 4, out.-dez./1991.
  • NOGARO, Bertrand (1948). “Hungary ‘s recent monetary crisis and its theoretical meaning”. The American Economic Review, vol. XXXVIII, no. 4, set., 1948.
  • PEREIRA, Luiz Carlos Bresser e Aldo Ferrer (1991). “Dolarização crônica: Argentina e Brasil”. Revista de Economia Política , vol. 11, n. 1, jan.-mar./1991.
  • PEREIRA, Luiz Carlos Bresser (1992). “Latin America and Eastern Europe: economic reforms in abnormal times”, mimeo, Departamento de Economia, EAESP/FGV, Texto para Discussão n. 18, ago./1992.
  • RESENDE, André Lara (1992a). “Sem moeda forte, não se tem nada”. Revista Exame, 8/07/92.
  • RESENDE, André Lara (1992b). “O conselho da moeda: um órgão emissor independente”. Revista de Economia Política , vol. 12, n. 4, out.-dez./1992.
  • SCHACHT, Hjalmar (1927). Die Stabilisierung der Mark Stuttgart: Deutsche Verlags-Anstalt.
  • SIMONSEN, Mário Henrique (1992). “A quem serve um Plano Hiroxima”. Revista Exame , 21/09/92.
  • WALTERS, Alan (1989). “Currency Boards”. In John Eatwell, Murray Milgate and Peter Newman, orgs. (1989), The New Palgrave Money Londres: The Macmillan Press.
  • 1
    Guidotti & Rodriguez (1991GUIDOTTI, Pablo E. e Carlos A. Rodriguez (1991). “Dollarization in Latin America: Gresham’s Law in reverse?”, mimeo, International Monetary Fund, Research Department, IMF Working Paper, WP/91/117, dez. 1991.:4)
  • 2
    Uma discussão mais completa dessas questões pode ser encontrada em Batista Jr. (1992BATISTA Jr., Paulo Nogueira (1992), “Crise Monetária, Reforma Fiscal e Dolarização da Economia”, mimeo, Centro de Análise Macroeconômica - Cerna/Fundap, dez./ 1992.).
  • 3
    Guidotti & Rodriguez (1991GUIDOTTI, Pablo E. e Carlos A. Rodriguez (1991). “Dollarization in Latin America: Gresham’s Law in reverse?”, mimeo, International Monetary Fund, Research Department, IMF Working Paper, WP/91/117, dez. 1991.:3-4).
  • 4
    Morales (1991MORALES, Juan Antonio (1991). “The transition from stabilization to sustained growth in Bolivia”. In Michael Bruno, Stanley Fischer, Elhanan Helpman e Nissan Liviatan, orgs. (1991). Lessons of Economic Stabilization and its Aftermath, Cambridge, Massachusetts: THe MIT Press.: 24).
  • 5
    Uma análise recente do processo de dolarização na Bolívia pode ser encontrada em Clements & Schwartz (1992CLEMENTS, Benedict and Gerd Schwartz (1992). “Currency substitution: the recent experience of Bolivia”, mimeo, International Monetary Fund, IMF Working Paper, WP/92/65, agosto, 1992.).
  • 6
    Guidotti & Rodriguez (1991GUIDOTTI, Pablo E. e Carlos A. Rodriguez (1991). “Dollarization in Latin America: Gresham’s Law in reverse?”, mimeo, International Monetary Fund, Research Department, IMF Working Paper, WP/91/117, dez. 1991.:4, 4a, 5, 8).
  • 7
    Os dados referem-se à evolução dos preços ao consumidor de dezembro a dezembro. Comissión Económica para América Latina y el Caribe (1992cCOMISSIÓN ECONÓMICA PARA AMÉRICA LATINA Y CARIBE (1992c). Estudio Económico de América Latina y el Caribe 1991, vol. I, Santiago de Chile: Naciones Unidas , set., 1992.:69).
  • 8
    Guidotti & Rodriguez (1991GUIDOTTI, Pablo E. e Carlos A. Rodriguez (1991). “Dollarization in Latin America: Gresham’s Law in reverse?”, mimeo, International Monetary Fund, Research Department, IMF Working Paper, WP/91/117, dez. 1991.:5).
