Acessibilidade / Reportar erro

A questão da estabilização nos anos 80: um enfoque institucional

The question of stabilization in the 1980s: an institutional approach

Resumo

Este artigo trata da relação entre instituições e problemas de estabilização. Seu objetivo é demonstrar que a consideração das instituições pode fornecer respostas para questões que a análise macroeconômica convencional não tem conseguido. A principal questão é: por que, no Brasil, do início da década de oitenta em diante, a taxa de inflação não cai para níveis civilizados, mas não passa por um processo hiperinflacionário? A abordagem é aquela fornecida pela “Nova Economia Institucional” (NIE) e a hipótese provisória é que a indexação formal - uma instituição alocativa criada pelo governo militar - (PAEG, 1967) - teria deslocado a instituição constitutiva e fundamental, ou seja, o dinheiro, a moeda oficial. Como resultado desse processo - um processo distinto na América Latina pelo sinal oficial e legal da indexação brasileira -, a elevação recorrente dos preços teria se transformado em uma instituição.

Palavras-chave:
Estabilização; indexação; inflação; emissão de moeda

Abstract

This paper deals with the relation between institutions and stabilization problems. Its purpose is to demonstrate that the consideration of the institutions may provide answers for questions that the conventional macroeconomic analysis has not been succeeding in. The main question is: why, in Brazil, from the beginning of the eighties onward, the inflation rate does not fall to civilized levels but does not go to a hyperinflationary process? The approach is that provided by the “New Institutional Economics” (NIE) and the tentative hypothesis is that the formal indexation -an allocative institution created by the military government - (PAEG, 1967) - would have displaced the constitutive and fundamental institution, i.e, the money, the official currency. As a result of this process - a different process within Latin America because of the official and legal sign of the Brazilian indexation -, the recurrent rise of prices would have transformed itself into an institution.

Keywords:
Stabilization; indexation; inflation; money supply

1. INTRODUÇÃO

A pergunta “o que aprendemos no Brasil na década perdida?” encontra, no que tange à questão da estabilização econômica, uma pronta resposta: aprendemos que não aprendemos! De fato, o recorrente insucesso dos programas de estabilização e a consequente persistência de um adverso e inquietante comportamento dos índices de preço deixam a sensação de que somos completamente impotentes e de que, se não aprendemos em tanto tempo, não aprenderemos nunca. Mas ter consciência de que não aprendemos não implica asseverar que nada aprendemos. Pelo contrário. Parece-me que estes mais de dez anos de fracasso nos ensinaram, pelo menos, a enxergar os limites da teoria econômica convencional e a perceber a necessidade de refletir sobre alguns pontos normalmente não contemplados pelas análises macroeconômicas tradicionais.

O objetivo do presente artigo é, pois, repensar alguns momentos da história recente da economia brasileira tentando responder às seguintes perguntas: por que a teoria econômica usual tem se revelado incapaz de fornecer uma solução para o problema?1 1 Descarto aqui como resposta possível para explicar o fracasso dos planos de estabilização uma das hipóteses levantadas por Bresser-Pereira (1992), qual seja a da falta de competência dos economistas. Não vejo por que existiria aqui menos competência técnica do que no Chile, na Argentina, no México, na Bolívia ou na Alemanha de 1923. Ainda que erros meramente “técnicos” possam ter sido cometidos, a sufocante permanência do problema remete a meu ver muito mais para as limitações da teoria econômica enquanto tal (ou seja, para sua incapacidade de dar conta da complexidade da situação), e, nesse sentido, para o reduzido poder de fogo dos instrumentos usuais de política econômica (ortodoxos ou heterodoxos). Que outros elementos, além das variáveis econômicas clássicas, devem ser aí considerados? Como entendem que é o dinheiro nesse quadro? Responder a elas implica necessariamente refletir sobre questões de variada ordem, desde as ancestrais, que remetem todas ao problema da coordenação social de um sem número de decisões individuais e independentes, até as específicas do contexto e do problema em questão, passando por temas gerais como o caráter da sociedade moderna, a definição e o papel das instituições etc. Como se percebe, dada a magnitude das questões envolvidas, não é muito o que se pode fazer de modo rigoroso nos estreitos limites deum artigo. A tentativa que aqui se fará de investigar alguns momentos da economia brasileira recente sob esse foco terá, portanto, um caráter mais ensaístico do que acadêmico. A despeito dessas limitações, contudo, o esforço parece válido: deslocar o foco pode constituir um saudável exercício de reflexão no sentido de, pelo menos, compreender de modo mais amplo a natureza dos problemas que nos afligem e para os quais, há tanto tempo, buscamos respostas.

