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O fisco e a inflação: uma interpretação do caso brasileiro* * Sem de modo algum implicá-los nos resultados, agradeço os comentários e discussões de Pedro Bodin, Guillermo Calvo, Dionísio Carneiro, Antônio Delfim Netto, Gustavo Franco, Winston Fritsch, Paulo Haddad, Elena Landau, Roberto Macedo, João Paulo de Almeida Magalhães, Afonso Celso Pastore, Maria da Conceição Tavares e Rogério Werneck.

The revenue and the inflation: an interpretation of the Brazilian case

Resumo

As interpretações “fundamentalistas” disponíveis da inflação brasileira parecem incapazes de explicar por que o Brasil tem uma taxa de inflação tão alta com um déficit operacional do setor público tão pequeno. Procura-se explicar esse paradoxo com o uso dos conceitos de déficit potencial com inflação zero e erosão inflacionária das despesas orçamentárias do governo. Conclui-se que a resolução do conflito inflacionário brasileiro passa pela transferência, aos governos locais ou ao setor privado, de parcela significativa das atuais funções do governo federal.

Palavras-chave:
Inflação; dispêndio público; estabilização

Abstract

Available “fundamentalist” interpretations of Brazilian inflation seem unable to explain why Brazil has such high rate of inflation with such a small public sector operational deficit. An attempt is made to explain this paradox with the use of the concepts of potential deficit with zero inflation and the inflationary erosion of budgeted government expenses. The conclusion is that the resolution of the Brazilian inflationary conflict involves the transfer, to local governments or the private sector, of a significant share of the current functions of the federal government.

Keywords:
Inflation; public expenditure; stabilization

1. INTRODUÇÃO

Porque o Brasil teve uma inflação superior a 1000% ao ano em 1992, se o déficit do setor público não foi tão grande assim (de apenas 1,7% do PIB, no conceito operacional)?

Comparações com a Itália ou com a Grécia, por exemplo, são inevitáveis, pois nesses países o déficit fiscal tem sido superior a 10% do PIB, mas a inflação anual é de apenas um dígito.

Em comunicação pessoal, Michael Bruno - possivelmente o mais conhecido especialista mundial em políticas de estabilização em países em desenvolvimento - manifestou-me sua impressão de que, entre os países com inflação crônica, o Brasil seria o único cuja inflação não aparentava ser puramente fiscal.

Mas serão esses indícios do caráter não fiscal da inflação brasileira realmente válidos? Acredito que não, e vou sustentar a tese oposta com base em dois conceitos complementares que, embora emergentes na literatura, não parecem ainda ter recebido um tratamento analítico adequado: o déficit orçamentário potencial com inflação zero e a erosão pela inflação das despesas orçamentárias do governo.

2. ANÁLISES “FUNDAMENTALISTAS”

É conveniente começar por uma breve análise crítica das três explicações mais comumente encontradas na literatura para sugerir o caráter fiscal da inflação brasileira: a perda de confiança na moeda nacional; a antecipação inflacionária da monetização futura da dívida interna; e o financiamento com quase-moeda do elevado déficit nominal do setor público.

A perda da confiança na moeda nacional é um fenômeno patente nas estatísticas de evolução da retenção da moeda como proporção do PIB. Logo após o pós-guerra, a relação entre Ml e PIB era da ordem de 25%; há vinte anos, ainda se situava em cerca de 15%; hoje em dia, tende para um décimo desse último valor.

Quanto menor a retenção de moeda como proporção do PIB, maior tem que ser a inflação para o financiamento, por via da expansão monetária, de um dado déficit público (também medido como proporção do PIB). Mas a própria inflação causa uma diminuição da retenção voluntária de encaixes reais, de modo que um mecanismo causal perverso pode ser posto em marcha: a partir de um certo nível a emissão monetária necessária para financiar o déficit público causa uma aceleração temporária da inflação. Esta gera menor retenção de moeda, que por sua vez força uma taxa maior de inflação para financiar o mesmo déficit de antes.

Trata-se do fenômeno dos assim chamados “dois equilíbrios”, ou da “armadilha inflacionária”.1 1 V. a respeito Simonsen e Cysne (1989: 418-21) e Bruno e Fischer (1990). O equilíbrio dual, fruto da perda da confiança na moeda, implica que uma economia pode estar parada num equilíbrio de alta inflação quando, com o mesmo déficit fiscal, poderia desfrutar uma taxa mais baixa de inflação2 2 A conceituação aqui proposta para a perda de confiança na moeda não é a única possível. Outros autores preferem reservar o termo para descrever deslocamentos para baixo da função da demanda da moeda em relação à taxa de inflação, provocados, por exemplo, por uma dolarização extemporânea. V. a respeito Bruno e Fischer (1986). .

O Gráfico 1 ilustra esse fenômeno. No eixo vertical, medem-se o déficit fiscal, d, e a arrecadação do imposto inflacionário, m; ambos como proporção do PIB. No eixo horizontal, mede-se a taxa de inflação, p. Supõem-se condições de equilíbrio estacionário, em que o produto é constante e há igualdade entre as taxas esperada e observada de inflação3 3 A hipótese de estacionariedade permite igualar os conceitos de senhoriagem e imposto inflacionário. Veja o Apêndice A para um tratamento explícito da dinâmica inflacionária e das condições de convergência para um equilíbrio estacionário. . A curva do imposto inflacionário, m (também conhecida por curva de Lafer da inflação), é traçada supondo-se uma função de demanda de moeda à la Cagan. Um dado déficit fiscal como proporção do PIB, d, pode ser financiado por via do imposto inflacionário, seja com uma inflação baixa, p’, seja com uma inflação alta, p”.

