Acessibilidade / Reportar erro

O empresário brasileiro: um estudo comparativo

Brazilian entrepreneur: a comparative study

Resumo

Este trabalho examina o debate sobre o empreendedor brasileiro, com o objetivo de desafiar a visão amplamente aceita que as experiências paulista e carioca, no que diz respeito à formação da classe empresarial, pode ser estendida a outras partes do Brasil. O trabalho compara o contexto social e as fontes de capital dos empresários mineiro, paulista e carioca no século XIX. A análise revela que os empresários mineiros vieram da elite local constituída basicamente por brasileiros e que as fontes de capital (principalmente agricultura e comércio) utilizadas pelos empresários mineiros eram de natureza distinta, sendo o café e o comércio de importação e exportação menos relevantes.

Palavras-chave:
História do empreendedorismo; história econômica de Minas Gerais

Abstract

This work examines the debate about the Brazilian entrepreneur, aiming at challenging the widely accepted vision that the Paulista and Carioca experiences, in what concerns the formation of the entrepreneurial class, can be extended to other parts of Brazil. The work compares the social background and the sources of capital of Mineiro, Paulista and Carioca entrepreneurs in the XIXth century. The analysis reveals that Mineiro entrepreneurs came from the local elite constituted basically by Brazilians and that the sources of capital (mainly, agriculture and trade) used by Mineiro entrepreneurs were distinct in their nature, with coffee and the import-export trade having a less relevant role.

Keywords:
History of entrepreneurship; economic history of Minas Gerais

1. UMA BREVE REVISÃO DA LITERATURA SOBRE O EMPRESÁRIO BRASILEIRO

A economia brasileira no século XVIII era predominantemente agrícola e, principalmente, orientada para as exportações. Falar de empresários durante esse período é falar de senhores de engenho e outros proprietários de terras1 1 L.C.T.D. Prado, Commercial capital, domestic market and manufacturing in imperial Brazil: the failure of Brazilian economic development in the XIXth century. Universidade de Londres, Tese de Doutorado, 1991 (pp. 174-83). . Com o desenvolvimento da economia cafeeira no início da década de 1820, começou a surgir uma nova classe empresarial destinada a ter um importante papel no desenvolvimento econômico futuro do País. Esta nova classe era constituída inicialmente de empresários locais que haviam acumulado algum capital em atividades comerciais - principalmente do provisionamento da cidade do Rio de Janeiro, que era então o principal mercado consumidor brasileiro - e que mais tarde passaram a produzir café2 2 C. Furtado, The economic growth of Brazil: a survey from colonial to modem times. Los Angeles, 1965 (pp. 124-5). .

A comparação entre os processos de formação das classes dominantes das economias cafeeiras e açucareira revela algumas diferenças fundamentais. Quando a classe dominante da economia açucareira foi formada, as atividades comerciais eram controladas por grupos estabelecidos em Portugal ou nos Países Baixos. Os homens que controlavam a produção não tinham nenhuma perspectiva da economia açucareira como um todo, na medida em que as etapas produtiva e comercial eram separadas.3 3 Ibid. p. 125. A formação da economia cafeeira ocorreu sob condições bastante diferentes. Desde o início, como mencionamos acima, a classe dominante era composta de homens com experiência de negócios e as etapas de produção e comercialização eram interesses interligados.4 4 Ibid., p. 124-6.

Porém, durante a primeira metade do século XIX não emergiu nenhuma classe industrial significativa. As indústrias têxtil e de alimentos, que foram a base do crescimento industrial brasileiro, não surgiram até 1840. Na verdade, não houve crescimento industrial significativo até a década de 1870. Além disso, há alguma controvérsia no debate sobre as origens sociais e econômicas do empresariado industrial paulista. Duas principais correntes podem ser identificadas neste debate. A primeira, a abordagem do “imigrante burguês”5 5 Representada principalmente por W. Dean, A industrialização de São Paulo. São Paulo, 1971; e J. Gorender, A burguesia brasileira. São Paulo, 6ª ed. 1986. , argumenta que o papel mais importante na promoção da industrialização em São Paulo coube ao grupo formado por importadores e imigrantes, ou o chamado “imigrante burguês”. A segunda, a abordagem do “capitalismo tardio”6 6 Representada principalmente por J.M. Cardoso de Mello, O capitalismo tardio: contribuição à revisão crítica da formação e desenvolvimento da economia brasileira. São Paulo, 1982; e W. Cano, Raízes da concentração industrial em São Paulo. São Paulo, 3ª ed. 1977. , argumenta que em São Paulo os plantadores de café constituíram o grupo social do qual emergiu a burguesia industrial.

Assim sendo, de acordo com a historiografia econômica brasileira, o empresário brasileiro capitalista emergiu somente na segunda década do século passado com a expansão da economia cafeeira. Essa classe empresarial cafeeira estabeleceu a base econômica e social para a emergência de um estágio mais avançado do desenvolvimento capitalista brasileiro. A industrialização foi promovida por ambos, os chamados imigrantes burgueses e os plantadores de café. Entretanto, a maior parte do que foi escrito até então se baseia, principalmente, em evidências tiradas das experiências de São Paulo e, em menor medida, do Rio de Janeiro. Porém, há evidências sugerindo que o padrão de desenvolvimento empresarial em outras partes do Brasil, como Minas Gerais, foi de uma certa forma diferente.

2. O EMPRESÁRIO MINEIRO

Essa parte examina as origens étnicas, sociais e econômicas do empresário mineiro no século XIX. Ela compara as principais influências sociais e econômicas no processo de formação das classes empresariais brasileira e mineira. A primeira seção investiga os antecedentes sociais e étnicos do empresariado mineiro. O foco é a análise dos grupos sociais de onde emergiram o empresário mineiro. A segunda seção examina as principais influências econômicas na formação da classe empresarial mineira. Em suma, ela investiga as principais fontes de capital utilizadas por esses empresários.

2.1 As Origens Étnicas e Sociais

Como foi mencionado acima, o grupo social constituído por importadores e imigrantes, o chamado imigrante burguês, teve uma grande influência na formação da classe empresarial paulista.7 7 Ver Dean, op. cit. Porém, no que concerne à formação da classe empresarial mineira, a participação de imigrantes foi muito mais limitada. Os imigrantes tiveram uma pequena, porém relevante, participação no estabelecimento da siderurgia mineira e tiveram uma grande participação na formação da classe empresarial da Zona da Mata, uma importante região cafeeira. Em outras regiões e setores econômicos, a participação de imigrantes é muito limitada.