Contudo, se se parte aqui do princípio de que é necessário alargar os limites da teoria econômica convencional, não deve tal postura ser entendida como uma recusa in limine de suas contribuições. A teoria econômica, nos marcos em que se estrutura, afigura-se útil para refletir sobre a conjuntura ou mesmo para detectar alguns fenômenos de caráter mais estável, principalmente no nível ex-post de análise. Todavia, parece cada vez mais difícil encontrar, respeitados os limites do que se considera teoria econômica (teoria macroeconômica, no caso), uma resposta para a seguinte questão: por que nossa inflação crônica acima dos 100% anuais há mais de uma década2 2 Desconsidero aqui a taxa oficial de inflação do ano de 1986 (que ficou abaixo dessa marca) por motivos óbvios: a explosão dos preços após as eleições de novembro, a controvérsia em tomo dos índices etc. não regride (a despeito das inúmeras e diferenciadas “receitas” de estabilização experimentadas) nem se transforma numa hiperinflação? Que tal, então, procurar a resposta a partir de uma indagação mais ampla, que remeta aos fundamentos da sociedade moderna e às especificidades da sociedade brasileira? Trata-se, pois, de refletir sobre os marcos em que se estrutura nossa sociedade, de investigar quais são os elementos que lhe dão (ou não) coerência. Nesse sentido, alguns programas alternativos de pesquisa têm sido desenvolvidos e podem nos auxiliar3 3 Para uma resenha dos diversos programas de pesquisa que seguem essa linha, v. Langlois (1986), caps. l e 10. . Quase todos eles partem de uma crítica de ordem metodológica à teoria econômica convencional, basicamente a uma espécie de “despreocupação” que ela demonstra, ao partir axiomaticamente do indivíduo, com o problema da coesão e consistência da sociedade. Trataremos, pois, inicialmente, de uma forma um pouco mais profunda, da natureza desse problema (segunda seção). Em seguida, utilizando grosso modo algumas das ideias trabalhadas pela chamada “Nova Economia Institucional” (NEI), tentaremos introduzir na análise os elementos institucionais (terceira seção) para, a partir daí, refletir sobre o mais importante deles: o dinheiro. Na terceira seção tentaremos analisar, sob esses marcos, o problema da persistência no Brasil de uma inflação crônica que “não ata nem desata”. Na quinta seção enfocaremos, através desse prisma, uma das mais importantes experiências de estabilização vividas pelo país, a saber, o Plano Cruzado. A sexta seção traz observações finais.

2. SOCIEDADE MODERNA E COESÃO SOCIAL

Para começar a discussão parece interessante lembrar que o problema da coesão social é típico da sociedade moderna, entendida esta última como aquela que parte da igualdade jurídica de seus membros (vale dizer, da inexistência de relações pessoais de dependência) e da troca como a forma geral de divisão do trabalho e da organização da produção material. Numa sociedade de castas ou estamentos, ou no mundo feudal da Idade Média, o problema não se coloca: ainda que existam aí conflitos, a questão da organização da existência material do homem está a priori resolvida por uma bem definida estrutura hierárquica, que diferencia os homens uns dos outros a partir de suas origens e estabelece de modo explícito suas relações de dependência pessoal e, a partir daí, seus papéis no processo produtivo. O problema só surge, portanto, quando temos na base não uma rede de elementos hierarquicamente dispostos, mas uma coleção de seres humanos igualmente livres, independentes, autônomos, soberanamente donos de suas vidas e de seus destinos, em suma, uma coleção de indivíduos. Hobbes, como se sabe, cedo se deu conta do problema, asseverando que, nessa situação, só se obtém a tal coesão social a partir de uma submissão pactuada de todos os membros, em princípio soberanamente livres, a um poder maior, que escapa de seu arbítrio e os restringe. Assim, a sociedade, concretizada sob a forma de Estado (Leviatã ou não), viabiliza a convivência de todos os indivíduos, delimitando seu “direito natural”.4 4 A esse respeito, diz Marx: “Só no século XVIII, na ‘sociedade burguesa’, as diversas formas do conjunto social passaram a apresentar-se ao indivíduo como simples meios de ele realizar seus fins privados ( ... ). Todavia, a época que produz esse ponto de vista, o do indivíduo isolado, é precisamente aquela na qual as relações sociais ( ... ) alcançaram o mais alto grau de desenvolvimento. O homem é no sentido mais literal um zoon politikon, não só animal social, mas animal só pode isolar-se em sociedade” (1974: 10).

Do ponto de vista econômico, porém, o problema parece não existir. Como ensina A. Smith, o indivíduo, agindo de acordo com seus próprios interesses e sendo movido conscientemente apenas por eles, acaba produzindo um resultado - o progresso e a riqueza da nação - que não fazia parte de suas intenções. A sociedade, entendida como um todo coeso e consistente, surge, portanto, de modo natural. O somatório das ações (mediadas pelo mercado) de todos os indivíduos produz e reproduz as condições para a existência de uma sociedade materialmente estável e com crescimento da riqueza.

Teoricamente, como é sabido, o programa de pesquisa do equilíbrio geral é que vai tomar para si a tarefa de demonstrar rigorosamente essa compatibilidade. A versão Arrow-Debreu-Hahn prova, de fato, que existe um vetor de preços que compatibiliza os planos ótimos de todos os agentes. Mas o que ela demonstra efetivamente? Demonstra logicamente e ex-ante a existência do equilíbrio. E isso não basta. Não basta porque, pelo menos nessa versão, a teoria não responde como se chega ao referido vetor de preços, vale dizer, como se passa do nível individual para a coerência social. Não é de espantar, pois, que o dinheiro não tenha aí existência lógica5 5 Como diz Hahn, “o desafio mais sério que a existência do dinheiro coloca ao teórico é: o modelo mais bem desenvolvido de economia não consegue encontrar lugar para ele. O modelo mais bem desenvolvido é, evidentemente, a versão Arrow-Debreu do equilíbrio geral walrasiano” (1981: 1). A esse respeito, v. Paulani, 1991: 69-74. .