GRÁFICO 1

Nessa visão do problema, países em que a confiança na moeda não se teria perdido, como Itália ou Grécia, estariam em p’, enquanto o Brasil estaria em p’’ - do “lado errado” da curva de Lafer. Fosse essa explicação verdadeira, bastariam medidas que restabelecessem a confiança na moeda - como por exemplo a introdução de uma paridade fixa com o dólar num regime cambial de conversibilidade plena (a chamada dolarização) - para trazer a economia de p’’ para p’, sem necessidade de qualquer mudança no regime fiscal4 4 Mudanças no sistema de indexação interna seriam, entretanto, necessárias, para evitar uma valorização da moeda nacional devido à permanência de inércia inflacionária no setor de bens não comercializáveis da economia. V. Bruno (1990) a respeito do problema das âncoras múltiplas. .

Um dos problemas dessa análise é que ela desconsidera que boa parte do déficit é financiada não por emissão de moeda, mas pela colocação de títulos. No contexto unitemporal em que a análise da “armadilha inflacionária” se coloca, um déficit integralmente financiado pela colocação de títulos não deveria ter qualquer impacto inflacionário. Esse problema foi resolvido no artigo clássico de Sargent e Wallace (1981SARGENT, T. e N. Wallace (1981). “Some unpleasant monetarist arithmetic”, Federal Reserve Bank of Minneapolis, Quarterly Review, fall, 1981: 1-17.), em que a questão do financiamento do déficit do governo é posta num contexto intertemporal. Esses autores supõem que o déficit do governo esteja de início sendo integralmente financiado pela colocação de títulos, mas também que a dívida interna esteja sendo acumulada num processo de bola de neve, o qual deverá, portanto, ser interrompido em algum ponto no futuro. Nesse ponto, ocorreria uma súbita monetização da dívida interna. Caso as expectativas inflacionárias que entram na demanda de moeda fossem estacionárias, o nível de preços permaneceria constante até o dia da monetização, quando então daria um salto proporcional à monetização realizada. Com expectativas racionais, entretanto, os agentes incorporam em suas decisões atuais a monetização futura esperada, e, para não sofrer perdas de capital, começam desde logo a reduzir sua retenção de moeda. Portanto, há inflação não porque a oferta de moeda esteja crescendo, mas porque a demanda de moeda decresce ao longo do tempo.

Esse fenômeno é ilustrado no Gráfico 2, em que no eixo vertical se colocam a oferta de moeda, M, e o nível de preços, P; e no eixo horizontal se marca o tempo. A linha cheia indica o comportamento da oferta de moeda, constante ao longo do tempo, exceto em t1, quando há a monetização súbita da dívida interna, e a oferta de moeda muda de patamar. Se as expectativas fossem estacionárias, os preços seguiriam a mesma trajetória da moeda. Entretanto, com expectativas racionais ou, mais precisamente, com previsão perfeita, os agentes antecipam a monetização futura e fogem da moeda desde o primeiro momento. Por isso, os preços sobem continuamente entre t0 e t1 de acordo com a linha pontilhada, mesmo com a oferta de moeda constante. Resolve-se, assim, de maneira brilhante, o problema de explicar por que há inflação se não há concomitante expansão monetária.

GRÁFICO 2

Esse tipo de análise parece ter tido considerável influência nas propostas de “choque monetário” recentemente veiculadas no país. Note-se no Gráfico 2 que, após a monetização, o déficit do governo é igual a zero, pois por hipótese ele se devia apenas à necessidade de pagar juros sobre a dívida interna, necessidade essa que desaparece com a monetização súbita. Nessas circunstâncias de expectativas racionais, toda a inflação devida à monetização já teria ocorrido no passado, e, portanto, após o governo libertar-se da dívida, com o déficit primário zerado, não haveria mais razão para que a inflação prosseguisse.4

O terceiro enfoque “fundamentalista” também destaca a problemática do financiamento do déficit por via da dívida, mas a ênfase agora é dada ao fato de esta dívida ser na verdade uma quase-moeda que paga juros. Assim, alega-se com alguma frequência que o déficit fiscal brasileiro é pequeno em termos operacionais, mas muito grande em termos nominais, acima de 40% do PIB em 1992. Esse déficit é quase que totalmente financiado pela emissão de dívida interna de curtíssimo prazo, com liquidez diária garantida pelo Banco Central, dívida essa que funciona como se fosse moeda5 5 Para uma discussão da eficácia da política monetária em condições de quase-moeda remunerada, v. Carneiro e Garcia (1993). . A necessidade de financiar, com uma quase-moeda que paga juros, um déficit tão elevado assim é que explicaria a superinflação brasileira. A essa observação contrapõe-se o argumento de que o déficit nominal é elevado apenas porque a taxa nominal de juros sobre a quase-moeda tem que acompanhar a superinflação que existe no país. Se a inflação baixasse, os juros também baixariam, e o déficit nominal tenderia a se igualar ao déficit operacional6 6 Para exposições mais detalhadas desse argumento. v. Simonsen e Cysne (1989: 120-38) e Bacha (1988). . A tréplica vem com a indagação: como poderia a inflação baixar, se um déficit tão elevado está permanentemente realimentando a oferta de quase-moeda? A par de uma reforma monetária crível que eliminasse a remuneração da moeda, uma resposta a esse conundrum somente poderia ser dada por um ganho de credibilidade - conseguido, por exemplo, através de um overkill fiscal (conjugado a uma privatização “selvagem”) -, que, convencendo os agentes econômicos da seriedade do governo, permitisse uma rápida baixa da taxa interna de juros7 7 V. o Apêndice B para uma formulação simplificada da hipótese da moeda remunerada como causa da inflação. .

