Acessibilidade / Reportar erro

Macroeconomia com M4* * Este trabalho originou-se de um convênio entre o Banco Central do Brasil, a Fundação Getúlio Vargas e o Comitê de Divulgação do Mercado de Capitais. Os autores agradecem o financiamento, em especial à DEMAB-BACEN, e manifestam seu especial agradecimento ao prof. Mário Henrique Simonsen pelas discussões sobre o tema, que muito os ajudaram. Agradecem também ao prof. Luiz Zottman os comentários.

Macroeconomics with M4

RESUMO

Este artigo é um remake de modelos macroeconômicos comuns, como o IS-LM. Utilizamos como exógeno (sob o controle do governo) o amplo agregado monetário M4. Começamos por uma análise cuidadosa da identidade dos Walras, estendendo Simonsen (1983SIMONSEN, M. H. Dinâmica Macroeconômica. São Paulo, McGraw-Hill do Brasil, 1983.). Como resultado, é possível ver que, com M4, é necessário abandonar a curva IS (isto é, equilíbrio no mercado de bens e serviços) ou a curva LM (equilíbrio no mercado monetário). Em seguida, analisamos a demanda por M4 no Brasil. Finalmente, estudamos um modelo macroeconômico LM4 - LM. A utilidade do modelo é clara: é possível verificar diretamente o impacto das variações no M4 nas variáveis macro.

PALAVRAS-CHAVE:
Demanda por dinheiro; modelo ISLM; M4

ABSTRACT

This article is a remake of usual macroeconomic models, as the IS-LM. We use as exogenous (under the control of government) the ample monetary aggregate M4. We start by a careful analysis of the Walras’ identity, extending Simonsen (1983SIMONSEN, M. H. Dinâmica Macroeconômica. São Paulo, McGraw-Hill do Brasil, 1983.). As a result, it is possible to see that with M4 it is necessary to abandon either the IS - curve (i.e. equilibrium in the market for goods and services) or the LM - curve (equilibrium in the money market). Then, we analyze the demand for M4 in Brazil. Finally, we study a LM4 - LM macroeconomic model. The usefulness of the model is clear: one can directly verify the impact of variations on M4 in the macro variables.

KEYWORDS:
Money demand; ISLM model; M4

O agregado monetário amplo M4 é definido basicamente como o total de títulos e de moeda emitidos pelo sistema financeiro, aí incluídos o Banco Central e o Tesouro Nacional. Desde o Plano Cruzado a importância do agregado M4 tem sido discutida. Com efeito, a resposta à pergunta de qual é a taxa de remonetização ideal de uma economia que seja submetida a um plano de estabilização passa pelo M4: deve ser uma taxa tal que M4 se mantenha inalterado, de modo que haja somente substituição de títulos por moeda. É bem verdade que as coisas não são exatamente assim, mas a discussão teórica sobre a relação do M4 com as variáveis reais e nominais da economia foi muito pouco além disso. Houve manifestações isoladas na imprensa, especialmente dos professores Mário Henrique Simonsen e Edmar Bacha. Mais recentemente, Leal & Werlang (1989LEAL, C. I. S. & WERLANG, S. R. C. 6º Relatório do Convênio “Indicadores amplos de liquidez: importância para a política econômica, acompanhamento estatístico e controle”, realizado entre o Banco Central do Brasil, a Fundação Getúlio Vargas e o Comitê de Divulgação do Mercado de Capitais, 1989., 1990LEAL, C. I. S. & WERLANG, S. R. C. “O Plano Brasil Novo e o controle de M4”. In Clovis de Faro (org.). Plano Collor: Avaliações e perspectivas. Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos, 1990.) e Simonsen (1990SIMONSEN, M. H. “Aspectos técnicos do Plano Collor”. In Clóvis de Faro (org.). Plano Collor: Avaliações e perspectivas. Rio de Janeiro, LTC, 1990.) apresentaram os primeiros esboços de modelos macroeconômicos usuais, em que a variável macro M4 aparece explicitamente.