Na versão walrasiana, o mecanismo que garante a coerência social é explícito: o princípio do ajustamento do preço de mercado funciona de modo a garantir que o vetor de preços de equilíbrio seja alcançado e que as trocas se realizem de acordo com ele. Mais uma vez, porém, a solução não satisfaz. Na medida em que os agentes são todos price takers, cabe perguntar de onde vêm os preços, quem os fixa e os modifica (já que não são permitidas trocas fora dos pontos de equilíbrio), em suma, quem é que opera o referido mecanismo. A resposta, como é sobejamente conhecido, vem sob a forma do tâtonneur. Mas o que ele é? Não é um agente como outro qualquer, não é um indivíduo, é uma espécie de “secretário de mercado” (De Villé, 1990DE VILLÉ, P. (1990). “Comportements concurrentiels et équilibre général: de la necessité des institutions”. Economie appliquée, vol. XLIII, nº 3.: 23), um “supraindivíduo” que, exibindo uma racionalidade que lhe é própria, diligência para que o equilíbrio (cuja existência lógica ex-ante é demonstrada) tome-se efetivo. E temos aqui três problemas. O primeiro é que, nessa “sociedade”, os indivíduos não são propriamente indivíduos, porque sequer agem. Eles apenas esperam até que o leiloeiro encontre o vetor de preços correto e então realizam as trocas. O segundo é que a sociedade não é propriamente sociedade, visto que não é a partir de um verdadeiro processo de interação social que a coesão é obtida6 6 A esse respeito, De Villé (1991: 15-6) afirma que, paradoxalmente, o único modelo em que o mercado e a concorrência “fundam” a ordem social - o modelo de equilíbrio geral com o consequente estado de concorrência perfeita - é precisamente aquele em que a sociedade (entendida como conjunto de relações e interações sociais) está ausente. . Finalmente, e mais importante para nós, a necessidade de recorrer ao leiloeiro, quando se trata de considerar de modo efetivo o processo de constituição da sociedade, indica inequivocamente que, mesmo do ponto de vista econômico, a coesão social não surge naturalmente, por obra e graça dos espíritos individuais. Para De Villé (1990DE VILLÉ, P. (1990). “Comportements concurrentiels et équilibre général: de la necessité des institutions”. Economie appliquée, vol. XLIII, nº 3.), um dos autores da NEI, é uma “instituição escondida” (o tâtonneur) que garante, na versão walrasiana do equilíbrio geral, a compatibilidade social de um sem-número de planos individuais e independentes. De outro lado, se se admitem, por exemplo, trocas fora dos pontos de equilíbrio, surgem necessariamente problemas de racionamento (além da possibilidade de múltiplos equilíbrios). Problemas de racionamento implicam que a compatibilidade social não foi alcançada e a única maneira de resolvê-los é por uma espécie de “acordo” que não estava na intenção inicial dos agentes nem pertence ao arbítrio individual.

3. INSTITUIÇÕES E COESÃO SOCIAL

Do que acima ficou dito resulta que, se desejamos mostrar como a ordem emerge (ou não) de uma sociedade totalmente descentralizada, temos que considerar as instituições. Mas o que são elas? “Ils’ agit des rêgles, normes ou codes, se traduisant par des régularités de comportements qui échappent à l’arbitraire des décisions individuelles et dont le non respect implique une sanction” (De Villé, 1990DE VILLÉ, P. (1990). “Comportements concurrentiels et équilibre général: de la necessité des institutions”. Economie appliquée, vol. XLIII, nº 3.:30). As instituições, portanto, são procedimentos formais que, em função da necessidade de coesão social, estabelecem interações recorrentes que se situam além da arbitragem individual. Admitir sua necessidade implica, do ponto de vista econômico, considerar: que o conhecimento individual é imperfeito, que as decisões econômicas são sequenciais (e não como no mundo de Arrow-Debreu), que a estrutura de mercado é incompleta, que informações viesadas existem, que as ações são estratégicas (e não paramétricas), que há diferenciação entre os agentes (ou seja, que em determinadas relações aparece uma hierarquia), que existem agentes coletivos etc.7 7 Hirschman (1986), já há algum tempo, se preocupa com essas questões e, ainda que sem tentar estruturar uma nova teoria econômica que tome por base as instituições, chega a resultados bem interessantes. Mostra, por exemplo, que a introdução de considerações de ordem moral pode melhorar os resultados advindos do funcionamento do mercado. . Nesse mundo, bem mais real, as instituições podem restringir (ou influenciar) o comportamento dos indivíduos, de modo a resolver (ou criar condições para resolver) problemas de coordenação e cooperação. Problemas de coordenação apontam para falhas de comunicação, mas não há incompatibilidade entre os ótimos individuais e o ótimo social. Um problema de cooperação surge quando, além de falhas de comunicação, a compatibilidade não existe. Nesse caso, a obtenção da coesão social implica cooperação, ou seja, que cada um entenda como a atitude mais racional a tomar justamente o abrir mão de seu ótimo individual. (Na linguagem da teoria dos jogos, poder-se-ia dizer que as instituições têm o papel de transformar jogos do tipo dilema do prisioneiro em jogos do tipo assurance, onde se garante o ótimo da cooperação universal como resultado.) As instituições podem funcionar, pois, tanto como regras constitutivas (o dinheiro é a principal delas), quanto como regras de diferenciação (a legislação trabalhista, o Código do Consumidor) e regras alocativas (as políticas de renda, as políticas sociais de modo geral).

