Acessibilidade / Reportar erro

Deságio das moedas da privatização: o efeito do diferencial de juros

Price of the currencies of privatisation: the effect of different interest rates

Resumo

Este artigo desenvolve algumas fórmulas para calcular a diferença entre o preço das moedas de privatização (o chamado “junk money”) no mercado secundário e seu valor de face. É exposta uma matriz de resultados, baseada em diferentes regras de pagamento da dívida pública e diversos custos de oportunidade (taxas de desconto). Os resultados são úteis para distinguir o efeito das diferenças entre a taxa de juros das moedas de privatização e a taxa de juros esperada do mercado livre do efeito causado pela falta de credibilidade do governo.

Palavras-chave:
Dívida pública

Abstract

This article develops some formulas to calculate the difference between the price of the currencies of privatization (so-called “junk money”) in the secondary market and their face value. A matrix of results, based on different rules of payment of public debt, and several costs of opportunity (rates of discount) is exposed. The results are useful to distinguish the effect of differences between the rate of interest of the privatization currencies and the expected free-market rate of interest from the effect caused by the lack of government credibility.

Keywords:
Public debt

1. INTRODUÇÃO

O processo brasileiro de desestatização tem sido caracterizado pelo uso intensivo das chamadas “moedas da privatização”. Trata-se de títulos de dívida pública vencidos e a respeito dos quais os agentes passaram a ter dúvidas em relação ao seu pagamento efetivo (principal e juros) por parte do governo. Em função (i) dessas dúvidas e (ii) da diferença entre a rentabilidade real fixa desses papéis e a rentabilidade esperada de aplicações alternativas, desenvolveu-se um mercado secundário, em que aqueles títulos são negociados com deságio. Este artigo procura distinguir esses dois efeitos, separando a parcela do deságio associada à falta de credibilidade do governo- e, portanto, à falta de confiança no pagamento das suas dívidas - da parcela restante do deságio, relacionada com o diferencial entre a taxa de juros das “moedas da privatização” e a taxa esperada de mercado resultante da aplicação de recursos livres.

O texto se divide em três partes. Depois desta breve introdução, na segunda seção são desenvolvidas as fórmulas utilizadas, enquanto na última seção são apresentados e comentados os resultados.

2. O CÁLCULO DO DESÁGIO

Consideram-se três tipos de instrumentos de dívida pública, com diferentes esquemas de pagamento, quais sejam:

  1. Pagamento anual de juros, no fim de cada período de 12 meses, e pagamento integral do principal no fim do prazo do título.

  2. Capitalização sistemática dos juros e pagamento integral do principal e dos juros capitalizados no fim do prazo do título.

  3. Pagamento anual dos juros, no fim de cada período de 12 meses, e amortização gradual e homogênea do principal ao longo do tempo.

Note-se que o esquema A tem um paralelo com o Zero Cupom Bond do recente acordo da dívida externa (mas sem garantias formais e com juros fixos), e B envolve um único desembolso de principal e juros no fim do prazo do título, enquanto o esquema C é similar ao pagamento contratual previsto nos empréstimos externos dos anos 70 e começo dos anos 80.

Em todos os casos, para simplificar, trabalharemos com taxas reais de remuneração, ignorando a inflação.

Na medida em que a taxa real de juros das dívidas usadas como “moedas da privatização” (r) seja menor que a taxa real de retomo das aplicações de mercado (i), entendida como custo de oportunidade, haverá um deságio pelo qual aquelas dívidas poderão ser vendidas a terceiros no mercado secundário, mesmo que os agentes confiem plenamente em que a dívida seja honrada. É justamente o cálculo desse deságio, ainda admitindo credibilidade integral, que constitui a razão de ser deste trabalho. Naturalmente, o deságio em questão é uma função direta da diferença entre i e r e do prazo do título governamental.

O deságio é definido como:

d = 1 - k (1)

em que k é a cotação do título no mercado secundário. O valor de k, por sua vez, depende de i e r e do prazo do papel a partir da operação financeira em questão - e não a partir da emissão do título original, já vencido -, medido em anos (N).