Na siderurgia, a participação dos empresários estrangeiros foi importante durante o século passado. Duas das mais bem-sucedidas fundições fundadas durante esse período foram estabelecidas por imigrantes: a Fábrica Patriótica, estabelecida por Eschwege, um engenheiro alemão8 8 F.A.M. Gomes, História da siderurgia no Brasil. Belo Horizonte/São Paulo, 1983 (pp. 79-85). , e a Fábrica de São Miguel de Piracicaba, fundada por Monlevade, um engenheiro francês9 9 D.C. Libby, Transformação e trabalho em uma economia escravista: Minas Gerais no século XIX. São Paulo, 1988 (p. 149). . Outras fundições menores e menos importantes foram também estabelecidas por estrangeiros10 10 lbid. (pp. 163-9). . Além disso, estrangeiros e seus descendentes participaram do estabelecimento das usinas de maior porte que começaram a dominar a siderurgia mineira nas últimas décadas do século passado. A Usina Esperança foi estabelecida em 1888 por três brasileiros (Amaro da Silveira, Henrique Hargreaves e Carlos da Costa Wigg) e um metalúrgico suíço (Alberto Gespacher). Mais tarde José Gerspacher (filho de Alberto Gespacher e quem operou ambas as usinas) e Carlos da Costa Wigg estabeleceram a Usina Burnier em 1892.11 11 W. Suzigan, Indústria brasileira: origem e desenvolvimento. São Paulo, 1986 (pp. 258-9).

Portanto, os empresários estrangeiros tiveram uma participação pequena, porém importante no estabelecimento da siderurgia mineira. Isso parece ter ocorrido muito em função do know-how que esses estrangeiros possuíam, que não estava disponível na forma de maquinário como no caso da indústria têxtil. No entanto, baseado na evidência apresentada acima e tendo em mente que o número estimado de fundições em Minas Gerais durante o período 1821-93 nunca foi menor que 3012 12 Libby, op.cit. (p. 154). , fica claro que a maioria das fundições pertenciam a brasileiros.

A participação de imigrantes era muito maior dentro da classe empresarial da Zona da Mata. Aí é amplamente aceito que estrangeiros residentes na região tiveram uma participação fundamental no processo de industrialização.13 13 Para uma discussão mais ampla sobre a participação de imigrantes na industrialização de Juiz de Fora ver A. Esteves, Álbum do município de Juiz de Fora. Belo Horizonte, 1914; D. A. Giroletti, A industrialização de Juiz de Fora: 1850-1930. Juiz de Fora, 1988; P. Oliveira, História de Juiz de Fora. Juiz de Fora, 1966; L. J. Stehling, “Trajetória da indústria em Juiz de Fora”, in Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Juiz de Fora. Juiz de Fora, 1966, vol. 2, nº 2 (pp. 30-7); e L. A. V. Arantes, As origens da burguesia industrial em Juiz de Fora, 1858-1912, Universidade Federal Fluminense, Dissertação de Mestrado, Niterói, 1991. O fluxo de imigrantes para a região começou na década de 1850 com o estabelecimento de uma colônia de imigrantes pela Companhia União e Indústria (CUI). A maioria dos imigrantes era de alemães que mais tarde foram os responsáveis pelo primeiro surto de industrialização de Juiz de Fora. No fim da década de 1880, um grande número de italianos chegou a Juiz de Fora. Muitos deles estabeleceram mais tarde curtumes e fábricas de chapéus, sapatos, móveis etc14 14 Arantes, op. cit. (pp. 87-121). .

Como mostra a tabela 1, os imigrantes possuíam mais de 66% do total das indústrias estabelecidas em Juiz de Fora durante o período 1858-1912. Os números apresentados na tabela 1 são evidência irrefutável da importância dos imigrantes na formação da classe empresarial da Zona da Mata, especialmente na cidade de Juiz de Fora. Além disso, ao contrário do que alguns autores observaram em São Paulo15 15 Ver Dean, op. cit. e Gorender, op.cit. , o imigrante que se tornou industrial em Juiz de Fora normalmente não se encaixa no conceito de “imigrante burguês”. A maioria dos imigrantes que se tornaram industriais em Juiz de Fora veio inicialmente para o Brasil para trabalhar como operários, artesãos ou camponeses, e foi atraída pela perspectiva de possuir um pedaço de terra.16 16 Arantes, op. cit. (p. 98).

Tabela 1
Juiz de Fora: nacionalidade dos proprietários de fábricas, 1858-1912.

Apesar da importância dos imigrantes no estabelecimento da siderurgia e na formação da classe empresarial da Zona da Mata, a classe empresarial mineira era, porém, amplamente constituída por brasileiros. Como mostra a tabela 1, os brasileiros foram responsáveis pelo estabelecimento de aproximadamente um terço das indústrias fundadas em Juiz de Fora no período 1858-1912. Entre os brasileiros, os industriais não relacionados com a economia cafeeira possuíam um pouco mais de 26% do número total de indústrias. Os fazendeiros tinham uma pequena participação, possuindo pouco mais de 3% das indústrias estabelecidas em Juiz de Fora.17 17 Ibid. (p. 160).

Um dos mais importantes empreendimentos estabelecidos por fazendeiros da Zona da Mata foi a CUI. A companhia foi estabelecida por Mariano Procópio Ferreira Lage, um fazendeiro nascido em Barbacena, e vários outros fazendeiros da região.18 18 Ver Companhia União e Indústria, “Relatório da Assembleia Geral dos Acionistas”, Rio de Janeiro, 1857 (pp. 38-9). Portanto, é razoável afirmar que a CUI foi estabelecida por fazendeiros da região interessados na melhoria dos meios de transporte para a sua produção, como foi o caso de muitas das primeiras ferrovias na província de São Paulo.19 19 C.M. Lewis, Public policy and private initiative: railway building in São Paulo, 1860-1889. Londres, 1991 (pp. 35-55). Para uma discussão mais ampla sobre a construção e o financiamento das ferrovias paulistas ver também F.A.M. Saes, As ferrovias de São Paulo, 1870-1940. São Paulo, 1981.