  • 9
    Idem, págs, 4a, 5, 6.
  • 10
    Idem, págs. 4a, 5. Baseando-se nos casos do México e do Peru, Dornbusch e Reynoso também ressaltaram a dificuldade de reverter o processo de dolarização: “Se a mudança para ativos seguros é um processo gradual, associado a um processo de aprendizagem, dois aspectos merecem registro. O primeiro é que a dolarização não é uma reação instantânea ao menor erro de política. Ao contrário, há uma inércia substancial em manter ativos. Porém também é verdade que, uma vez que o aprendizado tenha ocorrido, torna-se difícil a reversão. Um retorno para taxas de inflação moderadas não é rapidamente recompensado por um retorno completo das aplicações para os ativos em moeda local”. Dornbusch e Reynoso (1989DORNBUSCH, Rudiger e Alejandro Reynoso (1989). “Fatores financeiros no desenvolvimento econômico”. Revista Brasileira de Economia, vol. 43, n. 4, out.-dez./1989.:489) (grifo do original).
  • 11
    Guidotti & Rodriguez (1991GUIDOTTI, Pablo E. e Carlos A. Rodriguez (1991). “Dollarization in Latin America: Gresham’s Law in reverse?”, mimeo, International Monetary Fund, Research Department, IMF Working Paper, WP/91/117, dez. 1991.:6, 8). Observe-se de passagem que economias como a argentina, a boliviana e a peruana começaram a se dolarizar antes das hiperinflações da década de 80. Em outros casos, como os do México e Uruguai, a dolarização avançou consideravelmente sem que a instabilidade monetária chegasse a níveis hiperinflacionários. Nos anos 70 e 80, a taxa máxima de inflação, em termos anuais, foi de 100% no Uruguai (em 1973) e 132% no México (em 1987). International Monetary Fund (1991INTERNATIONAL MONETARY FUND (1991). International Financial Statistics -yearbook.: 532-3, 756-7). (Os dados referem-se à variação da média anual dos índices de preços ao consumidor.) A trajetória de diversas economias latino-americanas nesse período mostra, portanto, que a hiperinflação não é condição necessária para que aconteça a substituição da moeda nacional pela estrangeira em grande escala, bastando para tal que processos de liberalização do sistema financeiro local sejam implementados em economias caracterizadas por taxas de inflação substancialmente superiores à internacional.
  • 12
    Entre janeiro e dezembro de 1990, a taxa de câmbio austral/dólar sofreu apreciação real de mais de 40%. V. Comissión Económica para América Latina y el Caribe, Panorama Económico de América Latina 1991 (1991COMISSIÓN ECONÓMICA PARA AMÉRICA LATINA Y CARIBE (1991). Panorama Económico de América Latina 1991. Santiago de Chile: Naciones Unidas, set., 1991.: 23). Análises do programa argentino podem ser encontradas em Lopes (1991LOPES, Francisco L. (1991). “O austral conversível”. Revista de Economia Política , vol. 11, n. 4, out.-dez./1991.: 146-54), Ferrer (1991FERRER, Aldo (1991). “As mudanças recentes na política econômica argentina”. In Pedro Motta Veiga, org. (1991). Cone Sul: A Economia Política da Integração. Rio de Janeiro: Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior, 1991.: 141-52), Nakano (1991NAKANO, Yoshiaki (1991). “Plano Cavallo de desdolarização”. Revista de Economia Política , vol. 11, n. 4, out.-dez./1991.: 154-7) e Canavese (1992CANAVESE, Alfredo J. (1992). “Hyperinflation and convertibility based stabilization in Argentina”, mimeo, Buenos Aires: Instituto Torcuato di Tella.: passim).