Consideremos então o dinheiro. Por que ele funciona como regra constitutiva? Por que ele escapa ao arbítrio individual? G. Simmel, um clássico pensador desse objeto, definiu-o, já no início do século, como a instituição símbolo do espírito e da sociedade moderna. De fato, além de ser o objeto por meio do qual o capital realiza sua vocação universal e infinita derrubando barreiras espaciais e temporais8 8 V. a esse respeito Frankel, 1977: 8; Giddens, 1991: 32; e Paulani, 1991: 187-92. , o dinheiro é a regra constitutiva por excelência da sociedade moderna: é através dele que se viabiliza, numa sociedade de proprietários e produtores independentes, um procedimento de avaliação que é social, que é socialmente aceito. Tal procedimento não existe numa sociedade que não se organiza materialmente através da troca, nem numa hipotética barter economy. Mas os indivíduos não podem questionar o dinheiro, não podem decidir, através de seus mapas de indiferença, se vão ou não utilizá-lo; eles simplesmente aceitam-no como unidade de conta e meio de troca e tornam-se assim cúmplices, por meio dessa espécie de contrato implícito, de um processo impessoal de interação social. Além disso, principalmente em nosso tempo de moeda fiduciária, a decisão de “produção” do dinheiro é, por definição, do âmbito da coisa pública e escapa da possibilidade de qualquer arbítrio privado9 9 Desconsidera-se aqui, é claro, o processo de criação de moeda pelos bancos via multiplicador, não só porque seus limites são estreitos, mas fundamentalmente porque as autoridades monetárias podem influir nesse processo. .

4. INDEXAÇÃO E INSTITUIÇÕES INEFICAZES: O CASO DO BRASIL

As instituições, entretanto, podem ou não ser eficientes. Elas podem influenciar e restringir o comportamento dos indivíduos num sentido perverso, de modo que, em vez de resolver ou de criar condições para resolver os problemas de coordenação e cooperação, acabem por magnificá-los. Um processo inflacionário crônico como o brasileiro indica que a instituição moeda nacional não é eficiente, não é adequada aos fins a que deveria servir. Em vez de viabilizara coesão, validando o procedimento social de avaliação, ela complica ainda mais a situação porque magnifica as diferenças, altera de um modo perverso os parâmetros distributivos, complica as decisões de produção (que dirá as de investimento?) etc. Por que ela permanece, então? Por que não há uma recusa, uma não-aceitação generalizada? Por que não vamos, afinal, para a hiperinflação? É que as instituições que funcionam como regras construtivas, ensinam os teóricos da NEI, podem permanecer enquanto tais, mesmo sendo muito ineficazes, simplesmente por inércia! Uma hiperinflação não é senão o término, através de uma explosão, de um processo de ineficácia e disfunção crescentes da instituição moeda nacional. Porque, então, diferentemente do que já ocorreu em outros países da América Latina (Argentina, Bolívia, Peru), isso ainda não aconteceu no Brasil? Será simplesmente porque em momentos estratégicos planos de estabilização foram aplicados e evitaram a explosão? Ou será porque existem outras interações recorrentes, outras instituições que estão funcionando no sentido de “inercializar” a sobrevivência da moeda nacional?

Moura da Silva, preocupado que está com as mesmas questões, lembra que a universalização do estatuto da correção monetária ocorrida durante o governo Castelo Branco definiu desde logo um sistema monetário dual, em que a unidade de conta intertemporal está separada do meio de troca, e acrescenta: (o regime monetário então implantado) “partia, pois, da premissa, talvez até realista então, de que a estabilidade seria uma meta inatingível” (1992MOURA DA SILVA, A. (1992).”Em busca da estabilidade de preços”. Informações FIPE , nº 145, set.-out./1992.: 9). De fato, a existência de mecanismos oficiais de indexação parece estar contribuindo, já há muito tempo, para dar uma sobrevida à moeda nacional. Mas o que nos interessa mais na afirmação de Moura da Silva é sua observação de que os policy makers de então teriam percebido a impossibilidade de instituir no Brasil um regime monetário estável, criando por isso, deliberadamente, uma outra regra construtiva, uma outra instituição de mesmo tipo, para compensar a potencial e crônica deficiência da instituição principal. Como se viu, as instituições sempre surgem em função da necessidade da sociedade moderna de resolver o problema da coesão; se elas não funcionam como deveriam, parece inevitável que outras apareçam para tentar fazer esse papel. Em todos os outros países da América Latina que passaram por experiências de alta inflação, mecanismos informais de atualização monetária surgiram como que naturalmente (em geral, sob a forma de indexação a uma moeda forte). No Brasil, contudo, esse processo não foi “natural”; foi criado de cima, pelo Estado, foi legal e oficial.

