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Globalização, competitividade e novas regras de comércio mundial

Globalization, competitiveness and new rules for the world market

RESUMO

Com a reforma de liberalização comercial de 1990, a indústria brasileira iniciou um profundo processo de reestruturação para aumentar sua integração com a economia mundial. Portanto, é importante entender as forças que atuam na revolução da tecnologia da informação e na globalização como as duas forças mais importantes que impulsionam a transformação do mercado de palavras, definindo uma nova vantagem competitiva.

PALAVRAS-CHAVE:
Globalização; liberalização; crescimento econômico

ABSTRACT

With the trade liberalization reform of 1990 Brazilian industry started a deep process of restructuring to increase its integration with the word economy. So, it is important to understand the forces operating in information technology revolution and globalization as two most important forces driving the transformation in the word market, defining a new competitive advantage.

KEYWORDS:
Globalization; liberalization; economic growth

Com a profunda reforma da política comercial em março de 1990, a indústria brasileira iniciou um processo de transformação estrutural para se integrar ao mercado mundial. O salto na produtividade do trabalho de 38% entre 1991-93 na indústria de transformação indica o início do processo de preparação para enfrentar o desafio da competição externa e a entrada numa nova fase de desenvolvimento pós-substituição de importações. O desafio que a indústria brasileira terá de enfrentar nos próximos anos não será trivial, pois ocorre num momento em que um novo paradigma tecnológico-organizacional e o processo de globalização dos mercados estão produzindo profundas transformações nas regras de operação da economia mundial e uma reestruturação industrial de longo alcance, cujos contornos não estão ainda claramente delineados.

Na verdade, a própria abertura da economia brasileira, iniciada em 1987, teve como causas mais profundas as forças globalizadoras em operação na economia mundial que deixavam claro que o modelo de desenvolvimento fechado tinha chegado ao seu final. Algumas das principais forças motoras do crescimento econômico encontram-se no comércio, investimento e financiamento internacional. O fantástico encolhimento do espaço trazido pela redução nos custos de transportes e pelas novas tecnologias de informação tomaram evidentes que não havia outra saída senão a inserção competitiva na economia mundial.

A tensão que se estabelece entre a nacionalidade e o ajuste da economia aos requisitos cada vez mais abrangentes e penetrantes do sistema liberalizado de comércio e investimento mundial não deve obscurecer o fato de que estamos diante de forças transformadoras radicais. O mercado mundial não está apenas mais internacionalizado com a expansão geográfica da atividade econômica cruzando as fronteiras nacionais, está cada vez mais globalizado, com crescente harmonização econômica e institucional. A indústria, a produção, a empresa e a fábrica estão deixando de ser fenômenos nacionais e passam a ser fortemente integradas e coordenadas globalmente. As fronteiras nacionais e o Estado-nação perdem sua importância econômica e os conceitos de soberania nacional estão sendo redefinidos.

Da mesma forma, a pressão globalizadora e a tendência de harmonização de instituições e políticas não significam abrir mão do interesse nacional. Ao contrário, o que é urgente é a redefinição pragmática do que é interesse nacional a partir do conhecimento mais aprofundado das transformações por que passa a economia mundial. É função do governo definir uma nova estratégia de desenvolvimento industrial levando em consideração as restrições concretas impostas pela nova realidade.

Este trabalho tem como objetivo apresentar uma análise das transformações que estão ocorrendo na economia mundial. Começamos, na seção 1, mostrando que as forças econômicas mais dinâmicas se localizam na economia mundial e que as transformações nas últimas décadas caminharam no sentido da crescente internacionalização do próprio processo de crescimento econômico. Em seguida, mostramos que as novas inovações tecnológicas têm um núcleo revolucionário surgido da conjugação das novas tecnologias de informação com novas organizações enxutas e flexíveis. O seu profundo alcance está no fato de provocar, de um lado, mudanças na própria forma de produção capitalista, reestruturando nos seus fundamentos básicos: a organização hierárquica e o mercado, mecanismos básicos de coordenação da atividade econômica; de outro, o encurtamento do espaço e a possibilidade de coordenação globalizada da atividade econômica.

Assim, a revolução tecnológica/organizacional e a globalização são as duas principais forças motoras que estruturam as transformações e definem as tendências marcantes no novo cenário de desenvolvimento econômico das nações na próxima década. Essas duas forças exercerão pressão, no nível microeconômico, sobre as estruturas produtivas e organizacionais, sem respeitar as fronteiras nacionais, determinando quais empresas e organizações sobreviverão com a intensificação da competição global. No nível macroeconômico e global, as mudanças tecnológicas e organizacionais estão criando também novos padrões de comércio mundial, deslocando cada vez mais os determinantes da localização da produção e a direção das exportações da vantagem comparativa tradicional e fatores sistêmicos para características organizacionais e estratégicas das empresas multinacionais. As regras de comércio também estão sofrendo mudanças profundas e, com a globalização e crescente competição entre as nações, a gestão da interdependência e dos conflitos de comércio toma a forma de acordos preferenciais, com a consequente formação de blocos regionais de comércio e de comércio administrado. Em outras palavras as regras de comércio mundial estão sendo definidas cada vez mais através de negociações e cooperação entre as nações e passaram a englobar práticas institucionais, além das fronteiras nacionais. A harmonização das diferenças nacionais é uma tendência inescapável para as nações se integrarem ao mercado mundial globalizado.

1. INTERNACIONALIZAÇÃO DO CRESCIMENTO ECONÔMICO

A economia mundial vem passando, no período do pós-guerra, por sucessivas transformações em direção à internacionalização da produção e dos mercados. Com a liberalização multilateral administrada pelo GATT (General Agreement on Tariffs and Trade), o fluxo de comércio mundial tem crescido de forma sem precedentes na história da humanidade. Expandindo-se mais rapidamente que a produção mundial, as economias nacionais tornaram-se hoje muito mais abertas. As fronteiras nacionais estão deixando de ser obstáculos à mobilidade de bens e serviços. As exportações mundiais, que representavam 12% do PNB mundial em 1965, atingiram cerca de 15% do PNB em 1990. Depois da queda no período 1980-85, devido à crise do início da década de 80, as exportações voltaram a crescer com novo vigor, aumentando 12,3%, ao ano, enquanto o PNB mundial cresceu 3,3%, ao ano, no período 1985-90. Nos anos recentes, a tendência de maior crescimento do comércio do que do produto tem-se mantido.

No rastro desse aumento do comércio mundial, as grandes empresas se internacionalizaram, aumentando o fluxo de investimentos diretos. Nas últimas décadas, em função da expansão das empresas multinacionais, o estoque de investimentos externos tem crescido mais do que o de investimentos domésticos. Os investimentos diretos no estrangeiro dos países da OCDE alcançaram US$ 302 bilhões, no período 1971-80, subindo para US$ 1,0 trilhão, no período 1981-90.

O mercado de capitais também se internacionalizou e os fluxos financeiros internacionais cresceram mais rapidamente que os empréstimos domésticos. O volume de crédito internacional do sistema bancário, que representava 1,5% do PIB mundial em 1965, aumentou para mais de 30% do PIB mundial em 1990. Nesse quadro, a interdependência entre os Estados nacionais é cada vez maior e o ambiente internacional vem ocupando gradativamente um papel cada vez mais importante na definição das políticas públicas e estratégias empresariais.