Este trabalho tem por objetivo principal a apresentação detalhada da conexão entre o modelo keynesiano generalizado IS-LM e um modelo LM4-LM. Os modelos que se utilizam da formulação IS-LM e tentam introduzir títulos fazem-no em sua grande maioria através do efeito riqueza, ou efeito Pigou. Um exemplo de um texto clássico sobre o assunto é Sargent (1979SARGENT, T. Macroeconomic Theory. Nova York, Academic Press, 1979., cap. 2). Ocorre que as evidências sobre o efeito riqueza são muito tênues. Os economistas lembram-se desse efeito só quando há excesso de demanda, ou seja, só quando o efeito é positivo. Esquecem-se de que o efeito contrário deveria ocorrer, e na mesma intensidade. O ponto de vista deste artigo é que o agregado M4 afeta diretamente a demanda agregada, sem haver a necessidade de introdução do efeito Pigou, quer na função consumo, quer na demanda de moeda. A seção 2 discute o conceito de M4, apresentando o seu sistema emissor, e ressaltando a ocorrência de dupla contagem. Essa análise é vista com mais detalhes em Leal & Werlang (1992LEAL, C. l. S. & WERLANG, S. R. C. “Uma nota sobre a contabilidade dos agregados monetários no Brasil”. Estudos Econômicos 22 (1), pp. 35-50, 1992.). Como será visto adiante, na sexta seção, essa dupla contagem não prejudica a estabilidade da função de demanda de M4, de modo que pode ser desprezada para efeitos práticos. Esse ponto mereceria um estudo mais detalhado. Na seção 3 deduz-se a demanda de M4, que será estimada para o Brasil na seção 6. Na seção 4 é feito um cuidadoso estudo da identidade de Walras (também conhecida por lei de Walras) no contexto do modelo keynesiano generalizado. Ela diz que basta que dois mercados dentre os de bens e serviços, de moeda e de títulos equilibrem-se para que o terceiro esteja em equilíbrio. Essa seção estende a dedução da identidade de Walras encontrada em Simonsen (1983SIMONSEN, M. H. Dinâmica Macroeconômica. São Paulo, McGraw-Hill do Brasil, 1983., cap.1). É irrelevante que o agregado M4 seja um híbrido de títulos e moeda. De fato, se o mercado monetário (de Ml, ou de qualquer agregado menor, como, por exemplo, base, papel-moeda em circulação - PMC, ou papel-moeda em poder do público -PMPP) estiver em equilíbrio, juntamente com o mercado de M4, segue-se que o mercado de títulos também estará. Dessa forma, na quinta seção, estuda-se um modelo análogo ao IS-LM: o modelo LM4-LM, em que o equilíbrio no mercado de bens e serviços é substituído pelo equilíbrio no mercado de M4. Aproveita-se o arcabouço teórico desenvolvido para analisar a escolha entre dívida indexada ao juro, ou a outro índice. Esse ponto também é visto em Simonsen (1990SIMONSEN, M. H. “Aspectos técnicos do Plano Collor”. In Clóvis de Faro (org.). Plano Collor: Avaliações e perspectivas. Rio de Janeiro, LTC, 1990.). Na seção seguinte, a sexta, estima-se a demanda de M4 para o Brasil na década de 80. O importante é a relativa estabilidade dos parâmetros das demandas estimadas. Como mencionado anteriormente, a estabilidade faz com que se possa utilizar o agregado M4 como variável macroeconômica, a despeito dos problemas detectados na segunda seção.

2. O AGREGADO MONETÁRIO AMPLO M4

Um sistema financeiro trabalha captando recursos através da emissão de moeda e de títulos e emprestando os recursos assim captados ao setor não financeiro. Dessa forma, gera um passivo de liquidez superior a seu ativo. Ao total do passivo de alta liquidez do sistema financeiro dá-se o nome de M4. O sistema financeiro emissor de M4 é composto de duas partes principais: a governamental (emissora de M4g) e a privada (emissora de M4p).

O sistema emissor governamental é composto do Banco Central do Brasil e do Tesouro Nacional. Aquele emite base monetária, e este, títulos públicos federais.

O balancete consolidado do Banco Central e do Tesouro Nacional pode ser visto adiante:

Figura 1
Balancete consolidado do sistema emissor de M4 governamental (Banco Central+Tesouro Nacional)

O sistema emissor governamental de M4 não inclui os tesouros estaduais e municipais. Isso ocorre por mera convenção; na definição de M4 não estão incluídos os títulos de governos estaduais ou municipais.

