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Moeda e cultura: elementos para uma abordagem institucional da moeda

Currency and culture: elements for an institutional approach to money

RESUMO

Este artigo tem como objetivo demonstrar o caráter institucional do dinheiro e examinar as condições necessárias para preservá-lo como operador social. O dinheiro é uma instituição social, porque é central para a manutenção de práticas sociais necessárias para a criação de riqueza produtiva e, portanto, para a reprodução material das economias capitalistas modernas. Além disso, como o circuito produtivo é uma das esferas daquelas economias em que “paixões” privadas e “interesses sociais” podem ser reconciliados, o dinheiro é apresentado como um elemento de coesão social. Argumenta-se, no entanto, que somente se a confiança na manutenção da “unidade das funções do dinheiro” persistir, o dinheiro poderá ser preservado como instituição social. A confiança, em suma, mostra-se emergir de um processo cognitivo incorporado em padrões culturais específicos, nos quais as informações são geradas, transmitidas e reforçadas, gerando gradualmente hábitos e convenções a serem seguidos pelos agentes econômicos.

PALAVRAS-CHAVE:
Moeda; instituições econômicas; nova economia institucional

ABSTRACT

This article aims at demonstrating the institutional character of money and at examining the necessary conditions to preserve it as a social operator. Money is a social institution because it is central to the maintenance of social practices necessary for the creation of productive wealth and therefore for the material reproduction of modem capitalist economies. Moreover, as the productive circuit is one of the spheres of those economies in which private “passions” and social “interests” can be reconciled, money is presented as an element of social cohesion. It is argued, however, that only if trust in the maintenance of the “unity of the functions of money” endures can money be preserved as a social institution. Trust, in sum, is shown to emerge from a cognitive process embedded in specific cultural patterns, whereby information is generated, passed on and reinforced, gradually engendering habits and conventions to be followed by economic agents.

KEYWORDS:
Currency; economic institutions; new institutional economics

1.

Apesar da moeda estar presente em tantas e diversas dimensões da vida moderna, seu significado e importância para o funcionamento das economias capitalistas são frequentemente negligenciados pela teoria econômica. Em verdade, a maior parte da literatura econômica neoclássica (hegemônica na academia) trata a moeda, implícita ou explicitamente, como mera adição a relações contratuais definidas em termos reais. Nestas abordagens, a moeda não passa de um “véu” envolvendo aquelas relações e não desempenha, portanto, nenhum papel relevante no processo de geração de riqueza material.1 1 Para uma análise crítica dos modelos teóricos que incluem a moeda de uma forma não-essencial à geração de riqueza, ver Davidson (1978), Hahn (1984a; 1984b), Grandmont (1983) e Ostroy (1992). Em contraste com esta tradição de “análise real”, este artigo se insere na tradição alternativa de “análise monetária”, na qual a moeda é entendida como elemento constitutivo das economias capitalistas e, portanto, fundamental à compreensão de seu movimento.2 2 Os conceitos de “análise real” e “análise monetária” foram propostos por Schumpeter (1954). A ideia de não-neutralidade da moeda é, assim, o ponto de partida do presente ensaio: não há nenhum “véu” a ser removido das relações “reais”, pois o mundo real dos bens e serviços é também, de forma indistinguível e inseparável, o mundo monetário.3 3 Quem melhor percebeu a importância de desenvolver uma análise monetária para entender o funcionamento das economias capitalistas foi Keynes, segundo o qual naquelas economias “a moeda desempenha um papel por si só, afeta motivos e decisões e é um dos fatores operativos na situação, de forma que o curso dos eventos, seja no curto ou no longo prazo, não pode ser previsto sem um conhecimento do comportamento da moeda entre o primeiro e o último estados” (1973b: 408-9). Embora este aspecto essencial de sua obra tenha sido negligenciado durante décadas, ele tem sido resgatado e novamente enfatizado pelo fortalecimento da abordagem pós-keynesiana. Para recentes desenvolvimentos das ideias de Keynes que, embora divergindo em ênfase e propósito, são fiéis àquela dimensão de sua obra, ver, entre outros, Minsky (1975), Davidson (1978), Chick (1983) e Carvalho (1992).

Mas a despeito dos avanços já obtidos no interior da tradição de análise monetária, este artigo propõe ser preciso ir ainda adiante no entendimento da dimensão institucional da moeda, sempre sugerida e pouco aprofundada nos estudos filiados àquela tradição. Neste sentido, seu objetivo central é fortalecer a ideia da moeda como uma das mais importantes dentre as instituições sociais que estruturam economias capitalistas modernas.4 4 A estruturação dos sistemas sociais refere-se, segundo Giddens, aos “modos em que tais sistemas, baseados nas atividades conscientes de atores estabelecidos que utilizam regras e recursos em diversos contextos de ação, são produzidos e reproduzidos em interação” (1984: 25). Apesar da imprecisão comumente associada ao termo, instituições sociais têm aqui um significado que se pretende específico. Elas são entendidas como sistemas de regras e convenções que tendem a criar padrões de comportamento duráveis e rotineiros (Hodgson, 1988HODGSON, G. (1988) Economics and Institutions. Cambridge, Polity Press.), desta forma possibilitando a manutenção, no espaço e no tempo, de práticas sociais importantes para a reprodução de sistemas sociais. Além disso, de acordo com a amplitude dessas práticas - e também de acordo com sua importância para a estruturação de sistemas sociais-, instituições sociais podem ser ordenadas hierarquicamente, de tal modo que aquelas mais profundamente implicadas na reprodução de totalidades societais podem ser chamadas de “princípios estruturadores” destas totalidades (Giddens, 1984GIDDENS, A. (1984) The Constitution of Society. Cambridge, Polity Press.). É a partir deste quadro conceitual que se propõe que a moeda - pela centralidade que ocupa em práticas sociais vitais à reprodução das economias capitalistas - seja entendida como um de seus princípios estruturadores, estando situada no topo do aparato institucional no qual o funcionamento destes sistemas sociais é baseado. Embora haja vários estudos sobre a dimensão institucional da moeda em termos sociológicos e antropológicos,5 5 Ver os estudos clássicos de Simmel (1990) e Polanyi (1968, 1977) e, mais recentemente, a releitura das ideias de Simmel sobre a moeda proposta por Dodd (1994). tal dimensão é quase que completamente ignorada na literatura econômica contemporânea.6 6 Dentre as poucas exceções, ver Aglietta e Orléan (1990) e Orléan (1992). E mesmo dentre aqueles estudos que abordam a moeda como instituição, uma parcela significativa discute tal dimensão apenas em economias pré-capitalistas ou ignora, mesmo que implicitamente, a especificidade das relações monetárias em economias capitalistas modernas. Neste artigo, ao contrário, o caráter institucional da moeda será explorado considerando a singularidade de um sistema econômico e social cuja reprodução material depende da capacidade de seus membros estabelecerem relações contratuais monetárias. Além disso, e apesar da discussão centrar-se no campo disciplinar da economia, serão estabelecidas, ainda que preliminarmente, ligações entre o papel institucional da moeda e a dimensão cultural envolvida na manutenção das regras e convenções que sustentam a moeda como instituição social.

A relação entre cultura e economia - embora possa soar estranha à compartimentação disciplinar atualmente existente nas ciências humanas - foi traço comum a importantes estudos críticos sobre a economia política clássica escritos no século XIX, tanto por economistas (Mill, Marx) quanto por não-economistas (Arnold, Ruskin).7 7 Para uma análise retrospectiva e ampla da relação entre cultura e economia, ver Jackson (1993). Ecos desse tipo de abordagem são encontrados ainda na primeira metade do século XX, em obras tão díspares em seus propósitos como as de Veblen, Keynes ou Hayek. No cenário acadêmico contemporâneo, contudo, é cada vez mais comum o entendimento da economia como uma disciplina unidimensional e autônoma, o que favorece análises reducionistas de uma realidade que, contrariando tal tendência, mostra-se cada vez mais multifacetada e integrada. Umas das raras exceções vem do esforço de alguns autores que buscam recompor a complexidade do mundo real em suas análises através de uma abordagem institucional e evolucionista das economias capitalistas.8 8 Ver, entre outras, as contribuições de Hodgson (1988; 1993), Foster (1987; 1991), Lawson (1987) e Etzioni (1988). A abordagem institucional sugerida nestes trabalhos busca escapar da oposição frequentemente observada entre as duas principais vertentes de pensamento econômico que se proclamam institucionalistas. A vertente mais antiga (old institutionalism, que tem em Veblen seu fundador e nas obras de Ayres e Commons seus mais importantes desdobramentos, argumenta que é a estrutura organizacional da economia que efetivamente aloca recursos, distribui renda e determina, portanto, a dinâmica dos sistemas econômicos. A outra vertente, por sua vez, enfatiza a noção do indivíduo abstrato como a unidade central e determinante do processo de tomada de decisão naqueles sistemas e, por consequência, do processo de construção de suas instituições. Embora vários autores trabalhem sob esta mesma orientação geral (e.g. Hayek, Schotter, Posner, Olson e North), é a obra de Williamson que mais tem contribuído para delinear as características básicas do new institutionalism. A despeito das diferenças entre estas duas vertentes, os trabalhos acima mencionados argumentam pela possibilidade de se construir uma terceira via que as relativize em benefício de um melhor entendimento do funcionamento das economias capitalistas modernas. Este artigo pretende se inserir neste esforço e exemplificar sua importância através da incorporação de algumas de suas proposições básicas à tradição de análise monetária daquelas economias.