  • 13
    Muitas das características e dificuldades do plano Cavallo são típicas de processos de estabilização com âncora cambial. Contudo, não se deve perder de vista que esse plano incluiu, desde o início, bem mais que o simples recurso à estabilização da taxa de câmbio nominal, pois previu também a plena conversibilidade e o compromisso de subordinar a base monetária em moeda nacional às reservas internacionais do Banco Central. Representou, além disso, a consolidação de um sistema bimonetário, que permite a circulação da moeda estrangeira na economia e a realização de contratos denominados e liquidáveis em dólar. Recorde-se, ademais, que essas medidas não se apoiaram apenas em decisão do Banco Central ou do Ministério de Economia, pois constituem determinações estabelecidas em lei aprovada pelo Congresso. O programa argentino pode ser visto, portanto, como uma variante extraordinariamente rígida de estabilização com âncora cambial. E é esta rigidez incomum que tanto o aproxima das regras de funcionamento do antigo padrão-ouro ou câmbio-ouro, com o dólar ocupando o lugar da “relíquia bárbara”. V. Batista Jr. (1992BATISTA Jr., Paulo Nogueira (1992), “Crise Monetária, Reforma Fiscal e Dolarização da Economia”, mimeo, Centro de Análise Macroeconômica - Cerna/Fundap, dez./ 1992.: 16- 32). A lei de conversibilidade foi publicada na Revista de Economia Política (1991Lei de conversibilidade do austral. Revista de Economia Política, vol. 11, n. 4, out.-dez./1991.: 157-9).
  • 14
    Kiguel & Liviatan (1992KIGUEL, Miguel A. e Nissan Liviatan (1992). “The business cycle associated with exchange rate-based stabilizations”. The World Bank Economic Review, vol. 6, no. 2, maio, 1992.: 279-305).
  • 15
    Recorde-se, contudo, que, no caso de uma economia bimonetária como a argentina, a recomposição inicial dos níveis de produção e utilização da capacidade instalada não pode ser atribuída apenas à recuperação do crédito e à baixa das taxas de juro para operações em moeda nacional. Em 1991/92, graças à conversibilidade com câmbio fixo e à supressão de obstáculos jurídicos à dolarização dos contratos, ocorreu uma forte expansão dos créditos e dos depósitos em moeda estrangeira Junto ao sistema financeiro local. Os depósitos em moeda estrangeira passaram de US$ 3,4 bilhões, em março de 1991, para US$ 8,8 bilhões, em junho de 1992, aumentando nesse período de 45 para 51% como proporção do M3 em moeda argentina. Ministério de Relaciones Exteriores y Culto (1991MINISTÉRIO DE RELACIONES EXTERIORES Y CULTO. “Argentina: principales indicadores económicos”, mimeo, Proyecto Relaciones Internacionales”, Política Económica, vários números.: 4-5; set 1992: 4-5). Sobre a forte expansão do segmento dolarizado do sistema financeiro após o programa de conversibilidade ver Fundación Cedeal (1992FUNDACIÓN CEDEAL (1992). Situación Latinoamericana, ano 2, n. 10, Madri, agosto, 1992.: 12-4, 25-6).
  • 16
    No caso da Argentina, esse mecanismo teve influência limitada, pois o incremento no poder de compra dos salários não foi de grande magnitude. Comissión Económica para América Latina y e! Caribe (1992aCOMISSIÓN ECONÓMICA PARA AMÉRICA LATINA Y CARIBE (1992a). “Nota sobre la evolución de la economía argentina en 1991“, mimeo, Oficina de la Cepal en Buenos Aires, Documento de Trabajo n. 46, jul., 1992.: 8, 59, 60-1).
  • 17
    A expectativa de apreciação da taxa de câmbio real do austral/peso e a redução do risco cambial coincidiram com uma diminuição acentuada das taxas de juro para operações em dólares no mercado internacional. Em 1991 e durante a maior parte do ano de 1992, a conjugação desses dois fatores deu ao Banco Central argentino condições de reconciliar o estímulo à entrada de recursos externos com a prática de taxas de juros para operações em moeda nacional bastante inferiores às que se observaram em 1990. Estatísticas sobre a evolução das taxas de juros nominais e reais em 1991/92 podem ser encontradas em Comissión Económica para América Latina y e! Caribe, “Indicadores Macroeconómicos de la Argentina” (1992bCOMISSIÓN ECONÓMICA PARA AMÉRICA LATINA Y CARIBE (1992b). “Indicadores macroeconomicos de la Argentina”, mimeo. Oficina de la Cepal en Buenos Aires, agosto, 1992.:Cuadro 33) e Fundación Cedeal (1992FUNDACIÓN CEDEAL (1992). Situación Latinoamericana, ano 2, n. 10, Madri, agosto, 1992.:30).