Do lado privado, o sistema financeiro é composto das seguintes instituições: bancos comerciais, bancos de investimento, bancos múltiplos, sociedades de crédito imobiliário1 1 Aqui incluem-se as antigas Associações de Poupança e Empréstimo, hoje inexistentes. , bancos de desenvolvimento, Banco do Brasil, Caixas Econômicas, Banco da Amazônia, Banco do Nordeste do Brasil, Banco Meridional e bancos estaduais.2 2 Incluía-se até recentemente o Banco Nacional de Crédito Cooperativo (BNCC), hoje extinto.

Assim sendo, o balancete consolidado do sistema emissor de M4 pode ser visto abaixo:

Figura 2
Balancete consolidado do sistema emissor de M4

Portanto, de modo simplificado (porque há duplas contagens3 3 Essas duplas contagens foram mencionadas por Rubens Penha Cysne em 1986, e levantadas por escrito por Ramalho (1987). ), tem-se:

M 4 = M 1 + d e p ó s i t o s d e p o u p a n ç a + d e p ó s i t o s a p r a z o + t í t u l o s p ú b l i cos f e d e r a i s f o r a d a c a r t e i r a d o B a n c o C e n t r a l

Vê-se que o agregado M4 é formado de duas partes: uma que é moeda (que não rende juros) e outra que é título (rende juros). Se se chama à segunda parte de B, tem-se:

M 4 = M l + B

Por outro lado, M4g=base monetária+títulos públicos federais fora da carteira do Banco Central. A parte de M1 que é emitida pelo governo é a base monetária, isto é, M1g=base monetária. Além disso, se se denomina Bg ao total de títulos públicos federais fora da carteira do Banco Central, tem-se que:

M 4 g = M 1 g + B g

Finalmente, por diferenças, definem-se o total de moeda M1 e o total de títulos emitidos pelo sistema financeiro privado como, respectivamente, Mlp=MlM1g e Bp=BBg. Chega-se então a:

M 4 = M 1 + B = M 4 g + M 4 p = M 1 g + B g + M l p + B p

3. A DEMANDA DE M4

Como foi visto na seção anterior, M4 é composto de duas partes conceitualmente distintas: Ml e B. Ocorre que o interesse em M4 advém, justamente, do fato de haver intensa substituição entre esses dois componentes. De um ponto de vista conceitual, contudo, nada se perde se se supuser que as demandas são estanques.

A demanda de B pode ser vista como uma demanda de um estoque de riqueza. Nesse caso, a análise da escolha envolvendo risco é aplicável.

Suponha que haja um ativo arriscado Z~, o qual, medido em termos reais, isto é, após deflacionado, renda µ em média por unidade de capital investido, tenha variância cr2 e seja normalmente distribuído. Esse ativo arriscado pode ser imaginado como o investimento feito pelas empresas do setor real. No modelo IS-LM de Keynes é esse o ativo que concorre com títulos de renda fixa na captação de recursos.

O título B rende juros nominais π (em termos logarítmicos). A taxa de inflação logarítmica é π. Desse modo, o retomo por unidade investida em B é: er-π1. Como hipótese que distingue os títulos de renda fixa do ativo arriscado acima, supõe-se que não há risco.4 4 Essa hipótese não é estritamente verdade todo o tempo, haja vista o congelamento dos ativos financeiros de 16.3.90. É de se esperar que ao redor da posse do novo governo a demanda de títulos tenha exibido uma grande variação.

Supõe-se, por simplicidade, que há um agente representativo, com utilidade da renda u(.).5 5 Simonsen (1983, cap. 9). Assim, o problema individual será saber que proporção ú) da riqueza real pessoal W será colocada em renda fixa, isto é, em B.

O problema individual escreve-se matematicamente como escolher ú) que resolva:

m a x E u W ~

em que W~ é a riqueza aleatória do indivíduo dada por:

W ~ = ω . W e r - π + 1 - ω W Z ~

Seja ω* a solução desse problema. A demanda real de títulos será:

B d P = ω * . W

Sob hipóteses tradicionais, como a de aversão absoluta ao risco decrescente com a renda, têm-se as seguintes conclusões (v., por exemplo, Simonsen, 1983SIMONSEN, M. H. Dinâmica Macroeconômica. São Paulo, McGraw-Hill do Brasil, 1983., cap. 9):

(i) B d P ω > 0 ;

(ii) B d P r - π > 0 ;

Se se supuser, adicionalmente, que a agregação das riquezas pessoais é uma função crescente da renda real permanente Y, chega-se a:

