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A crise da economia japonesa nos anos 90: impactos da bolha especulativa

The crisis of the Japanese economy in the 90s: impacts of the speculative bubble

RESUMO

De 1953 a 1992, o Japão atingiu as maiores taxas de crescimento econômico entre os países industrializados. Esse desempenho foi alcançado apesar de dois choques do petróleo e do endaka - a contínua valorização do iene em relação ao dólar. Este ciclo de crescimento de longo prazo foi interrompido repentinamente no início dos anos 90. A economia japonesa estagnou enquanto outros países industrializados continuaram crescendo. Isso se deveu principalmente ao estouro da “bolha econômica”. De 1990 a 1992, o valor dos terrenos urbanos e do índice do mercado de ações foi reduzido para quase metade. Como resultado, os bancos japoneses acumularam US $ 800 bilhões em ativos realizados. Este artigo pretende analisar a “crise da economia de bolha” japonesa e seus impactos de longo prazo na economia japonesa, em seu sistema financeiro e em suas relações bilaterais com os Estados Unidos.

PALAVRAS-CHAVE:
Globalização; bolhas especulativas; história econômica do Japão

ABSTRACT

From 1953 to 1992, Japan reached the highest economic growth rates among industrialized countries. This performance was achieved despite two oil shocks and the endaka - the continuous rise of the yen vis-à-vis the dollar. This long-term growth cycle came to a sudden halt in early 90’s. Japanese economy stagnated while other industrialized countries continued growing. This was mainly due to the “economic bubkle” burst. From 1990 to 1992, the value of urban land and of the stock market index were cut to almost half. As a result, Japanese banks accumulated US$ 800 billion performing assets. This paper intends to analyse the Japanese “bubble economy crisis” and its long-term impacts on the Japanese economy, on its financial system and on its bilateral relations with the United States.

KEYWORDS:
Globalization; economic bubbles; economic history of Japan

1. INTRODUÇÃO

Em agosto de 1945, depois de duas de suas cidades - Hiroshima e Nagasaki - serem completamente destruídas por bombas atômicas, o Japão decidiu render-se incondicionalmente às forças americanas. O futuro do país, naquele momento, parecia sombrio.

O esforço de guerra havia deixado a indústria local em situação de exaustão. As fontes de matérias-primas e de alimentos baratos haviam secado com a perda do império colonial. O desemprego grassava, alimentado pelos seis milhões de repatriados. A alta inflação corroía o poder de compra dos assalariados. Finalmente, o governo militar de ocupação americano impunha reformas que desestruturavam os principais grupos econômicos (zaibatsu). Diante desse quadro, poucos acreditavam que o Japão poderia novamente se reerguer. Parecia, assim, definitivamente enterrado o sonho de autonomia e de afirmação nacional que havia sustentado o bem-sucedido processo de industrialização acelerada, desde a Revolução Meiji, em 1868.1 1 Ver Torres, 1983.

Quarenta anos depois da derrota na Segunda Guerra Mundial, a situação do Japão contrasta radicalmente com o cenário pessimista inicial. Basta ver que, entre 1953 e 1973, durante o milagre econômico, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu a taxas anuais próximas a 10%, um recorde entre as economias industrialmente mais desenvolvidas. Mesmo com a desaceleração verificada após o Choque do Petróleo de 1973, os japoneses conseguiram, até 1991, crescer a mais de 4% ao ano, níveis não igualados pelo restante dos países ricos (ver o Quadro 1). Esse sucesso, aliado ao crescente superávit comercial com os Estados Unidos e à aparente dependência norte-americana de financiamento de longo prazo de capitais japoneses, parecia indicar que o Japão, na segunda metade dos anos 80, estava realmente conseguindo ameaçar economicamente o poder hegemônico dos EUA, como numa revanche pela derrota de 1945.2 2 Ver Vogel, 1986, e Gilpin, 1987.

QUADRO 1
Taxa média de crescimento anual do Produto Nacional Bruto (em %) (países selecionados)

A perspectiva de um desafio japonês foi, no entanto, afastada no início da década de 90. A despeito da continuidade dos déficits comerciais e fiscais dos Estados Unidos, o Japão deixou de ser visto como a grande ameaça potencial aos interesses e à liderança norte-americana no mundo. Desde o Acordo de Plaza, de 1985, as sucessivas valorizações do iene, a relocalização das indústrias nipônicas no exterior e, em particular, o surto especulativo verificado nos mercados de ativos de Tóquio levaram o Japão a uma crise política e econômica sem precedentes.

Esse processo resultou na mais longa e profunda recessão que os japoneses atravessaram em todo o pós-guerra. Desde 1992, sua economia praticamente estagnou. As taxas de ampliação do PIB reduziram-se a 0,7% ao ano. Como se pode ver no Quadro 1, o Japão, perdeu para os Estados Unidos, nos últimos anos, a posição entre os países ricos de liderança em termos de crescimento.

A recessão vem se mostrando ainda mais intensa no setor industrial que no restante da economia japonesa. Depois de atingir seu nível máximo em 1991, a produção manufatureira sofreu uma retração de mais de 12 pontos percentuais, nível sem precedentes na história. Trata-se, além disso, de um quadro recessivo mais profundo do que no restante dos países desenvolvidos, uma vez que a tendência do setor manufatureiro nas principais economias foi, desde 1991, de estagnação na Europa Continental e de sensível aceleração nos países anglo-saxônicos, em particular nos Estados Unidos. A divergência de indicadores é de tal ordem que os Estados Unidos já apresentam, para um intervalo de 15 anos, um desempenho industrial substancialmente superior ao dos japoneses (ver Quadro 1).