Identificando um crescimento muito mais rápido das variáveis internacionais do que das nacionais, um número cada vez maior de países em desenvolvimento tem buscado o aumento das exportações e das importações, assim como a atração de maiores fluxos de investimentos estrangeiros diretos como caminho de um crescimento mais rápido.

A análise empírica da experiência de desenvolvimento de diversos países na década de 80 mostra que existe de fato uma correlação entre desempenho das exportações e taxas maiores de crescimento. Essa correlação é maior nos países onde ocorreu a abertura econômica genuína, medida pelo crescimento conjunto de exportações e importações em relação ao PIB (Agostin & Tussie, 1993AGOSTIN, M. R.; TUSSIE, D. “Globalização, regionalização e novos dilemas da política comercial para o desenvolvimento”. Revista Brasileira de Comércio Exterior, nº 35, abril de 1993. ).

No quadro a seguir, uma análise estatística do desempenho de 34 países em desenvolvimento mostra que os países do Grupo I, que tiveram um crescimento real das exportações de manufaturados superior a 10%, ao ano, apresentaram uma taxa real de crescimento do PIB de 5,4%, ao ano, no período, superior à dos demais grupos com desempenho inferior nas exportações.

Tabela 1:
Comércio e crescimento -1980-1988

Os grupos foram assim definidos:

Grupo I: Doze países com taxas de crescimento real das exportações de manufaturados em 1980-1988 excedendo 10% a.a.: Indonésia, Turquia, Maurício, México, Tailândia, Malásia, Sri Lanka, Coréia, China, Marrocos, Hong Kong, Paquistão.

Grupo II: Doze países com taxas de crescimento real das exportações de manufaturados em 1980-1988 entre 4% e 10% a.a.: Tunísia, Chile, Egito, Cingapura, Bangladesh, Brasil, Jordânia, Zimbábue, Senegal, Índia, Costa Rica, Trinidad e Tobago.

Grupo III: Dez países com taxas de crescimento real das exportações de manufaturados em 1980-1988 menores do que 4% a.a.: Filipinas, Uruguai, Equador, Iugoslávia, Quênia, Colômbia, Guatemala, Costa do Marfim, Argentina, Peru.

Os dados do quadro acima mostram também que o forte crescimento das exportações de manufaturados, isto é, maior abertura da economia, está correlacionado com menor taxa de inflação e maior estabilidade da taxa de câmbio.

2. O NOVO PARADIGMA TECNOLÓGICO/ORGANIZACIONAL E A GLOBALIZAÇÃO

2.1 O novo paradigma tecnológico

A revolução tecnológica iniciada em meados da década de 70 nos países desenvolvidos trouxe mudanças ainda mais dramáticas para a economia mundial na década de 80. A revolução microeletrônica que deu origem às novas tecnologias de computadores e telecomunicações, conjugada à mecânica de precisão, vem provocando mudanças profundas em toda a extensão da estrutura produtiva.

Na realidade, as inovações tecnológicas ocorridas a partir de meados da década de 70 geraram um novo paradigma tecnológico/organizacional (Freeman & Perez, 1988) que traz consigo um conjunto de inovações e novos sistemas tecnológicos. Um paradigma tecnológico se define pelo seu alcance maior, gerando novos conjuntos de produtos, serviços, sistemas e indústrias. E, introduzindo novos princípios e conceitos gerais, desencadeia direta ou indiretamente profunda reestruturação em todas as atividades produtivas e mudanças nas estruturas das organizações e no próprio comportamento humano.

Os fundamentos desse novo paradigma são as novas tecnologias de informação - conjugação da tecnologia de computação e telecomunicações - e inovações organizacionais relacionadas. No núcleo dessas inovações está a combinação da revolução microeletrônica, originada nos Estados Unidos, com o modelo de organização enxuta e flexível, desenvolvido inicialmente no Japão. Esse novo paradigma está redefinindo as formas de organização da produção e de gestão, os parâmetros de desenvolvimento, desenho e comercialização de bens industriais e de serviços.

Sucessivas gerações de mecanismos microeletrônicos, crescentemente potentes, estão sendo desenvolvidas baseados em grandes progressos alcançados em inúmeras áreas científicas. Esses avanços na microeletrônica trouxeram novas gerações de equipamentos de processamento de informações e de comunicações a custos fantasticamente menores. Isso tornou possível a rápida difusão da utilização de computadores, numa crescente variedade de atividades de manipulação de informações com novas redes integradas nos diferentes estágios da produção, desenho e desenvolvimento de produtos e processos, nas atividades de engenharia, compras, estoques, vendas, finanças etc.

A utilização dos computadores e de novos equipamentos de comunicação nas indústrias e em serviços tomou possível a introdução de inovações organizacionais e de gestão, baseados na cooperação, autodisciplina, autoaperfeiçoamento contínuo e na coordenação horizontal. Essas novas formas de organização se superpõem ou substituem as antigas estruturas hierárquico-funcionais. Nesse processo, os fatores críticos da vantagem competitiva das empresas estão se deslocando dos custos de produção para os custos de transação e coordenação. No sistema de produção enxuta e flexível, as plantas e equipamentos deixam de ser especializados e passam a ter múltiplas capacidades, fazendo com que a economia de escala perca o seu papel vital no custo de produção. Alguns aspectos dessas inovações estão sumariados no quadro a seguir.

Quadro1: Mudanças
no paradigma tecnológico

Dentro do novo paradigma tecnológico importantes inovações também estão ocorrendo no treinamento e desenvolvimento de recursos humanos; nos procedimentos de compra, operação, manutenção e aperfeiçoamento das máquinas; nos lay-outs de produção orientados por processo para produto.

2.2 Network: O novo mecanismo de coordenação

É provável que a inovação mais importante e de alcance mais geral trazida pelo novo paradigma tecnológico seja o conceito de network. No sistema capitalista as atividades econômicas têm sido coordenadas pelas empresas, baseadas na organização hierárquico-funcional, e pelo mercado. Mecanismos de coordenação baseados em relações de reciprocidade tinham um papel marginal, ainda que tenham tido papel preponderante em algumas sociedades primitivas como bem mostrou Malinowski. Na fase mais recente, as grandes empresas multidivisionais internalizando transações antes executadas pelo mercado, através da integração vertical e com ganhos de escala, haviam se transformado em modelos de eficiência.

No novo paradigma tecnológico uma nova forma de organização das transações econômicas, a network, distinta de mercados e hierarquias, está se desenvolvendo. Esse novo mecanismo de coordenação baseia-se numa relação de contratação obrigacional de cooperação e reciprocidade. São relações intensivas e de longo prazo - entre funcionários e empresas ou entre empresas que envolvem confiança e obrigações mútuas. Não são relações anônimas de troca via preço pelo mercado, nem relações de subordinação hierárquica, mas contratações relacionais baseadas em normas e valores éticos, dependência mútua e interesses comuns. Os incentivos preponderantes não são materiais, mas normativos.

As networks externas às empresas substituem as relações de mercado e organizam as transações sob novas bases com fornecedores e clientes, forma joint ventures ou cooperação entre empresas rivais. Essa cooperação pode se dar nas mesmas fases da cadeia de valor-adicionado, para apropriar vantagens de sinergia ou ocorrer em fases distintas de uma mesma cadeia de valor para obter ganhos na integração e coordenação em uma rede de transações entre conjunto de produtores e consumidores.