B d P = H Y , r - π c o m H Y > 0 e H r - π > 0

Assim, tem-se:

M 4 d P = M 1 d P + H Y , r - π

Contudo, a demanda de M1 é bem conhecida. Em geral, é representada como uma função crescente da renda real Y e decrescente da taxa nominal de juros r. Pode-se sempre decompor r=(rπ)+π. Isso faria com que, a priori, a dependência da demanda de M4/P com relação à taxa r-π fosse indeterminada. No caso brasileiro, no entanto, o efeito positivo na demanda de títulos muito mais que sobrepuja o efeito negativo dessa taxa real na demanda de moeda. Dessa forma, a alternativa mais relevante é considerar, no caso brasileiro, M1d/P=LY, π, função crescente da renda real e decrescente da taxa de inflação, o que é, de fato, a forma funcional de inúmeras estimativas econométricas.

Segue-se, finalmente, que:

M 4 d P = L Y , π + H Y , r - π = F Y , r - π , π

sendo

F Y > 0 , F r - π > 0 , F π < 0

Na seção 6 será feita a estimativa dessa equação para a década de 80 no Brasil.

4. A IDENTIDADE DE WALRAS

Simonsen (1983SIMONSEN, M. H. Dinâmica Macroeconômica. São Paulo, McGraw-Hill do Brasil, 1983., cap. 1) e Simonsen & Cysne (1989SIMONSEN, M. H. & CYSNE, R. P. Macroeconomia. Rio de Janeiro, Ao Livro Técnico, 1989., cap. 4) estudam detalhadamente a identidade de Walras em uma economia keynesiana; há quatro mercados: produto (ou bens e serviços), mão-de-obra, moeda e títulos, mas, um deles, o de mão-de-obra, está em permanente desequilíbrio.

A análise desta seção segue de perto a dos autores já mencionados. As diferenças residem no papel explícito do sistema financeiro, que não é introduzido pela Conexão Wickselliana.

A identidade de Walras diz simplesmente que toda renda é gasta. A hipótese de desequilíbrio a priori em um dos mercados exclui este da identidade de Walras, conforme já deduzido em Simonsen (1983SIMONSEN, M. H. Dinâmica Macroeconômica. São Paulo, McGraw-Hill do Brasil, 1983., cap. 1).

Denominando Yd a demanda do produto, Bd=BdB0 a demanda adicional de títulos, e Md=MdM0 a demanda adicional de moeda, e R a renda nominal, segue-se, em uma economia fechada e sem governo:

R = P Y d + Δ B d + Δ M d

Contudo, a renda R é igual a P.Y, supondo-se que o trabalho só gere produto. Logo:

P Y d - Y + Δ B d + Δ M d = 0

A introdução do setor externo é imediata, e pode ser vista em Simonsen (1983SIMONSEN, M. H. Dinâmica Macroeconômica. São Paulo, McGraw-Hill do Brasil, 1983., cap. 1).

Vai-se introduzir agora o governo. Para isso, sejam G = gastos totais do governo em produto, T = total de arrecadação líquida do governo, Bg0 = a oferta e títulos por parte do governo, Bg0 = a parte do estoque de títulos vigente no início do período em que foi emitida pelo governo, Mg0 = a oferta de moeda por parte do governo (oferta de base monetária) e Mg0 = o estoque de moeda emitida pelo governo no início do período. A renda do governo é T. Por outro lado, da equação orçamentária do governo,

G - T = B g 0 - B g 0 + M g 0 - M g 0

Dessa forma, a renda total dos agentes privados fica reduzida de PY para PY-T. Supondo por simplicidade de notação que o governo só oferte títulos e moeda, segue-se que, lembrando que a demanda de produto dos agentes privados agora é PYd-G:

P Y - T = P Y d - G + Δ B d + Δ M d

P Y d - Y + Δ B d + Δ M d + T - G = 0

P Y d - Y + Δ B d + Δ M d + B g 0 - B g 0 + M g 0 - M g 0 = 0

O sistema financeiro privado é introduzido por último. Aqui ocorre a dissociação entre a Conexão Wickselliana e o modelo mais geral. Supõe-se que esse sistema financeiro seja um ofertante líquido de títulos e de moeda. Sejam Mp0 a quantidade do estoque de moeda emitida pelo sistema financeiro privado no início do período (de modo que M0=Mg0+Mp0), Mp0 a quantidade de moeda por ele ofertada (de modo que M0=Mg0+Mp0), e, analogamente, Bp0 e B0, de modo que BO=BgO+BpO e B0=Bg0+Bp0.