No caso do esquema de pagamento A, o valor de k é definido dividindo-se pelo valor da dívida a soma do valor presente dos fluxos de juros descontados com a dívida final - igual à inicial -, também descontada, conforme:

k = t = 1 N r / 1 + i t + 1 / 1 + i N (2.1)

em que t é o tempo. O somatório do lado direito da equação é uma progressão geométrica (PG), cujo primeiro termo é [r/( 1 +i)] e possui razão [ 1/(1 +i)]. Consequentemente, a equação pode ser reescrita como:

k = r / 1 + i 1 1 / 1 + i N / 1 - 1 / 1 + i + 1 / 1 + i N (2.2)

e simplificando, como:

k = r / i 1 - 1 / 1 + i N + 1 / 1 + i N (2.3)

No caso do esquema de pagamento B, o valor de k é redefinido como:

k = 1 + r N / 1 + i N (3)

Por último, no esquema de pagamento C, o valor de k é obtido a partir dos fluxos de serviço futuro da dívida (juros+ amortizações), medidos a valor presente e dividindo-se a soma de tais fluxos pela dívida inicial:

k = r / 1 + i + r . N - 1 / N ) / 1 + i 2 + . . . + r . 1 / N . [ 1 / 1 + i N ] + t = 1 N a / 1 + i t (4.1)

em que a= (1/N). Na medida em que o último termo dessa equação é uma progressão geométrica similar à de (2.1), é possível utilizar o mesmo procedimento adotado para transformar (2.1) em (2.3) e chegar a:

k = r / 1 + i + r . N - 1 / N / 1 + i 2 + . . . + r . 1 / N . 1 / 1 + i N ] + a / i . 1 - 1 / 1 + i N (4.2)

3. OS RESULTADOS

A Tabela 1 apresenta os resultados do deságio obtido pela substituição do valor de k em (2.3); (3) ou (4.2) em (1), para os esquemas de pagamento A, B e C, respectivamente. Em todos os casos foi assumido um valor de r de 6%, que é a taxa de juros de diversas “moedas da privatização” (debêntures da Siderbras, dívidas securitizadas, Obrigações do Fundo Nacional de Desenvolvimento - OFNDs etc.)

A tabela mostra que:

  1. o deságio aumenta para maiores valores da taxa de juros de mercado e do prazo de pagamento;

  2. para dados valores de i e N, o valor das taxas de deságio dos três esquemas de pagamento obedece à relação B > A > C.

Essa relação (ii) explica-se pela diferença entre as formas de pagamento da dívida - por parte do governo - associadas a cada esquema. De fato, o esquema C (juros pagos anualmente e amortização gradual) é, naturalmente, o que implica o menor deságio, na medida em que o detentor do papel vai recuperando o seu capital ao longo do tempo, tendo a liberdade para fazer aplicações alternativas mais rentáveis. No caso do esquema A (juros pagos anualmente e amortização integral no fim do prazo), isso é atenuado pelo fato de que o principal é pago em uma única parcela. Por último, no esquema B, na medida em que também os juros são pagos apenas no fim do prazo, o detentor do papel é privado de fazer qualquer aplicação alternativa durante todo o período de vigência do prazo do papel e, assim, é lógico que o deságio seja o maior de todos).

Tabela 1
Taxas de deságio (%)
Quadro 1

O quadro apresenta as características das chamadas “dívidas securitizadas” incluídas no PND - Programa Nacional de Desestatização. Tais dívidas constituem um dos instrumentos de endividamento aceitos como pagamento na venda das empresas estatais junto com os outros títulos anteriormente mencionados. A forma de pagamento dos juros não foi incluída porque não foi divulgado o detalhamento respectivo de diversas dívidas. No caso daquelas dívidas em relação às quais o tipo de pagamento dos juros é conhecido, prevalece a modalidade de capitalização, nas situações em que a amortização é feita também através de um único pagamento no final. Considerando conjuntamente as amortizações e os juros, portanto, a maior parte das dívidas parece se enquadrar, grosso modo, nos esquemas denominados A e B.

Isso posto, cabe destacar que, para valores de i similares àqueles que têm sido usados como taxa de desconto para o cálculo do preço mínimo de venda das empresas estatais - da ordem de 15% a 18 % ao ano -, os deságios da Tabela 1 vão de 34% (i=15%; N=6 anos) até 66% (i=18%; N=l0 anos), dentro do intervalo mencionado de i e sem considerar o esquema C. Esses valores devem ser comparados com os deságios observados empiricamente no mercado, que têm oscilado entre 50% e· 60%. Os resultados, portanto, sugerem que, para valores de i mais elevados, o efeito do diferencial de juros entre i e r se sobrepõe ao efeito de falta de credibilidade do governo, o que de certa forma justifica a própria realização do presente trabalho.

  • 1
    JEL Classification: H63.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1994
Centro de Economia Política Rua Araripina, 106, CEP 05603-030 São Paulo - SP, Tel. (55 11) 3816-6053 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: cecilia.heise@bjpe.org.br