2.

Entender a essencialidade da moeda à reprodução das economias capitalistas requer discutir as formas como a moeda está ligada aos procedimentos básicos pelos quais a riqueza é nelas gerada. Esta discussão pressupõe, contudo, que se explicite o duplo e simultâneo significado atribuído à reprodução daquelas economias e, por extensão, ao conceito de riqueza. Do ponto de vista dos “interesses” da sociedade, a reprodução das economias capitalistas somente pode ser alcançada através da criação continuada de riqueza produtiva; i.e. através do uso produtivo dos recursos da economia para a criação de bens (estoques, equipamentos e bens de consumo) e geração de renda (lucros e salários). Neste sentido, a criação de riqueza tem um caráter social. Contudo, para aqueles que detêm o comando sobre os recursos financeiros e produtivos da economia, a reprodução é, primariamente, um mecanismo de geração de lucros, sejam eles associados ao uso produtivo daqueles recursos ou não. Neste outro sentido, portanto, a criação de riqueza é um processo que visa atender às “paixões” privadas por enriquecimento, o qual pode ser compatível ou não com a preservação do caráter social da riqueza. Consequentemente, a reprodução de economias capitalistas como totalidades societais depende da existência de mecanismos que permitam a superação da tensão entre as “paixões” privadas por geração de lucros e os “interesses” sociais ligados à produção de mercadorias, de tal forma que as duas dimensões de riqueza (privada e social) possam ser conciliadas.9 9 Segundo Hirschman (1979), a construção do significado conceitual das “paixões” como expressão do desejo individual por riqueza e poder e dos “interesses” como expressão da necessidade de controle social dos efeitos desagregadores daquele desejo consolida-se no século XVIII. A partir de então, diz Hirschman, estas formulações assumiram, efetivamente, “a forma de opor os interesses dos homens às suas paixões, e de contrastar os efeitos favoráveis que ocorrem quando os homens são guiados pelos seus interesses, ao calamitoso estado de coisas que resulta quando os homens dão rédea solta às suas paixões” (ibid.: 37).

A confluência de paixões e interesses - e, portanto, a existência de algum grau de coesão social entre detentores e não-detentores dos recursos produtivos - requer a existência sustentada das condições necessárias à operação estável da esfera produtiva, pois é somente nesta esfera que lucros são gerados através da criação de riqueza social. A esfera produtiva é, portanto, um espaço no qual as paixões humanas são “domadas” pelos interesses da coletividade e onde se estabelece o controle, dentro de parâmetros socialmente aceitos, da inescapável tensão entre as dimensões privada e social do processo de geração de riqueza capitalista.

No centro das diversas etapas de produção em que o processo de geração de riqueza se estrutura está a necessidade do estabelecimento de contratos entre os produtores, de um lado, e trabalhadores, fornecedores de insumos e financiadores daquele processo, de outro; não apenas contratos à vista, mas também - por causa da não-simultaneidade daquelas etapas - contratos futuros (Davidson, 1978DAVIDSON, P. (1978) Money and the Real World. London, Macmillan.). E como é nestes contratos que os termos e o timing das transações que organizam a esfera produtiva são definidos, a obtenção de coesão social depende, de fato, da operação estável das condições que permitem que contratos sejam efetivados ao longo do tempo. A partir deste entendimento dos requerimentos básicos necessários à reprodução material das economias capitalistas, pretende-se mostrar o papel vital desempenhado pela moeda na criação de um espaço de práticas sociais - o espaço das relações contratuais - em que “paixões” privadas e “interesses” sociais podem ser compatibilizados.

3.

A moeda desempenha pelo menos três funções básicas e fundamentais ao estabelecimento de relações contratuais em economias capitalistas modernas. A primeira relaciona-se ao fato de que tais relações somente podem ocorrer se os valores das diferentes mercadorias e serviços forem quantitativamente comparáveis, o que pressupõe a existência de um padrão de valor que os faça qualitativamente homogêneos. Isto é, pressupõe-se a existência de uma linguagem através da qual “magnitudes complexas” - que por sua própria natureza são magnitudes não-numéricas - possam ser expressas numericamente (Carabelli, 1992CARABELLI, A. (1992) “Organic Interdependence and Keynes‘s Choice of the Units in the General Theory”. In Gerrard and Hillard (eds.), The Philosophy and Economies of J.M. Keynes. Aldershot, Edward Elgar.). E como os valores de troca estabelecidos contratualmente são definidos em termos monetários (e não apenas medidos em termos nominais), a moeda emerge como elemento constitutivo das economias mercantis (Carvalho, 1992CARVALHO, F.C. (1992) Mr. Keynes and the Post Keynesians: Principles of Macroeconomics for a Monetary Production Economy. Aldershot, Edward Elgar.). Em outras palavras, como as comunidades mercantis baseiam-se, para estabelecer contratos, não numa problemática coerência de avaliações privadas sobre o valor “real” dos contratos, mas sim na aceitação e na confiança nas avaliações convencionais contidas nas relações monetárias (Aglietta e Orléan, 1990AGLIETTA, M. e A. ORLÉAN (1990) A violência da moeda. São Paulo, Brasiliense.), contratos à vista ou a prazo só têm expressão social em sua forma monetária.10 10 O caráter socializador da moeda é enfatizado por Paulani, segundo a qual “o dinheiro é a regra constitutiva por excelência da sociedade moderna: é através dele que se viabiliza, numa sociedade de proprietários e produtores independentes, um procedimento de avaliação que é social, que é socialmente aceito” (1994: 22).

Contudo, e apesar de sua essencialidade, os valores definidos nos contratos monetários são apenas a expressão social e abstrata dos valores que os agentes privados atribuem aos serviços e mercadorias. A efetiva transferência de riqueza prometida na enunciação monetária dos contratos somente acontece quando o contrato é concluído; i.e. quando instrumentos socialmente aceitos como meios de pagamento são entregues ao credor num montante tal que nenhum direito de propriedade do credor permanece sobre o devedor (Shackle, 1971SHACKLE, G.L.S. (1971) Comments on Clower’s Paper on “Theoretical Foundations of Monetary Policy”. In Clayton, Gilbert e Sedgwick (eds.), Monetary Theory and Monetary Policy in the 1970s. London: Oxford University Press.). Por esta razão, contratos são estabelecidos apenas se o contratante que assume a posição de credor espera que representantes do padrão de valor sejam usados como meios de pagamento para saldá-los, de tal forma que a transferência de riqueza acertada no estabelecimento dos contratos possa ser confirmada.

Além de funcionar como padrão de valor e como meio de pagamento, a moeda, enquanto instituição que viabiliza a existência de contratos entre agentes independentes, deve ainda desempenhar uma terceira função básica: a de ser reserva de valor. A necessidade da moeda funcionar também como reserva de valor emerge, fundamentalmente, do fato do estabelecimento de contratos em economias capitalistas ocorrer num ambiente de irrevogável incerteza sobre o futuro (Keynes, 1973aKEYNES, J.M. (1973a) The General Theory of Employment, Interest and Money (CWJMK vol. VII). London, Macmillan.). É a possibilidade de que parte dos fluxos de pagamento esperados pelos contratantes não se concretize que engendra uma demanda potencial por meios de pagamento não especificada nem em termos de seu volume nem em termos do horizonte temporal em que a mesma pode vir a se efetivar. Em outras palavras, a moeda é mantida ao longo do tempo como reserva de valor por permitir àqueles que assim a mantêm que disponham de poder de compra quando e se for preciso.