A indústria têxtil que estava concentrada, principalmente, na parte central de Minas Gerais, foi estabelecida quase que exclusivamente por empresários brasileiros originários de umas poucas famílias ou pequenos círculos de amigos. Como mostra a tabela 2, as fábricas fundadas durante a década de 1870 foram estabelecidas por empresários da região. O mesmo padrão pode ser observado para o restante do século XIX. Como mostram as tabelas 3 e 4, as fábricas têxteis estabelecidas durante as décadas de 1880 e 1890 continuaram a ser fundadas por brasileiros, principalmente, empresários oriundos da região.

Tabela 2
Minas Gerais: nacionalidade dos principais promotores e acionistas das fábricas têxteis estabelecidas na década de 1870
Tabela 3
Minas Gerais: nacionalidade dos principais promotores e acionistas das fábricas têxteis estabelecidas na década de 1880
Tabela 4
Minas Gerais: nacionalidade dos principais promotores e acionistas das fábricas têxteis estabelecidas na década de 1890

A comparação entre a nacionalidade dos principais promotores e acionistas das indústrias têxteis mineira e carioca revela o quão diferente a classe empresarial mineira era daquela descrita pela historiografia econômica brasileira. Enquanto um grande número de empresários têxteis cariocas era de estrangeiros, como mostra a tabela 5, seus congêneres mineiros eram, principalmente, empresários locais. A principal explicação para tal discrepância era a grande concentração de estrangeiros no Rio de Janeiro. No período 1872-1920, por exemplo, os estrangeiros representavam não menos do que 20% da população carioca, enquanto durante esse mesmo período eles não representavam mais do que 4% da população mineira20 20 Ver Ministério da Agricultura, Indústria e Commércio, Recenseamento do Brazil realizado em 1 de setembro de 1920, Rio de Janeiro, 1924, IV, 2ª parte (p. 48) e Diretoria Geral de Estatística, Relatório annexo ao do Ministério dos Negócios do Império de 1876, Rio de Janeiro, 1877 (p. 15). : Além disso, os estrangeiros controlavam grande parte das atividades comerciais dos principais centros urbanos. No final da década de 1850, os estrangeiros controlavam 62% do comércio atacadista de tecidos do Rio de Janeiro.21 21 Prado, op. cit. (pp. 180-3). Em breve eles dominavam as atividades manufatureiras ligadas às suas atividades comerciais, processo já observado em São Paulo.22 22 Ver Dean, op. cit. (pp. 25-40).

Tabela 5
A cidade do Rio de Janeiro: nacionalidade dos principais promotores das companhias têxteis estabelecidas no período 1878-95.

As empresas mineiras de fornecimento de eletricidade da virada do século foram também estabelecidas, principalmente, por empresários da região. A Companhia Mineira de Eletricidade (CME) foi fundada por Bernardo Mascarenhas, nascido em Taboleiro Grande, Minas Gerais. Maiores evidências de que a CME era um empreendimento familiar e local é o fato de que dos trinta acionistas originais dose pertenciam à família Mascarenhas23 23 P Oliveira, Companhia mineira de eletricidade: pioneira da iluminação hidroelétrica na América do Sul, Juiz de Fora, 1969 (p. 27). e muitos outros eram nomes proeminentes da comunidade empresarial local.24 24 Companhia Mineira de Eletricidade, Ata da primeira reunião dos acionistas da Companhia Mineira de Eletricidade, instalação da Assembléia Geral e Constituição da Sociedade, reproduzido em ibid. (pp. 25-6). A Companhia Força e Luz Cataguazes-Leopoldina (CFLCL), por sua vez, foi estabelecida por dois brasileiros e um português: Norberto Custódio Ferreira, nascido em Rio Novo, Rio de Janeiro25 25 “O falecimento do Dr. Norberto Custódio Ferreira”, Jornal Cataguases, Cataguases, 17 de fevereiro de 1935 (p.1). ; José Monteiro Ribeiro Junqueira, nascido em Leopoldina, Minas Gerais26 26 “Dr. José Monteiro Ribeiro Junqueira”, Gazeta de Leopoldina, Leopoldina, 19 de maio de 1946. ; e João Duarte Ferreira, nascido em Coimbra, Portugal, que veio para o Brasil em 187227 27 L.S. Costa, Cataguases centenária: dados para a sua história, Cataguases, 1977 (p. 541). .

Uma análise da origem dos empresários que estabeleceram as empresas de fornecimento de energia elétrica em São Paulo e no Rio de Janeiro também revela uma acentuada diferença com Minas Gerais. Nos casos de São Paulo e Rio de Janeiro, as primeiras empresas de fornecimento de energia elétrica estabelecidas na virada do século foram fundadas por estrangeiros. A São Paulo Tramway, Light and Power Company (SPTLPC), fundada em 1899, foi organizada por Francesco Antônio Gualco, um empresário italiano, e Frederick Pearson, um engenheiro e capitalista norte-americano28 28 R.F. Dias, L.M.M. Cabral, P.B.B. Cachapuz e S.T.N. Lamarrão (orgs.), Panorama do setor de energia elétrica no Brasil, Rio de Janeiro, 1988 (pp. 34-5). . A Rio de Janeiro Tramway, Light and Power Company (RJTLPC) foi organizada por Alexander Mackenzie, que era certamente estrangeiro, e fundada cinco anos mais tarde por um grupo de capitalistas canadenses.29 29 Ibid. (pp. 34-9).

Um outro aspecto importante da origem social do empresário mineiro é que os mais proeminentes empresários do século XIX vieram da classe dominante e das tradicionais famílias locais. Mariano Procópio Ferreira Lage, fundador da CUI, nasceu numa família rica e de prestígio de Barbacena. Seu pai era um importante fazendeiro da Zona da Mata e foi vereador em Barbacena e mais tarde deputado provincial30 30 W.L. Bastos, Mariano Procópio Ferreira Lage: sua vida, sua obra, descendência, genealogia. Juiz de Fora, 2ª ed., 1991. . Outros parentes de Mariano Procópio eram igualmente ricos e importantes. Sua irmã era casada com seu primo, cujo pai- o primeiro barão de Pitanguy-, era um importante político em Barbacena e um rico fazendeiro que tinha uma fortuna estimada em 400 mil libras esterlinas em 185031 31 R.F. Burton, Viagens aos planaltos do Brasil (1868). São Paulo, 1941, vol. I (p. 147). .