As conclusões das interpretações “fundamentalistas” da inflação brasileira são, portanto, paradoxais, pois uma termina favorecendo a dolarização, enquanto as outras duas, ou um calote na dívida interna, ou um overkill fiscal com propósitos puramente expectacionais (pois o problema fiscal estaria apenas na cabeça das pessoas, não na realidade dos fatos). Minha conclusão é que novas rotas precisam ser exploradas para fundamentar uma explicação convincente da origem fiscal da inflação brasileira - uma explicação da qual, ao contrário das teses supostamente fundamentalistas antes descritas, se pudesse concluir ser de fato imperativa a mudança do regime fiscal como condição para se obter uma duradoura estabilidade de preços8 8 A mudança do regime fiscal como condição para deter processos hiperinflacionários é explorada em Sargent (1982). .

3. DO DÉFICIT REPRIMIDO AO DÉFICIT POTENCIAL

Já há algum tempo, na América Latina, se tem trabalhado com o conceito de “déficit reprimido”, para definir aquela situação em que se obtém um equilíbrio apenas temporário das contas do governo, pela compressão de despesas sabidamente “necessárias” dentro de um dado regime fiscal. Exemplo dessa repressão é uma redução temporária da folha de salários do governo, obtida por uma compressão dos salários do funcionalismo, em vez de através de uma eliminação da “gordura” no emprego público. Redução insustentável de salários é uma repressão do déficit. Redução sustentável da “gordura” no emprego seria uma supressão do déficit.

A mera repressão do déficit não deveria ter efeitos anti-inflacionários significativos, pois os agentes econômicos entenderiam ser ela temporária, antecipando assim o retomo do déficit e da inflação no futuro. Nessas condições, fugiriam da moeda desde hoje, fazendo, como no exemplo anterior, com que a inflação prosseguisse, apesar da redução temporária do déficit.

Essa análise pode ser vista como a reforçar as considerações que se seguem, nas quais se supõe que a demanda de moeda dependa apenas da inflação contemporânea, e não daquela esperada para o futuro. Trata-se, entretanto, de aproveitar a diferenciação entre déficit reprimido e déficit suprimido para explorara conceito implícito de déficit potencial, aquele que ocorreria caso não houvesse repressão fiscal.

Uma primeira tentativa de mensurar o déficit potencial no caso brasileiro é feita na recente tese de mestrado de Eduardo Refinetti Guardia (1992GUARDIA, E. R. (1992). Orçamento público e política fiscal: aspectos institucionais e a experiência recente, 1985-1991. Dissertação de mestrado em Economia, Universidade de Campinas, novembro, 1992.) para a Universidade de Campinas. Nessa tese, o déficit potencial do Governo Federal é entendido como aquele inserido na lei orçamentária aprovada pelo Congresso Nacional. Guardia constata que, embora supostamente equilibrado no conjunto de suas contas, o orçamento da República embute um déficit potencial considerável em sua parte propriamente fiscal (no conceito operacional), devido tanto a uma subestimação das despesas como a uma superestimação das receitas. Segundo Guardia, os valores do déficit potencial assim definido são extraordinariamente elevados. Em sua análise dos orçamentos dos últimos anos, ele encontra valores para as despesas fiscais autorizadas da ordem de US$ 100 bilhões, contra receitas fiscais realizadas pouco superiores a US$ 60 bilhões. Trata-se de déficits potenciais de aproximadamente US$ 40 bilhões, cerca de 10% do PIB, somente para o Governo Federal. Ainda que análises posteriores possam indicar que esses números sejam exagerados, eles abrem a porta para uma nova compreensão fiscal de porque a inflação no Brasil é tão elevada.

Igualmente importante para essa nova compreensão é o fato de que, após a execução orçamentária, os déficits efetivamente observados são apenas uma pequena fração dos valores orçados. O que acontece no meio do caminho é uma história bem conhecida em Brasília, mas praticamente inexplorada na literatura econômica. Trata-se do uso da inflação para reprimir as despesas orçadas.

A inflação ajuda de duas formas na redução do déficit orçamentário aos valores efetivamente observados no fim do ano fiscal. Primeira, o orçamento embute uma previsão inflacionária bem menor do que a inflação efetivamente observada. Isso reduz o valor real das despesas executadas, mesmo sem controle do caixa. Já as receitas, por estarem indexadas, pouco sofrem com a inflação maior do que a orçada. Segunda, através do controle do caixa, o Ministério da Fazenda adia a liberação das verbas orçamentárias para o final do ano ou mesmo para os restos a pagar no ano seguinte, desse modo fazendo com que o valor real dessas despesas seja adicionalmente reduzido pela inflação. Todo o processo é eventualmente legalizado por um decreto de contingenciamento, uma lei de reprogramação orçamentária.