Trata-se de uma derrota importante para um sistema industrial que foi considerado, ao longo de todo o pós-guerra, um paradigma de resposta nacional tanto ao desafio do atraso econômico - anos 50 e 60 - quanto aos choques externos - elevação do preço do petróleo (1973 e 1979), aumento dos juros norte-americanos (1980) e valorização do iene (1985). Esse insucesso ocorre no cenário de uma economia internacional financeiramente globalizada e de intenso conflito político interno, que tem no fim da hegemonia de 35 anos do Partido Liberal Democrático - PLD - sua principal expressão.

Para que se possam identificar os fatores que levaram à atual crise da economia japonesa é necessário, antes de mais nada, recuar ao início da década de 80 e analisar as estratégias de ajuste adotadas pelo governo, pelas empresas e pelos bancos nipônicos para fazer frente às pressões e aos desafios impostos pelo cenário internacional, marcado pela Reaganomics e pela retomada da hegemonia norte-americana.3 3 Ver Tavares, 1982.

O marco inicial do processo remonta à decisão do Federal Reserve de, ao final de 1979, elevar suas taxas de juros a níveis sem precedentes na história dos Estados Unidos. No período que vai do início de 1980 até meados de 1982, as taxas de juros norte-americanas não só foram mantidas acima de 15% ao ano como também estiveram sujeitas a flutuações jamais vistas. Nos anos seguintes, apesar de as taxas nominais terem sido reduzidas a menos de 10% ao ano, a maior rapidez na baixa da inflação manteve as taxas reais de juros nos Estados Unidos em níveis bastante elevados.

Como consequência, a moeda americana se valorizou muito frente às de seus parceiros comerciais. Entre 1971 e 1980, o dólar havia declinado 25% em relação a uma cesta de moedas. No início de 1985, o dólar atingiu seu máximo, chegando a valer 80% mais que há cinco anos antes. Tendo em vista a magnitude das variações cambiais, era de se esperar que a competitividade das empresas americanas tanto no exterior quanto no mercado interno fosse negativamente afetada.

Todo esse processo foi ainda agravado por uma mudança brusca na política fiscal norte-americana. Em 1981, a administração Reagan decidiu reduzir impostos, aumentando o déficit público de 1% para quase 5% do Produto Nacional. Logo em seguida, a economia americana começou a crescer mais rapidamente que a média dos países da OECD, ao mesmo tempo em que o dólar se mantinha valorizado e a taxa de juros americana elevada.

A retomada da economia americana encontrou sua indústria em posição difícil para concorrer com os fabricantes estrangeiros. Simultaneamente, japoneses, europeus e outros parceiros comerciais dos Estados Unidos estavam preparados para ocupar o crescente mercado norte-americano. As contas correntes americanas não tardaram a registrar déficits cada vez maiores com o resto do mundo. Na primeira metade da década de 80, as exportações americanas estagnaram, enquanto as importações aumentaram em quase 50%, a despeito da redução do preço do petróleo. Desde então, os déficits comerciais têm sido, em geral, superiores a US$ 100 bilhões, chegando a atingir US$ 170 bilhões em 1987 (ver o Quadro 2).

QUADRO 2
Saldo comercial dos Estados Unidos e do Japão (em US$ bilhões) (1976-1994)

O Japão foi, até recentemente, o principal beneficiário direto dos déficits comerciais norte-americanos. Entre 1982 e 1986, o desequilíbrio do comércio bilateral aumentou de US$ 18,1 bilhões para US$ 51,4 bilhões em favor do Japão, mantendo-se, desde então, em torno de US$ 45,5 bilhões. Como consequência, os japoneses passaram a acumular mega-superávits em conta corrente, o que os levou a se tornarem, já em 1985, os principais credores líquidos do mundo, posição tradicionalmente ocupada pelos Estados Unidos.4 4 O montante de ativos líquidos externos do Japão, que era de menos de US$ 30 bilhões no início de 1980, atingiu quase US$ 328 bilhões em 1990 e já era superior a US$ 600 bilhões em 1994, conforme Nakamura, 1995, p. 303.

Os elevados saldos frente aos Estados Unidos colocaram o Japão diante de dois problemas importantes. O primeiro era como realizar a transferência para o exterior desses gigantescos excedentes em moeda estrangeira - basicamente dólares norte-americanos - minimizando os desajustes macroeconômicos decorrentes desse processo. O segundo era como enfrentar as pressões norte-americanas no sentido de flexibilizar as limitações às importações de bens e serviços estrangeiros e à liberalização do mercado financeiro japonês. Na visão dos Estados Unidos, o Japão deveria permitir uma maior internacionalização do iene para com isso aumentar a demanda pela moeda japonesa e, assim, permitir que o mercado auxiliasse o reequilíbrio das contas bilaterais.

O processo de liberalização financeira tomou, assim, novo impulso. Até então, seu objetivo principal era permitir que empresas nacionais pudessem acessar fontes de crédito mais baratas no exterior, muitas vezes intermediadas por bancos e securities companies japonesas, sem que isso colocasse em xeque as severas limitações que regulavam os mercados de capitais no Japão. Agora, a preocupação maior era gerenciar os desequilíbrios externos de forma a impedir uma rápida valorização do iene.

Até 1985, as principais mudanças foram efetivadas no mercado cambial. Foram eliminados os limites aos bancos japoneses no sentido de terem de manter posições abertas em moeda estrangeira e as restrições a que japoneses realizassem operações a futuro sem que fossem lastreadas em transações comerciais. As taxas de juros não foram, no entanto, utilizadas como mecanismo de reciclagem. O banco central manteve suas taxas básicas de desconto estáveis ao nível de 5% ao ano, dando, assim, continuidade à política monetária restritiva implementada desde os anos 70. Essa administração, à luz dos dados, alcançou relativo sucesso. A despeito do aumento dos ativos externos do banco central e de outras instituições públicas5 5 Tais como a Poupança Postal, o Eximbank, etc. , o setor privado - por exemplo, seguradoras - aumentou substancialmente suas posições em ativos denominados em moeda estrangeira, em particular os títulos da dívida pública norte-americana (ver o Quadro 3).