Network expressa também a mobilidade de alianças, a flexibilidade de arranjos, a volatilidade de configurações e a multiplicidade de modos de coordenação. Em algumas partes da network global, o mercado e a hierarquia são os instrumentos de coordenação, enquanto em outras isso envolve mecanismos de cooperação e reciprocidade, baseados em elementos como confiança e reconhecimento.

A coordenação da crescentemente complexa network de consumidores, fornecedores, produção, comercialização e P&D pode ser um dos fatores críticos que diferenciam as empresas bem-sucedidas das fracassadas. A configuração interna das grandes empresas também está se tornando network com descentralização e independência das diferentes unidades ou desmembramento de grandes empresas em network de empresas menores.

Essa nova filosofia de gestão permite ganhos enormes, pois as empresas tendem a se especializar nas áreas ou atividades em que são eficientes, terceirizando as demais atividades, formando a sua network. A autonomia e o autocontrole horizontal substituem o comando e a coordenação vertical, ou a eles se superpõem. Além disso, tendo acesso aos networks de produção, tecnologia e mesmo fornecedores e clientes, as empresas podem apropriar importantes externalidades resultantes da circulação de informações e divisão de outros ativos intangíveis.

Os níveis de competitividade alcançados dentro do novo paradigma, tanto nas novas indústrias como na revitalização das antigas, representam saltos qualitativos em relação às práticas tradicionais. Empresas gigantes, com inegável eficiência e imenso acúmulo de conhecimentos científicos e tecnológicos, estão sendo seriamente abaladas pelos novos competidores e obrigadas a se adaptarem ao novo paradigma tecno-econômico.

Para enfrentar a competição não basta ter grande escala de produção e uma estrutura administrativa hierárquica capaz de executar as estratégias definidas pela alta direção. O domínio da tecnologia de produção em si é fundamental, mas não é mais garantia de controle de mercado. As grandes organizações multidivisionais estão se mostrando muito lentas e rígidas.

A organização flexível e a gestão de fatores fora da esfera da produção tornaram-se críticas. As qualificações mais demandadas dos recursos humanos estão deixando de ser especialização e disciplina, e tornando-se capaz de detectar e resolver problemas trabalhando em grupos muitas vezes interdisciplinares e com capacidade de agir estrategicamente.

Em função dessa mudança de paradigma tecno-econômico, no mundo todo as empresas estão passando por profunda reestruturação para se tornarem competitivas. Elas estão se transformando organizações mais achatadas com poucos níveis hierárquicos, ágeis e flexíveis, especializadas em atividades em que têm maior eficiência e organizando networks de produção, clientes, fornecedores, P&D, tanto em nível nacional como global. Muitas empresas gigantes se reestruturaram para se transformarem em networks de pequenas empresas. Parcerias entre rivais, antes inimagináveis, também se multiplicam.

2.3 A globalização e nova vantagem competitiva

A conjugação da tecnologia de informação e telecomunicações, com a redução no custo de transportes, estão encolhendo dramaticamente o espaço, as possibilidades e custos de transmissão de informações, dando um impulso definitivo ao fenômeno da globalização da economia mundial. Com a convergência das capacidades tecnológicas entre países desenvolvidos, a expansão das empresas multinacionais e o desenvolvimento do mercado internacional de capitais, as fronteiras nacionais e as distâncias entre as nações têm importância econômica cada vez menor. A intensificação da interdependência e o aprofundamento da integração econômica entre as nações assumiram uma proporção tal que podemos falar em globalização como o fenômeno marcante da década de 90.

Conceitualmente, o que podemos imaginar é que existem num extremo os mercados multidomésticos e noutro mercados globalizados (Porter, 1986). Nos mercados multidomésticos, com a internacionalização, as atividades econômicas transbordaram crescentemente as fronteiras nacionais e uma parte significativa está colocada sob a governança comum da hierarquia das grandes empresas transnacionais. No entanto, nesses mercados multidomésticos, a competição num país permaneceu essencialmente independente da competição em outro, e a estratégia internacional de uma empresa transnacional era uma coleção de estratégias nacionais.

Em mercados globalizados as fronteiras não contêm as atividades da cadeia de valor das empresas transnacionais que estão configuradas geograficamente e coordenadas tendo como referência o mundo todo. A competição entre as empresas ocorre em escala verdadeiramente global, reestruturando e reorganizando as atividades da sua cadeia de valor, dando nova configuração geográfica, distribuindo ou concentrando locacionalmente as atividades, e coordenando-as mais intensivamente. A introdução das novas formas de coordenação possibilitadas pelas novas tecnologias de informação permite também que as empresas encontrem uma configuração ótima da cadeia de valor adicionado, decidindo que atividades devem ser mantidas internalizadas e/ou que atividades, externalizadas.

Essa nova configuração/coordenação em escala mundial gera ganhos significativos para as empresas, dando origem a uma nova vantagem competitiva de globalização. Nessa estratégia global, as empresas transnacionais aproveitam tanto as vantagens comparativas específicas de cada país como as vantagens competitivas específicas das empresas utilizando as novas tecnologias de informação e coordenação.

Nesse novo contexto de globalização da economia mundial, pequenas diferenças nas práticas políticas ou institucionais, no regime fiscal e monetário, ou nos fatores de competitividade podem ter amplos efeitos nos fluxos de comércio e investimento de um país.

Além disso, não são apenas as grandes empresas transnacionais de países desenvolvidos que se globalizam. Em alguns setores, empresas de porte menor ou de países em desenvolvimento também se internacionalizam, tanto desenvolvendo atividades além das fronteiras nacionais como se integrando a uma network de empresas globalizadas.

Nesse quadro, as economias nacionais tornam-se substituíveis, rapidamente, do· ponto de vista locacional. Daí as profundas reformas e reestruturações por que passam os países mais dinâmicos, que objetivam ter vantagens locacionais e práticas institucionais e políticas harmonizadas com a tendência da globalização.

Em outras palavras, com a capacidade global das empresas multinacionais de transferirem ou diversificarem regionalmente as suas atividades, está surgindo um novo tipo de competição entre os países - a competição locacional. Como a mobilidade locacional dos fatores de produção tem aumentado, ampliar a competitividade sistêmica, particularmente dos fatores de menor mobilidade, deverá se tomar a prioridade estratégica dos governos nacionais.

3. MUDANÇAS NOS PADRÕES DO COMÉRCIO MUNDIAL

A dramática redução do tempo e do espaço trazida pelas novas tecnologias de informação e telecomunicações, a presença das empresas multinacionais e a crescente globalização dos mercados estão provocando mudanças complexas nos padrões de comércio e investimento internacional que exigem uma nova estrutura de análise.

A teoria tradicional de comércio internacional enfatiza a dotação de fatores de produção, trabalho, recursos naturais e capital da região, como determinantes das trocas internacionais. É a vantagem comparativa das nações, fundada na dotação de fatores, que explica o padrão de comércio internacional. As exportações de uma região incorporariam os serviços de fatores relativamente abundantes, enquanto suas importações incorporariam os serviços de fatores relativamente escassos.

As tentativas de comprovação empírica da explicação dos padrões de comércio, segundo a dotação de fatores, nunca foram bem-sucedidas. Essa explicação tem validade para analisar a localização de atividades intensivas em trabalho, tais como montagem de produtos eletrônicos nos países de baixo salário e o comércio de matérias-primas.

Entretanto, nas explicações da maior parte do comércio entre os países desenvolvidos e do comércio de bens industriais, a teoria tradicional foi sempre completada por outras hipóteses. As evidências empíricas sempre apontavam que a teoria tradicional das vantagens comparativas precisava ser complementada por outras hipóteses como economias de escala, economia de escopo, fatores do lado da demanda como diferenciação de produto, tecnologia e domínio de mercado, devido à competição imperfeita e à política governamental.