Como o déficit potencial inicial é aparentemente muito grande e as despesas são pelo menos parcialmente indexadas, é preciso uma inflação muito elevada (certamente mais elevada do que aquela embutida na proposta orçamentária) para viabilizar, por via da repressão inflacionária, o relativo equilíbrio nas contas públicas que se observa nos dados brasileiros.

Essa hipótese é corroborada em texto recente de Don Patinkin (1993PATINKIN, D. (1993). “Israel’s stabilization program of l985, or some simple truths of monetary theory”, Journal of Economic Perspectives 7(2): 103-28, spring, 1993.), que, ao criticar tentativas de explicar a inflação no contexto de um jogo entre o governo e o público, sugere que, se se deseja analisar a inflação do ponto de vista da teoria dos jogos, então a formulação mais plausível seria a de um jogo entre um ministro da Fazenda “economizador” e os demais ministérios “gastadores”. Por sua coincidência com o tema básico deste texto, vale a pena fazer uma longa citação do trecho relevante de Patinkin (1993PATINKIN, D. (1993). “Israel’s stabilization program of l985, or some simple truths of monetary theory”, Journal of Economic Perspectives 7(2): 103-28, spring, 1993.: 115-6), numa tradução livre:

“A inflação pode ser vista (e devo admitir que essa visão é muito influenciada por muitos anos de observação da cena de Israel) como a imposição de um imposto pelo ministro da Fazenda aos demais ministros do governo. Especificamente, numa situação na qual - por se tratar de um governo de coalizão - o ministro da Fazenda não tem o poder de forçar os ministérios individuais a fazer reduções adequadas nas suas respectivas demandas orçamentárias, confrontando assim um orçamento global cujas despesas planejadas excedem amplamente as receitas esperadas, ele poderá aparentar aceitar essas demandas, e então financiar o déficit imprimindo dinheiro e deixando a inflação resultante produzir a necessária redução nas despesas governamentais reais. Por implicar uma redução linear, esse pode ser de fato o caminho de menor resistência para o ministro da Fazenda.

“Isso não significa que os demais ministros sofram de ilusão monetária. Ao contrário, eles podem ser vistos como estando num ‘dilema do prisioneiro’, em que por recear que sua posição relativa aos demais ministérios pode piorar, cada um insiste num orçamento nominal exagerado, cuja soma gera uma inflação que faz perigar a sobrevivência do governo de coalizão, tornando a situação pior para todos eles. Um corolário dessa ‘teoria da coalizão inflacionária’ é que quanto mais fraca a coalizão, maior a taxa de inflação”.

4. ILUSTRAÇÃOGRÁFICA

Essa hipótese fiscal alternativa para a inflação brasileira é ilustrada no Gráfico 3. No eixo vertical, medem-se o déficit, d, e a arrecadação do imposto inflacionário, m; no horizontal, a taxa de inflação, p. Supõem-se novamente condições de estado estacionário, com o produto constante e igualdade entre a taxa de inflação observada e a esperada. Supõe-se ainda que o déficit seja integralmente financiado por expansão monetária9 9 Uma extensão desse tipo de análise, para o caso em que o déficit é parcialmente financiado pela colocação de títulos, é feita em Bruno e Fischer (1990). .

A curva m do imposto inflacionário é a mesma do Gráfico 1. A novidade é a curva negativamente inclinada, d, que relaciona, numa aproximação linear, o déficit fiscal à inflação. Com inflação zero, o déficit assumiria seu valor potencial, d*. À medida que a inflação cresce, o déficit declina por meio da redução do valor real das despesas, que são orçadas em valores nominais. Essas despesas vão tendo seu valor real tão mais erodido, quanto maior for a inflação (em relação àquela prevista no orçamento) e quanto mais rígido for o controle na boca do caixa. Essa erosão não ocorre no lado das receitas (ou ocorre em muito menor medida que no lado das despesas) porque os impostos, por meio da indexação, estão razoavelmente bem defendidos da inflação10 10 Uma fórmula aproximada para a relação entre o déficit e a inflação seria d= d0 + r[1 + (b.c)p]/(1 + p ), em que d0 = déficit real incompressível (possivelmente um superávit, no caso brasileiro), p = taxa de inflação, r = despesas nominais compressíveis, b e c = parâmetros de política compreendidos entre 0 e l, tais que l-b = grau de subestimação da inflação no orçamento, e l-c = grau de subestimação da data média de liberação dos recursos no orçamento (por exemplo, o orçamento implicitamente supõe que os recursos serão liberados em duodécimos iguais ao longo do ano; o controle de caixa faz com que essa liberação seja de fato feita muito mais próxima do final do ano). Com inflação igual a zero, o déficit potencial, segundo essa fórmula, seria: d0 +r. Na medida em que a inflação cresce, o déficit cai, tendendo, no limite, para d0. .

Essa relação negativa entre déficit e inflação contrapõe-se ao conhecido efeito OliveraTanzi, segundo o qual seria positiva a relação entre o déficit e a inflação. O efeito Olivera-Tanzi, vê-se, vale apenas para países onde a despesa pública é indexada e os impostos não, exatamente o oposto ao caso brasileiro.