Este caráter multifuncional da moeda leva alguns autores a buscarem aquela que seria a função definidora da importância da moeda para o estabelecimento de relações contratuais. Clower, por exemplo, afirma que ser “meio de pagamento de todas as outras mercadorias” é a “função primária” da moeda, todas as demais funções sendo “incidentais” àquela (1969CLOWER, R.W. (1969) “Introduction”. In R.W. Clower (ed.), Monetary Theory. Middlesex, Penguin Books.: 14). Rousseas (1986ROUSSEAS, S. (1986) Post Keynesian Monetary Economics. New York, M.E. Sharpe.), por sua vez, enfatiza a importância da função reserva de valor, dada a incerteza radical em que relações contratuais são imersas. Contudo, se tal ordenação hierárquica existe, é a função padrão de valor que deveria encimá-la, posto que é através desta função que a moeda define um espaço de mensuração para os valores de troca, desta forma anunciando os poderes normativos da moeda enquanto instituição social. Mas é apenas por permitir enfatizar a natureza monetária das relações de troca que uma rígida distinção analítica entre as funções da moeda e sua ordenação hierárquica assumem importância. Muito mais fundamental ao entendimento do papel institucional da moeda é, justamente, enfatizar o fato que aquelas três funções da moeda só são essenciais ao estabelecimento de relações contratuais por conta de sua natureza complementar. Em outras palavras, é a complementaridade entre aquelas funções que, por prover os produtores com informações necessárias ao estabelecimento de contratos, confere à moeda seu papel de instituição social.

Idealmente, todas as funções centrais da moeda deveriam ser desempenhadas por um único ativo. O mesmo ativo mantido como reserva de valor e usado para cancelar contratos seria o padrão em termos do qual contratos seriam estabelecidos. Nesta situação hipotética todos os contratos seriam estabelecidos em termos da moeda nacional e cancelados através da entrega de seus representantes concretos (moedas e notas). De modo similar, estes representantes seriam mantidos ao longo do tempo como reserva de valor, podendo ser usados como meios de pagamento quando necessário. Desta forma, não haveria nenhum questionamento sobre o caráter complementar das funções da moeda e, portanto, sobre seu papel institucional.11 11 É preciso deixar claro que a moeda - enquanto instituição social estruturadora das relações contratuais - não é capaz de prover, por si, as condições suficientes para ativar a esfera produtiva. A moeda fornece apenas as condições sob as quais é possível gerar riqueza privada através do circuito produtivo. Se essas condições de existência vão motivar ou não o uso efetivo dos recursos produtivos, depende, por um lado, das expectativas dos produtores que comandam aqueles recursos em relação aos ganhos esperados a partir de seu uso e, por outro, da existência de instituições financeiras estruturadas de forma adequada à ativação dos planos daqueles agentes. Assim, embora o papel da moeda como instituição social seja o de prover algumas das condições necessárias à ativação continuada da esfera produtiva, tais condições, por si sós, não garantem que este objetivo seja alcançado. Isto, porém, não é o que acontece em economias capitalistas modernas. Ao contrário, as funções meio de pagamento e reserva de valor são desempenhadas não apenas pela expressão legal e concreta da moeda nacional, mas também por uma série de outros instrumentos monetários e financeiros.

Em relação à função meio de pagamento, vários ativos além da moeda nacional (cheques, cartões de crédito, etc.) são legalmente aceitos como meios para cancelar contratos. Em tal ambiente, uma das condições básicas para a manutenção da complementaridade entre moeda abstrata e moeda concreta - i.e. para a manutenção da complementaridade entre as funções padrão de valor e meio de pagamento - é a preservação da estabilidade da relação entre a moeda nacional e aqueles ativos. Contratos só são estabelecidos se se espera que a função meio de pagamento será desempenhada ou pelos representantes imediatos da moeda nacional ou por aqueles ativos legalmente neles conversíveis. Em outras palavras, como é através da entrega dos representantes do padrão de valor que os desejos privados de transferência de riqueza são confirmados, contratos somente são estabelecidos se existe generalizada confiança na manutenção da relação de representatividade entre meios de pagamento e padrão de valor ao longo do tempo. Esta é uma condição necessária à manutenção da moeda como uma instituição porque ela confere reconhecimento social a certos instrumentos para que os mesmos possam ser usados para cancelar contratos, desta forma sustentando uma das práticas básicas necessárias à ativação da produção capitalista e, portanto, possibilitando a criação simultânea de riqueza privada e social. Assim, embora analiticamente separadas, moeda no sentido concreto somente adquire significado social se referida à moeda no sentido abstrato, pois apenas sua integração pode garantir a existência da moeda como instituição social.

De modo similar ao que acontece com a função meio de pagamento, não são apenas os representantes imediatos e legais da moeda nacional que desempenham a função reserva de valor; na verdade, nem mesmo o conjunto mais amplo dos ativos socialmente aceitos como meios de pagamento engloba a totalidade de instrumentos usados para desempenhar aquela função da moeda. Existe uma série de outros ativos (e.g. títulos financeiros, moedas estrangeiras, ouro etc.) que também preservam seu valor ao longo do tempo e que, embora não sejam aceitos como meios de pagamento à vista, podem ser convertidos nos instrumentos que desempenham essa função com relativa facilidade no momento desejado. Em outras palavras, existe uma enorme variedade de ativos que, por serem ativos líquidos, podem desempenhar a função reserva de valor. Não existe, contudo, nenhum padrão absoluto de liquidez pelo qual se possa afirmar que um ativo é ou não líquido, e se, portanto, pode ou não ser usado como reserva de valor. O que existe é uma escala de liquidez na qual a cada ativo associa-se um diferente grau de liquidez, de acordo com as condições em que se espera que o mesmo possa ser imediatamente convertido nos meios de pagamento legais. Essas condições referem-se à diferença entre o preço que se espera alcançar com a venda imediata de um ativo num mercado específico e o preço que se obteria pelo mesmo após negociação, de tal forma que, quanto menor esta diferença, mais líquido o ativo. Tal relação também indica, porém, que quanto mais líquido o ativo, menor o retorno (relativo ao preço pelo qual o mesmo foi comprado) que o mesmo propicia caso não seja convertido em meios de pagamento legais no futuro. Consequentemente, existe um trade-off entre a flexibilidade que a posse de ativos de elevado grau de liquidez oferece e o maior retorno financeiro associado à posse de ativos menos líquidos. E embora o grau de liquidez associado a cada ativo varie ao longo do tempo, a depender de mudanças (esperadas ou efetivamente concretizadas) nas “instituições e práticas sociais” que moldam os mercados nos quais os ativos são transacionados (Keynes, 1973aKEYNES, J.M. (1973a) The General Theory of Employment, Interest and Money (CWJMK vol. VII). London, Macmillan.), é possível - a cada momento e para cada agente - ordenar os diferentes ativos numa escala de liquidez, de acordo com as expectativas sobre o comportamento futuro de seus respectivos mercados.

A escolha dos ativos que vão desempenhar efetivamente a função reserva de valor vai depender da confiança que os produtores depositam em suas expectativas sobre suas necessidades futuras de ter acesso a meios de pagamento quando confrontada com as perdas esperadas associadas ao processo de conversão daqueles ativos nos instrumentos com poder legal para cancelar contratos. Em outras palavras, vai depender, no momento de estabelecimento de contratos, da confiança dos produtores em suas expectativas em relação à sua demanda futura por meios de pagamento e do grau de liquidez dos diversos ativos disponíveis. Quanto maior aquela confiança, mais fácil satisfazer a demanda futura por meios de pagamento com a posse de ativos menos líquidos; i.e. quanto maior aquela confiança, mais fácil é combinar os momentos nos quais se espera precisar ter acesso aos meios de pagamento legais com os prazos de maturação dos ativos de menor grau de liquidez, de tal forma que mantê-los como reserva de valor não implique perdas no momento de convertê-los em termos dos ativos aceitos como meios de pagamento. De forma simétrica, quanto menor aquela confiança, maior a demanda por ativos que possuam alto grau de liquidez para serem usados como reserva de valor. No limite, contratos somente serão estabelecidos se, na avaliação dos contratantes, existirem ativos suficientemente líquidos para servir como reserva de valor e, simultaneamente, atender a demanda esperada por meios de pagamento no futuro. Por conta disso, a manutenção da complementaridade entre as funções reserva de valor e meios de pagamento vai depender da existência de relações estáveis de conversibilidade entre os vários ativos que podem, potencialmente, servir como repositários de valor e aqueles que são socialmente aceitos e legalmente garantidos como meios de pagamento. Quanto mais estáveis estas relações, mais ativos podem ser considerados suficientemente líquidos para funcionar como reserva de valor e, portanto, mais confiança terão os produtores na possibilidade de gerar riqueza privada através da ativação do circuito produtivo.