  • 18
    Kiguel & Liviatan (1992KIGUEL, Miguel A. e Nissan Liviatan (1992). “The business cycle associated with exchange rate-based stabilizations”. The World Bank Economic Review, vol. 6, no. 2, maio, 1992.:282, 296-8).
  • 19
    Pereira & Ferrer (1991PEREIRA, Luiz Carlos Bresser e Aldo Ferrer (1991). “Dolarização crônica: Argentina e Brasil”. Revista de Economia Política , vol. 11, n. 1, jan.-mar./1991.:5-15).
  • 20
    Entre 1986 e 1991, as manufaturas de origem industrial responderam por 27% das exportações totais da Argentina, cm média. Ministério de Relaciones Exteriores y Culto (ago 1992MINISTÉRIO DE RELACIONES EXTERIORES Y CULTO. “Argentina: principales indicadores económicos”, mimeo, Proyecto Relaciones Internacionales”, Política Económica, vários números.: 6). No mesmo período, os produtos manufaturados responderam por 55% das exportações totais do Brasil. cm média. V. Coordenação Técnica de Intercâmbio Comercial (dez 1991: 6). Cabe notar, porém, que a diferença é menor do que sugere a simples comparação entre as estatísticas habitualmente divulgadas pelos governos argentino e brasileiro, uma vez que a definição brasileira de “produto manufaturado” abrange diversas mercadorias não classificadas como “manufatura de origem industrial” pelo governo argentino. Ajustando-se a estatística brasileira com base em uma comparação entre os dados desagregados para as exportações da Argentina e do Brasil em 1991, a participação dos produtos manufaturados cairia no mínimo para 42% do total das exportações brasileiras, ficando ainda assim bem acima da participação de 25% observada na Argentina no mesmo ano. Informações detalhadas sobre a composição por produtos das pautas de exportações brasileiras e argentinas podem ser encontradas no mesmo trabalho (págs. 10-3) e cm Melconian & Santangelo (1992MELCONIAN, Carlos e Rodolfo Santangelo (1992). “Overview especial: un manual externo y cambiario”, mimeo, Buenos Aires: M & S Consultores, n. 45, 7 de setiembre de 1992.: 22).
  • 21
    Cassel (1924CASSEL, Gustav (1924). “Stabilization of the German standard”. The Statist, 16/02/1924.: 225).
  • 22
    Dados preliminares, referentes ao balanço de pagamentos do primeiro semestre de 1992, indicam ingressos apreciáveis sob a forma de linhas comerciais de curto prazo e aplicações no mercado de capitais. A movimentação de capitais a curto prazo registrou ingresso líquido de US$ 3,8 bilhões no período de janeiro a março de 1992, refletindo em grande medida a maior disponibilidade de linhas de crédito destinadas ao financiamento das exportações. O ingresso bruto de recursos no mercado de capitais alcançou US$ 2,2 bilhões no primeiro semestre, respondendo por 67% do investimento direto total. V. Banco Central do Brasil (1992BANCO CENTRAL DO BRASIL. Brasil Programa Econômico, nº 33, jun./1992.: 88-90, 93).
  • 23
    V. González (1992GONZÁLEZ, Manuel José Forero (1992). “O ‘Plano Brady’ do Brasil: uma avaliação de suas prováveis implicações”, mimeo, Centro de Análise Macroeconômica - Cema/Fundap, versão preliminar, set./1992.: 8-9).
  • 24
    Para cálculo da desvalorização requerida do cruzeiro. tomou-se como referência a relação reservas/M3 registrada na Argentina logo antes da promulgação da lei de conversibilidade (v. Tabela 1). A desvalorização requerida corresponde à divisão da relação desejada entre reservas e agregado monetário pela relação observada à taxa de câmbio vigente. Os números mencionados no texto foram calculados com base nos estoques de reservas. M, e M4, em fins de dezembro de 1992 (v. Tabela 2).
  • 25
    (1992: 13).
  • 26
    Belluzzo & Almeida (1992BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello e Júlio Sérgio Gomes de Almeida (1992). “A questão da dolarização”. In Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo e Paulo Nogueira Batista Jr., orgs. (1992), A Luta pela Sobrevivência da Moeda Nacional: ensaios em homenagem a Dilson Funaro, São Paulo: Paz e Terra.: 344-6).