Minha suposição é que; dada a peculiar relação existente no Brasil entre a sociedade (o âmbito da coisa privada) e o Estado (o âmbito da coisa pública)10 10 A peculiaridade dessa relação talvez possa ser traduzida, ainda que sem muito rigor, pelo termo “paternalismo”, e implica, entre outros resultados perversos do ponto de vista da consistência social, o prebendalismo e a “privatização da coisa pública”. ,essa forma diferenciada segundo a qual a indexação se tomou instituição em nosso país transformou seu caráter: de regra temporária com sentido alocativo, ela se toma permanente e assume contornos de regra constitutiva, passando a disputar com a regra convencional o papel de liderança. Com isso, não só ficam dadas as condições para que ocorra aqui um processo de “inercialização” da moeda nacional muito mais estável e persistente do que em outros países, como, o que talvez seja ainda mais importante, a indexação acentua, de forma inequívoca, seu caráter de instituição constitutiva da sociedade· brasileira. Se estiver correta, talvez tenha sido uma ingenuidade incluir na receita de vários de nossos planos de estabilização, a começar pelo Plano Cruzado, o fim da indexação. Vejamos mais de perto então essa primeira experiência.

5. PLANO CRUZADO: UM PROBLEMA DE “PERCEPÇÃO SOCIAL”

Como é sabido, a desindexação constituiu, junto com o congelamento de preços, a base do Plano Cruzado. O primeiro desses elementos básicos configurou, tentaremos mostrar, um duplo equívoco. O primeiro equívoco pode ser encarado como de ordem “técnica”. Tudo se passou como se, na cabeça de seus formuladores, existisse, no Brasil do começo de 1986, apenas e tão-somente um problema de coordenação, em função, basicamente, da assincronia nos reajustes de preço e da existência de um processo oficial de indexação. Resolvido esse problema por intermédio do congelamento (com todas as medidas cautelares para evitar que ele próprio não gerasse novos problemas - tablita, correção dos salários pela média etc.), a coesão estaria então garantida e manteria a inflação a níveis próximos de zero. A história mostrou, no entanto, que eles estavam errados. Não existia naquele momento apenas um problema de coordenação. Havia já sérios problemas de cooperação11 11 Pode ser interessante aqui um confronto com o Plano Collor. Seus policy makers agiram como se tivessem consciência da existência também de problemas de cooperação. Tentou-se, pois, por intermédio do sequestro de ativos, introduzir um esquema de racionamento que gerasse a cooperação entre um agente coletivo (o governo, enquanto devedor) e uma coleção de agentes individuais (seus credores internos). Depois de tudo o que ocorreu, no entanto, temos o direito de pensar que toda essa violência constitucional tenha ocorrido simplesmente para abrir ainda mais as possibilidades de enriquecimento do esquema PC através da intermediação para a abertura das “torneirinhas”. , o maior deles expresso num déficit público irresolvido e num estoque de dívida pública que, ainda que reduzido em termos de sua relação com o PIB, era (e continua sendo) muito grande enquanto parcela da riqueza privada12 12 V. a esse respeito Bier, Paulani e Messenberg (1989). .

O segundo equívoco, mais importante do ponto de vista que nos interessa, foi menos de ordem técnica do que de “percepção social”, se é que o termo faz sentido. Mesmo que não existissem os tais problemas de cooperação, mesmo que a inflação fosse resultado apenas de problemas relativos a falhas de comunicação, ainda assim, se estivermos certos, foi um equívoco a desindexação explícita e abrupta. Dado o caráter de regra constitutiva que ela assumiu entre nós e dado que só voltaria a seu lugar depois de um processo de “aprendizado” que provasse aos agentes que o novo padrão monetário era estável, ou seja, que seria ele, agora, a regra constitutiva fundamental, melhor seria ter deixado inicialmente a indexação tal e qual (além do mais, proibi-la soou aos agentes quase que como uma confissão antecipada de que o plano não tinha grandes chances de sucesso).

Deve-se observar, porém, para fazer justiça aos idealizadores do plano, que, ao que parece, alguma desconfiança do problema eles tiveram. A manutenção (ainda que trimestral) da indexação para a caderneta de poupança é um indício nessa direção. Como se sabe, no entanto, não bastou tal medida para evitar uma fuga das cadernetas e uma corrida ao consumo; cabe perguntar o porquê. Temos aqui duas possibilidades: ou não bastou a correção trimestral (a mensal estava já instituída e era ela que os agentes desejavam), ou o fenômeno foi uma indicação de que, no Brasil, a instituição indexação acabou por gerar outra ainda mais perversa, ou seja, a elevação, de modo persistente no tempo, dos preços em geral, teria se transformado ela mesma numa instituição. Como explicar isso?