Com a globalização dos mercados e a crescente mobilidade de dotações como máquinas e equipamentos, pesquisa e desenvolvimento e capital humano com serviços de administração, engenharia, marketing, finanças etc., pode-se também esperar que o poder das explicações tradicionais baseado na dotação de fatores será cada vez menor. Em outras palavras, os fatores englobados na classificação tradicional como capital e trabalho tornaram-se também bens ou serviços comercializáveis, deixando de ser uma dotação fixa de uma região. Parcela significativa do comércio mundial de manufaturados é hoje de bens de capital. A expansão das empresas de consultoria e as novas formas de investimentos, tais como licenças, franquias, subcontratação, contratos por administração e projetos-chave na mão, também estão tornando o capital humano sofisticado, um serviço comercializado no mercado mundial.

A chamada nova teoria de comércio internacional, manifestando insatisfação em relação à teoria tradicional, desenvolveu explicações dos padrões de comércio e da competitividade a partir do exame das interações estratégicas das empresas e de governos. Nesses modelos, o comércio e os investimentos internacionais ocorrem em mercados imperfeitamente competitivos - oligopólios ou competição monopolística - em que fatores como barreiras à entrada, diferenciação de produtos, economias de escala, learning-by-doing e progresso tecnológico têm papel importante.

A nova teoria de comércio é chamada também de “teoria estratégica de comércio” porque o comércio é resultado da rivalidade estratégica entre empresas e governos, em que um pequeno número de empresas e o governo tomam decisões levando em consideração a reação dos demais participantes no mercado. Nessa análise, os governos nacionais, sob certas condições bastante restritivas, podem intervir com sucesso, alterando o resultado da competição entre as empresas (nacional x estrangeira), e aumentar o bem-estar (lucro da empresa nacional) através de subsídios ou imposição de barreiras ao comércio (A. Spence 1988SPENCE, A. M.; HAZARD, H. A. International Competitiveness. Cambridge; Ballinger Publishing Company, 1988. , Helpman, Krugman 1988). Por exemplo, se o governo de um país resolver ajudar uma empresa nacional subsidiando a atividade de P&D, e se isso der ganho de participação no mercado e maiores lucros, essa empresa poderá crescer mais rapidamente e poderá gerar spillovers e trazer ganhos para o país. Contudo, se a rival estrangeira também receber subsídio de seu governo ou reagir, não permitindo que a primeira empresa ganhe mercado, os subsídios concedidos não aumentarão nem o lucro nem o bem-estar do país.

Assim, é importante observar que os defensores da nova teoria de comércio são sempre muito cautelosos e especificam as condições em que a intervenção do governo pode trazer aumento de bem-estar para uma nação. Essas condições são específicas e dependem das características setoriais, de forma que a intervenção generalizada do governo não pode ser defendida. Portanto, a formulação de uma política industrial estratégica depende de profundas análises setoriais e de conjecturas acerca das reações das empresas estrangeiras rivais e do governo destes países.

A teoria estratégica de comércio incorpora em modelos rigorosos alguns elementos da nova realidade mundial e explica alguns aspectos dos padrões de comércio observados nas últimas décadas, como o grande volume de comércio intraindustrial e a crescente participação das empresas multinacionais no comércio mundial, particularmente nos setores de alta tecnologia. Os trabalhos empíricos mostram que o comércio mundial ocorre entre nações com dotação de fatores similar. O incremento de comércio não implica, neste caso, mudanças significativas na alocação de recursos ou renda, pois grande e crescente parcela do comércio é do tipo intraindustrial e não interindustrial. Para as empresas é mais fácil deixar de produzir uma dada linha de produtos ou componentes de um produto e se especializar onde têm eficiência, ou começar a produzir bens próximos à sua atividade principal, do que se transferirem para outra indústria. No comércio intraindustrial, o comércio entre nações aumenta nas duas direções e permite grandes ganhos de eficiência para os produtores com a utilização de insumos especializados e aumento de bem-estar para os consumidores com acesso a maior diversidade de bens.

Na América Latina e no Brasil o comércio intraindustrial também tem aumentado significativamente, conforme mostra o estudo de Renato Baumann (1991BAUMANN, R. “An appraisal of recent intra-industry trade for selected Latin American countries”. Mimeo, 1991. ).

Não há dúvida de que a nova teoria do comércio se adapta melhor para explicar os segmentos do comércio mundial com mercados altamente concentrados e dominados por oligopólios, em que os ganhos de escala com complementariedade entre empresas de um mesmo setor e a diferenciação de produto têm importante poder explicativo dos padrões de comércio mundial, como mostram os dados do comércio intraindustrial.

Entretanto, todos os indicadores mostram também uma importância crescente das empresas multinacionais no comércio mundial. As vendas das empresas multinacionais de bens e serviços alcançaram US$ 5,4 trilhões em 1992, superando, portanto, o volume de comércio mundial de bens e serviços de US$ 5 trilhões. A participação das exportações das multinacionais de um país nas suas exportações é mostrada na tabela abaixo para os Estados Unidos, onde existem estes dados.

Tabela 2:
Empresas multinacionais dos EUA Participação no comércio mundial

O comércio intrafirma também tem uma tendência persistentemente crescente. Pesquisas mostram que entre 30% a 50% das exportações das multinacionais de um determinado país são de matrizes para filiais.

As empresas multinacionais expandem suas atividades em diversos países para aproveitar as vantagens específicas de um país, para reduzir uma variedade de riscos, ou também para ter uma postura flexível face às oportunidades mutantes e, nesse processo, internalizam o comércio mundial.

O comércio intrafirma tem a ver também com a crescente capacidade de gestão global das empresas multinacionais, coordenando network global de desenho, produção e distribuição. Portanto, para explicar o comércio intrafirma, as características organizacionais e as decisões estratégicas específicas de cada empresa podem ter um papel preponderante.

Não é difícil perceber que, quando se trata de explicar o comércio em setores competitivos ou o crescente comércio intrafirma, a nova teoria do comércio tem pouco a dizer.

Mas recentemente Michael Porter (1990PORTER, M. The Comparative Advantage of Nations. Nova York, The Free Press, 1990. ) tentou revigorar a ideia de vantagem competitiva das nações como fator explicativo do comércio internacional, incorporando novos elementos à teoria tradicional. De acordo com o seu modelo, o que explica a vantagem competitiva das nações não é a dotação fixa de fatores, mas a combinação feliz de:

  • - fatores de produção,

  • - condições da demanda doméstica,

  • - estratégia, estrutura e rivalidade das empresas e

  • - indústrias de suporte.

O governo não seria o quinto fator independente, pois ele afetaria a competitividade e o comércio enquanto influencia as quatro condições anteriores.

Da formulação de Porter deriva-se a ideia de que a competitividade é sistêmica - portanto, o ambiente e instituições nacionais têm papel estratégico para que as empresas possam ser competitivas.

Esse enfoque tem a sua utilidade na formulação de políticas nacionais de competitividade, mas é difícil explicar por que fatores e condições locais teriam tanta importância num mercado globalizado em que as distâncias encolheram dramaticamente. No contexto atual de globalização, as empresas multinacionais têm as atividades de produção, vendas, e mesmo P&D localizadas em vários países, operando, como foi visto, com uma complexa network de fornecedores, clientes, produtores etc., também localizados em vários países.