Bernardo Mascarenhas - que fundou diversas fábricas têxteis, um banco, uma empresa de fornecimento de energia elétrica e ainda participou de vários outros empreendimentos-, também nasceu numa família rica e influente. Seu pai, Antônio Gonçalves da Silva Mascarenhas, começou como comerciante na parte central de Minas Gerais e mais tarde se tornou fazendeiro e financista. Quando Antônio morreu, em 1884, ele era certamente um dos homens mais ricos de Minas Gerais32 32 A.M. Vaz, Cia. Cedro e Cachoeira: história de uma empresa familiar, 1883-1987. Belo Horizonte, 1990 (pp. 34-40). . A maioria dos doze irmãos de Bernardo Mascarenhas33 33 Antônio Gonçalves da Silva Mascarenhas, pai de Bernardo, teve treze filhos: Antônio Cândido, Antonino, José, Custódia, Escolástica, Francisca, Victor, Pacífico, Caetano, Bernardo, Maria Teodora, Sebastião e Francisco. Ibid. (pp. 48-51 e 71). também era muito rica e tinha muita influência. Antônio Cândido, Bernardo, Caetano, Victor, Pacífico e Francisco eram sócios nas fábricas do Cedro e da Cachoeira e mais tarde na Companhia Cedro e Cachoeira (CCC). Antonino foi comerciante, dono de tropa de mula e proprietário da fazenda Capim Branco em Sete Lagoas34 34 D.A. Giroletti, Formação do empresário industrial, Universidade Federal de Minas Gerais (Mimeo.). Belo Horizonte, 1991 (p. 4). . José estabeleceu-se como comerciante em Curvelo. Custódia casou-se com Luís Augusto Viana Barbosa, um fazendeiro e industrialista. Escolástica casou-se com Quintiliano Soares Diniz, um fazendeiro de Curvelo35 35 P. Tamm, Uma dinastia de tecelões. Belo Horizonte, 2ª ed. 1960 (pp. 87-151). . Além disso, Pacífico e Sebastião graduaram-se em medicina e ambos se tornaram políticos. Pacífico foi eleito Vice-Presidente de Minas Gerais em 1902 e Sebastião foi várias vezes eleito deputado por Minas Gerais36 36 Ibid. (pp. 87-151). .

Francisco Baptista de Oliveira, um famoso empresário de Juiz de Fora, nasceu em Entre-Rios de Minas, na fazenda Santa Cruz do Salto, que pertencia ao seu pai. O avô paterno de Francisco, Gervásio Joaquim de Souza, foi também um negociante e fazendeiro de prestígio em Entre-Rios de Minas, onde ele era também líder do Partido Conservador. Ele teve catorze filhos, entre eles João Baptista de Oliveira e Sousa, pai de Francisco. João Baptista foi comerciante e criador de gado. O avô materno de Francisco, Francisco Ribeiro da Silva, era fazendeiro, tenente-coronel da Guarda Nacional, vereador, juíz e líder do Partido Conservador em Entre-Rios de Minas37 37 W.L. Bastos, Francisco Baptista de Oliveira, um pioneiro; sua vida, sua obra, sua descendência, genealogia. Juiz de Fora, 1967 (pp. 144-69). .

O avô materno de Américo Teixeira Guimarães, organizador da Companhia Cachoeira dos Macacos (CCM), era Antônio Teixeira Guimarães, proprietário das fazendas Nova e Paraíso. Seu pai, João da Matta Teixeira, era o principal acionista da CCM e um conhecido capitalista. Além disso, como João da Matta era rico e proprietário de terras, é razoável concluir que era também fazendeiro e que esta deve ter sido a sua principal atividade38 38 Companhia Cachoeira dos Macacos, “Ata da Assembléia Geral dos Subscritores de Ações da SociedadeAnonyma Cachoeira dos Macacos para Constituição da Mesma”, in N.A.M. Freitas, Cia. Têxtil Cachoeira dos Macacos: empresa que deu origem a uma cidade, Fundação Mineira de Arte Aleijadinho/Escola Superior de Artes Plásticas (mimeo.), Belo Horizonte, 1990 (p. 23). .

José Monteiro Ribeiro Junqueira, um dos fundadores da CFLCL, era filho de um fazendeiro de Leopoldina, José Ribeiro Junqueira, e pertencia a uma família tradicional do sul de Minas Gerais. José Monteiro Ribeiro Junqueira teve uma longa carreira política. Depois de formar-se em direito, ele foi eleito deputado estadual e reeleito quatro anos mais tarde. Foi eleito também prefeito de Leopoldina, deputado federal e senador. Em 1931 ele se tornou secretário de Agricultura do Estado de Minas Gerais39 39 Gazeta de Leopoldina, Leopoldina, 19 de maio de 1946. .

Norberto Custódio Ferreira, outro fundador da CFLCL, foi promotor público em Ponte Nova e de 1895 a 1897 foi eleito vereador em Cataguases40 40 “O falecimento do dr. Norberto Custódio Ferreira”, Jornal Cataguases, Cataguases, 17 de fevereiro de 1935 (p. l). .

Francisco José de Andrade Botelho, fundador da fábrica têxtil de Brumado, Minas Gerais, veio de uma importante família mineira. Seu bisavô paterno, Francisco Ignacio Botelho, era um fazendeiro rico e influente de Lavras41 41 G. Guimarães, Francisco José de Andrade Botelho, Belo Horizonte, 1950 (p. 14). . Além disso, um dos irmãos de Francisco José de Andrade Botelho, Fidélis, foi eleito senador do Império em 1888.42 42 lbid. (pp. 11-31).

João Antônio dos Santos, um dos fundadores da fábrica de tecidos de Biribiry, era o bispo de Diamantina43 43 M.T. R.O. Versiani, The cotton textile industry of Minas Gerais, Brazil: beginnings and early development, 1868-1906, Universidade de Londres, Tese de Doutorado, 1991 (pp. 50-1). e pertencia a uma importante família da região. Um de seus sobrinhos, Antônio Felício dos Santos, era médico na cidade do Rio de Janeiro, deputado pelo Partido Liberal de 1867 a 1886, um dos fundadores e o primeiro presidente da Associação Industrial e um dos fundadores da Fábrica de Tecidos Pau Grande44 44 Monteiro, op. cit. (p. 122). .

Portanto, os dados biográficos analisados acima suportam de forma inequívoca a conclusão de que a maioria dos pioneiros empresários mineiros emergiram da classe dominante e das tradicionais famílias mineiras. Eles e seus parentes eram ricos e politicamente influentes.