QUADRO 3
JAPÃO - Tendências do investimento interno (em US$ bilhões)

O quadro de aparente equilíbrio e tranquilidade foi definitivamente afastado com os Acordos de Plaza de 1985. Por esse instrumento, os governos das principais economias decidiram promover uma desvalorização gradual - soft landing - da moeda norte-americana. A expectativa dominante era de que o iene deveria deixar o nível em que se encontrava, de 240 unidades por dólar, para se situar em torno de 160-170 unidades. Todavia, para surpresa geral, a nova taxa, após lenta desvalorização, sustentou-se, a partir de 1987, pouco acima de 130 ienes por dólar. O choque do câmbio foi conhecido por endaka (iene forte).

No Japão, a valorização do iene provocou uma redução na taxa de crescimento da economia e na taxa de lucro dos setores exportadores. Diante desse cenário, o governo decidiu mudar sua política monetária, tornando-a profundamente expansionista. Assim, o Banco do Japão (BoJ) iniciou, em janeiro de 1986, a redução da taxa de redesconto, que estava em 5%, até que alcançasse 3% em novembro e, finalmente, 2,5% em fevereiro do ano seguinte, o menor valor registrado até então.

Um dos principais objetivos das autoridades japonesas com a nova política era criar condições para que a demanda interna crescesse, compensando a perda do impulso exportador, que havia sustentado o crescimento da economia japonesa na primeira metade dos anos 80. Essa meta foi plenamente alcançada, graças à aceleração do crescimento do consumo privado e do investimento, especialmente em novas moradias. De fato, no segundo semestre de 1987, o choque da valorização do iene já havia sido satisfatoriamente absorvido. O investimento privado em máquinas e plantas industriais passou a crescer aceleradamente, reforçando a tendência expansionista dos demais componentes da demanda interna. Nem mesmo a crise de setembro daquele ano na bolsa de valores de Tóquio, como consequência do que se passou em Nova Iorque, foi capaz de alterar o processo.

Além da recuperação do nível de atividade, a nova orientação da política monetária tinha dois outros objetivos. De um lado, fazer com que o setor privado continuasse comandando a reciclagem dos excedentes em moeda estrangeira, ampliando seu portfólio de ativos estrangeiros. De outro, pretendia abrir a possibilidade de empresas afetadas negativamente pelo endaka obterem, temporariamente, compensações financeiras em operações de arbitragem. É preciso ter em mente que, nesse mesmo período, os Estados Unidos mantiveram os juros dos Fundos Federais flutuando entre 5,5% e 7,5% ao ano. Com a redução nas taxas japonesas, ampliavam-se os diferenciais de juros a favor dos ativos denominados no dólar, de modo a compensar a expectativa de valorização do iene.

Diante desse quadro, as empresas produtivas lançaram-se com grande apetite em operações especulativas numa busca desenfreada por lucros não-operacionais. Com os ajustes ocorridos nas empresas japonesas nas décadas de 70 e 80, a tendência havia sido de muitas delas aumentarem substancialmente seus saldos de caixa. Com a desregulamentação do mercado financeiro, as corporações passaram a aproveitar as oportunidades que os mercados interno e externo lhes proporcionavam em termos de juros, câmbio, etc.

Era o zaitech, um neologismo que reúne a palavra zai, que em japonês significa dinheiro e é a raiz para o termozaimu (financiamento), com tech, do inglês technology, por analogia com high-tech. Os japoneses usam o termo zaitech para denominar as atividades de arbitragem conduzidas por empresas não-financeiras. A palavra tem uma conotação de “nova tecnologia” de administração financeira voltada para aumentar os lucros e a liquidez das corporações, através de receitas não-operacionais, em lugar da produção e venda de bens e serviços.

Apesar da explícita reação negativa de vários líderes empresariais japoneses à nova política financeira das grandes empresas, todas as grandes companhias se aproveitaram do zaitech. A crítica central era ao fato de que os lucros gerados na produção deveriam ser utilizados para fortalecer a posição de longo prazo das empresas nos mercados em que operam, e não para gerar lucros não-operacionais.

Entretanto, tais afirmações eram mais “jogo de cena” para salvar a face de líderes empresariais e de suas empresas do que uma real determinação produtivista. Basta tomar como exemplo o então presidente da Sony, Akio Morita. Enquanto ele afirmava que “é uma noção prejudicial que a gerência financeira seja mais lucrativa que investimentos em bens reais”6 6 Citado em Viner, 1987. , sua empresa obtinha, por meio de operações zaitech, 56% de seus lucros antes de impostos. A Toyota chegou a atuar tanto em arbitragens financeiras com seus US$ 850 milhões de saldos de caixa, que passou a ser conhecida como Banco Toyota. Em 1986, um grande número de empresas compensou grande parte de suas perdas com a valorização do iene (endaka) com zaitech (ver o Quadro 4).