Assim, a restrição orçamentária do sistema financeiro privado passa a ser (Yf = produto gerado pelo sistema financeiro privado, Yfd = produto demandado por esse sistema):

P Y f + B p 0 - B p 0 + M p 0 - M p 0 = P Y f d

Utilizando-se do mesmo esquema de agregação já visto, segue-se que:

P Y d - Y + Δ B d + Δ M d + B g 0 + B p 0 - B g 0 + B p 0 + M g 0 + M p 0 - M g 0 + M p 0 = 0

Porém, lembrando as definições de M0, B0, ∆Bd, DMd, vem que:

P Y d - Y + B d B g 0 + B p 0 + M d - M g 0 + M p 0 = 0

Entretanto, por definição, nessa economia, os ofertantes líquidos de títulos e moeda são o sistema financeiro privado e o governo. De forma que: Bg0+Bp0=B0 e Mg0+Mp0=M0. Daí,

P Y d - Y + B d B 0 + M d - M 0 0

Essa é a identidade de Walras nessa economia, em que se explicita o papel dos sistemas emissores de títulos e moeda. Dessa equação segue-se que, se houver equilíbrio nos mercados de títulos e moeda, então haverá equilíbrio no mercado de produto.

Por fim, lembrando que M4=B+M (seção 2), segue-se que o equilíbrio no mercado de M4, acoplado com o equilíbrio no mercado monetário, implica também o equilíbrio do mercado de títulos e, portanto, do mercado de produto.

Na seção seguinte utiliza-se esse resultado para a elaboração de um modelo agregativo de curto prazo com M4.

5. UM MODELO AGREGATIVO DE CURTO PRAZO COM M4

Introduz-se, agora, o equilíbrio no mercado de M4. Se a oferta de M4 for dada, tem-se:

M 4 P = F Y , r - π , π

Tomando, como no modelo keynesiano, como dado, no plano YXr a curva LM4 é da forma:

Figura 3

Um aumento de M4 desloca a curva para a direita.

Figura 4

Como ficou claro do exposto na seção anterior, ao considerar a curva LM4 tem-se que dispensar ou a curva IS, ou a LM usual, já que bastam dois mercados equilibrados para que o terceiro também esteja em equilíbrio.

Foi decidido que a curva IS seria ignorada: o equilíbrio dá-se apenas com as curvas LM4 e LM, como a Figura 5 ilustra.

Figura 5

Para que se veja que os efeitos na demanda agregada são idênticos aos do modelo IS-LM, basta ver o efeito de um aumento G>0 nos gastos do governo. Da restrição orçamentária do governo vê-se que M4=G. Se o aumento for efetuado com Ml constante obtêm-se os mesmos efeitos do modelo IS-LM: aumento do produto e dos juros da economia.

Figura 6

Uma segunda aplicação desse modelo é o processo de remonetização.

É mais adequada uma escolha de gráficos no plano YXr-π, Nesse caso, uma queda de n: causa um aumento da demanda de M4 e de M1 no plano YXr-π, que é desenhado a seguir:

Figura 7

Ou seja, o efeito nos juros reais fica indeterminado, mas há uma clara queda de produto. Para combater isso há que ocorrer uma remonetização. No entanto, quanto menor o efeito na curva LM4, mais próximo da remonetização que deixa o total de M4 inalterado dever-se-ia ficar. Ocorre que, na presença de altíssimas inflações para inflações muito baixas, o efeito na curva LM4 é mínimo (no plano YXr-π). Isso porque a parte da demanda de M4 que depende negativamente do juro real é justamente a demanda de Ml. E nesses processos Ml/M4 é muito baixo. Assim, a análise precedente permite que se entenda quando a hipótese de remonetização através da manutenção de M4 constante é justificada: todas as vezes que a queda de n afetar pouco a demanda de M4 (no plano YXr-π).

Por fim, vai-se utilizar este arcabouço para a análise de outro ponto que foi muito discutido: por que motivo a LFT (ou qualquer título indexado em juros) é um título mais “instabilizador” dos choques da economia?