Assim, pode-se afirmar que a natureza complementar das funções da moeda só será mantida se houver confiança generalizada na estabilidade (i) do processo de conversibilidade entre os ativos usados como reserva de valor e aqueles aceitos como meios de pagamento e (ii) da relação de representatividade entre estes últimos e o padrão de valor aceito socialmente. E se tal condição é satisfeita, pode-se afirmar que existe unidade das funções da moeda. Neste sentido, o conceito de unidade das funções da moeda é proposto como um conceito ex-ante que expressa a confiança que cada agente possui em sua habilidade em utilizar os distintos instrumentos que desempenham as funções da moeda como elementos individuais de uma instituição unificada. Apenas se esta confiança é preservada é possível manter a natureza complementar das funções da moeda e conservá-la em seu papel de regulador de práticas sociais (contratos monetários) que organizam a geração de riqueza produtiva e que permitem, portanto, a obtenção de algum grau de coesão social em economias mercantis. Em outras palavras, a manutenção da complementaridade das funções da moeda em economias capitalistas modernas - e, portanto, a preservação do seu caráter institucional - depende da manutenção da crença generalizada no fato que as diferentes “coisas” que desempenham as distintas funções da moeda podem ser representadas/convertidas umas nas outras de forma estável.

4.

A partir do apresentado acima, sugere-se que o entendimento do papel institucional da moeda requer a discussão da dinâmica do processo cognitivo que permite que produtores individuais obtenham as informações necessárias à manutenção da confiança na estabilidade daquelas relações de representatividade e conversibilidade, de tal forma que a unidade das funções da moeda seja preservada. Considerando as contribuições dos autores que, a partir de uma perspectiva econômica, mais refletiram sobre a formação e funcionamento de instituições sociais, tal processo cognitivo pode ser entendido de duas formas distintas, as quais espelham uma clivagem recorrente nas ciências sociais: enquanto uma enfatiza a suposta primazia da racionalidade individual na obtenção das informações necessárias à sustentação das instituições, a outra privilegia o papel determinante que a estrutura institucional das economias capitalistas modernas desempenharia no processo de cognição individual.

A primeira abordagem deriva do new institutionalism de Williamson e Hayek, o qual retém vários dos pressupostos desenvolvidos e/ou adotados pela teoria econômica neoclássica. Entre estes se destacam a crença de que o indivíduo possui características comportamentais definidas e racionais (e.g. busca a maximização) e a postura metodológica segundo a qual o indivíduo é o elemento central e determinante de qualquer teorização sobre sistemas sociais. Adotando tais pressupostos, o processo cognitivo necessário à sustentação da moeda como instituição social poderia ser entendido, portanto, como o resultado exclusivo da deliberação cuidadosa de cada produtor individual sobre as condições em que vários instrumentos monetários e financeiros podem desempenhar as funções da moeda. Existem razões, contudo, para rejeitar-se a redução daquele processo à esfera do indivíduo. Em termos gerais, esta rejeição baseia-se no reconhecimento de que o individualismo metodológico que sustenta aquele entendimento desconsidera o fato que a cognição individual não se processa num vácuo social. Ao contrário, ela se forma a partir de uma ordem simbólica partilhada socialmente e se expressa através de filtros cognitivos socialmente adquiridos (Hodgson, 1988HODGSON, G. (1988) Economics and Institutions. Cambridge, Polity Press.).12 12 Neste sentido, afirma Ruccio, a subjetividade não é prévia aos “sistemas de linguagem, de poder e de outros aspectos da vida social” (1991: 50l), sendo antes constituída por eles. Além disso, a limitação física da capacidade computacional da mente humana impede que o indivíduo consiga processar e analisar, na rapidez requerida pela temporalidade intrínseca às decisões de produção, a volumosa e complexa quantidade de dados necessários à avaliação das condições em que aqueles instrumentos desempenham as funções da moeda. Independentemente do esforço realizado, não há como dotar aqueles dados do conteúdo informacional necessário à manutenção da moeda como instituição social.

A segunda forma possível de entendimento daquele processo cognitivo deriva, por sua vez, da tradição de pensamento associada ao old institutionalism de Veblen e Commons, o qual, por adotar uma postura metodológica holista, concentra sua atenção na natureza socializada do homem e sugere que as características comportamentais e os valores do indivíduo são, eles próprios, conformados por instituições sociais. Baseando-se nesta visão, poder-se-ia inferir que as informações relevantes à manutenção da moeda enquanto princípio estruturador das economias capitalistas seriam fornecidas por outras instituições, que assumiriam, assim, um papel subsidiário e subordinado à moeda. Contudo, sugerir que avaliações individuais são moldadas e influenciadas por instituições não pode implicar desmérito da importância das percepções individuais para a elaboração daquelas avaliações. Fazê-lo seria incorrer em um outro tipo de reducionismo, no qual instituições determinariam, de modo unidirecional, a capacidade individual de formular julgamentos.

Contrariamente a qualquer oposição entre individualismo absoluto e holismo extremado, o que se propõe aqui é uma visão integrada do processo cognitivo em ambientes complexos, assumindo-se que, tomadas isoladamente, as dimensões individual e social não conseguem explicar a determinação daquele processo. Neste sentido, embora argumente-se que a unidade das funções da moeda depende da confiança de cada produtor individual nas informações fornecidas por instituições, aquela confiança não é exclusivamente o resultado de avaliações individuais sobre o grau de confiabilidade de tais informações. De forma simétrica, ela também não é o resultado exclusivo de mecanismos estruturais coercitivos. Ao contrário, tal avaliação emerge como o resultado de um processo cognitivo que depende da interação entre percepções individuais sobre o conteúdo informacional das instituições de uma estrutura social em permanente evolução e os limites que esta estrutura coloca, a qualquer momento, à percepção individual. Assim, a abordagem institucionalista na qual a presente análise se insere distingue-se tanto do old institutionalism como do new institutionalism. Ao rejeitar tanto a proeminência das instituições sobre a ação individual proposta pelo primeiro como o individualismo abstrato que caracteriza o segundo, busca-se uma terceira via em que agência individual e estrutura institucional sejam entendidas como igualmente importantes para a análise, de tal forma que um pressuponha o outro.13 13 Para uma discussão crítica do old e do new institutionalism ver Hodgson (1989a), Langlois (1989) e Rutherford (1989). Ainda que difiram tanto em relação à ênfase dada a determinados aspectos do debate sobre o institucionalismo quanto aos seus objetivos imediatos, estes três artigos são exemplares de uma abordagem institucional que rejeita reducionismos e à qual o presente artigo se filia. Conforme Noteboom (1992NOOTEBOOM, B. (1992) “Agent, Context and Innovation: a Saussurian View of Markets”. In Blass and Foster (eds.), Mixed Economies in Europe. Aldershot, Edward Elgar.) argumenta, embora esta abordagem alternativa não desconsidere o papel do indivíduo como uma fonte de ideias e ações idiossincráticas, ela refuta sua autonomia absoluta. Desta forma, ela é uma base para uma teoria do aprendizado e da ação que incorpora a interação mútua entre, por um lado, normas, interpretações e percepções coletivas e, por outro, cognição e ação individuais. Através desta interação, informações são geradas, distribuídas e reforçadas, gradualmente tornando-se hábitos, rotinas e convenções a serem seguidos por produtores no estabelecimento de contratos.14 14 De acordo com Shackle, “julgamentos convencionais são aqueles que, seja pela convergência mais ou menos acidental de ideias ou por algum meio de comunicação natural - porém oculto-, são adotados por uma massa de pessoas que não podem achar, e não estão realmente preocupadas em achar, uma base ‘sólida’, ‘objetiva’ e genuinamente significativa para realizar julgamentos” (1972: 225). Assim, embora aquele processo cognitivo esteja imerso em instituições, os produtores terminam por “esquecer” este fato e assumem, em suas avaliações e decisões, um comportamento rotineiro e convencional.15 15 Segundo Douglas, “o grande triunfo do pensamento institucional é tornar as instituições completamente invisíveis” (1987: 98).