David B. Yoffie e associados (1993YOFFIE, D. B. (org.) Beyond Free Trade, Firms, Government and Global Competition. Boston, Harvard Business School Press, 1993. ), no recente trabalho Beyond Free Trade-Firms, Governments and Global Competition, dão um importante passo no sentido de fazer uma síntese das diferentes teorias de comércio desenvolvendo uma estrutura analítica global. Nessa análise incorporaram-se a estrutura industrial e o papel das características organizacionais e estratégicas das empresas para explicar os padrões de comércio e investimento mundial. As empresas multinacionais podem estar operando tanto em mercados competitivos, utilizando a sua capacidade de operação global, comparando custos, detectando as características dos mercados, qualidade e serviços, quanto em mercados oligopolísticos em que as ações são ditadas por outras considerações além de custos, tais como a estratégia de barrar entradas de novas empresas, o subsídio cruzado de uma linha de produto por outro, ou por consumidores de uma região por de outras regiões etc.

O argumento básico de Yoffie é que as complexidades do comércio e investimento internacional só podem ser explicadas analisando-se a interligação de cinco fatores:

  • - vantagens comparativas do país,

  • - estrutura da indústria,

  • - atributos organizacionais e estratégicos das empresas,

  • - políticas governamentais,

  • - inércia empresarial ou inércia da história.

O modelo descreve como esses fatores interagem e sob que condições cada fator tem um papel importante a desempenhar. O esquema analítico global é apresentado graficamente a seguir:

Modelo de Yoffie

As teorias tradicionais explicariam o quadrante esquerdo inferior, operando em mercados com poucas imperfeições ou contestáveis, em que a intervenção do governo é reduzida. Evidentemente, no quadro atual de globalização não é a dotação fixa de fatores tradicionais que explica a vantagem comparativa, mas vantagens construídas.

Assim, “quando as indústrias são relativamente fragmentadas e competitivas, o ambiente nacional determinará fortemente a vantagem competitiva internacional das empresas estabelecidas no país e o padrão de comércio”. A presença de empresas multinacionais não influenciaria, por si só, o padrão de comércio, e a vantagem competitiva do país continuaria a definir a localização da produção e a direção das exportações.

Com pequena barreira à entrada e reduzida intervenção do governo, alguns dos pontos básicos que explicam a direção das exportações e as decisões de investimento estrangeiro são: os custos dos fatores, a dotação relativa de fatores, a intensidade de competição local e as características da demanda interna.

Nesses mercados fortemente competitivos e contestáveis, as intervenções do governo (tarifas, acordos preferenciais, restrição voluntária, incentivos fiscais para investimentos diretos etc.) têm efeitos marginais e dificilmente melhoram de modo duradouro a competitividade do país. Por ser um mercado fragmentado, em regra, com presença de grande número de empresas, a intervenção do governo para beneficiar as empresas nacionais é muito difícil. Daí sua reduzida intervenção.

Estudos recentes sobre a indústria têxtil (Acordo multifibras) e a indústria de calçados (Acordos de restrição voluntária) confirmam esta hipótese: apesar da intervenção do governo impondo barreiras não-tarifárias para proteger indústrias senis, as exportações dos países com vantagem comparativa continuaram penetrando nos mercados e crescendo muito acima da média mundial.

As intervenções do governo têm efeitos duradouros sobre a vantagem competitiva das nações quando direcionadas para melhorar a competitividade sistêmica, isto é, criando um ambiente mais favorável para a operação das empresas: melhorias na infraestrutura econômica e social, qualificação dos recursos humanos, sistema de financiamento, sistema tributário, estabilidade econômica e política.

No quadrante superior à esquerda do quadro tem-se o padrão de comércio determinado pela competição oligopolística. Em indústrias globalmente concentradas e com reduzida intervenção do governo é a competição oligopolística que determina o comércio. Diferenças na estrutura industrial têm efeitos, mas são as decisões estratégicas e organizacionais que têm um papel crítico na determinação locacional da produção e direção das exportações e importações.

Nessas indústrias, com barreiras à entrada elevadas, as decisões de localização da produção e decisão de exportação tornam-se função da rivalidade oligopolística global. Fatores como a estrutura da propriedade, capacidade administrativa, escolhas estratégicas discricionárias e prioridades organizacionais podem ter papel dominante.

As características do país são importantes, mas a estratégia oligopolística global é que prevalece. Nessas indústrias, como as empresas obtêm lucros acima do competitivo, a relevância dos custos comparativos de curto prazo é menor nas decisões de produção e exportação. As empresas podem também transferir lucros de uma região ou mercado para outro ou intertemporalmente.

No quadrante inferior à direita há a competição política determinando o padrão de comércio. Aqui se localizam as indústrias que operam num mercado mundial competitivo, mas com intervenção do governo - por exemplo, têxtil, calçados, aço, máquinas. A intervenção do governo afeta o comércio ao determinar a longevidade de empresas não-competitivas, sustentando as exportações de produtores locais ou impondo barreiras às importações. Mas nessas indústrias dificilmente a proteção do governo altera a estrutura fundamental da vantagem competitiva do setor, sendo, porém, um fator importante que afeta o padrão de comércio mundial do segmento.

Nas indústrias oligopolísticas em que a intervenção do governo é significativa, a competição se transforma num jogo estratégico entre empresa e governo. Trata-se da competição regulada, no quadrante superior à direita.

A intervenção do governo tem efeito estratégico direto na empresa, alterando fundamentalmente os lucros dos competidores domésticos e internacionais. Exemplos clássicos são os setores de aviação civil de grande porte, telecomunicações e supercomputadores.

O resultado final da interação estratégica e se a empresa local terá maior lucro e gerará maior emprego dependerão, evidentemente, das reações do governo e das empresas estrangeiras. Em alguns casos a política comercial estratégica pode alterar os padrões de comércio, particularmente nas indústrias de alta tecnologia, em que os efeitos dinâmicos de spillovers da pesquisa, de desenvolvimento e learning-by-doing não seriam obtidos sem a intervenção do governo.

Cabe observar, porém, que diferentes governos têm diferentes capacidades de intervenção. Os governos de alguns países são consistentemente mais eficientes nesse tipo de ação. Fatores como estrutura burocrática, tipo de relação entre setor privado e governo, valores éticos dos empresários, configuração dos grupos de interesse, papel da justiça e da opinião pública podem determinar a eficácia, ou não, das intervenções governamentais.

Importantes lições podem ser tiradas desta análise dos padrões de comércio internacional para a definição das Políticas Industrial e de Comércio Exterior:

  • a localização da produção e a direção das exportações são determinadas por uma complexa interação de fatores, podendo, em princípio, distinguir os quatro padrões representados no quadro analítico;

  • cada padrão de comércio é determinado pela interação em maior ou menor grau de cinco fatores: vantagem competitiva da nação, estrutura industrial, organização e estratégia das empresas multinacionais, política governamental e história do país;

  • a intervenção do governo em mercados competitivos pode afetar o padrão de comércio, mas não aumenta a competitividade das empresas nacionais, a não ser que atue sobre os fatores sistêmicos, melhorando a infraestrutura social e econômica e o ambiente geral do país; a longo prazo, as empresas protegidas pelo governo tendem a se tornar senis e a desaparecer, prevalecendo as empresas de países com vantagem comparativa;

  • apesar da ineficácia da intervenção do governo nos mercados competitivos a longo prazo, uma parte do comércio internacional desses mercados é explicada pela competição política com comércio administrado; nos mercados oligopolizados o comércio regulado envolve decisões estratégicas empresa/governo;

  • as características organizacionais e decisões estratégicas discricionárias das empresas multinacionais têm papel importante na determinação da localização da produção e direção do comércio nos setores altamente concentrados e oligopolizados.