Para encontrar uma resposta, talvez seja necessário descer ao nível dos grupos de atores envolvidos no fenômeno; senão vejamos. Para os formadores de preço, essa atitude impõe-se não apenas como forma de defesa da valorização de seus patrimônios, mas também por conta da possibilidade de fazerem valer seus ótimos individuais; o governo, de seu lado, ao responder (com os devidos cuidados) a esse movimento, tem aí uma expressiva fonte de financiamento13 13 Como é sabido, a resposta do governo ao crescimento dos preços e, pois, à desvalorização da base real pelo imposto inflacionário é a elevação dessa base. O governo se beneficia, contudo, do processo como um todo, obtendo o que se convencionou denominar” ganho de senhoriagem” ou senhoriagem real. Formalmente, temos: ∆M/P=pM/P+∆(M/P), em que ∆M/P é a senhoriagem real, M/P é o imposto inflacionário e (∆M/P) é a variação da base real. ; por fim, os assalariados com nível de renda suficiente para sustentar uma poupança (por pequena que seja) tendem a perceber a elevação dos preços como rendimento14 14 A esse respeito diz Delfim Netto (1993:4): “ ... dada a existência de ‘ilusão monetária’, uma parte importante da população confunde ‘correção monetária’ com ‘aumento de riqueza’ (o que deve ser lembrado em qualquer programa de estabilização)”. (ainda que vivam reclamando da “alta do custo de vida”)15 15 Os extratos de renda média e média alta (altos assalariados, profissionais liberais e pequenos produtores e empreendedores autônomos), apesar de não sofrerem de nenhum tipo de “ilusão monetária”, conseguem defender-se com facilidade a partir do advento dos fundões e das contas remuneradas. . Todos são, pois, beneficiados (real ou ilusoriamente, mas isso não importa se se trata de encontrar explicações no nível da racionalidade do comportamento intencional dos atores). Milagres não existem, entretanto, de modo que os únicos efetivamente prejudicados, aqueles que não têm renda para poupar e são obrigados a carregar a moeda, são, por isso mesmo, os que menos têm condições de fugir dela (sem contar que suas vozes são as menos ouvidas). O resultado final é desastroso do ponto de vista global, visto que se vão esgarçando todas as relações num processo doentio, que extrapola os limites do puramente econômico e acaba por atingir todo o universo de valores, penetrando em todos os poros do tecido social. O mais complicado da história é que a disfuncionalidade a longo prazo desse espectro de comportamento não é visível a curto prazo e não altera o comportamento dos indivíduos (nem o do governo, é preciso que se frise por uma questão de justiça), que, de resto, não se reconhecem nesse resultado e tendem, cada um deles, a enxergar a inflação como um inimigo “externo” que insiste em nos atormentar, tal como os dragõezinhos que frequentam as charges de nossos jornais.

Essa segunda hipótese (de que a elevação recorrente dos preços se tornou ela mesma uma instituição) é, de fato, extremamente perversa, visto que nos condenaria até a eternidade a conviver com elevadas taxas de inflação. Torçamos, pois, para que não seja verdadeira. Se ela tiver algum fundo de verdade, porém, nossa hipótese de que constitui ingenuidade tentar terminar por decreto com a indexação fica ainda mais reforçada.

6. OBSERVAÇÕES FINAIS

A que leva tudo isso, então? Estaremos condenados “estruturalmente” à alta inflação, ou seja, a taxas de crescimento dos preços que estão longe de ser civilizadas, mas que não descambam para uma hiper? A análise através do prisma das instituições mostra que há uma chance de ser verdadeira essa hipótese. Sugere, além do mais, que se se pretende algum sucesso em termos de estabilização é preciso levar em conta algo mais do que cálculos técnicos que tomem por base as variáveis econômicas convencionais. Se hoje é praticamente consensual a afirmação de que somente com políticas ortodoxas (graduais ou não) não é possível dar conta de processos inflacionários crônicos como o nosso (v. a respeito Bacha, 1987BACHA, E. (1988). “Moeda, inércia e conflito: reflexões sobre políticas de estabilização no Brasil”. Política e Programação Econômica, 18(1), abril, 1988.), essa análise mostra também que tentar enfrentar o problema tão-somente com políticas ditas heterodoxas ou mesmo com uma combinação qualquer das duas receitas pode não bastar. Não se quer com isso negara existência real do problema do desequilíbrio das finanças públicas. Sugere-se, no entanto, que mesmo na hipótese de sua resolução podem surgir surpresas desagradáveis se determinadas características institucionais da sociedade brasileira não forem consideradas. De qualquer forma, qualquer tentativa de estabilização, se quiser contar com alguma chance de sucesso, terá de incluir em seu arcabouço instrumentos através dos quais as novas regras, padrões e normas ganhem, do ponto de vista dos agentes, contornos institucionais.

Delfim Netto (1993DELFIM NETTO, A. (1993). “1983 e 1993: lições para ancorar a economia”. Informações FIPE, nº 150, março, 1993.), em artigo recente, afirma que só há uma saída para deter o movimento perverso no qual se vê presa a economia brasileira: “reinventar a moeda!” De fato, é disso que se trata. Para além das medidas de ajuste usuais e do necessário realinhamento das contas públicas, principalmente no que tange ao equilíbrio entre o fluxo fiscal e o estoque de dívida, parece, portanto, indispensável que os policy makers levem em consideração as características institucionais do processo inflacionário brasileiro. Por essa ótica, as medidas provisórias e os “pacotes”, por tecnicamente perfeitos que sejam, nunca serão os meios mais adequados, a menos que venham acompanhados de instrumentos capazes de conceder-lhes uma nova e menos perversa feição institucional16 16 Sobre essa questão, diz Toledo, em conclusão a uma análise que desenvolve sobre o Plano Cavallo da Argentina: “Não há truques ou mágicas capazes de eliminar o processo hiperinflacionário em economias subdesenvolvidas e conflituosas, como a Argentina e o Brasil”, considerando, em seguida, que só um programa abrangente de reformas estruturais será capaz de lograra estabilização. Para o autor, um tal programa requer duas bases políticas: “um pacto/ acordo político-social e reformas institucionais” (1992: 12). . A tarefa está longe de ser simples, visto que a obtenção desse indispensável e saudável adereço passa por alterações profundas na própria forma das relações Estado-sociedade no Brasil. Nesse sentido, a precariedade representativa de nosso sistema político é mais um obstáculo a ser vencido. A despeito de todas essas dificuldades, no entanto, não parece restar-nos outra saída, visto que todas as demais alternativas em termos de política econômica stricto sensu foram já experimentadas, e com os resultados que sobejamente conhecemos.