Ao adotar-se uma concepção interativa do processo cognitivo pelo qual as convenções que mantêm a moeda como instituição social emergem e são preservadas, é importante que se explicite a dimensão cultural inerente a esta estrutura analítica. Seguindo a conceituação proposta por Williams (1958WILLIAMS, R. (1958) Culture and Society: Coleridge to Orwell. London: Hogarth Press.; 1981WILLIAMS, R. (1981) Culture. London: Fontana Press.), cultura é entendida aqui como um sistema significante que, construído e mantido por mecanismos de interação social, constitui e reproduz uma “forma de vida” ou uma “ordem social”. Mais especificamente, cultura é entendida como um processo de interação entre agência individual e estrutura institucional através do qual mentes são cultivadas e mecanismos de socialização são criados e reproduzidos. Este sistema significante dá contornos suficientemente definidos e estáveis às crenças, às formas de pensamento e ação dos indivíduos em um determinado sistema social para que elas possam ser definidas em termos de padrões culturais. Porém, reconhecer a existência desta regularidade não implica tratar indivíduos como passivos “marionetes culturais”, pois velhos padrões podem ser reinterpretados, rompidos e substituídos por outros como resultado de deliberação individual (Mayhew, 1989MAYHEW, A. (1989) “Constrasting Origins of the Two Institutionalisms: the Social Science Context”. Review of Political Economy, vol. 1, nº 3, novembro.). Em verdade, indivíduos são simultaneamente o produto e os produtores da cultura. O inescapável fato, contudo, é que a cada instante do tempo a cognição e a ação individuais se organizam de acordo com normas, regras, hábitos e convenções partilhados socialmente. Isto é, de acordo com os padrões culturais vigentes.

Em tal contexto, a moeda pode ser entendida como uma instituição em permanente evolução que depende, para a preservação de seu caráter socializador, de um processo cognitivo imerso em padrões culturais específicos a um determinado tempo e lugar. A percepção individual acerca da estabilidade das relações de conversibilidade e representatividade entre os instrumentos que desempenham as funções da moeda é, necessariamente, filtrada através das normas e convenções próprias ao padrão cultural em que o indivíduo está inserido. Aliás, até mesmo a aceitação ou não de determinados ativos para o desempenho das funções da moeda depende de valores partilhados em sociedade. É neste sentido, portanto, que se pode afirmar que a manutenção da moeda como instituição social deve ser entendida como um fenômeno cultural intrínseco à estruturação das sociedades capitalistas modernas e de expressão particular em cada formação social específica.

5.

Com base nesta proposição geral, é possível elucidar como a confiança na estabilidade das relações de representatividade e conversibilidade entre os instrumentos que desempenham as funções da moeda preservada ao longo do tempo. Conforme discutido acima, a primeira destas relações implica que, quando um produtor aceita algo pelo cancelamento de uma dívida contratual, ele está implicitamente assumindo que aquele instrumento que lhe foi entregue é aceito socialmente como um representante do padrão de valor em termos do qual o contrato havia sido estabelecido. Isto é, ele está assumindo que uma transferência de riqueza foi efetuada e que esta transferência lhe dá acesso a uma quantia determinada de poder de compra, a qual poderá ser usada novamente como meio de pagamento. Para assumir a existência de tal relação, contudo, o produtor deve possuir informações, primeiramente, sobre que instrumentos são ou não aceitos socialmente como meios de pagamento, pois de outro modo ele estaria incorrendo no risco de ser pago com ativos sem valor social; em segundo lugar, é preciso também que ele possua informações que lhe permitam ter confiança na relação de paridade entre o valor expresso em termos da moeda abstrata e o valor incorporado na moeda concreta. Impõe-se, portanto, a questão de como estas informações podem ser obtidas e distribuídas para todos os produtores descentralizados, de tal forma que se tornem conhecimento comum e relações contratuais possam ser estabelecidas.

Os ativos usualmente utilizados como meios de pagamento trazem, em si mesmos, algumas das informações requeridas. Primeiro, ostentam o nome daqueles que os emitiram: moedas e notas têm nomes, símbolos e assinaturas que identificam sua origem; de modo similar, cheques, cartões de crédito e reconhecimentos de débito em geral expõem os nomes de quem os emitiu. Além disso, todos estes instrumentos são, em alguma extensão, protegidos contra falsificação. Consequentemente, eles são facilmente reconhecíveis e sua autenticidade rapidamente atestada. Para explicitar a relação de representatividade entre eles e o padrão de valor, eles normalmente têm seus valores expressos em termos daquele padrão. Contudo, nada disso pode afastar totalmente as dúvidas de cada produtor individual sobre quais instrumentos dentre aqueles são aceitos pela coletividade como representantes do padrão de valor. E ao contrário do que afirmam os proponentes da autonomia absoluta da racionalidade individual, as informações necessárias para a eliminação daquelas dúvidas não podem ser obtidas através unicamente da deliberação cuidadosa de cada produtor. Dadas a diversidade de instrumentos empregados como meios de pagamento em economias modernas e a natureza descentralizada das mesmas, deliberar racionalmente sobre sua confiabilidade seria uma atividade tão complexa e consumiria tanto tempo que terminaria por paralisar a esfera produtiva.16 16 Esta complexidade emerge do fato de que a aceitação generalizada de um ativo como meio de pagamento depende de uma cadeia infinita de expectativas sobre expectativas de outros agentes quanto à aceitação ou não daqueles ativos. Conforme Orléan explica, “[p]ara qualquer agente, i, a aceitação de um signo desprovido de valor, moeda, em troca de uma mercadoria, depende das expectativas deste agente sobre a aceitação futura do mesmo signo por outro agente j. As qualidades particulares deste signo não importam, pois o que é essencial na determinação da decisão do agente i são suas expectativas sobre o comportamento de j. O agente i só vai aceitar a moeda se ele sabe que j também vai aceitá-la um dia. Mas na medida em que a aceitação da moeda por) também depende das expectativas de) sobre um novo agente, k, a aceitação da moeda por i depende das expectativas de i sobre a aceitação de um signo monetário por k. É óbvio que este raciocínio não para no agente k” (1992: 123). Existe, portanto, um vácuo de conhecimento que não pode ser preenchido apenas por avaliações individuais sobre o grau de aceitabilidade dos instrumentos usados como meios de pagamento.

Em verdade, as informações necessárias à construção de um sentimento de confiança na relação de representatividade entre meios de pagamento e padrão de valor são absorvidas pelos produtores através de um processo cognitivo quase que totalmente inconsciente, o que permite um rápido e inquestionável reconhecimento dos ativos socialmente aceitos como meios de pagamento. Ou seja, ao invés de basear-se na tentativa de antecipar o que os demais agentes aceitam como meios de pagamento, o conhecimento sobre que ativos específicos funcionam como moeda concreta é fornecido por um conjunto de crenças e símbolos comuns aos produtores.17 17 Um exemplo de um símbolo simples que evoca um processo cognitivo complexo pode ser encontrado na classificação de vinhos franceses, a qual fornece informações instantaneamente reconhecíveis de uma forma rápida e confiável: “Dar nome ao vinho de acordo com a região e o castelo é condensar informações que só podem ser desvendadas por especialistas. O nome encapsula um processo testado, uma mistura tradicional de uvas, um solo, a inclinação de um vale e um clima. Ele desafia qualquer outra racionalização” (Douglas, 1987: 106). Isto é, existe um corpo de conhecimento, partilhado pelos participantes do mercado e escrito em lei, que identifica as condições em que determinados instrumentos podem ser usados como meios de pagamento.18 18 Como Hodgson argumenta, “[a] formulação de um contrato entre duas partes envolve mais frequentemente uma referência implícita ou explícita a um conjunto de normas, costumes e regras do que uma negociação detalhada de novo sobre cada cláusula e eventualidade” (1988: 159). Este conhecimento emerge a partir do uso contínuo de formas particulares de moeda, o qual, conforme afirma Chick, “reflete e aumenta [...] a aceitabilidade baseada em consenso social” (1992CHICK, V. (1992) “Money”, In Arestis e Dow (eds.), On Money, Method and Keynes. London, Macmillan.: 142). E na medida em que os produtores se acostumam àquelas condições, elas se tornam hábitos a serem seguidos sem muita deliberação.19 19 A importância de hábitos para processos cognitivos em economias de mercado é enfatizada por Hodgson, que afirma que hábitos provêm os agentes “com um meio de reter um padrão de comportamento sem o engajamento em cálculos racionais envolvendo vastas quantidades de informações complexas” (1989b: 106).