O equilíbrio entre o déficit fiscal (que é igual à oferta-fluxo de moeda) e o imposto inflacionário (que é igual à demanda-fluxo de moeda) se dá com o déficit d# e a inflação p#, no Gráfico 3. De forma condizente com os resultados empíricos disponíveis, supõe-se que o equilíbrio inflacionário brasileiro se dê no “lado errado” da curva de Lafer.

GRÁFICO 3

A estabilidade do equilíbrio depende de supostos adicionais sobre a dinâmica da inflação. No Apêndice A, supondo-se expectativas adaptativas, argui-se que o equilíbrio será estável desde que, em termos do Gráfico 3, a curva d seja mais inclinada do que a curva m, implicando que o efeito redutor da inflação sobre o déficit é mais forte do que sobre o imposto inflacionário. Trata-se de uma hipótese plausível nas condições brasileiras, em que a retenção de moeda já atingiu valores bastante reduzidos. Nessas condições, podem-se derivar algumas conclusões relevantes de política econômica.

5. ALGUNS RESULTADOS

Em primeiro lugar, fica claro por que não basta um truque cambial que restabeleça a confiança na moeda, para reduzir a inflação de p# para, por exemplo, p’, no Gráfico 3. Pois, com a taxa de inflação em p’, o déficit fiscal seria muito maior que o imposto inflacionário e, portanto, a inflação se aceleraria, a partir de p’, de volta para p#.

Como, então, reduzir a inflação para p’? Se se mantiver inalterada a repressão inflacionária das despesas, será preciso diminuir o déficit potencial de d* para d**, no Gráfico 3. Entretanto, de um ponto de vista político, será provavelmente muito difícil manter a repressão das despesas ao se negociar um corte no déficit potencial. O preço a pagar pelo corte do déficit potencial possivelmente será o de as despesas orçadas passarem a ser mais bem defendidas contra a inflação (devendo notar-se que a indexação é apenas um dos possíveis mecanismos para essa defesa, embora seja seguramente o mais perigoso deles). Sem a repressão inflacionária das despesas, entretanto, o déficit para de cair com a elevação da inflação - a linha d se transforma numa reta horizontal. Portanto, para viabilizar uma taxa de inflação igual a p’ no Gráfico 3, será preciso cortar o déficit potencial mais profundamente, para d#, e não apenas para d**.

A necessidade desse corte profundo - que, junto com a desrepressão das despesas, caracterizaria uma mudança revolucionária do regime fiscal brasileiro - deriva-se do fato de que o processo inflacionário antes descrito tende a gerar uma inflação cada vez maior ao longo do tempo. Isso por não ser crível que as despesas permaneçam relativamente desindexadas, quando as receitas estão razoavelmente bem indexadas. O mais provável é que, na falta de uma mudança convincente do regime fiscal, os agentes beneficiários da despesa pública tratem de defender o valor real de seu quinhão, como aliás já vêm fazendo: os congressistas tentando proibir o Executivo de fazer contingenciamento orçamentário e lançando mão de receita inflacionária para financiar as despesas orçadas11 11 Trata-se da “fonte 188” de despesa, que consiste na remuneração (na verdade, mera correção monetária) dos depósitos do Tesouro no Banco Central. ; os funcionários, pensionistas e aposentados tratando de obter indexação mensal para seus proventos; os fornecedores e empreiteiros praticando sobrepreços em seus faturamentos. Ao longo do tempo, a curva d vai rotando para o alto (fazendo eixo em d*), na medida em que a despesa orçada fica cada vez mais indexada. Essa rotação é coerente com a observação de uma taxa de inflação progressivamente mais elevada desde meados da década de 80, exceto pelas paradas temporárias impostas pelos sucessivos planos de estabilização.

Outro ponto refere-se à problemática política de realizar os cortes necessários para se obter um orçamento realista que possa ser executado com inflação baixa. Para introduzir o tema, suponha-se que, depois dos cortes “estruturais”, o governo continue necessitando do mesmo imposto inflacionário de antes, mas não mais da repressão inflacionária das despesas. Nos termos do Gráfico 3, está-se falando num corte do déficit potencial de d* para d#, conjuntamente com a introdução de mecanismos institucionais que protejam as despesas orçadas contra a inflação, implicando, pois, uma relação horizontal entre o déficit e a inflação. O déficit final, d#, é o mesmo que existia antes dos cortes; mas agora a inflação de equilíbrio será p’, e não mais p#.12 12 Com a dinâmica da inflação descrita no Apêndice A, é fácil mostrar que, no novo regime fiscal, o ponto p’ é um equilíbrio estável, enquanto o ponto p# é um equilíbrio instável. Portanto, depois da mudança do regime fiscal, a inflação deveria iniciar uma trajetória declinante que a traria do antigo equilíbrio em p# para o novo equilíbrio em p’. No Apêndice B, argui-se, entretanto, que a velocidade de convergência pode ser lenta, dependendo da importância da moeda remunerada no agregado monetário total. Como o déficit é o mesmo e as receitas estão indexadas, isso quer dizer que as despesas também terão o mesmo valor real de antes: no agregado, ninguém perde. A dificuldade da negociação política reside, entretanto, no fato de que agora os cortes terão que ser “para valer”, ou seja, eliminando permanentemente unidades de despesa e transferindo os ganhos daí advindos para as unidades de despesa que permanecerem no governo.