4. AS NOVAS REGRAS DO COMÉRCIO MUNDIAL E A HARMONIZAÇÃO DAS DIFERENÇAS NACIONAIS

4.1 O GATT e a Organização Mundial de Comércio

A análise apresentada anteriormente, explicando os padrões de comércio mundial, abstrai o fato de que as economias nacionais interagem num mercado global, e ignora os arranjos institucionais e as regras que definem um sistema de comércio. Assumiu-se, implicitamente, que as forças econômicas acabavam por prevalecer sobre as variáveis institucionais, de forma que estas últimas poderiam ser ignoradas.

A realidade do comércio internacional é mais complexa, pois as variáveis econômicas que explicam os padrões de comércio agem dentro de um arranjo institucional e são disciplinadas por regras restritivas, que constituem o sistema de comércio mundial, englobando as práticas institucionais e políticas de cada país.

Logo após a Segunda Guerra Mundial foi instituído o sistema GATT que tinha como objetivo a liberalização multilateral, disciplinando o uso de medidas de fronteira pelos países membros. Constituiu-se, com o GATT, uma estrutura organizada e coordenada de regras e instituições que regulam o comércio mundial até hoje. É também um mecanismo multilateral para encaminhamento e resolução de controvérsias comerciais. Os princípios em que se baseia o sistema GATT são os da nação mais favorecida, que objetiva evitar a discriminação do comércio por país de origem nas fronteiras, e de tratamento nacional, para evitar a discriminação contra produtos importados dentro da fronteira nacional. Esses princípios asseguram que as concessões bilaterais se tornem multilaterais e criam um mecanismo de vigilância multilateral.

O GATT, além de um fórum de negociações, é o supervisor das regras negociadas entre as partes para a liberalização do comércio. Casos de conflitos são levados aos painéis do GATT, que podem autorizar medidas de retaliação. Apesar de não ter força de um tribunal, o GATT exerce forte pressão, obrigando politicamente o cumprimento das regras preestabelecidas.

Comas sucessivas rodadas de negociações desde 1947, o GATT, sob a hegemonia política dos Estados Unidos, conseguiu reduzir substancialmente as tarifas, contribuindo desta forma para que o comércio mundial se transformasse em elemento mais dinâmico na economia mundial durante todo o período pós-guerra. Entre os países industrializados, os valores médios (ponderados) das tarifas caíram para a faixa dos 5%.

O multilateralismo do GATT, estabelecido logo depois da Segunda Guerra Mundial, refletia também os interesse políticos dos países do Ocidente particularmente dos Estados Unidos.

Em primeiro lugar, resolveu os conflitos comerciais via negociação, evitando o desastre da década de 30 e os conflitos armados. Em segundo lugar, conteve o avanço comunista no contexto da Guerra Fria promovida pelo mundo ocidental, sob a hegemonia absoluta norte-americana. Mas, com a perda de hegemonia política dos Estados Unidos, com a ascensão da Europa e do Japão e o fim da Guerra Fria, o sistema GATT entra em crise.

Como um fórum com presença de enorme número de participantes, muitas práticas de comércio e questões conflituosas não eram cobertas, ou eram parcialmente cobertas. Para solucionar os conflitos de comércio, as nações acabavam recorrendo a mecanismos que implicaram burlar os princípios do GATT. O exemplo mais significativo são os Acordos de Restrição Voluntária de Exportações e Importações.

A globalização, juntamente com o fim da Guerra Fria e perda de hegemonia política pelos Estados Unidos, tornou o GATT um mecanismo pouco eficaz para a gestão da crescente interdependência entre as nações e de solução de conflitos de interesse. Nas últimas décadas as nações vinham procurando acordos bilaterais ou regionais para resolverem as pendências e para administrarem a interdependência e os conflitos de comércio. Os próprios Estados Unidos, desde o início da década de 80, abandonaram a defesa intransigente do multilateralismo e iniciaram negociações bilaterais.

Surpreendentemente após os longos anos de impasse nas negociações da Rodada Uruguai, que começou em 1986, ela finalmente foi concluída em dezembro de 1993. O sistema GATT saiu fortalecido com um novo mecanismo de solução de controvérsias, com a inclusão de novos temas no sistema e o reforço nas regras operacionais do comércio internacional. Mais ainda, o GATT, apenas um acordo, passa a ser uma organização com o mesmo status do FMI e do Banco Mundial, a OMC - Organização Mundial do Comércio, dentro do sistema das Nações Unidas.

Iniciada em 1986 e finalizada em 1993 em Marrakech, a Rodada Uruguai acabou sendo a mais ampla e complexa negociação do comércio internacional.

Os principais temas da negociação foram:

  • criação da OMC- Organização Mundial do Comércio que substitui o GATT que é apenas um acordo multilateral;

  • rebaixamento tarifário para os produtos de no mínimo 15% por produto e na média em 38%;

  • introdução de novos setores para o quadro do GATI e liberalização dos mesmos: agricultura, têxteis, serviços, investimentos e propriedade intelectual;

  • reforço das regras do GATT em temas como: dumping, subsídios, salvaguardas, regras de origem, licenças de importação, barreiras técnicas, medidas fitossanitárias, valoração aduaneira, inspeção de embarque;

  • negociação de um novo processo de solução de controvérsias que tornou a nova OMC mais forte;

  • prazo de implantação dos temas negociados em períodos que variam de 6 a 10 anos, a partir da instalação da nova OMC.

São esses os principais pontos da Rodada Uruguai que irão determinar as regras do comércio internacional nos próximos anos, não só dos grandes parceiros internacionais, mas também dos pequenos e médios parceiros que terão na nova OMC uma organização de supervisão e apoio para garantir seu acesso aos mercados mais protegidos dos grandes blocos comerciais.

4.2 A globalização e harmonização das diferenças nacionais

Em um importante trabalho, Robert Z. Lawrence (1991LAWRENCE, R. Z. “Perspectivas del comercio mundial en los noventa y sus implicaciones para los países em desarrollo”, Pensamiento Iberoamericano, julho de 1991. ) aponta que a globalização gerou pelo menos duas respostas diferentes no sistema de comércio mundial:

  • - Harmonização das Diferenças Nacionais - Para aqueles países cujas políticas seguem a lógica das tendências econômicas dominantes, como a globalização, as respostas têm se centrado na harmonização das diferenças nacionais: se as tendências econômicas conduzem à integração, o mesmo deve ocorrer com as práticas institucionais e as normas legais.

  • - Comércio Administrado - Alguns países, resistindo às pressões da globalização, estão realizando esforços para controlar o comércio e os investimentos, criando novas barreiras comerciais através de quotas e regras de conteúdo nacional, por exemplo, ou recorrendo a novos instrumentos não-tarifários. Em nível global, o Acordo Multifibras seria um exemplo desse tipo de reação; restrições quantitativas unilaterais, ou acordos bilaterais de restrição voluntária de exportações seriam exemplos em nível subglobal.