Suponha que haja um choque exógeno de credibilidade nos títulos públicos, como o que ocorreu precedendo as eleições de novembro de 1989. Então a demanda de M4 cai, o que significa um aumento dos juros reais, para equilibrar o mesmo estoque de M4 real. Se a dívida interna, ou se boa parte de M4 for indexada aos juros, então não haverá perda de valor real desse estoque de M4, e o choque se faz sentir por inteiro. Se, por outro lado, o M4 for de dívida prefixada ou pós-fixada na taxa de inflação, o estoque real de M4 cai, acomodando parte do aumento de juros reais, diminuindo assim o impacto da queda na confiança. Esse ponto foi discutido por Simonsen (1990SIMONSEN, M. H. “Aspectos técnicos do Plano Collor”. In Clóvis de Faro (org.). Plano Collor: Avaliações e perspectivas. Rio de Janeiro, LTC, 1990.).

É importante que se tenha bem claro que o modelo desta seção permite apenas que se analisem questões macro através da utilização direta do agregado M4. Essencialmente não há “novidade” no sentido de que tenha sido descoberta uma nova relação comportamental. É somente um novo enfoque de algo já conhecido.

6. A ESTIMATIVA DA DEMANDA DE M4 NO BRASIL

A estimativa da equação de demanda de M4 para o Brasil requer ainda duas observações complementares. Primeiro, boa parte de M4 é de fato indexada à inflação passada. Por exemplo, os depósitos em cadernetas de poupança, as antigas ORTNs e OTNs, e os CDBs pós-fixados em um índice de preços qualquer. Dessa maneira, o aumento da taxa de inflação diminui a rentabilidade real desses ativos. Logo, um termo que dependa do aumento da taxa de inflação deve ser incluído do lado direito da equação de demanda por M4.

Segundo, sendo o Brasil um país que historicamente possui taxas altas de inflação, os agentes econômicos aprenderam a deixar parte do seu patrimônio líquido para poder modificá-lo o mais prontamente possível em face de variações abruptas do juro real. Esse “efeito aprendizado” pode ser mensurado usando-se o estoque de M4/P do período imediatamente anterior também do lado direito da equação de demanda.

Tomando-se então as formas log-lineares m4=log(M4), y=log(Y) tem-se que o formato geral da equação da demanda de M4 é:

m 4 t - p t = α 0 + α 1 y t + α 2 r t - π t - α 3 π t - α 4 π t - π t - 1 + α 5 m 4 t - 1 - p 4 t - 1

Após diversos estudos econométricos optou-se por estimar a equação:

μ 4 t - π = α 1 y t + α 2 r t - π t - α 3 π t - α 4 π t - π t - 1 + ε t

em que

μ 4 t = m 4 t - m 4 t - 1 e ε t ~ N 0 , σ 2

As estimativas foram realizadas para três distintos índices de produto e proxies. Utilizou-se o PIB trimestral do IPEA, com valores reais de 1980; o consumo de energia elétrica RJ/SP da Eletrobrás; e o índice de produção industrial global do IBGE. As variáveis restantes são: rct=log(Pt/Pt-1), em que P1 é o IGP-DI da Fundação Getúlio Vargas do mês t; rt = taxa acumulada bruta do overnight; e os valores de M4 usados são os de fim de mês.

Os principais resultados encontram-se resumidos nas tabelas a seguir, em que os valores entre parênteses são as estatísticas t de Student.

Equação 1
o índice de produto real utilizado é o do IPEA, constante nos meses de um mesmo trimestre civil, com valores de 1989.

Equação 2
usa-se o consumo industrial de energia elétrica RJ e SP da Eletrobrás como proxy para o índice de produto real.

Equação 3
o índice usado é o índice de produção industrial global do IBGE.

Como pode ser observado, todos os coeficientes comportam-se como esperado. Além disso, com a óbvia exceção de a1, eles são semelhantes de regressão para regressão. Conforme foi indicado ao nível de 5%, a2+a3+a4-1 não é diferente de zero em nenhum dos casos; e os desvios padrões são da ordem de 2,5%, o que é bastante bom: essas equações servem para explicar o comportamento de M4 real com um erro de apenas 2,5% ao mês.

Finalmente, ao longo do tempo os coeficientes, exceto ai’ variam pouco. Uma possível explicação para isso é o fato de a renda real só ter mostrado variação na segunda metade do período analisado, de modo que os seus efeitos passaram a ser captados de maneira mais intensa.