Dito de outro modo, a eliminação de um número significativo de unidades de despesa viabiliza o aumento do valor real das dotações orçamentárias das unidades remanescentes, ainda que o valor nominal dessas dotações continue sendo o mesmo de antes. Um exemplo numérico ajuda a entender esse importante ponto. Suponha-se que de início haja duas unidades de despesa, a “própria” e a “imprópria”, cada uma das quais com despesas orçadas equivalentes a US$10 para um total de despesas orçamentárias de US$20. As receitas fiscais totais são, por hipótese, de apenas US$10. O déficit potencial é de US$10. Entretanto, por causa da superinflação, o valor real das despesas de cada unidade é erodido até que se reduza, por exemplo, para US$6 em cada uma delas (nesse caso, o déficit final seria de US$2, financiado pelo imposto inflacionário no “lado errado” da curva de Lafer, isto é, à direita do ponto de arrecadação máxima do imposto inflacionário).

Ressalta-se, nesse exemplo numérico, uma mensagem básica do enfoque fiscal deste texto: o governo necessita da inflação mais para reduzir as despesas orçadas, do que para financiar o déficit remanescente. Isso explica o paradoxo de porque uma inflação tão grande é necessária para “financiar” um déficit tão pequeno.

Suponha-se agora que se elimine a unidade de despesa “imprópria” e que o Governo Federal só retenha a unidade de despesa “própria”. Se o déficit final for os mesmos US$2 e se as receitas não se alterarem, a unidade de despesa “própria” poderá realizar despesas de US$12, o dobro do que anteriormente de fato conseguia realizar. Mantendo-se, entretanto, a dotação orçamentária (e efetiva) da unidade “própria” em US$ 10, o governo poderia abdicar integralmente do uso do imposto inflacionário.

Observa-se, nesse exemplo, como se integram, no novo enfoque fiscal, dois polos até então dicotômicos de explicação da inflação brasileira: o conflito distributivo e o déficit orçamentário13 13 V. Bacha (1988). . A diferença é que, no enfoque deste texto, o conflito se manifesta não na disputa entre salários e lucros por uma fatia do produto, mas na disputa entre os grupos de interesse por uma fatia do orçamento. A soma das fatias desejadas é maior do que as receitas fiscais disponíveis. A inflação “resolve” o conflito de duas maneiras: diminuindo o tamanho das fatias efetivamente distribuídas e gerando o imposto inflacionário necessário para cobrir a diferença remanescente entre o gasto efetivo e a arrecadação de impostos14 14 As observações de Patinkin (1993: 114-6) mostram que a hipótese deste texto não é exclusiva do caso brasileiro. .