QUADRO 4
Principais corporações zaitech em termos de lucros pré-impostos em 1986

As operações mais atraentes eram aquelas que associavam a captação de recursos no euro mercado com aplicações em ações. Muitos desses fundos eram, inclusive, aplicados em operações a futuro na bolsa de Tóquio, que então estava em boom. Entre 1986 e 1989, a tomada de recursos no exterior através da colocação de títulos conversíveis - principalmente warrant bonds7 7 Os warrant bonds são títulos denominados em moeda estrangeira sujeitos a prazo total de 10 anos e a baixas taxas de juros. - cresceu de menos de US$ 16 bilhões para mais de US$ 70 bilhões. Em 1990, com o fim do processo especulativo, o estoque desses títulos recuou a menos de US$ 30 bilhões.8 8 Uma parcela desses recursos também foi utilizada como instrumento de diversificação de portfólio de empresas japonesas no exterior. O investimento global das empresas japonesas aumentou de US$ 85 bilhões em 1985 para mais de US$ 300 bilhões em 1990. Houve nesse período um aumento substancial de investimentos diretos externos nos ramos não-manufatureiros, como imóveis, finanças e seguros e serviços. Entre os negócios que foram feitos nessa época destacam-se a compra da Columbia Pictures pela Sony, da rede de hotéis Intercontinental pela Seibu Saison e do edifício da RCA em Nova Iorque pela Sumitomo. Geograficamente esses investimentos não-manufatureiros foram em grande medida feitos fora da Ásia e representaram a maior parte dos investimentos japoneses na Europa.

À medida que as expectativas de valorização do iene eram sancionadas pelo mercado, o devedor acabava pagando, ao final da dívida, um valor em ienes inferior ao do crédito que havia tomado. Isso significa dizer que algumas empresas (kaisha) chegaram a lucrar apenas com a captação de recursos. Mesmo assim, nem todas as kaisha foram ganhadoras nesse jogo. O primeiro grande desastre ocorreu em setembro de 1987. Uma indústria química sofreu perdas no mercado de títulos superiores a seu patrimônio líquido.

O zaitech cumpriu um papel extremamente funcional para as empresas durante o endaka. Diante da queda das exportações e da redução nas margens de lucro, o zaitech foi um instrumento importante para que as empresas se mantivessem lucrativas e promovessem os investimentos de que necessitavam para revitalizar suas posições de mercado com novos produtos e novas tecnologias.

A despeito de evidências claras, já em 1987, de que o processo especulativo havia perdido sua funcionalidade e de que a aceleração nos preços dos ativos domésticos estava se tornando uma ameaça ao próprio sistema econômico japonês, o governo decidiu manter a política expansionista por mais dois anos. Certamente a Segunda-feira Negra, de 19 de outubro de 1987, quando se verificou uma queda nas bolsas em todo o mundo, foi um fator que levou as autoridades japonesas a serem mais cautelosas.

Entretanto, naquele episódio, o mercado de Tóquio, após uma queda inicial, continuou sua trajetória ascendente, enquanto nas outras bolsas de valores o boom nos preços das ações foi arrefecido. O temor de que uma reversão das expectativas provocasse a saída dos agentes privados do processo de reciclagem dos excedentes em moeda estrangeira, transferindo o encargo para o setor público, também deve ter tipo um papel importante no cálculo dos policy-makers japoneses. Não se pode, no entanto, deixar de lado a pressão exercida por empresas, bancos e políticos, beneficiários de operações zaitech, em favor da continuidade da política expansionista.

O processo especulativo, uma vez em andamento, criou condições de sua própria reprodução em escala ampliada. A valorização dos ativos ocasionava um crescimento no patrimônio dos investidores. Esse capital adicional aumentava a capacidade de endividamento das empresas junto ao setor bancário, já que no Japão os empréstimos são, geralmente, garantidos por ações ou terras. Muitas empresas faziam, então, uso desse potencial de alavancagem financeira para carrear ainda mais recursos para as bolsas e para o mercado imobiliário, ampliando ainda mais o valor desses ativos, o que realimentava o processo.

Em 1988, as exportações voltaram a se comportar favoravelmente, o que refletiu a recuperação da competitividade dos segmentos exportadores bem como a retomada do comércio internacional. As famílias aumentaram o ritmo de crescimento de seu consumo de bens duráveis, alterando o comportamento mais restritivo que haviam adotado anteriormente. As empresas, por sua vez, retomaram seus planos de investimento. A produção industrial, depois de estagnar, recuperara sua trajetória de crescimento, atingindo a taxa de 10,5% ao ano. Os principais indicadores apontavam, assim, para o fato de a economia japonesa já haver ultrapassado, com sucesso, o quadro adverso decorrente da valorização do iene. Tudo indicava que o Japão havia conseguido dar partida a um novo ciclo de crescimento, agora apoiado na demanda interna.

Para as autoridades japonesas, havia chegado o momento de lidar com o aspecto mais negativo do processo de ajuste macroeconômico: a bolha especulativa. Com a delonga de quase um ano e meio na decisão de tomar medidas de política econômica restritivas, os níveis de valorização nos mercados de capital e imobiliário haviam alcançado patamares completamente despropositados.

O índice Nikkei, por exemplo, que mede a valorização das ações na bolsa de Tóquio, havia saltado de 13.113 no último dia útil de 1985 para 26.000 em outubro de 1987, chegando a 30.000 no início de 1988. Nessa data, a capitalização da bolsa de valores japonesa representava 41,7% da capitalização mundial. O nível máximo de todos os tempos do Nikkei, 38.915, foi alcançado em dezembro de 1989. Apesar de superar três vezes os valores de quatro anos antes, a maior parte das previsões dos analistas de mercado para 1990 era de que o índice iria além da marca de 40.000 e deveria chegar ao final do ano a 48.000.

Já o preço da terra começou a aumentar antes do boom do mercado mobiliário. Em 1983, os terrenos no centro de Tóquio já davam os primeiros sinais de valorização. O processo se estendeu posteriormente às áreas urbanas de Osaka e Nagóia para chegar, em seguida, às zonas rurais. O valor imobiliário do Japão, que era estimado em US$ 4,2 trilhões ao fim de 1985, aumentou para US$ 18,4 trilhões cinco anos depois.9 9 Ver Office Franco-Japonais, 1993.