2.2 Origens Econômicas

Esta seção examina as origens econômicas e empresariais do empresário mineiro. Ela investiga as principais influências econômicas na formação da classe empresarial mineira, a carreira empresarial dos homens de negócios mineiros e as atividades que representaram as suas principais fontes de capital.

Como foi dito acima, a historiografia econômica brasileira sugere - baseada, principalmente, na experiência paulista - que as principais fontes de empreendimento e de capital no Brasil durante o século XIX foram ou o comércio, principalmente o comércio exportador e importador45 45 Dean, op. cit. , ou o cultivo do café46 46 Ver Cano, op. cit.; Cardoso de Mello, op. cit.; e Z.M.C. Mello, Metamorfoses da riqueza: São Paulo, 1845-1895, São Paulo, 1985. . Apesar do comércio e da agricultura terem também se constituído nas principais fontes de empreendimento e capital em Minas Gerais no século XIX, eles eram de uma natureza diferente em função da diferente natureza da economia mineira. Primeiro: Minas Gerais era uma região de difícil acesso e o comércio era orientado principalmente para os mercados locais, comercializando um número limitado de itens básicos, como, café, sal, bacon, gado, fumo, cereais, algodão etc. As atividades importadoras e exportadoras estavam concentradas no Rio de Janeiro, Santos e São Paulo. Segundo: o cultivo de café estava confinado nas regiões do sul da província, as zonas Sul e da Mata. Terceiro: em outras regiões da província, especialmente nas partes central e norte, uma gama diferente de atividades econômicas era desenvolvida. Elas incluíam da mineração de ouro à criação de gado e agricultura47 47 P. Cammack, State and federal politics in Minas Gerais, Brazil, Universidade de Oxford, Tese de Doutorado, Oxford, l 980 (pp. 43-50). . Portanto, os cafeicultores e exportadores e importadores não foram tão importantes na formação da classe empresarial mineira como foram em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Porém, existe evidência sugerindo que a economia cafeeira - direta ou indiretamente - deu origem a parte dos fundos investidos no estabelecimento da indústria mineira. Os cafeicultores mineiros foram responsáveis, entre outros, pelo estabelecimento da CUI em 185248 48 Arantes, op.cit. (pp. 41-5). . Como foi mencionado acima, a companhia foi organizada por Mariano Procópio Ferreira Lage, que era fazendeiro, e muitos outros cafeicultores49 49 Bastos, Mariano Procópio Ferreira Lage (pp. 15-270). . Além disso, os próprios cafeicultores da Zona da Mata financiaram a construção de vários ramais da União e Indústria50 50 Companhia União e Indústria, Relatório da Assembléia Geral dos Acionistas, 1861 (pp. 7 e 17-8). .

Outra evidência de que a economia cafeeira forneceu parte dos fundos investidos na indústria mineira é o fato de que, apesar de algumas indústrias - tais como, a siderúrgica e a têxtil - estarem concentradas, principalmente, na parte central de Minas Gerais, um grande número de pequenas fábricas começou a emergir na segunda metade do século XIX em muitos municípios cafeeiros. Em 1861, Juiz de Fora - um dos mais importantes municípios cafeeiros51 51 Ver D.A. Giroletti, A industrialização de Juiz de Fora, 1850-1930, Juiz de Fora, 1988 (pp. 27-31). -já era o terceiro maior município em arrecadação de impostos, suplantado apenas por São João Dei Rey e Ouro Preto na Zona Metalúrgica52 52 Ibid. (p. 47). , e um dos principais centros industriais da província. Em 1870, existiam 34 estabelecimentos em Juiz de Fora e, sete anos mais tarde, 8053 53 Ibid. (p. 50). . Além disso, dos vinte maiores municípios mineiros em termos de produção industrial, em 1907, nove estavam localizados dentro das zonas cafeeiras (sete na Zona da Mata e dois na Zona Sul) e onze em zonas não-cafeeiras (dez na Zona Metalúrgica e um na Zona Oeste). O maior município em termos de produção industrial era Juiz de Fora, seguido por Sete Lagoas e Belo Horizonte, ambos localizados na Zona Metalúrgica. Além disso, 65% das indústrias mineiras em 1907 foram estabelecidas nas regiões cafeeiras, enquanto apenas 30% delas foram estabelecidas nas regiões não-cafeeiras, como mostra a tabela 6. Portanto, o fato de que um grande número de indústrias foram estabelecidas nas regiões cafeeiras mineiras é evidência indiscutível da participação da economia cafeeira no estabelecimento da indústria mineira.

Tabela 6
Distribuição da indústria mineira entre as regiões cafeeiras e não-cafeeiras em 1907

Entretanto, a economia cafeeira que se desenvolveu no sul da província não teve um grande impacto no resto da economia54 54 J.H. Lima, Café e indústria em Minas Gerais (1870-1920), Petrópolis, 1981 (pp. 101-2). . Na Zona da Mata, uma das maiores regiões cafeeiras de Minas Gerais, os fazendeiros eram responsáveis por apenas 3% das indústrias estabelecidas em Juiz de Fora (o mais importante centro industrial da região) no período 1858-1912. Eram imigrantes e brasileiros não conectados com a atividade cafeeira que possuíam mais de 90% das indústrias estabelecidas em Juiz de Fora no período 1858-191255 55 Arantes, op. cit. (p. 159). . O capital investido por brasileiros foi originalmente acumulado no comércio ou em profissões liberais, ou até mesmo na combinação delas56 56 Giroletti, A industrialização de Juiz de Fora, p. 92. . Os imigrantes (que foram responsáveis pelo estabelecimento de mais de 66% das indústrias fundadas em Juiz de Fora durante esse período) normalmente não se adequam ao conceito de “imigrante burguês”. A maioria deles não tinha capital e começou trabalhando como operários, artesãos ou até mesmo camponeses57 57 Arantes, op. cit. (pp. 87-102). .