A conclusão é que a resolução, sem uso da inflação, do conflito fiscal brasileiro envolve decisões políticas fundamentais sobre a composição do gasto público: o Governo Federal tem que transferir para outras esferas governamentais ou para o setor privado boa parte de suas exageradas atribuições atuais, para que possa especializar-se com vantagem nas funções que de fato lhe cabem, num novo modelo de desenvolvimento com inflação sob controle.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • 2
    A conceituação aqui proposta para a perda de confiança na moeda não é a única possível. Outros autores preferem reservar o termo para descrever deslocamentos para baixo da função da demanda da moeda em relação à taxa de inflação, provocados, por exemplo, por uma dolarização extemporânea. V. a respeito Bruno e Fischer (1986BRUNO, M. e S. Fischer (1986). “The inflationary process: shocks and accommodation”. In Y. Ben-Porath, org. The Israeli economy: Maturing through crisis.).
  • 3
    A hipótese de estacionariedade permite igualar os conceitos de senhoriagem e imposto inflacionário. Veja o Apêndice A para um tratamento explícito da dinâmica inflacionária e das condições de convergência para um equilíbrio estacionário.
  • 4
    Mudanças no sistema de indexação interna seriam, entretanto, necessárias, para evitar uma valorização da moeda nacional devido à permanência de inércia inflacionária no setor de bens não comercializáveis da economia. V. Bruno (1990BRUNO, M. e S. Fischer (1989). “Seignorage, operating rules, and the high inflation trap”, Quarterly Journal of Economics 105(2): 353-74, maio, 1990.) a respeito do problema das âncoras múltiplas.
  • 5
    Para uma discussão da eficácia da política monetária em condições de quase-moeda remunerada, v. Carneiro e Garcia (1993CARNEIRO, D. e M. Garcia (1993). “Capital flows and monetary control under a domestic currency substitution regime: the recent Brazilian experience”. Rio de Janeiro: PUC-Rio, processado, agosto, 1993.).
  • 6
    Para exposições mais detalhadas desse argumento. v. Simonsen e Cysne (1989SIMONSEN, M. e R. Cysne. Macroeconomia. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1989.: 120-38) e Bacha (1988BACHA, E. (1988). “Moeda, inércia e conflito: reflexões sobre políticas de estabilização no Brasil”, Pesquisa e Planejamento Econômico 18(1), 1: 16, abril, 1988.).
  • 7
    V. o Apêndice B para uma formulação simplificada da hipótese da moeda remunerada como causa da inflação.
  • 8
    A mudança do regime fiscal como condição para deter processos hiperinflacionários é explorada em Sargent (1982SARGENT, T. (1982). “The end of four big inflations”. In R. Hall, org. Inflation. Chicago: NBERe Chicago University Press.).
  • 9
    Uma extensão desse tipo de análise, para o caso em que o déficit é parcialmente financiado pela colocação de títulos, é feita em Bruno e Fischer (1990BRUNO, M. (1990). “High inflation and the nominal anchors of an open economy”. Cambridge, MA: NBER Working Paper nº 3518, novembro, 1990.).
  • 10
    Uma fórmula aproximada para a relação entre o déficit e a inflação seria d= d0 + r[1 + (b.c)p]/(1 + p ), em que d0 = déficit real incompressível (possivelmente um superávit, no caso brasileiro), p = taxa de inflação, r = despesas nominais compressíveis, b e c = parâmetros de política compreendidos entre 0 e l, tais que l-b = grau de subestimação da inflação no orçamento, e l-c = grau de subestimação da data média de liberação dos recursos no orçamento (por exemplo, o orçamento implicitamente supõe que os recursos serão liberados em duodécimos iguais ao longo do ano; o controle de caixa faz com que essa liberação seja de fato feita muito mais próxima do final do ano). Com inflação igual a zero, o déficit potencial, segundo essa fórmula, seria: d0 +r. Na medida em que a inflação cresce, o déficit cai, tendendo, no limite, para d0.
  • 11
    Trata-se da “fonte 188” de despesa, que consiste na remuneração (na verdade, mera correção monetária) dos depósitos do Tesouro no Banco Central.
  • 12
    Com a dinâmica da inflação descrita no Apêndice A, é fácil mostrar que, no novo regime fiscal, o ponto p’ é um equilíbrio estável, enquanto o ponto p# é um equilíbrio instável. Portanto, depois da mudança do regime fiscal, a inflação deveria iniciar uma trajetória declinante que a traria do antigo equilíbrio em p# para o novo equilíbrio em p’. No Apêndice B, argui-se, entretanto, que a velocidade de convergência pode ser lenta, dependendo da importância da moeda remunerada no agregado monetário total.
  • 13
    V. Bacha (1988BACHA, E. (1988). “Moeda, inércia e conflito: reflexões sobre políticas de estabilização no Brasil”, Pesquisa e Planejamento Econômico 18(1), 1: 16, abril, 1988.).
  • 14
    As observações de Patinkin (1993PATINKIN, D. (1993). “Israel’s stabilization program of l985, or some simple truths of monetary theory”, Journal of Economic Perspectives 7(2): 103-28, spring, 1993.: 114-6) mostram que a hipótese deste texto não é exclusiva do caso brasileiro.
  • *
    Sem de modo algum implicá-los nos resultados, agradeço os comentários e discussões de Pedro Bodin, Guillermo Calvo, Dionísio Carneiro, Antônio Delfim Netto, Gustavo Franco, Winston Fritsch, Paulo Haddad, Elena Landau, Roberto Macedo, João Paulo de Almeida Magalhães, Afonso Celso Pastore, Maria da Conceição Tavares e Rogério Werneck.
  • 15
    A formulação neste Apêndice é majoritariamente devida a Guillermo Calvo, numa resposta a uma nota minha, em que os resultados de equilíbrio aqui contidos são derivados supondo igualdade entre as taxas de inflação esperada e observada.
  • 17
    JEL Classification: E31; H30.

APÊNDICE A: ESTABILIDADE DO EQUILÍBRIO INFLACIONÁRIO

Este apêndice desenvolve o modelo de inflação do texto para que se estude a estabilidade do equilíbrio inflacionário apresentado.

Numa aproximação linear, suponha que a relação entre o déficit fiscal como proporção do PIB, d, e a taxa de inflação, p, seja dada por:

d = d 0 r p , d 0 > 0 , r > 0 (1)

em que d0 é o déficit com inflação zero e r mede o impacto da inflação sobre o déficit.

O déficit é integralmente financiado por expansão monetária, m. Para obter uma expressão param, considere a seguinte função de demanda por moeda:

M = P Y . f p e , f < 0 (2)

em que: M = demanda nominal por moeda, P = nível de preços, Y = nível de produto (suposto constante), PY = PIB nominal, f = função de demanda real por moeda, pe = taxa esperada de inflação, fº = derivada de f em relação a pe.

Derivando (2) em relação ao tempo e dividindo o resultado por PY, obtém-se a seguinte expressão para a expansão monetária:

m = M / P Y = f p e + f p (3)

em que o superscrito (“) indica a derivada da respectiva variável em relação ao tempo. A restrição orçamentária do governo requer que:

d = m (4)

Substituindo (3) e (1) em (4), obtém-se a seguinte expressão para a trajetória da taxa de inflação:

p = d 0 / f + r f / f + r p e e (5)

Em equilíbrio estacionário, com pe”=0, vem:

p = d 0 / f + r (6)

A inflação de equilíbrio é diretamente proporcional ao déficit potencial (com inflação zero) e inversamente proporcional à demanda por moeda e à sensibilidade do déficit em relação à inflação. Para estudar a estabilidade desse equilíbrio (que pode ser múltiplo, tendo em vista a dependência negativa de f em relação a p), admita a seguinte regra de formação de expectativas:

p e = a p e p , a > O (7)

Ou seja, a expectativa de inflação se acelera quando a inflação observada é maior do que a inflação esperada, e se desacelera no caso oposto.