Para se ter uma ideia do que se verificou em termos de valorização imobiliária, é conveniente lembrar que em 1990 poder-se-ia, teoricamente, comprar todo o território dos Estados Unidos, uma área 28 vezes maior que a do Japão, com a venda de apenas um quarto do arquipélago japonês. Muito provavelmente, o preço de venda de todo o território do Japão deveria, nessa data, corresponder ao valor do restante das terras emersas do planeta.

No início de 1989, o Banco do Japão finalmente adotou uma política restritiva de crédito. A taxa de desconto, conforme o Gráfico 1, foi continuamente aumentada, saindo de um mínimo de 2,5%, no primeiro trimestre de 1989, até atingir 6%, no terceiro trimestre de 1990. Entretanto, como nem a bolsa de valores nem o mercado imobiliário responderam rapidamente à nova política monetária, o Ministério das Finanças decidiu ordenar aos bancos, no início de 1990, que limitassem os empréstimos destinados a imóveis. Só então a bolha cedeu.

GRÁFICO 1
Taxas de juros básicas no Japão (1987-1996)

O resultado imediato foi uma queda sistemática e pronunciada do índice Nikkei. No dia 2 de abril de 1990, quatro meses após atingir seu nível máximo, o índice havia se reduzido a 28.002, chegando a 20.221 no dia 1º. de outubro para se sustentar abaixo desse nível em 1992. A desvalorização abrupta deixou em situação ilíquida as empresas e as famílias que haviam se endividado para investir em ações, na expectativa de o mercado continuar sua tendência altista (ver o Gráfico 2).

GRÁFICO 2
Evolução do Índice Nikkei e do preço da terra no Japão (1971-1993)

A despeito de o pânico ter se instalado nas bolsas de valores, o preço da terra continuou se valorizando. Parecia que o mito da terra era realmente uma realidade. No Japão existia, até então, um axioma de que os preços dos terrenos não podiam cair. De fato, as estatísticas mostravam que um lote residencial em uma grande cidade teve seu valor multiplicado 135 vezes entre 1955 e 1985, contra sete vezes no caso de um depósito a prazo.

A partir de 1985, as empresas e as famílias aceleraram seus investimentos em imóveis. Para tanto, fizeram uso de volumosos empréstimos junto aos bancos. Entre 1985 e 1989, a carteira imobiliária dos bancos aumentou de 17 para 43 trilhões de ienes - o equivalente hoje a US$ 400 bilhões. Do mesmo modo, as instituições financeiras não-bancárias também se lançaram agressivamente nesse mercado. O saldo total de empréstimos dessas instituições cresceu, no período, de 22 para 80 trilhões de ienes, dos quais 32 bilhões representavam aplicações direcionadas para a compra de imóveis. Novamente, o risco dessas instituições recaía sobre os bancos, que haviam financiado 80% de seus ativos.

O “estouro da bolha” gerou vários impactos sobre a economia japonesa, que estão sendo sentidos até os dias de hoje. Um deles foi, como vimos anteriormente, o de lançar o país, a partir de 1992, na pior recessão de seus últimos quarenta anos. Para fazer frente à desaceleração do consumo privado e à retração da formação bruta de capital fixo, as autoridades passaram a utilizar tanto a política fiscal quanto a monetária como estímulo à demanda interna. Entretanto, a economia, a despeito de flutuações ocasionais, ainda não tem condições de sustentar um processo de crescimento (ver o Quadro 1).

Em termos fiscais, foram acionados diferentes tipos de instrumentos. De um lado, promoveu-se uma redução generalizada no imposto sobre a renda, com o objetivo de estimular o consumo das famílias, vítimas de um efeito-riqueza negativo, que ainda as mantém distantes do consumismo da segunda metade dos anos 80. De outro lado, foram aprovados orçamentos suplementares voltados para o aumento das despesas com obras públicas. Essas medidas, aliadas ao impacto da recessão sobre a receita pública, tiveram como consequência o aumento substancial do déficit dos governos central e locais, de 0,3% do PIB em 1991 para 7,7% em 1995. Como consequências, a dívida pública líquida, que vinha se reduzindo desde 1986, voltou a crescer, recuperando os níveis de meados da década anterior. Esse crescimento da dívida pública foi, no entanto, providencial para absorver a demanda crescente por títulos denominados em ienes (ver Quadro 5).

QUADRO 5
JAPÃO - Alguns indicadores fiscais (1991-1995)

Um segundo impacto da recessão provocada pelo “estouro da bolha” foi o aumento do superávit externo japonês, tanto em termos comerciais quanto em conta corrente. Em decorrência da abrupta valorização de sua moeda em 1985-1987, o Japão havia conseguido, até 1991, reduzir penosamente seu saldo comercial com seus principais parceiros comerciais. Com a retração da economia doméstica, os superávits voltaram, no período 1994-1995, a seus limites históricos máximos, no que toca aos Estados Unidos, e atingiram níveis sem precedentes em relação aos países do Sudeste da Ásia. Houve, assim, uma grande reversão no panorama de ajuste externo trilhado pelo Japão na segunda metade dos anos 80 (ver o Quadro 6).

QUADRO 6
JAPÃO - Alguns indicadores de balanço de pagamentos (1991-1995) (em US$ bilhões)

A reaceleração dos superávits externos foi, em boa medida, decorrente do ajuste recessivo que se seguiu à bolha. As empresas, em reação à frustração de suas expectativas de crescimento da demanda interna, aceleraram suas vendas ao mercado externo. Ao mesmo tempo, a redução no nível de atividade doméstico limitou as importações, fazendo com que seu valor global estagnasse no período. Este processo aumentou a rapidez do processo de reestruturação da indústria japonesa, fazendo com que declinassem ainda mais suas exportações de bens de consumo durável, especialmente na área de aparelhos audiovisuais e de informática, e aumentassem, em contrapartida, as vendas de máquinas e equipamentos. A participação desses bens na pauta japonesa aumentou de 48% em 1985 para 62% em 1994.