Em outras partes de Minas Gerais o comércio regional e as atividades rurais (não relacionadas com a atividade cafeeira) eram o ponto de partida da carreira de muitos empresários. No caso da siderurgia, por exemplo, que durante todo o século XIX estava concentrada na parte central da província58 58 De acordo com Libby, a maioria das siderúrgicas estavam situadas dentro da Zona Metalúrgica. Libby, op. cit. (pp. 152-60). , existe evidência de que a maioria das fundições foram estabelecidas por fazendeiros. De acordo com Eschwege, no tempo de sua chegada em Minas Gerais, em 1811, a maioria das fundições pertenciam a ferreiros e grandes fazendeiros59 59 W.L. von Eschwege, Pluto brasiliensis, Berlim, 1833; reedição Belo Horizonte/São Paulo, 1979, vol. II (p. 203). . Além disso, o capital investido no estabelecimento da Fábrica Patriótica, fundada por Eschwege, foi dividido em 10 ações, cada uma representando mil cruzados do capital inicial. Eschwege subscreveu 2 ações, o Conde de Palma (o presidente de Minas Gerais) l e uma grande e importante família mineira o restante. Apesar de não existir nenhuma informação direta acerca das atividades do Conde de Palma e da referida família, há evidência de que eles possuíam terras60 60 Ibid. (p. 247). . Assim sendo, é razoável concluir que a maior parte do capital investido na Fábrica Patriótica veio do setor rural.

Mais evidência de que fazendeiros estabeleceram a maior parte das fundições mineiras fundadas nos primeiros 75 anos do século passado é o fato de que essas fundições começaram como partes integrantes de fazendas. Em 1866, por exemplo, um jornal anunciava a venda de urna fundição localizada numa fazenda no município de Diamantina, que incluía, entre outras coisas, extensivo pasto para gado, trinta cabeças de gado, plantação de milho e pomar61 61 Libby, op. cit. (p. 183). . Mesmo a Usina de São Miguel de Piracicaba, a mais bem-sucedida e uma das maiores fundições desse período, era considerada por seu proprietário (Monlevade) como parte integrante de sua fazenda62 62 Ibid. (p. 151). . Portanto, como Libby sugere, a maioria das pequenas fundições estabelecidas até a década de 1880 também era parte integrante de fazendas63 63 Ibid. (p. 152). .

As usinas maiores (Esperança e Burnier), que foram fundadas nas últimas décadas do século passado, não foram estabelecidas por fazendeiros. A Usina Esperança foi estabelecida por dois engenheiros da Ferrovia Central do Brasil (Amaro da Silveira e Henrique Hargreaves), um metalúrgico suíço (Alberto Gerspacher) e Carlos da Costa Wigg, o principal acionista, de quem não há informação acerca de suas atividades64 64 W. Suzigan, Indústria brasileira: origem e desenvolvimento, São Paulo, 1986 (pp. 258-9). . A Usina Burnier foi estabelecida por Carlos da Costa Wigg e o filho de Alberto Gerspacher (José Gerspacher), que foi o diretor técnico de ambas as usinas (Esperança e Burnier)65 65 Ibid. (p. 259). Portanto, há evidência de que nos primeiros 75 anos do século passado a maior parte das siderúrgicas mineiras foi estabelecida por fazendeiros.

A indústria têxtil, que também se concentrava na parte central de Minas Gerais, foi estabelecida, principalmente, por fazendeiros (não relacionados com a atividade cafeeira) e comerciantes. Entre os fundadores da Fábrica do Cedro, Antônio Cândido Mascarenhas era fazendeiro, comerciante e capitalista66 66 Companhia Cedro e Cachoeira, “Caixa de correspondências recebidas nº 2”, Carta de Antônio Cândido Mascarenhas para Joaquim Pereira Lopes, 3 de agosto de 1870. . Caetano e Bernardo Mascarenhas começaram suas carreiras empresariais numa sociedade para engorda de gado para venda e no comércio de sal67 67 Vaz, op. cit. (pp. 42-3). .

Os fundos utilizados para o estabelecimento da Fábrica da Cachoeira originaram-se de fontes diferentes. Como aconteceu com os fundadores da Fábrica do Cedro, os três irmãos Mascarenhas envolvidos no empreendimento também receberam uma herança de 26 contos de seu pai quando se tornaram maiores de idade68 68 Tamm, op. cit. (p. 86). . Além disso, antes do estabelecimento da Fábrica da Cachoeira, Victor Mascarenhas tinha sido comerciante em Curvelo e gerente da fazenda São Sebastião69 69 lbid. (pp. 87, 100-2 e 109-110). . Seu irmão Pacífico Mascarenhas era médico na região. Não existe informação sobre as atividades de Francisco de Paula Mascarenhas antes do estabelecimento da Fábrica da Cachoeira. Finalmente, Luís Augusto Vianna Barbosa era dono da fazenda Cachoeira, onde a Fábrica da Cachoeira foi estabelecida70 70 lbid. (pp. 87-208). .

Mais tarde os fundadores das fábricas do Cedro e da Cachoeira se juntaram à Theóphilo Marques Ferreira, um comerciante, e à Antônio Joaquim Barbosa da Silva, um advogado, no estabelecimento da CCC71 71 Vaz, op. cit. (p. 93). . Portanto, os fundos investidos nas fábricas do Cedro e da Cachoeira e na CCC vieram, principalmente, do comércio e da agricultura (não relacionada com a atividade cafeeira).

A Fábrica do Brumado foi estabelecida em 1872 por capital acumulado no comércio. Seu fundador, Francisco José de Andrade Botelho, era um mineiro que morava no Rio de Janeiro trabalhando como comerciante na firma Botelho, Irmão & Andrade, antes da fundação da fábrica têxtil72 72 Guimarães, op. cit. .

O principal acionista e fundador da SAIM, estabelecida em 1875, foi Azarias de Souza Dias, que era também um fazendeiro73 73 B.S. Veiga, Almanach Sul Mineiro, Campanha, 1874 (p. 148). . Entre os restantes 23 acionistas da fábrica mencionados pelo Almanach Sul Mineiro, em 1874, há informação acerca das atividades de apenas 5 deles: Antônio Cândido de Souza Dias, fazendeiro e capitalista; Antônio Cândido Teixeira, juiz, fazendeiro e capitalista; e Antônio Domingos de Souza, Marcos de Souza Dias e Gabriel Domingos, todos eles fazendeiros74 74 lbid, (pp. 146-51) . Portanto, é razoável concluir que o capital investido nesta fábrica foi acumulado, principalmente, em atividades agrícolas. No entanto, é importante ressaltar que a fábrica estava situada numa região cafeeira (a Zona Sul) e os fazendeiros mencionados acima podem muito bem terem sido cafeicultores.