7. CONCLUSÃO

Este trabalho mostrou como podem ser integrados o equilíbrio no mercado de M4 e a análise IS-LM usual.

Poder-se-ia ter realizado a análise num contexto dinâmico, de modo a tirar inteiro proveito da dinâmica da demanda de M4 no Brasil, como vista na seção anterior.

Leal & Werlang (1989LEAL, C. I. S. & WERLANG, S. R. C. 6º Relatório do Convênio “Indicadores amplos de liquidez: importância para a política econômica, acompanhamento estatístico e controle”, realizado entre o Banco Central do Brasil, a Fundação Getúlio Vargas e o Comitê de Divulgação do Mercado de Capitais, 1989., 1990LEAL, C. I. S. & WERLANG, S. R. C. “O Plano Brasil Novo e o controle de M4”. In Clovis de Faro (org.). Plano Collor: Avaliações e perspectivas. Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos, 1990.) apresentam modelos dinâmicos com M4. A vantagem da utilização de M4 como variável macroeconômica é mais evidente aqui. Como efeito, pode-se estimar o LM4 com precisão muito maior do que com uma curva IS. Dessa forma, o erro na dinâmica ocorre apenas por conta da curva de Phillips.

Felizmente a elasticidade-renda de curto prazo das demandas de M4 e Ml é baixa, de modo que os parâmetros da curva de oferta agregada (curva de Phillips) pouco afetam os resultados finais (isto é, o comportamento das principais variáveis analógenas: inflação, produto e taxa de juros).

A análise dinâmica será retomada em um trabalho posterior.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • LEAL, C. I. S. & WERLANG, S. R. C. 6º Relatório do Convênio “Indicadores amplos de liquidez: importância para a política econômica, acompanhamento estatístico e controle”, realizado entre o Banco Central do Brasil, a Fundação Getúlio Vargas e o Comitê de Divulgação do Mercado de Capitais, 1989.
  • LEAL, C. l. S. & WERLANG, S. R. C. “Uma nota sobre a contabilidade dos agregados monetários no Brasil”. Estudos Econômicos 22 (1), pp. 35-50, 1992.
  • LEAL, C. I. S. & WERLANG, S. R. C. “O Plano Brasil Novo e o controle de M4”. In Clovis de Faro (org.). Plano Collor: Avaliações e perspectivas. Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos, 1990.
  • RAMALHO, V. “Especificação dos agregados monetários no Brasil: uma visão preliminar”. Instituto Brasileiro de Economia-CEMEI-FGV, nº 6/87, 1987.
  • SARGENT, T. Macroeconomic Theory. Nova York, Academic Press, 1979.
  • SIMONSEN, M. H. Dinâmica Macroeconômica. São Paulo, McGraw-Hill do Brasil, 1983.
  • SIMONSEN, M. H. “Aspectos técnicos do Plano Collor”. In Clóvis de Faro (org.). Plano Collor: Avaliações e perspectivas. Rio de Janeiro, LTC, 1990.
  • SIMONSEN, M. H. & CYSNE, R. P. Macroeconomia. Rio de Janeiro, Ao Livro Técnico, 1989.
  • 1
    Aqui incluem-se as antigas Associações de Poupança e Empréstimo, hoje inexistentes.
  • 2
    Incluía-se até recentemente o Banco Nacional de Crédito Cooperativo (BNCC), hoje extinto.
  • 3
    Essas duplas contagens foram mencionadas por Rubens Penha Cysne em 1986, e levantadas por escrito por Ramalho (1987RAMALHO, V. “Especificação dos agregados monetários no Brasil: uma visão preliminar”. Instituto Brasileiro de Economia-CEMEI-FGV, nº 6/87, 1987.).
  • 4
    Essa hipótese não é estritamente verdade todo o tempo, haja vista o congelamento dos ativos financeiros de 16.3.90. É de se esperar que ao redor da posse do novo governo a demanda de títulos tenha exibido uma grande variação.
  • 5
    Simonsen (1983SIMONSEN, M. H. Dinâmica Macroeconômica. São Paulo, McGraw-Hill do Brasil, 1983., cap. 9).
  • 7
    JEL Classification: E47; E41; E12.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Out 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1995
Centro de Economia Política Rua Araripina, 106, CEP 05603-030 São Paulo - SP, Tel. (55 11) 3816-6053 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: cecilia.heise@bjpe.org.br