Uma outra mudança estrutural importante no período foi a participação crescente das economias emergentes do Sudeste da Ásia. Ao final do mesmo período, a região passou a absorver 40% das exportações japonesas, contra 24% em 1985. Em compensação, os países mais desenvolvidos perderam posição, de 62% para 52%. Em boa medida, o aumento da demanda de equipamentos nipônicos pelos países asiáticos reflete os grandes investimentos produtivos realizados por empresas japonesas na região.

A terceira consequência importante da deflação nos mercados de ativos foi a transformação da massa de capital especulativo criada durante a bolha em um pesadelo que colocava em risco não só o sistema financeiro japonês, mas também o internacional. Corno resultado da desvalorização dos imóveis e das ações, as empresas que estavam em posição especulativa passaram a apresentar prejuízos patrimoniais. As garantias dadas aos empréstimos bancários perderam valor de mercado, gerando um volume crescente de créditos insolventes. Os bancos começaram, então, a ser negativamente afetados pela crise financeira assim como as grandes securities companies, muitas das quais, como era de praxe, haviam dado a seus clientes garantia firme contra eventuais prejuízos.

Segundo o Ministério das Finanças, os créditos improdutivos ou sujeitos a reestruturação montavam a US$ 400 bilhões em março de 1995, o que representava 80% do PIB brasileiro no mesmo ano. Fontes não-oficiais admitiam, no entanto, que os valores efetivos poderiam atingir o dobro do que foi informado, ou seja, US$ 800 bilhões.

Do montante identificado pelo governo japonês, pouco menos de um terço (US$ 126 bilhões) é de responsabilidade dos grandes bancos - city banks, bancos de longo prazo e trust banks. Esses dados não incluem, no entanto, os empréstimos realizados a instituições não-bancárias que foram perdoados ou que tiveram seus juros reduzidos no intuito de apoiar a reestruturação dessas instituições. Nessa última categoria, estão reunidos créditos que somam US$ 100 bilhões.10 10 Em ienes, os valores foram estimados em 1.004 trilhões em 1985 e em 2.389 trilhões em 1990, conforme Office Franco-Japonais, 1993. São também desconsiderados nessa estatística os US$ 85 bilhões vendidos à Companhia de Aquisição de Crédito Cooperativo (CCPC). Assim, só os grandes bancos estão direta ou indiretamente envolvidos com non-performing loans, no valor global de quase US$ 300 bilhões.

A CCPC é um exemplo interessante dos instrumentos que vêm sendo utilizados pelos grandes bancos, em acordo com o governo japonês, para permitir que essas instituições obtenham vantagens fiscais e simultaneamente “limpem” seus balanços. A Companhia, que em muito se assemelha a instrumentos financeiros utilizados para reestruturação de empresas industriais afetadas pela crise dos anos 70 e 8011 11 Ver Torres, 1992. , foi criada em janeiro de 1993 com o objetivo de adquirir com desconto os créditos irrecuperáveis dos bancos. Os fundos para essas operações são, por sua vez, oriundos de empréstimos desses mesmos bancos à CCPC.

Trata-se, na prática, de operação meramente contábil. A Companhia é uma special purpose company cujo objetivo é permitir que os bancos associados retirem de seus balanços ativos podres em troca de empréstimos à CCPC, que, formalmente, são considerados sadios pelos auditores do governo e de companhias independentes. Nesse processo, os bancos registram o valor do desconto - em média 55% do valor do crédito original - como prejuízo, realizando perdas que são passíveis de abatimento junto ao fisco. Eliminam ademais o pagamento de impostos sobre os juros que teriam que ser lançados caso os créditos podres continuassem a ser rolados.

Para evitar que a CCPC tenha necessidade corrente de caixa - o que poderia desvalorizar seus ativos -, seus empréstimos bancários, apesar de contratados a juros de mercado, possuem a característica de não requerer serviço durante seu prazo de amortização. Os valores de juros são sujeitos à capitalização e o principal é previsto para ser pago em parcela única no final do contrato.

Além da CCPC, os bancos vêm fazendo uso do aumento de provisões e realizando reavaliações patrimoniais. Como a contabilidade japonesa é baseada em valores históricos, muitos dos ativos imobiliários e acionários das principais instituições financeiras estão contabilizados a preços dezenas de vezes inferiores aos de mercado, configurando os chamados hidden profits (lucros escondidos). Em momentos de prejuízo, como o que vem se verificando nos últimos anos, os bancos aproveitam para realizar vendas fictícias - com acordo de imediata recompra -, para encobrir perdas e evitar impostos sobre seus lucros patrimoniais.

A crise financeira continua extremamente grave em alguns segmentos do mercado bancário, como os bancos regionais de segunda linha, as cooperativas de crédito e as cooperativas agrícolas, bem como as instituições não-financeiras. Só à guisa de exemplo, entre dezembro de 1994 e março de 1996, o Banco do Japão e o Ministério das Finanças tiveram que organizar seis operações de reestruturação de instituições financeiras cujas atividades se revelaram inviáveis devido ao enorme volume de empréstimos non-performing em suas carteiras.12 12 Ver Levi, 1996, p. 112. Uma delas - o Banco de Hyogo - foi liquidada sem perda para os depositantes. As dificuldades das cooperativas de crédito, responsáveis por crédito no valor de US$ 190 bilhões, vêm sendo administradas através de fusões.