À exceção do fato de que um dos sócios (João Antônio dos Santos) era o bispo de Diamantina, não há informação acerca das atividades dos outros quatro sócios antes do estabelecimento da Fábrica de Biribiry em 187675 75 Versiani, op. cit. (pp. 50-2). .

Entre os fundadores do Filatório Montes Claros, Manoel e Donato Rodrigues, que subscreveram 53,3% do capital, eram fazendeiros de Grão Mogol, um município perto de Montes Claros. Antônio Narciso Soares iniciou a sua carreira empresarial como minerador e comerciante de diamantes em Diamantina. Gregório Velloso também começou como comerciante local e, finalmente, Ângelo de Quadros Bittencourt tinha uma fazenda em Campo Grande, no município de Montes Claros76 76 Ibid. (pp. 81-2). . Portanto, o capital investido no Filatório Montes Claros foi acumulado no comércio, na agricultura e na mineração de diamantes.

A Fábrica São Sebastião foi estabelecida por Antônio Gonçalves da Silva Mascarenhas, que começou como comerciante em Taboleiro Grande, na parte central da província. O negócio de Antônio Mascarenhas cresceu rapidamente e aos 34 anos - então um homem rico - ele comprou as terras que vieram a ser conhecidas como a fazenda São Sebastião. Ele, então, vendeu a loja e se tornou um próspero fazendeiro e financista. Em 1884, Antônio estabeleceu a Fábrica São Sebastião na sua fazenda77 77 Ibid. (pp. 34-40). Portanto, apesar da fortuna acumulada por Antônio antes do estabelecimento da Fábrica São Sebastião ter-se originado em diferentes atividades, é razoável concluir que o capital investido na fábrica foi, principalmente, acumulado no comércio e na agricultura.

Os principais acionistas da CCM eram João da Matta Teixeira e Jeronymo Francisco França, que eram fazendeiros locais. João da Matta Teixeira é também mencionado no relatório da reunião dos acionistas para o estabelecimento da CCM como capitalista78 78 Companhia Cachoeira dos Macacos, “Ata da Assembléia Geral dos Subscritores de Ações da Sociedade Anonyma Cachoeira dos Macacos para a Constituição da mesma”, reproduzido in Freitas, op. cit. (p. 23). . Portanto, a CCM era um empreendimento de fazendeiros.

Apesar de não haver informações acerca das atividades dos fundadores da Fábrica União Lavrense, dois de seus diretores eram comerciantes: o comendador José Duarte da Costa Negrão, um comerciante que vivia no Rio de Janeiro na época do estabelecimento da fábrica, e Manoel Hermeto Corrêa da Costa, um comerciante local. Portanto, é razoável concluir que pelo menos parte do capital investido no Fábrica União Lavrense originou-se no comércio. Entretanto, não é possível dizer se o comércio do Comendador José Duarte da Costa Negrão, que morava no Rio de Janeiro, era ou não relacionado com o comércio de importação e exportação79 79 Versiani, op. cit., p. 88. .

A Fábrica Santa Bárbara foi inicialmente planejada por João da Matta Machado, um comerciante de diamantes de Diamantina, que também tinha uma oficina de lapidação de diamantes. Depois de sua morte, seus filhos e genros, juntos com Antônio Moreira da Costa, criaram uma sociedade para estabelecer a fábrica. Entre os filhos de João da Matta Machado, um era estudante de direito em São Paulo (Pedro da Matta Machado) e o outro (Álvaro da Matta Machado) era membro da Assembleia Provincial na época do estabelecimento da fábrica em 1886. Entre os seus genros, Francisco Ferreira Corrêa Rabelo era advogado, magistrado, professor e também político. Pedro José Versiani era um engenheiro que vivia no Rio de Janeiro na época do estabelecimento da fábrica e João Antônio Lopes de Figueiredo era médico em Diamantina. Finalmente, Antônio Moreira da Costa, o único sócio fora da família Matta Machado, esteve durante toda a sua vida envolvido com o negócio de diamantes. Portanto, como ressalta Versiani, apesar do capital investido no estabelecimento da Fábrica Santa Bárbara ter se originado em diferentes atividades desenvolvidas por seus proprietários, uma parte significativa teve origem no negócio de diamantes80 80 Ibid., pp. 86-8. .

A Fábrica São Roberto foi organizada por Quintiliano Alves Ferreira, que estava envolvido numa série de negócios locais, tais como manufatura de chapéus e utensílios domésticos e a produção de diamantes81 81 Ibid. (p. 91). .

A Tecelagem Mascarenhas foi estabelecida por Bernardo Mascarenhas, que iniciou a sua carreira empresarial numa sociedade com o seu irmão Caetano, como já foi dito acima. Mais tarde, os dois irmãos decidiram investir o dinheiro que haviam acumulado numa fábrica têxtil82 82 Vaz, op. cit. (pp. 42-3). . Alguns anos mais tarde, a Fábrica do Cedro foi fundida com a Fábrica da Cachoeira na CCC. Entretanto, Bernardo nunca esteve satisfeito com a sua vida em Taboleiro Grande, que era muito pequena para os seus talentos empresariais. Assim sendo, em 1887 Bernardo decidiu mudar-se para Juiz de Fora e ali montar uma fábrica têxtil como ele havia planejado anteriormente. Um ano depois de sua chegada a Juiz de Fora ele fundou a Tecelagem Mascarenhas83 83 Mascarenhas, Bernardo Mascarenhas (pp. 79-86 e 123-9). . Portanto, é razoável concluir que o capital investido nesta fábrica se originou em parte do capital acumulado na Fábrica do Cedro e na CCC e em parte daquilo que ele herdou de seu pai, capital acumulado no comércio e na agricultura.

A Industrial Mineira foi estabelecida em Juiz de Fora por cinco ingleses (Andrew Steele, John Steele, Peter Steele, William Moreth e Henry Whittaker). Eles eram comerciantes residentes no Rio de Janeiro, à exceção de William Moreth, que morava em Petrópolis84 84 Versiani, op. cit. (p. 82). .