Dadas as diferenças nacionais, alcançar a harmonização de práticas institucionais é uma tarefa muito difícil. Assim, segundo Lawrence, tradicionalmente as regras de comércio internacional têm enfatizado aquilo que ele chama de “integração fraca”, isto é, a remoção de barreiras de comércio na fronteira e a eliminação de políticas que discriminam as empresas e os produtos estrangeiros. Um exemplo de “integração fraca” é a formação das Áreas de Livre Comércio.

Entretanto, as pressões da globalização da economia mundial exigem mudanças mais dramáticas nas economias nacionais, isto é, uma “integração profunda”, em que as principais práticas institucionais e políticas sejam harmonizadas e conciliadas, eliminando-se aquelas medidas que possam involuntariamente discriminar os países-membros. Exemplos de integração profunda são a União Europeia e o acordo de “Iniciativa de Impedimentos Estruturais”, entre os Estados Unidos e o Japão.

Da mesma forma, segundo Lawrence, como a harmonização global ou a regulação global são extremamente complexas e difíceis de serem alcançadas (crise do GATI), as respostas às pressões da tendência de globalização deverão ocorrer principalmente em nível subglobal. Por isso, os acordos de harmonização de regras ou comércio regulado têm sido, em geral, setoriais ou minilaterais.

Com as distintas reações às pressões da globalização, o sistema de comércio mundial prevalecente hoje é mais uma complexa superposição de subsistemas, frequentemente inconsistentes. O atual sistema reflete um distanciamento lento e, mais recentemente, constante, de um sistema dominado por um único conjunto de regras e disciplinas impostas originalmente pelo GATT. O sistema hoje é muito mais amplo e de complexo inter-relacionamento de disciplinas multilaterais, arranjos setoriais e acordos minilaterais de livre comércio regionais.

Com as fortes pressões trazidas pelo processo de globalização, novas questões estão sendo incorporadas ao sistema de comércio, incluindo problemas ambientais, direitos dos trabalhadores, política de competição e impedimentos estruturais. São questões além das fronteiras e que, anteriormente, pertenciam à esfera exclusivamente de soberania nacional. Essa tendência de reduzir a soberania nacional deverá se acelerar na década de 90, principalmente na direção dos países em desenvolvimento.

Além disso, os países em desenvolvimento, que tradicionalmente nas reuniões do GATT formavam um bloco coeso “terceiro-mundista”, estão se dividindo em dois grupos. De um lado estão os países que seguem as tendências da globalização e a sua lógica econômica e partiram para a negociação minilateral de harmonização das práticas institucionais, participando formalmente de acordos preferenciais ou promovendo informalmente a integração econômica como no caso dos países asiáticos da Bacia do Pacífico.

Do outro, estão os países em desenvolvimento, como o Brasil, que resistem às pressões do mercado mundial, globalizado, e em nome da soberania nacional e interesses particulares resistem à harmonização das práticas institucionais e políticas. Essas nações em desenvolvimento constituem um número cada vez menor e estão tendendo a se automarginalizar dos fluxos mais dinâmicos de comércio e principalmente dos investimentos diretos internacionais.

4.3 Subsistemas de comércio mundial

Segundo John Whalley (1993WHALLEY, J. “The Uruguai Round and the GATT: Whither the Global System?” in C. Fred Bergsten & Marcus Noland (org.). Pacific Dynamism and the International Economic System . Washington, DC, Institute for International Economics , 1993. ), o sistema global de comércio é hoje formado por quatro subsistemas internacionais, juntamente com a legislação de cada país. Os quatro subsistemas são os seguintes:

  • o subsistema multilateral, que cobre as regras multilaterais de comércio estabelecidas originalmente pelo GATT e os arranjos multilaterais negociados nas sucessivas rodadas do GATT e que ficarão sob a administração da Organização Mundial de Comércio.

  • o segundo subsistema de derrogações das regras do GATT abrange os arranjos especiais cobrindo acordos na área têxtil, agricultura e outros produtos e os acordos de restrições voluntárias de exportações de aço, automóveis, produtos eletrônicos, semicondutores e outros produtos; as medidas unilaterais do tipo Secção 301 dos Estados Unidos também fazem parte desse subsistema; são arranjos inconsistentes com os princípios de não-discriminação e transparência nas medidas de fronteira do GATT;

  • o terceiro subsistema de blocos regionais abrange os acordos preferenciais regionais (minilaterais) com a formação de diversas áreas de livre comércio e uniões aduaneiras; exemplos incluem CEE (1957), EFTA (1959), EUA-Canadá (1965, 1989), EUA-México (1987, 1989), MERCOSUL (1986, 1991) e NAFTA (1992);

  • o quarto subsistema de arranjos não-tradicionais que cobre áreas em que o comércio internacional interage com outras políticas domésticas - questões além da fronteira -, tais como política de competição e antitruste, sistema interno de distribuição, investimentos, política ambiental, legislação trabalhista, impedimentos estruturais e lei de proteção à propriedade intelectual. Estão incluídos aí os arranjos surgidos das pressões dos países desenvolvidos sobre os países em desenvolvimento.

Numa perspectiva global, as relações comerciais nos próximos anos serão afetadas pelo desenvolvimento de cada um dos quatro subsistemas de comércio e pelas reações de cada país. Na medida em que cada subsistema prevaleça, teremos diferentes cenários de comércio mundial: com o subsistema multilateral, o cenário com um super-GATT; com o subsistema de blocos regionais, o mundo dividido em blocos regionais de comércio cooperativo ou não-cooperativo; com o subsistema de regras não-tradicionais, o cenário de comércio mundial administrado; e com o subsistema de derrogações das regras do GATT, o crescente entrave do comércio.

A questão maior é saber qual dos subsistemas prevalecerá ou que combinação de subsistemas definirá o sistema global de comércio nos próximos anos. O que acontecerá com o sistema GATT, agora substituído pela OMC - Organização Mundial do Comércio? A pergunta não tem uma resposta fácil. Daí o elevado grau de incerteza existente sobre o futuro desenvolvimento do sistema de comércio mundial nos próximos anos.

O cenário mais provável é que o sistema de comércio não caminhe para nenhum extremo e que as atuais tendências mais gerais e profundas da economia mundial, particularmente a globalização, acabem prevalecendo. A nova OMC deverá se tornar um fórum e um mecanismo de negociação de conflitos de comércio, com algum poder de enforcement, mas sem a abrangência total nem o princípio único de disciplina do comércio mundial.

Nesse sentido, existe um relativo consenso sobre algumas tendências básicas que deverão prevalecer pelo menos na próxima década. As duas tendências de maior interesse, porque afetam diretamente e se constituem em oportunidade e ameaças para países como o Brasil são:

  • - A formação de blocos regionais de comércio é uma realidade e a integração regional crescente será a resposta inevitável às pressões oriundas das forças globalizadoras da economia mundial. Quase todos concordam em que os blocos regionais serão realidade do comércio nos próximos anos (ver Jaime de Melo e Arvind Panagariya, 1992MELO, J.; PANAGARIYA, A. (orgs.). New Dimensions in Regional Integration. Cambridge, Cambridge University Press, 1993. ), havendo, entretanto, incertezas se esses blocos se fecharão impondo barreiras ao comércio com terceiros, levando a uma fragmentação do comércio mundial, ou serão abertos promovendo a liberalização externa e até fortalecendo o multilateralismo.