As instituições não-financeiras são responsáveis por US$ 920 bilhões de empréstimos, e eram, como vimos anteriormente, muito ativas no mercado imobiliário e no crédito ao consumidor. Nesse segmento, as Sociedades Privadas de Empréstimo Imobiliário (SPL) são as mais afetadas. As SPL foram fundadas nos anos 70 pelos grandes bancos com o objetivo de atuar no setor imobiliário residencial. Posteriormente, se envolveram com empreendimentos comerciais e, com a queda no preço dos terrenos, ficaram extremamente expostas patrimonialmente. Os créditos improdutivos representam 74% de suas carteiras. Quatro dessas sociedades apresentam patrimônio líquido negativo.

As seguradoras de vida japonesas também foram negativamente afetadas pela crise financeira. Seu principal problema advém do baixo rendimento de seus ativos - reduziu-se de 6,4% em 1990 para 3,8% em 1994. Esse nível de rendimento é inferior aos 5% mínimos necessários para fazer frente aos cálculos atuariais de seus planos de benefícios.

As autoridades japonesas vêm buscando enfrentar a crise financeira fazendo uso de três tipos de solução. A mais frequente é fechar os olhos. Os órgãos de fiscalização aceitam balanços que sabidamente não refletem a realidade das instituições. Essa atitude repousa na esperança de que, com o tempo, os bancos consigam, pouco a pouco, reestruturar positivamente suas posições. Simultaneamente, são criadas oportunidades para ganhos operacionais seguros por parte dessas instituições, sem que isso agrida a opinião pública - por exemplo, a abertura de linhas de refinanciamento junto ao banco central para aquisição de títulos públicos, permitindo margens operacionais positivas sem risco.

Para as instituições de maior porte, a estratégia de fechar os olhos parece que vem dando bons resultados. A dificuldade maior está no fato de que muitos desses bancos possuem grande rede internacional e as autoridades bancárias de outros países nem sempre compartilham das mesmas preocupações dos fiscais japoneses. O fechamento do Banco Daiwa pelas autoridades norte-americanas, por fraude em sua contabilidade, gerou grandes constrangimentos em Tóquio.

Nos casos em que a situação é mais crítica e as instituições são de pequeno porte, a solução buscada tem sido a fusão com estabelecimentos maiores, que assumem integral responsabilidade por ativos e passivos. Em contrapartida, o governo presta apoio à nova instituição através de empréstimos da Caixa de Seguro de Depósitos ou por meio de empréstimos do Banco Central do Japão. Os montantes globais envolvidos na crise financeira japonesa não permitem, no entanto, que essa estratégia seja usada em larga escala.

Por esse motivo, o Ministério das Finanças japonês lançou em junho de 1995 um programa de cinco anos destinado a resolver a crise financeira. Nessa oportunidade, foi assegurado que a Caixa de Seguro de Depósitos garantirá todas as aplicações de bancos ameaçados, desde que atendidas quatro condições: demissão da diretoria da instituição; responsabilização dos acionistas pelas perdas; racionalização da gestão administrativa dos bancos; e busca de outros tipos de assistência financeira. O Banco do Japão, a não ser em crise de liquidez, só intervirá nos casos de risco sistémico. As taxas de desconto do BoJ têm sido sucessivamente reduzidas, desde o máximo de 6%, que vigorou em 1990, até 0,5% em setembro de 1995 (ver o Gráfico 1).

A despeito do aumento da liquidez - mais de 3,5% ao ano no primeiro semestre de 1995 -, o crédito bancário continua estagnado. Os bancos ainda estão receosos de aumentar o crédito por causa da percepção de risco elevado. Há demanda firme sobre as instituições financeiras públicas e para o lançamento de títulos, mas boa parte desses recursos está sendo dirigida ao reembolso de empréstimos junto ao sistema bancário no país e no exterior.

Nesse cenário, o novo endaka, apesar de passageiro, assustou os japoneses. A manutenção dos mega-superávits comerciais com os Estados Unidos e os saldos crescentes com o Sudeste da Ásia, aliados ao movimento de venda de ativos no exterior, provocaram, entre 1994 e 1995, um novo ciclo de valorização do iene. A moeda japonesa, depois de se manter em uma média pouco superior a 135 unidades por dólar entre 1987 e 1993, chegou a atingir um mínimo de 85 em maio de 1995, uma valorização de mais de 35%. Com isso, o valor em ienes dos ativos de empresas japonesas no exterior minguou.

Mesmo assim, os investidores japoneses continuaram se desfazendo de posições no exterior com o objetivo de gerar caixa. Como exemplo basta citar o caso do Rockfeller Center, no centro de Nova Iorque. A aquisição do complexo imobiliário pela Mitsubishi, na segunda metade dos anos 80, foi criticada à época como mais um exemplo da derrota do capitalismo americano ao poderio japonês. Recentemente o conjunto foi revendido a seus donos anteriores por um valor, em ienes, equivalente a um terço do que foi originalmente pago. Outro exemplo da manutenção da tendência de retorno do capital especulativo japonês são as seguradoras. Essas empresas se desfizeram de mais de US$ 10 bilhões só nos primeiros oito meses de 1993.

Diante do novo endaka e de uma perspectiva de agravamento da crise interna, uma missão japonesa foi em julho de 1995 a Washington negociar um acordo nos seguintes termos: o governo americano, em conjunto com o japonês, realizaria maciças intervenções no mercado de câmbio com o objetivo de sustentar a paridade em torno de 100 ienes por dólar. Com isso, os bancos nipônicos ganhariam tempo para usar os recursos fornecidos pelo Banco Central do Japão para comprar títulos do Tesouro dos Estados Unidos, obtendo, sem risco, uma margem de 6% ao ano nesta operação, superior à que poderiam obter em Tóquio.