É importante notar que o Estado desempenha um papel central no processo de formação desses hábitos. Em primeiro lugar, porque é o Estado quem determina, em última instância, que ativos podem ser usados como meios de pagamento. Mesmo que alguns destes ativos emerjam na esfera privada sem interferência estatal, eles precisam ser legitimados pelo Estado para que não haja questionamentos sobre sua capacidade de funcionar como meios de pagamento; i.e., é o Estado quem determina os termos e condições sob as quais eles podem operar como meios de pagamento, estabelecendo normas e regras a serem seguidas tanto pelos emitentes como pelos usuários daqueles instrumentos. Em segundo lugar, é o Estado quem provê e garante a estrutura legal em que tais instrumentos podem ser trocados entre si (um sistema de compensação), dando-lhes conversibilidade. Neste quadro institucional é importante destacar a centralidade dos representantes imediatos e legais do padrão de valor (moeda nacional), pois, por serem os únicos ativos que possuem uma relação direta, estável e a prova e a garantia que outros ativos são igualmente representantes do equivalente geral.20 20 Conforme Mollo afirma, é por ser privada que a moeda bancária não pode “socializar os trabalhos privados contidos nas mercadorias, a não ser que ela própria, enquanto moeda, se afirme como forma socialmente legítima do equivalente geral [...). A qualidade [social] destas moedas [privadas] depende da conversibilidade delas numa outra, hierarquicamente superior, que é a moeda nacional, emitida pelo Banco Central” (1990: 96). Em outras palavras, todos os instrumentos que proclamam sua capacidade de servir como meios de pagamento só obtêm significado social se forem conversíveis na moeda nacional em termos estáveis.

Assim, a estabilidade da relação de representatividade entre o padrão de valor e os ativos que funcionam como meios de pagamento depende de um conjunto de hábitos e convenções que se apoiam na confiança continuada na capacidade regulatória do Estado como o garantidor daquela relação. Além disso, quanto maior a capacidade do Estado de confirmar aquela estabilidade para cada produtor individual, mais forte será a confiança nas convenções sociais que sustentam a relação de representatividade. Desta forma, a aceitação repetida de ativos específicos como meios de pagamento sob certas condições restritivas estabelecidas pelo Estado tende a fazer tal aceitação um hábito, uma ação sobre a qual o produtor não mais delibera. E na medida em que este hábito é conservado, uma das condições necessárias à manutenção da unidade das funções da moeda é alcançada.

A segunda das condições necessárias à preservação da unidade das funções da moeda refere-se à manutenção da confiança na estabilidade da relação de conversibilidade entre os ativos que desempenham a função reserva de valor e aqueles adotados como meios de pagamento. Para a melhor compreensão do processo de formação das convenções que sustentam a estabilidade desta relação, é preciso, inicialmente, enfatizar que um produtor somente pode escolher que ativos serão usados como reserva de valor - e, portanto, satisfazer suas expectativas de demanda futura por meios de pagamento - se ele consegue, primeiro, hierarquizá-los em termos de sua habilidade em preservar poder de compra em caso de venda imediata, i.e., em termos do seu grau de liquidez. E para erigir tal hierarquia é necessária a formação de expectativas sobre os preços que os ativos alcançariam em caso de venda imediata, de tal forma que os ganhos e as perdas potenciais associados à manutenção destes ativos como reserva de valor possam ser comparados entre si. Tal avaliação requer, contudo, o estabelecimento prévio de normas de preços esperados dos ativos, pois, na ausência destas normas, não existiria nenhum ponto de referência social para a avaliação individual daqueles ganhos e perdas, de tal forma que qualquer julgamento pessoal seria destituído de sentido.21 21 O processo de avaliação individual do grau de liquidez dos ativos num ambiente de incerteza é discutido em detalhe em Anjos Jr. e Chick (1993). Adicionalmente, dado o ambiente de irrevogável incerteza sobre o futuro em que os produtores operam, é preciso que estes possuam um elevado grau de confiança tanto nas suas expectativas sobre os preços que os ativos podem alcançar como nas normas de preços esperados destes ativos. Impõe-se, assim, a discussão de como estas normas emergem e de como os produtores adquirem confiança em suas expectativas.

Mais uma vez argumenta-se pela impossibilidade de construir um conhecimento partilhado socialmente a partir, unicamente, da racionalidade individual. Mudanças contínuas no ambiente em que transações são efetuadas (causadas inclusive pelas próprias ações de compra e venda de ativos pelos produtores) e também na própria percepção deste ambiente na mente dos produtores obstaculizam a criação de normas de preços a partir apenas de análises individuais sobre o comportamento passado de mercados específicos. Neste contexto, sugere-se que tanto as normas de preços como a confiança que os produtores depositam em suas expectativas emergem e são preservadas através da interação entre informações fornecidas por instituições de mercado e as avaliações (por vezes automáticas e não-deliberativas) dos produtores sobre seu significado e importância. Estas instituições consistem nas regras que estabelecem as formas em que as transações contratuais são estruturadas, nos dispositivos legais que confinam as ações dos agentes dentro de certos limites acordados socialmente, em mecanismos de publicação de dados sobre o comportamento passado ou presente dos mercados etc. Por meio deste processo interativo, alguns preços terminam por manter-se em determinados patamares por tempo suficiente para se tornarem habituais e consensuais, adquirindo, por isso, o caráter de preços “certos” e mesmo de preços “justos” (Shackle, 1972SHACKLE, G.L.S. (1972) Epistemics & Economics. Cambridge, Cambridge University Press.). Neste sentido, o conceito de normas de preços realça a natureza convencional - e, portanto, cultural - do processo de formação dos preços. Ao organizar e legitimar relações de troca, contudo, as informações fornecidas por tais instituições tornam possível não só a criação de normas de preço para cada ativo, mas servem também como um guia para o produtor individual criar expectativas de ganhos e perdas associados à manutenção de determinados ativos como reserva de valor (i.e., expectativas de variações de preço em relação àquela norma).

Além disso, a estabilidade continuada destas instituições termina por promover uma interação aproximativa entre as avaliações individuais sobre seu conteúdo informacional e sua capacidade de conformar tais avaliações. Como consequência desse processo, ocorre uma progressiva estabilização das expectativas sobre ganhos e perdas associados à posse de ativos específicos como reserva de valor em torno das normas de preços associadas a cada um daqueles ativos. Em outras palavras, o conjunto de regras, rotinas e informações que compõem aquelas instituições têm uma função importante não apenas no estabelecimento de normas de preços - as quais são progressivamente aceitas pelos agentes como uma convenção a ser seguida sem muita deliberação - mas também na promoção - através de sua interação com as avaliações dos produtores sobre seu significado - da convergência progressiva das expectativas dos produtores sobre os preços dos ativos em direção àquelas normas, desta forma aumentando a confiança desses em suas expectativas sobre ganhos e perdas prospectivos, associados à manutenção de ativos como reserva de valor. É, portanto, através da interação entre aquelas instituições e as expectativas dos produtores que a confiança na estabilidade do processo de conversibilidade entre os ativos usados como reserva de valor e aqueles empregados como meios de pagamento emerge e a segunda das duas condições básicas para a manutenção do papel institucional da moeda é preservada.

6.

A unidade das funções da moeda depende, assim, da existência de confiança generalizada na estabilidade de dois conjuntos de instituições. O primeiro é aquele que regula a relação de representatividade entre o padrão de valor e os meios de pagamento garantidos por lei. A confiança nesta relação tranquiliza os produtores que esperam receber aqueles meios de pagamento como cancelamento de um contrato quanto a habilidade destes ativos representarem, para a coletividade, o poder de compra cuja transferência havia sido prometida no estabelecimento do contrato. O segundo conjunto de instituições é aquele que delimita e ordena a operação de mercados específicos, desta forma ajudando os produtores a criarem expectativas estáveis sobre os termos futuros de conversibilidade entre os ativos que podem ser usados como reserva de valor e aqueles que atuam como meios de pagamento. A manutenção da confiança na estabilidade deste conjunto de instituições diminui os medos dos produtores em relação a possíveis dificuldades de acesso futuro aos ativos socialmente aceitos como meios de pagamento. Note-se ainda que os instrumentos empregados como meios de pagamento funcionam como um elemento de ligação entre os dois conjuntos de instituições, pois a manutenção da confiança na estabilidade do processo de conversibilidade entre os ativos que servem como reserva de valor e aqueles aceitos como meios de pagamento só adquire relevância para a manutenção da unidade das funções da moeda, se a crença segundo a qual se espera que estes instrumentos serão aceitos como os representantes concretos do padrão de valor for igualmente mantida.