  • 27
    Simonsen (1992SIMONSEN, Mário Henrique (1992). “A quem serve um Plano Hiroxima”. Revista Exame , 21/09/92.: 13).
  • 28
    A dívida externa líquida do setor público (incluindo obrigações do governo federal, Banco Central, estados, municípios e empresas estatais) alcançava, em junho de 1992, segundo dados preliminares, US$ 78,6 bilhões, o equivalente a 17,8% do PIB e 54,2% do total da dívida pública líquida. V. Banco Central do Brasil (1992BANCO CENTRAL DO BRASIL. Brasil Programa Econômico, nº 33, jun./1992.: 64-5).
  • 29
    V. Resende (1992aRESENDE, André Lara (1992a). “Sem moeda forte, não se tem nada”. Revista Exame, 8/07/92.: 25-7). O mesmo texto foi republicado, com alguns acréscimos e sob outro título, na REP (1992bRESENDE, André Lara (1992b). “O conselho da moeda: um órgão emissor independente”. Revista de Economia Política , vol. 12, n. 4, out.-dez./1992.: 113-20).
  • 30
    Resende (1992aRESENDE, André Lara (1992a). “Sem moeda forte, não se tem nada”. Revista Exame, 8/07/92.: 26).
  • 31
    Sobre a origem e funcionamento dos currency boards, v., por exemplo, Walters (1989WALTERS, Alan (1989). “Currency Boards”. In John Eatwell, Murray Milgate and Peter Newman, orgs. (1989), The New Palgrave Money. Londres: The Macmillan Press.: 109-14).
  • 32
    Cassel (1932CASSEL, Gustav (1932). El Problema de la Estabilización. Barcelona: Editorial Labor.: 79).
  • 33
    Idem, p. 79.
  • 34
    V. Albers (1928ALBERS, Edgar (1928). Die Entstehungsgeschichte und der Streit um den wirtschaftlichen Charakter der Deutschen Rentcnmarkwährung; Berlim: Industrieverlag Spaeth und Linde.: 22-3) e Helfferich (1924HELFFERICH, Karl (1924) “Zur Geschichte der neuen Währung” Deutsche Tageszeitung, n. 52, Ausgabe B., nr. 26, 3l/jan./1924.: 1-2).
  • 35
    Keynes (1981KEYNES, John Maynard (1981). “Lecture to the Institute of Bankers”, 22/11/1922, in Donald Moggridge, org. (1981). The Collected Writings of John Maynard Keynes, vol. XIX, Part I, Inglaterra: Macmillan, Cambridge University Press for the Royal Economic Society.: 41-3).
  • 36
    ldem, p. 42.
  • 37
    Cassel (1932CASSEL, Gustav (1932). El Problema de la Estabilización. Barcelona: Editorial Labor.: 79). V. também Cassel (1924CASSEL, Gustav (1924). “Stabilization of the German standard”. The Statist, 16/02/1924.: 226).
  • 38
    Idem (1932: 80).
  • 39
    As “moedas de valor constante” foram emitidas cm 1922/23 por governos estaduais e municipais, associações industriais, câmaras de comércio, firmas privadas e pelo próprio governo central. Essas emissões foram originalmente reguladas por uma lei de julho de 1922, mas no período final da hiperinflação houve grande aumento das emissões não autorizadas ou ilegais. V. Schacht (1927SCHACHT, Hjalmar (1927). Die Stabilisierung der Mark. Stuttgart: Deutsche Verlags-Anstalt.: 53-4, 75-7) e também Bresciani-Turroni (1937BRESCIANI-TURRONI, Constantino (1937). The Economics of Inflation: A Study of Currency Depreciation in Post-War Germany. Londres: George Allen and Uniwin.: 341-5). No auge da hiperinflação, o Reich emitiu pequenas denominações do chamado empréstimo-ouro, um título do Tesouro indexado ao preço do ouro. Hans Luther, o ministro das Finanças durante o período da estabilização, observou que a decisão contribuiu para jogar lenha na fogueira da inflação. “A presença de dois tipos de meio de pagamento”, escreveu, “só fez provocar desvalorização adicional do marco-papel” (1924LUTHER, Hans (1924). Feste Mark-solide Wirtschaft. Berlim: Otto Stollberg & Co., Verlag für Politik und Wirtschaft.: 72).