Em contrapartida, os americanos seriam beneficiados de duas maneiras. Evitariam uma venda desenfreada de seus títulos públicos por instituições japonesas ávidas por liquidez, o que poderia provocar um aumento da taxa de juros nos Estados Unidos e, principalmente, veriam atendidas várias de suas demandas de maior acesso para seus produtos no mercado japonês.

A crise econômica japonesa, como buscamos apresentar, ainda está longe de uma solução definitiva. É necessário observar os desdobramentos nos próximos dois anos para se identificar a solução final encontrada. Desde já, no entanto, dois de seus aspectos poderiam ser ressaltados, à guisa de conclusão. O primeiro é relacionado aos riscos envolvidos no processo de globalização financeira. A desregulamentação dos mercados domésticos e a internacionalização liberam forças capazes de colocar, por motivos endógenos, em xeque sistemas nacionais dos mais diferentes portes. Nesse sentido, é interessante notar que alguns dos arranjos financeiros que vêm sendo utilizados para gerenciar a crise no Japão se assemelham a esquemas utilizados no Brasil nos últimos dois anos. Outros, como a CCPC, não possuem correspondentes entre nós, mas talvez se mostrem oportunos no futuro próximo.

O segundo aspecto diz respeito à posição internacional dos Estados Unidos como potência hegemônica internacional. Como se viu, não basta o poder da técnica e da indústria para um país se tornar o hegemon do mundo capitalista. Como costuma afirmar a professora Maria da Conceição Tavares em suas palestras: “O poder mundial está alicerçado antes de tudo nas armas e no dinheiro”. À medida que os japoneses realizaram a internacionalização de sua riqueza em ativos denominados no dólar norte-americano, reduziram ainda mais a autonomia de suas instituições nacionais e aumentaram a capacidade de retaliação dos americanos.

Esses acontecimentos certamente alimentarão o sentimento norte-americano de que derrotaram definitivamente o perigo amarelo japonês. Sem dúvida, estamos assistindo ao fim de mais um round da luta entre as duas principais potências capitalistas, mas a guerra ainda está longe de estar definitivamente decidida.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • VINER, A. (1987) “Inside Japan’s financial markets”. The Japan Times.
  • VOGEL, E. (1986) Pax Nipponica? Foreign Affairs, primavera.
  • 1
    Ver Torres, 1983TORRES, E. (1983) “O mito do sucesso: uma análise da economia japonesa no pós-guerra, 1945-1973”. Rio de Janeiro, Instituto de Economia Industrial-UFRJ, Textos para Discussão n. 37..
  • 2
    Ver Vogel, 1986VOGEL, E. (1986) Pax Nipponica? Foreign Affairs, primavera., e Gilpin, 1987GILPIN, R. (1987) The polítical economy of international relations. Princeton University Press..
  • 3
    Ver Tavares, 1982TAVARES, M. C. (1985) “A retomada de hegemonia americana”. Revista de Economia Política, abril/junho..
  • 4
    O montante de ativos líquidos externos do Japão, que era de menos de US$ 30 bilhões no início de 1980, atingiu quase US$ 328 bilhões em 1990 e já era superior a US$ 600 bilhões em 1994, conforme Nakamura, 1995TAKAFUSA, N. (1994) Lectures on modern Japanese history (1926-1994). LTCB International Library Foundation., p. 303.
  • 5
    Tais como a Poupança Postal, o Eximbank, etc.
  • 6
    Citado em Viner, 1987VINER, A. (1987) “Inside Japan’s financial markets”. The Japan Times..
  • 7
    Os warrant bonds são títulos denominados em moeda estrangeira sujeitos a prazo total de 10 anos e a baixas taxas de juros.
  • 8
    Uma parcela desses recursos também foi utilizada como instrumento de diversificação de portfólio de empresas japonesas no exterior. O investimento global das empresas japonesas aumentou de US$ 85 bilhões em 1985 para mais de US$ 300 bilhões em 1990. Houve nesse período um aumento substancial de investimentos diretos externos nos ramos não-manufatureiros, como imóveis, finanças e seguros e serviços. Entre os negócios que foram feitos nessa época destacam-se a compra da Columbia Pictures pela Sony, da rede de hotéis Intercontinental pela Seibu Saison e do edifício da RCA em Nova Iorque pela Sumitomo. Geograficamente esses investimentos não-manufatureiros foram em grande medida feitos fora da Ásia e representaram a maior parte dos investimentos japoneses na Europa.
  • 9
    Ver Office Franco-Japonais, 1993OFFICE FRANCO-JAPONAIS (1993) “La bulle financiére”. Japon: Economie et Societé, n. 258, julho..
  • 10
    Em ienes, os valores foram estimados em 1.004 trilhões em 1985 e em 2.389 trilhões em 1990, conforme Office Franco-Japonais, 1993OFFICE FRANCO-JAPONAIS (1993) “La bulle financiére”. Japon: Economie et Societé, n. 258, julho..
  • 11
    Ver Torres, 1992TORRES, E. (1992) “A economia política do Japão: reestruturação econômica e seus impactos sobre as relações nipo-brasileiras (1973-1990)”. Tese de Doutoramento, Rio de Janeiro, Instituto de Economia Industrial..
  • 12
    Ver Levi, 1996LEVI, M.L. (1996) “O sistema de financiamento das empresas japonesas: a estrutura montada no segundo pós-guerra e os impactos da liberalização financeira na década de 80”. Dissertação de Mestrado apresentada ao IE - Unicamp, julho., p. 112.
  • 13
    JEL Classification: F65; F62; N15.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1997
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