A confiança na estabilidade desses dois conjuntos de instituições emerge como o resultado da interação entre práticas individuais e restrições institucionais, que, ao moldarem a si mesmas ao longo do tempo, criam um sistema de normas e hábitos que organiza e limita, no imaginário social, as formas em que os diversos instrumentos que desempenham as funções da moeda relacionam-se entre si. Em outras palavras, através daquela interação informações são geradas, passadas adiante e, na medida que sua importância é continuamente confirmada pela forma que os eventos assumem, transformadas em convenções a serem seguidas pelos produtores no estabelecimento de contratos. Ao estabelecerem normas partilhadas socialmente sobre a estabilidade das relações de representatividade e conversibilidade entre os ativos que desempenham as funções da moeda - e, portanto, ao criarem restrições ao comportamento dos produtores-, aquelas convenções libertam os mesmos de algumas das incertezas intrínsecas ao funcionamento das economias mercantis e servem como uma base sobre a qual a confiança na moeda como instituição pode ser erguida.22 22 Por serem baseadas em “tão frágil fundamento” (Keynes, 1973c: 114), convenções estão obviamente sujeitas a mudanças repentinas e à possibilidade de ruptura. Inflação, por exemplo, pode trazer desconfianças quanto à estabilidade das relações de representatividade e conversibilidade entre os instrumentos que desempenham as funções da moeda. Não necessariamente, contudo, essa desconfiança é imediatamente seguida por quebra da unidade entre aquelas funções. Através de adaptações institucionais e comportamentais (e.g. aderência a regras de indexação), outros ativos podem passar a desempenhar as funções da moeda e é possível recriar e manter, dentro de certos limites que refletem a capacidade de adaptação de sistemas sociais específicos, a unidade das funções da moeda (Anjos Jr., 1994). Isto é, ao conter informações essenciais para a emergência da confiança na unidade das funções da moeda, aquelas convenções, se não garantem, ao menos criam algumas das condições necessárias para que as “paixões” privadas sejam controladas por “interesses” sociais. E como aquelas instituições e práticas envolvem valores comuns, um conjunto de crenças partilhadas e atitudes que continuamente legitimam suas formas, pode-se afirmar que o grau de confiabilidade das informações que sustentam o caráter institucional da moeda possui importantes determinações culturais.