REFERÊNCIAS

  • BACHA, E. (1988). “Moeda, inércia e conflito: reflexões sobre políticas de estabilização no Brasil”. Política e Programação Econômica, 18(1), abril, 1988.
  • BIER, A., L. M. Paulani e R. P. Messenberg, (1989). “Hiperinflação: a economia brasileira no fio da navalha”. In J. M. Rego, org. A aceleração recente da inflação: A teoria da inflação inercial reexaminada São Paulo: Bienal.
  • BRESSER-PEREIRA, L. C. (1992). “1992 A estabilização necessária”. Revista de Economia Política, 12(3), jul.-set.
  • DE VILLÉ, P. (1990). “Comportements concurrentiels et équilibre général: de la necessité des institutions”. Economie appliquée, vol. XLIII, nº 3.
  • DELFIM NETTO, A. (1993). “1983 e 1993: lições para ancorar a economia”. Informações FIPE, nº 150, março, 1993.
  • FRENKEL, S.H. (1977). Money, two philosophies-The conflict of trust and authority Oxford, Basil Blackwell Publisher Ltd.
  • GIDDENS, A. (1991). As consequências da modernidade São Paulo: UNESP.
  • HAHN, F. (1981). Money and inflation Cambridge: The MIT Press.
  • HIRSCHMAN, A. O. (1986). A Economia como Ciência Moral e Política São Paulo: Brasiliense.
  • LANGLOIS, R. (1986). Economic as a process. The new institutional economics Cambridge: Cambridge University Press.
  • MARX, K. (1974). “Para a crítica da economia política”. In Marx. São Paulo: Abril Cultural, coleção “Os Pensadores”.
  • MOURA DA SILVA, A. (1992).”Em busca da estabilidade de preços”. Informações FIPE , nº 145, set.-out./1992.
  • PAULANI, L. M. (1991). “Do conceito de dinheiro e do dinheiro como conceito”. São Paulo, IPE/USP, tese de doutoramento.
  • TOLEDO, J.E. (1992). “Argentina: Cavallo, galope para o desastre?” Revista de Economia Política, 12(3), jul.
  • 1
    Descarto aqui como resposta possível para explicar o fracasso dos planos de estabilização uma das hipóteses levantadas por Bresser-Pereira (1992BRESSER-PEREIRA, L. C. (1992). “1992 A estabilização necessária”. Revista de Economia Política, 12(3), jul.-set.), qual seja a da falta de competência dos economistas. Não vejo por que existiria aqui menos competência técnica do que no Chile, na Argentina, no México, na Bolívia ou na Alemanha de 1923. Ainda que erros meramente “técnicos” possam ter sido cometidos, a sufocante permanência do problema remete a meu ver muito mais para as limitações da teoria econômica enquanto tal (ou seja, para sua incapacidade de dar conta da complexidade da situação), e, nesse sentido, para o reduzido poder de fogo dos instrumentos usuais de política econômica (ortodoxos ou heterodoxos).
  • 2
    Desconsidero aqui a taxa oficial de inflação do ano de 1986 (que ficou abaixo dessa marca) por motivos óbvios: a explosão dos preços após as eleições de novembro, a controvérsia em tomo dos índices etc.
  • 3
    Para uma resenha dos diversos programas de pesquisa que seguem essa linha, v. Langlois (1986LANGLOIS, R. (1986). Economic as a process. The new institutional economics. Cambridge: Cambridge University Press.), caps. l e 10.
  • 4
    A esse respeito, diz Marx: “Só no século XVIII, na ‘sociedade burguesa’, as diversas formas do conjunto social passaram a apresentar-se ao indivíduo como simples meios de ele realizar seus fins privados ( ... ). Todavia, a época que produz esse ponto de vista, o do indivíduo isolado, é precisamente aquela na qual as relações sociais ( ... ) alcançaram o mais alto grau de desenvolvimento. O homem é no sentido mais literal um zoon politikon, não só animal social, mas animal só pode isolar-se em sociedade” (1974MARX, K. (1974). “Para a crítica da economia política”. In Marx. São Paulo: Abril Cultural, coleção “Os Pensadores”.: 10).
  • 5
    Como diz Hahn, “o desafio mais sério que a existência do dinheiro coloca ao teórico é: o modelo mais bem desenvolvido de economia não consegue encontrar lugar para ele. O modelo mais bem desenvolvido é, evidentemente, a versão Arrow-Debreu do equilíbrio geral walrasiano” (1981HAHN, F. (1981). Money and inflation. Cambridge: The MIT Press.: 1). A esse respeito, v. Paulani, 1991PAULANI, L. M. (1991). “Do conceito de dinheiro e do dinheiro como conceito”. São Paulo, IPE/USP, tese de doutoramento.: 69-74.
  • 6
    A esse respeito, De Villé (1991: 15-6) afirma que, paradoxalmente, o único modelo em que o mercado e a concorrência “fundam” a ordem social - o modelo de equilíbrio geral com o consequente estado de concorrência perfeita - é precisamente aquele em que a sociedade (entendida como conjunto de relações e interações sociais) está ausente.