  • - Para os países em desenvolvimento, os diferentes cenários condicionarão de diferentes formas o acesso ao mercado mundial e exigirão diferentes demandas recíprocas. Entretanto, qualquer que seja o cenário que prevaleça no comércio mundial, os países em desenvolvimento sofrerão uma pressão crescente para uma integração mais forte ao mercado mundial. Isso significa que as forças globalizadoras reduzirão a soberania e o grau de controle nacional das políticas. Consequentemente, os países em desenvolvimento, para terem maior acesso ao comércio mundial e atraírem maiores investimentos externos deverão não só abrir as suas economias, como sofrerão pressão para harmonizar as práticas comerciais e políticas relacionadas com as dos países desenvolvidos (R. Lawrence, 1991LAWRENCE, R. Z. “Perspectivas del comercio mundial en los noventa y sus implicaciones para los países em desarrollo”, Pensamiento Iberoamericano, julho de 1991. ). Como o comércio mundial será uma das fontes dinâmicas de crescimento econômico, os países em desenvolvimento dificilmente terão outra escolha senão a integração ao mercado mundial.

4.4 Os blocos regionais de comércio

Nos últimos anos tem havido um pronunciado aumento no número de acordos para remoção mútua das barreiras de comércio e para a constituição de arranjos regionais de comércio. Essa tendência à integração internacional surge das pressões das forças de globalização e deverá prevalecer nos próximos anos, juntamente com o crescente comércio administrado sob acordos não-tradicionais.

A integração regional surgiu como uma alternativa para a gestão da interdependência e de conflitos diante das dificuldades nas negociações multilaterais decorrentes do desgaste do GATT. A negociação e a harmonização de práticas comerciais num conjunto reduzido de países vizinhos são sempre mais fáceis e viáveis do que pelo conjunto de nações que participam do GATT.

Com o sucesso da União Europeia e a formação do EEE - Espaço Econômico Europeu, abrangendo além da UE e do EFTA diversos acordos preferenciais com países do leste europeu, a formação do NAFTA e o desenvolvimento do bloco informal asiático, compreendendo o Japão, os Tigres Asiáticos, a ASEAN, além da China, parcela significativa do comércio mundial já está sendo feita intra e interblocos regionais. O volume de comércio intra e interblocos, compreendendo o Bloco Europeu, o Bloco da América do Norte e o Bloco Asiático, já abrange 85% do comércio mundial.

Os dados do GATT de 1992 permitem contrastar o volume de exportações e importações mundiais dos grandes blocos regionais.

Tabela 3
Comércio internacional de mercadorias por blocos e por países selecionados-1992 (US$ bilhões)
Tabela4: Blocos
regionais Exportações lntrablocos-1992 (%)

O Bloco Europeu foi responsável por 45% das exportações mundiais se as exportações intra-UE (isto é, incluindo as exportações entre os 12 Estados-membros) forem consideradas e por 21% se apenas as exportações extra-UE forem consideradas. Foi também responsável por 45% das importações se o comércio intra-UE for incluído e por 23% se o comércio extra-UE for excluído. O valor do comércio intrabloco já é de 72%.

O Bloco América do Norte foi responsável por 17% das exportações e por 19% das importações mundiais. Cabe aqui observar que as declarações do governo americano de que o NAFTA seria o maior bloco exportador do mundo estão incorretas. Na verdade, o NAFTA- sendo uma zona de livre comércio - deve ser comparado não com a UE-União Europeia (15% das exportações), mas com o Bloco Europeu, um quase-mercado comum entre UE e a EFTA. Sendo assim, o NAFTA foi responsável por 17% das exportações mundiais em 1992, e o Bloco Europeu (UE+EFTA) foi responsável por 21 % das exportações. O valor do comércio do NAFTA intrabloco é de 33%.

O Bloco Asiático respondeu por 23% das exportações e por 18% das importações mundiais. O valor do comércio intrabloco é de 41%.

O MERCOSUL foi responsável por 1,4% das exportações mundiais e 1,1 % das importações mundiais. A América do Sul foi responsável por 2,8% das exportações e 2,9% das importações mundiais.

O importante é notar que o fenômeno da integração regional é uma das mais novas características da economia internacional do mundo de hoje e que, sem dúvida, marcará todo o processo de reorganização do sistema internacional do mundo do futuro. Portanto, o conhecimento profundo dessas tendências é um pré-requisito fundamental para definir a estratégia de inserção mundial de qualquer país. Essas tendências globais podem também ser utilizadas como um dos mais poderosos instrumentos disponíveis para promover a reestruturação econômica em países em desenvolvimento.

Os resultados positivos da experiência de integração europeia, particularmente para países como Itália, Portugal e Espanha, da experiência dos países asiáticos como Tailândia, Malásia, Indonésia e China, integrando-se aos Tigres e ao Japão com elevadíssimas taxas de crescimento e, mais recentemente, do México, com a integração à economia norte-americana, são exemplos que merecem maior atenção.

A formação de blocos regionais pode ter ainda uma grande importância política para países em desenvolvimento com sistema político frágil e incapacidade de coordenação e tomada de decisões consensuais ou que não conseguem garantir a estabilidade das políticas. Acordos com nações estrangeiras podem tornar irreversíveis as reformas e as mudanças políticas e trazer um importante elemento de estabilidade nas políticas para países em desenvolvimento. Romper acordos internacionais é sempre muito mais difícil do que mudar políticas internas. A harmonização de políticas e de práticas institucionais também tem o mesmo sentido de mudanças passarem a envolver outras nações.

Além disso, a participação em blocos regionais de comércio liderados por países desenvolvidos, como é o caso do NAFTA, pode ser um mecanismo para contornar a fragilidade do sistema político. A remoção negociada por setor das barreiras comerciais poderá dar um horizonte claro para o setor privado, definindo uma agenda de mudanças necessárias e tornando mais evidentes os problemas e os pontos de estrangulamento dos diferentes setores. Paradoxalmente, a função de planejamento de longo prazo será reconstituída de forma negociada.

5. CONCLUSÃO

A análise do contexto global em que se inserirá a economia brasileira nos próximos anos é apenas um prólogo para a discussão da questão fundamental da definição do interesse nacional e da estratégia de integração. Países como o Brasil têm exatamente dificuldade em buscar esta definição em função da fragmentação e da polarização do sistema político e consequente poder de veto dos diferentes segmentos da sociedade. Como sair desse impasse é a questão mais importante e urgente para o futuro do país.

A resposta para essa questão é demasiada complexa para abordarmos neste trabalho, mas para concluir sugerimos que a própria pressão da globalização poderá ser a solução, desencadeando um círculo virtuoso de mudanças. A globalização e a reestruturação industrial já se iniciaram com a abertura da economia brasileira em 1990. Até agora o governo, na sua fragilidade, tem-se limitado a remover os obstáculos para que as pressões transformadoras das novas tecnologias e da globalização possam atuar via mercado. Iniciadas as transformações, observa-se que essa política tem apoio quase que consensual da sociedade brasileira. Com a retomada do crescimento, as resistências políticas para a reestruturação e a redefinição do Estado serão menores. A partir disso a definição pragmática do interesse nacional com o fortalecimento do Estado será inevitável para fazer frente às forças globalizadoras.

De qualquer forma, os países que não forem capazes de implementar as reformas econômicas, institucionais e legais para aproveitarem essas novas tendências, poderão ficar marginalizados do processo de crescimento econômico. Da mesma forma, países que não estiverem aptos a estruturar um Estado forte capaz de definir e defender o interesse nacional, de forma pragmática, poderão sucumbir na competição internacional condenando a população à pobreza.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1994
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