Substituindo em (7) o valor de p dado em (5) e simplificando, vem:

p e 1 + a f / f + r = a d 0 / f + r - p e (8)

Claramente, um equilíbrio será localmente estável - pe” convergindo para zero em (8), pe convergindo para p em (7), e p convergindo para d0/(f+r) em (5) -, desde que, no entorno desse equilíbrio:

1 + a f / f + r > 0 , s e n d o f < 0 (9)

Tomando o valor absoluto de f’ e rearranjando termos, vem:

r > f a f / f 1 (10)

Uma interpretação heurística da condição (10) é a seguinte: assimilando o termo a ao valor da taxa de inflação de equilíbrio, a expressão a|f’/f dá o valor absoluto da elasticidade do imposto inflacionário em relação à inflação. No equilíbrio que interessa ao texto-do lado “errado” da curva de Lafer-esse valor é maior do que a unidade. Isso significa que, nesse equilíbrio, o lado direito de (10) - que pode ser assimilado ao valor da derivada do imposto inflacionário em relação à inflação - é positivo. Nesse caso, a condição (10) pode ser interpretada como requerendo, para que esse equilíbrio seja estável, que a derivada do déficit fiscal em relação à inflação, r, seja, em valor absoluto, maior do que a derivada do imposto inflacionário em relação à inflação.15 15 A formulação neste Apêndice é majoritariamente devida a Guillermo Calvo, numa resposta a uma nota minha, em que os resultados de equilíbrio aqui contidos são derivados supondo igualdade entre as taxas de inflação esperada e observada.

APÊNDICE B: INFLAÇÃO E MOEDA REMUNERADA

Este apêndice desenvolve o modelo mais simples possível de uma situação em que a inflação “descola” do déficit primário do governo, sendo função exclusivamente das expectativas inflacionárias.

Suponha que a quantidade de moeda possa ser dividida em duas parcelas. Uma parcela, h, é de moeda remunerada e paga uma taxa de juros positiva igual a i. Outra parcela, 1-h, é de moeda não remunerada e paga uma taxa de juros igual a zero. Para simplificar a análise, suponha que a demanda por este agregado monetário, B, seja dada por:

B = k P k > O (1)

em que B é a demanda nominal pela soma de moeda remunerada com moeda não remunerada, k é uma constante e P é o nível de preços. Supõe-se o produto real constante e igual à unidade.

A restrição orçamentária do governo satisfaz a:

B = G + i h B (2)

em que B” é a derivada em relação ao tempo do agregado monetário, G é o déficit primário nominal e hB é a parcela da moeda que é remunerada à taxa i. Admitindo que i = pe, ou seja, que a taxa de juros do overnight seja igual à taxa esperada de inflação, vem, de (1) e (2):

B / B = p = g / k + h . p e (3)

em que p = P”/P é a taxa de inflação e g = G/P. A equação (3) estabelece um vínculo entre a inflação observada e a inflação esperada, cuja força varia diretamente com a parcela de moeda remunerada no agregado monetário.

Suponha expectativas adaptativas, tais que:

p e = a p p e , a > 0 (4)

em que pº” é a variação no tempo da expectativa da inflação, pe,

Substituindo em (4) o valor de p dado em (3), vem:

p e = a g / k 1 - h p e (5)

Em equilíbrio estacionário, pº” = O, logo pº = p por (4), e, por (3):

p = g / k 1 h (6)

Com k constante, a taxa de inflação de equilíbrio é diretamente proporcional ao conteúdo de moeda remunerada no agregado monetário. Num modelo mais realista, k deveria variar negativamente com l - h. Se, entretanto, essa variação for menos do que proporcional, mantém-se o resultado de que a inflação cresce com o conteúdo de moeda remunerada no agregado monetário.

Suponha, ademais, que a partir de uma situação de equilíbrio estacionário ocorra uma elevação exógena da inflação esperada. Então, de (5), a inflação esperada voltará para o equilíbrio anterior segundo a expressão:

d p e / d p e = a 1 h (7)

O valor dessa derivada pode ser muito baixo, se os valores de h estiverem próximos à unidade. Ou seja, a existência de moeda remunerada reduz o ritmo em que a inflação converge para seu equilíbrio estacionário.

Finalmente, admita que o governo elimine o déficit primário, fazendo g = 0, em condições em que toda a moeda é remunerada, ou h = 1. Em (6), verifica-se que a taxa de inflação é indeterminada. Mais precisamente, nesse caso, vê-se em (3) que p = pe, ou seja, a inflação será puramente expectacional e, portanto, igual a um arbitrário valor inicial.

Isso, entretanto, não significa que a mera eliminação da moeda remunerada resolva o problema inflacionário, pois, a menos que os agentes econômicos estejam firmemente convencidos de que o déficit primário tenha desaparecido para sempre, essa eliminação poderá simplesmente resultar em que a demanda por moeda nacional convirja para zero, com os agentes econômicos tratando de substituir todos os seus cruzeiros por dólares, assim fazendo k = 0 na equação (3) e levando a inflação a crescer sem limites. Ou seja, no caso brasileiro, a existência da moeda remunerada pode, muito bem, estar impedindo a inflação, não de ir para zero, mas de ir para infinito!

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1994
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