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  • 1
    Para uma análise crítica dos modelos teóricos que incluem a moeda de uma forma não-essencial à geração de riqueza, ver Davidson (1978DAVIDSON, P. (1978) Money and the Real World. London, Macmillan.), Hahn (1984aHAHN, F.H. (1984a) “On Some Problems of Proving the Existence of Equilibrium in a Monetary Economy”. In F.H. Hahn, Equilibrium and Macroeconomics. Oxford: Basil Blackwell.; 1984bHAHN, F.H. (1984b) “On the Foundations of Monetary Theory”. In F.H. Hahn, Equilibrium and Macroeconomics. Oxford: Basil Blackwell.), Grandmont (1983GRANDMONT, J.M. (1983) Money and Value. Cambridge: Cambridge University Press.) e Ostroy (1992OSTROY, J. (1992) “Money and General Equilibrium Theory”. In Newman, Milgate and Eatwell (eds.), The New Palgrave Dictionary of Money and Finance. London: Macmillan.).
  • 2
    Os conceitos de “análise real” e “análise monetária” foram propostos por Schumpeter (1954SCHUMPETER, J. (1954) History of Economic Analysis. London: Allen and Unwin.).
  • 3
    Quem melhor percebeu a importância de desenvolver uma análise monetária para entender o funcionamento das economias capitalistas foi Keynes, segundo o qual naquelas economias “a moeda desempenha um papel por si só, afeta motivos e decisões e é um dos fatores operativos na situação, de forma que o curso dos eventos, seja no curto ou no longo prazo, não pode ser previsto sem um conhecimento do comportamento da moeda entre o primeiro e o último estados” (1973bKEYNES, J.M. (1973b) “A Monetary Theory of Employment”. ln J.M. Keynes, The General Theory and After: Part 1. Preparation. London: Macmillan.: 408-9). Embora este aspecto essencial de sua obra tenha sido negligenciado durante décadas, ele tem sido resgatado e novamente enfatizado pelo fortalecimento da abordagem pós-keynesiana. Para recentes desenvolvimentos das ideias de Keynes que, embora divergindo em ênfase e propósito, são fiéis àquela dimensão de sua obra, ver, entre outros, Minsky (1975MINSKY, H. (1975) John Maynard Keynes. London, Macmillan.), Davidson (1978DAVIDSON, P. (1978) Money and the Real World. London, Macmillan.), Chick (1983CHICK, V. (1983) Macroeconomics After Keynes. A Reconsideration of the General Theory. Oxford, Philip Allen.) e Carvalho (1992CARVALHO, F.C. (1992) Mr. Keynes and the Post Keynesians: Principles of Macroeconomics for a Monetary Production Economy. Aldershot, Edward Elgar.).
  • 4
    A estruturação dos sistemas sociais refere-se, segundo Giddens, aos “modos em que tais sistemas, baseados nas atividades conscientes de atores estabelecidos que utilizam regras e recursos em diversos contextos de ação, são produzidos e reproduzidos em interação” (1984: 25).
  • 5
    Ver os estudos clássicos de Simmel (1990SIMMEL, G. (1990) The Philosophy of Money. London: Routledge and Keegan Paul.) e Polanyi (1968POLANYI, K. (1968) “The Semantics of Money Uses”. In G. Dalton (ed.), Primitive, Archaic and Modern Economies. New York, Doubleday., 1977POLANYI, K. (1977) “Money Objects and Money Uses”. In H.W Pearson (ed.), The Livelihood of Man. New York, Academic Press.) e, mais recentemente, a releitura das ideias de Simmel sobre a moeda proposta por Dodd (1994DODD, N. (1994) The Sociology of Money: Economics, Reason & Contemporary Society. Cambridge: Polity Press.).
  • 6
    Dentre as poucas exceções, ver Aglietta e Orléan (1990AGLIETTA, M. e A. ORLÉAN (1990) A violência da moeda. São Paulo, Brasiliense.) e Orléan (1992ORLÉAN, A. (1992) “The Origin of Money”. In Varela and Dupuy (eds.), Understanding Origins. Dordrecht, Kluwer Academic Publishers.).
  • 7
    Para uma análise retrospectiva e ampla da relação entre cultura e economia, ver Jackson (1993JACKSON, W. (1993) “Culture, Society and Economic Theory”. Review of Political Economy, Vol. 5, nº 4, fevereiro.).
  • 8
    Ver, entre outras, as contribuições de Hodgson (1988HODGSON, G. (1988) Economics and Institutions. Cambridge, Polity Press.; 1993HODGSON, G. (1993) Economics and Evolution. Cambridge: Polity Press.), Foster (1987FOSTER, J. (1987) Evolutionary Macroeconomics. London, George Allen & Unwin.; 1991FOSTER, J. (1991) “The Institutionalist (Evolutionary) School”. In Mair e Miller (eds.), A Modern Guide to Economic Thought. Aldershot: Edward Elgar.), Lawson (1987LAWSON, A. (1987) “The Relative/Absolute Nature of Knowledge and Economic Analysis”. Economic Journal, vol. 97.) e Etzioni (1988ETZIONI, A. (1988) The Moral Dimension: Toward a New Economics. New York: Free Press.). A abordagem institucional sugerida nestes trabalhos busca escapar da oposição frequentemente observada entre as duas principais vertentes de pensamento econômico que se proclamam institucionalistas. A vertente mais antiga (old institutionalism, que tem em Veblen seu fundador e nas obras de Ayres e Commons seus mais importantes desdobramentos, argumenta que é a estrutura organizacional da economia que efetivamente aloca recursos, distribui renda e determina, portanto, a dinâmica dos sistemas econômicos. A outra vertente, por sua vez, enfatiza a noção do indivíduo abstrato como a unidade central e determinante do processo de tomada de decisão naqueles sistemas e, por consequência, do processo de construção de suas instituições. Embora vários autores trabalhem sob esta mesma orientação geral (e.g. Hayek, Schotter, Posner, Olson e North), é a obra de Williamson que mais tem contribuído para delinear as características básicas do new institutionalism. A despeito das diferenças entre estas duas vertentes, os trabalhos acima mencionados argumentam pela possibilidade de se construir uma terceira via que as relativize em benefício de um melhor entendimento do funcionamento das economias capitalistas modernas.
  • 9
    Segundo Hirschman (1979HIRSCHMAN, A. (1979) As paixões e os interesses. São Paulo, Paz e Terra.), a construção do significado conceitual das “paixões” como expressão do desejo individual por riqueza e poder e dos “interesses” como expressão da necessidade de controle social dos efeitos desagregadores daquele desejo consolida-se no século XVIII. A partir de então, diz Hirschman, estas formulações assumiram, efetivamente, “a forma de opor os interesses dos homens às suas paixões, e de contrastar os efeitos favoráveis que ocorrem quando os homens são guiados pelos seus interesses, ao calamitoso estado de coisas que resulta quando os homens dão rédea solta às suas paixões” (ibid.: 37).
  • 10
    O caráter socializador da moeda é enfatizado por Paulani, segundo a qual “o dinheiro é a regra constitutiva por excelência da sociedade moderna: é através dele que se viabiliza, numa sociedade de proprietários e produtores independentes, um procedimento de avaliação que é social, que é socialmente aceito” (1994PAULANI, L.M. (1994) “A questão da estabilização nos anos 80: um enfoque institucional”. Revista de Economia Política, vol. 14, nº 1, janeiro-março.: 22).
  • 11
    É preciso deixar claro que a moeda - enquanto instituição social estruturadora das relações contratuais - não é capaz de prover, por si, as condições suficientes para ativar a esfera produtiva. A moeda fornece apenas as condições sob as quais é possível gerar riqueza privada através do circuito produtivo. Se essas condições de existência vão motivar ou não o uso efetivo dos recursos produtivos, depende, por um lado, das expectativas dos produtores que comandam aqueles recursos em relação aos ganhos esperados a partir de seu uso e, por outro, da existência de instituições financeiras estruturadas de forma adequada à ativação dos planos daqueles agentes. Assim, embora o papel da moeda como instituição social seja o de prover algumas das condições necessárias à ativação continuada da esfera produtiva, tais condições, por si sós, não garantem que este objetivo seja alcançado.
  • 12
    Neste sentido, afirma Ruccio, a subjetividade não é prévia aos “sistemas de linguagem, de poder e de outros aspectos da vida social” (1991RUCCIO, D.F. (1991) “Postmodernism and Economics”. Journal of Post Keynesian Economics, vol. 13, nº 4, Summer.: 50l), sendo antes constituída por eles.
  • 13
    Para uma discussão crítica do old e do new institutionalism ver Hodgson (1989aHODGSON, G. (1989a) “Institutional Economic Theory: the Old versus the New”. Review of Political Economy, vol. 1, nº 3, novembro.), Langlois (1989LANGLOIS, R. (1989) “What is Wrong with the Old Institutional Economics (and What is Still Wrong with the New)?”. Review of Political Economy, vol. 1, nº 3, novembro.) e Rutherford (1989RUTHERFORD, M. (1989) “What is Wrong with the New Institutional Economics (and What is Still Wrong with the Old)?”, Review of Political Economy, vol. l, nº 3, novembro.). Ainda que difiram tanto em relação à ênfase dada a determinados aspectos do debate sobre o institucionalismo quanto aos seus objetivos imediatos, estes três artigos são exemplares de uma abordagem institucional que rejeita reducionismos e à qual o presente artigo se filia.
  • 14
    De acordo com Shackle, “julgamentos convencionais são aqueles que, seja pela convergência mais ou menos acidental de ideias ou por algum meio de comunicação natural - porém oculto-, são adotados por uma massa de pessoas que não podem achar, e não estão realmente preocupadas em achar, uma base ‘sólida’, ‘objetiva’ e genuinamente significativa para realizar julgamentos” (1972: 225).
  • 15
    Segundo Douglas, “o grande triunfo do pensamento institucional é tornar as instituições completamente invisíveis” (1987: 98).
  • 16
    Esta complexidade emerge do fato de que a aceitação generalizada de um ativo como meio de pagamento depende de uma cadeia infinita de expectativas sobre expectativas de outros agentes quanto à aceitação ou não daqueles ativos. Conforme Orléan explica, “[p]ara qualquer agente, i, a aceitação de um signo desprovido de valor, moeda, em troca de uma mercadoria, depende das expectativas deste agente sobre a aceitação futura do mesmo signo por outro agente j. As qualidades particulares deste signo não importam, pois o que é essencial na determinação da decisão do agente i são suas expectativas sobre o comportamento de j. O agente i só vai aceitar a moeda se ele sabe que j também vai aceitá-la um dia. Mas na medida em que a aceitação da moeda por) também depende das expectativas de) sobre um novo agente, k, a aceitação da moeda por i depende das expectativas de i sobre a aceitação de um signo monetário por k. É óbvio que este raciocínio não para no agente k” (1992: 123).
  • 17
    Um exemplo de um símbolo simples que evoca um processo cognitivo complexo pode ser encontrado na classificação de vinhos franceses, a qual fornece informações instantaneamente reconhecíveis de uma forma rápida e confiável: “Dar nome ao vinho de acordo com a região e o castelo é condensar informações que só podem ser desvendadas por especialistas. O nome encapsula um processo testado, uma mistura tradicional de uvas, um solo, a inclinação de um vale e um clima. Ele desafia qualquer outra racionalização” (Douglas, 1987DOUGLAS, M. (1989) How Institutions Think. London, Routledge & Keegan.: 106).
  • 18
    Como Hodgson argumenta, “[a] formulação de um contrato entre duas partes envolve mais frequentemente uma referência implícita ou explícita a um conjunto de normas, costumes e regras do que uma negociação detalhada de novo sobre cada cláusula e eventualidade” (1988: 159).
  • 19
    A importância de hábitos para processos cognitivos em economias de mercado é enfatizada por Hodgson, que afirma que hábitos provêm os agentes “com um meio de reter um padrão de comportamento sem o engajamento em cálculos racionais envolvendo vastas quantidades de informações complexas” (1989bHODGSON, G. (1989b) “Post-Keynesianism and Institutionalism: The Missing Link”. In J. Pheby (ed.), New Directions in Post-Keynesian Economics. Aldershot: Edward Elgar.: 106).
  • 20
    Conforme Mollo afirma, é por ser privada que a moeda bancária não pode “socializar os trabalhos privados contidos nas mercadorias, a não ser que ela própria, enquanto moeda, se afirme como forma socialmente legítima do equivalente geral [...). A qualidade [social] destas moedas [privadas] depende da conversibilidade delas numa outra, hierarquicamente superior, que é a moeda nacional, emitida pelo Banco Central” (1990MOLLO, M.L.R. (1990) “Estado e economia: o papel monetário do Estado”. Estudos Econômicos, vol. 20, nº 1, janeiro-abril.: 96).
  • 21
    O processo de avaliação individual do grau de liquidez dos ativos num ambiente de incerteza é discutido em detalhe em Anjos Jr. e Chick (1993ANJOS Jr., M. e V CHICK (1993) “Liquidity and Potential Surprise”. London, UCL Discussion Papers in Economics, n. 93-04.).
  • 22
    Por serem baseadas em “tão frágil fundamento” (Keynes, 1973cKEYNES, J.M. (1973c) “The general theory of employment”. In J.M. Keynes, The General Theory and After: Part 2. Defense and Development. London, Macmillan.: 114), convenções estão obviamente sujeitas a mudanças repentinas e à possibilidade de ruptura. Inflação, por exemplo, pode trazer desconfianças quanto à estabilidade das relações de representatividade e conversibilidade entre os instrumentos que desempenham as funções da moeda. Não necessariamente, contudo, essa desconfiança é imediatamente seguida por quebra da unidade entre aquelas funções. Através de adaptações institucionais e comportamentais (e.g. aderência a regras de indexação), outros ativos podem passar a desempenhar as funções da moeda e é possível recriar e manter, dentro de certos limites que refletem a capacidade de adaptação de sistemas sociais específicos, a unidade das funções da moeda (Anjos Jr., 1994ANJOS Jr., M. (1994) Money, Social Cohesion and Inflation: The Brazilian Economy in the 1980s. London, UCL, PhD thesis (mimeo).).
  • 23
    JEL Classification: E41; E42; B52.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1998
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