  • 7
    Hirschman (1986HIRSCHMAN, A. O. (1986). A Economia como Ciência Moral e Política. São Paulo: Brasiliense.), já há algum tempo, se preocupa com essas questões e, ainda que sem tentar estruturar uma nova teoria econômica que tome por base as instituições, chega a resultados bem interessantes. Mostra, por exemplo, que a introdução de considerações de ordem moral pode melhorar os resultados advindos do funcionamento do mercado.
  • 8
    V. a esse respeito Frankel, 1977FRENKEL, S.H. (1977). Money, two philosophies-The conflict of trust and authority. Oxford, Basil Blackwell Publisher Ltd.: 8; Giddens, 1991GIDDENS, A. (1991). As consequências da modernidade. São Paulo: UNESP.: 32; e Paulani, 1991PAULANI, L. M. (1991). “Do conceito de dinheiro e do dinheiro como conceito”. São Paulo, IPE/USP, tese de doutoramento.: 187-92.
  • 9
    Desconsidera-se aqui, é claro, o processo de criação de moeda pelos bancos via multiplicador, não só porque seus limites são estreitos, mas fundamentalmente porque as autoridades monetárias podem influir nesse processo.
  • 10
    A peculiaridade dessa relação talvez possa ser traduzida, ainda que sem muito rigor, pelo termo “paternalismo”, e implica, entre outros resultados perversos do ponto de vista da consistência social, o prebendalismo e a “privatização da coisa pública”.
  • 11
    Pode ser interessante aqui um confronto com o Plano Collor. Seus policy makers agiram como se tivessem consciência da existência também de problemas de cooperação. Tentou-se, pois, por intermédio do sequestro de ativos, introduzir um esquema de racionamento que gerasse a cooperação entre um agente coletivo (o governo, enquanto devedor) e uma coleção de agentes individuais (seus credores internos). Depois de tudo o que ocorreu, no entanto, temos o direito de pensar que toda essa violência constitucional tenha ocorrido simplesmente para abrir ainda mais as possibilidades de enriquecimento do esquema PC através da intermediação para a abertura das “torneirinhas”.
  • 12
    V. a esse respeito Bier, Paulani e Messenberg (1989BIER, A., L. M. Paulani e R. P. Messenberg, (1989). “Hiperinflação: a economia brasileira no fio da navalha”. In J. M. Rego, org. A aceleração recente da inflação: A teoria da inflação inercial reexaminada. São Paulo: Bienal.).
  • 13
    Como é sabido, a resposta do governo ao crescimento dos preços e, pois, à desvalorização da base real pelo imposto inflacionário é a elevação dessa base. O governo se beneficia, contudo, do processo como um todo, obtendo o que se convencionou denominar” ganho de senhoriagem” ou senhoriagem real. Formalmente, temos: ∆M/P=pM/P+∆(M/P), em que ∆M/P é a senhoriagem real, M/P é o imposto inflacionário e (∆M/P) é a variação da base real.
  • 14
    A esse respeito diz Delfim Netto (1993DELFIM NETTO, A. (1993). “1983 e 1993: lições para ancorar a economia”. Informações FIPE, nº 150, março, 1993.:4): “ ... dada a existência de ‘ilusão monetária’, uma parte importante da população confunde ‘correção monetária’ com ‘aumento de riqueza’ (o que deve ser lembrado em qualquer programa de estabilização)”.
  • 15
    Os extratos de renda média e média alta (altos assalariados, profissionais liberais e pequenos produtores e empreendedores autônomos), apesar de não sofrerem de nenhum tipo de “ilusão monetária”, conseguem defender-se com facilidade a partir do advento dos fundões e das contas remuneradas.
  • 16
    Sobre essa questão, diz Toledo, em conclusão a uma análise que desenvolve sobre o Plano Cavallo da Argentina: “Não há truques ou mágicas capazes de eliminar o processo hiperinflacionário em economias subdesenvolvidas e conflituosas, como a Argentina e o Brasil”, considerando, em seguida, que só um programa abrangente de reformas estruturais será capaz de lograra estabilização. Para o autor, um tal programa requer duas bases políticas: “um pacto/ acordo político-social e reformas institucionais” (1992TOLEDO, J.E. (1992). “Argentina: Cavallo, galope para o desastre?” Revista de Economia Política, 12(3), jul.: 12).
  • 17
    JEL Classification: E31; E51.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1994
Centro de Economia Política Rua Araripina, 106, CEP 05603-030 São Paulo - SP, Tel. (55 11) 3816-6053 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: cecilia.heise@bjpe.org.br