  • 40
    Dentre as hiperinflações dos anos 20, a alemã se destacou pela virulência. No momento mais crítico, em outubro de 1923, a taxa de inflação mensal chegou a 32,4 x 103! Nos demais países atingidos por hiperinflações nesse período (Áustria, Hungria, Polônia e Rússia), a taxa mensal máxima de aumento dos preços situou-se entre 98%, na Hungria, e 275% na Polônia. Cagan (1956CAGAN, Phillip (1956). “The monetary dynamics of hyperinflation”. In Milton Friedman (org.), Studies in the Quantity Theory of Money. Chicago: The University of Chicago Press.: 26).
  • 41
    O pengo fiscal surgiu como unidade de conta destinada a proteger o valor real dos impostos contra a corrosão decorrente de taxas de inflação elevadas e crescentes. Posteriormente o governo autorizou a criação de depósitos à vista e até mesmo a emissão de papel-moeda em pengo fiscal, transformando-o cm moeda no sentido pleno do termo. V. Nogaro (1948NOGARO, Bertrand (1948). “Hungary ‘s recent monetary crisis and its theoretical meaning”. The American Economic Review, vol. XXXVIII, no. 4, set., 1948.: 529-30), para quem teria ocorrido uma inversão da lei de Gresham, com a moeda boa (pengo fiscal) expulsando a má (o pengo) e contribuindo assim para acelerar a depreciação da última (539-42).
  • 42
    Bornberger & Makinen (1980BOMBERGER, William A. and Gail E. Makinen (1980). “Indexation, inflationary finance and hyperinflation: the 1945-1946 Hungarian experience”, Journal of Political Economy, vol. 88, no. 3, 1980.: 550-60). Entre agosto de 1945 e julho de 1946, a taxa de inflação em pengos foi de 198.000% ao mês em média. No auge da hiperinflação húngara, em julho de 1946, a taxa média de aumento dos preços alcançou nada menos de 41,9 x 105 no mês! V. Cagan (1956CAGAN, Phillip (1956). “The monetary dynamics of hyperinflation”. In Milton Friedman (org.), Studies in the Quantity Theory of Money. Chicago: The University of Chicago Press.: 26). Este observou que a introdução do pengo fiscal, ao abrir uma nova alternativa para manter saldos em caixa, reduziu ainda mais a demanda real pela moeda velha:”( ... ) the effect of issuing a stable-valued currency along with a depreciating one is to hasten the liquidation of balances composed of the latter”. Idem, p. 53. Bombergere Makinen sustentam que o pengo fiscal constituiu “the dccisive mechanisrn whcreby the 1945-46 Hungarian hyperinflation became the most severe in recorded history” (1980BOMBERGER, William A. and Gail E. Makinen (1980). “Indexation, inflationary finance and hyperinflation: the 1945-1946 Hungarian experience”, Journal of Political Economy, vol. 88, no. 3, 1980.: 551). V. também dos mesmos autores (1983BOMBERGER, William A. and Gail E. Makinen (1983). “The Hungarian hyperinflation and stabilization of 1945-1946”. Journal of Political Economy , vol. 91, no. 5, 1983.: 801-11).
  • 43
    Para uma discussão das limitações de políticas tradicionais no combate a inflações extremas como a brasileira, v. Batista Jr. (1992BATISTA Jr., Paulo Nogueira (1992), “Crise Monetária, Reforma Fiscal e Dolarização da Economia”, mimeo, Centro de Análise Macroeconômica - Cerna/Fundap, dez./ 1992.: 1-15) e também Pereira (1992PEREIRA, Luiz Carlos Bresser (1992). “Latin America and Eastern Europe: economic reforms in abnormal times”, mimeo, Departamento de Economia, EAESP/FGV, Texto para Discussão n. 18, ago./1992.).
  • 45
    JEL Classification: E31; F31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 1993
Centro de Economia Política Rua Araripina, 106, CEP 05603-030 São Paulo - SP, Tel. (55 11) 3816-6053 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: cecilia.heise@bjpe.org.br