Entre as fábricas têxteis estabelecidas durante a década de 1890, a CTS, também estabelecida na parte central de Minas Gerais, foi fundada por Manoel José de Souza Moreira (fazendeiro e comerciante local), seus filhos Manoel Gonçalves de Souza Moreira (comerciante local) e Augusto Gonçalves de Souza Moreira (médico e membro da Assembleia Constituinte do Estado de Minas Gerais)85 85 M.A.G. Souza, História de Itaúna, Belo Horizonte, 1986, vol. I (pp. 101-15, 123-7 e 194-8). , e seu genro, Antônio Pereira de Mattos, que era representante de grandes casas comerciais do Rio de Janeiro antes de se casar com uma das filhas de Manoel José de Souza Moreira86 86 Ibid. (pp. 170-3). .

A Companhia Industrial Pitanguense foi estabelecida, principalmente, por industriais experientes: Luiz Augusto Vianna Barbosa, um dos fundadores da Fábrica da Cachoeira e da CCC, seu filho, Sérgio Mascarenhas Barbosa, e Francisco e Américo Bahia da Rocha. Entre os demais acionistas da empresa, três eram fazendeiros, dois eram comerciantes, um era magistrado e as atividades dos restantes eram desconhecidas87 87 Companhia Industrial Pitanguense, “Lista nominativa dos srs. subscritores”, in Minas Gerais, janeiro de 1894 (p. 7). . Aqui também é possível observar a presença do capital comercial e agrário no estabelecimento de uma fábrica têxtil, apesar de que grande parte dos fundos investidos neste caso vieram da própria indústria têxtil.

A Fábrica Melancias também foi estabelecida por industriais experientes. Entre os três maiores acionistas, Jeronymo Francisco França e João da Matta Teixeira eram dois dos principais acionistas da CCM e Theóphilo Marques Ferreira, um dos fundadores da CCC e seu gerente geral por vários anos88 88 Versiani, op. cit. (p. 165).

Os principais acionistas da Companhia Progresso Fabril eram Carlos Vaz de Mello (político local), José Tinoco (fazendeiro e capitalista) e Augusto Ferreira Brant (comerciante local)89 89 Companhia Progresso Fabril, “Estatutos”, Minas Gerais, 21 de fevereiro de 1894 (p. 7). .

O principal organizador da Fábrica da Cachoeira Grande era um fazendeiro da parte central de Minas Gerais (Antônio Ferreira Alves da Silva), cujos sócios eram os fundadores da CCM (João da Matta Teixeira, Américo Teixeira Guimarães e Herculino França). Portanto, o capital investido na Fábrica da Cachoeira Grande originou-se, principalmente, na agricultura e na própria indústria têxtil?90 90 Versiani, op. cit., pp. 174-5. .

Finalmente, a Fábrica São Domingos foi estabelecida por sete pessoas, entre eles os membros da família Moreira Penna, que eram os principais acionistas: Affonso Augusto Moreira Penna, então governador de Minas Gerais, seus irmãos Domingos Moreira Teixeira Penna e José Moreira Teixeira Penna, os quais eram fazendeiros91 91 Companhia Industrial São Domingos, “Ata da Assembléia de Instalação”, Minas Gerais, 21 de fevereiro de 1894, p.7. .

Portanto, apesar de que no todo o capital cafeeiro teve um papel menor no estabelecimento da indústria têxtil mineira, uma parte substancial do capital investido na indústria foi acumulado na agricultura. O comércio local era uma outra fonte importante de capital e várias fábricas estabelecidas no município de Diamantina foram financiadas, principalmente, pelo capital acumulado no negócio de diamantes. É importante ressaltar também que perto do fim do século passado muitas empresas têxteis foram financiadas por capital acumulado na própria indústria.

A comparação entre a origem do capital investido no estabelecimento das indústrias têxteis mineira e carioca revela importantes diferenças e semelhanças. A maior parte das fábricas têxteis estabelecidas no Rio de Janeiro durante o período 1878-95 foi também financiada por comerciantes. Entretanto, enquanto os comerciantes mineiros eram de natureza mais generalista e engajados no comércio local, os seus congêneres cariocas eram mais especializados, negociando, principalmente, tecidos e engajados mais especificamente no comércio importador-exportador, como mostra a tabela 7.

Tabela 7
A cidade do Rio de Janeiro: atividades dos principais promotores das empresas têxteis estabelecidas no período 1878-95.

Portanto, a comparação entre a origem dos fundos investidos nas indústrias têxteis mineira, carioca e paulista revela importantes diferenças. No primeiro caso, o capital investido originou-se no comércio generalista local, no negócio de diamantes e na agricultura (não relacionada com a cafeicultura). No segundo caso, a principal fonte de capital foi o negócio de importação e exportação, negociando, principalmente, com tecidos, enquanto o capital investido na indústria paulista veio, principalmente, da atividade cafeeira e também do negócio de importação e exportação92 92 Suzigan em seu trabalho sobre as origens da indústria brasileira chegou às mesmas conclusões acerca da origem dos fundos investidos nas indústrias têxteis mineira e carioca. Para uma breve discussão acerca das origens do capital investido na indústria têxtil em diferentes partes do Brasil até o começo do século XX ver Suzigan, op. cit. (pp. 122-45) e S.J. Stein, Origens e evolução da indústria têxtil no Brasil, 1850- 1950, Rio de Janeiro, 1950 (pp. 41-3). .

A indústria de geração de eletricidade, estabelecida na última década do século XIX, foi financiada de forma similar. Os investidores transferiram capital do comércio, da agricultura, da indústria, do setor bancário etc. Como já foi dito, a CME foi organizada em 1888 por Bernardo Mascarenhas, que começou no comércio e depois investiu na indústria têxtil93 93 Vaz, op. cit. (pp. 42-3). . Além disso, entre os trinta acionistas originais da CME, doze pertenciam à família Mascarenhas94 94 Oliveira, Companhia Mineira de Eletricidade (p. 27). , pessoas que de uma forma ou de outra acumularam o seu capital no comércio, na indústria e na agricultura95 95 Ibid, (p. 27). De mais a mais, um dos principais organizadores e acionista, e um dos primeiros diretores da CME, Francisco Baptista de Oliveira, começou trabalhando com seu pai na sua casa comercial em Entre-Rios. Em 1882, ele mudou-se para Juiz de Fora onde fundou uma famosa casa comercial na Zona da Mata (Casa da Barateza)96 96 Bastos, Mariano Procópio Ferreira Lage (p. 21). . Oliveira conheceu Bernardo Mascarenhas, de quem se tomou grande amigo e sócio em vários empreendimentos, no começo de 1886. Em 1887, ele e o barão de Santa Helena (que também era um dos acionistas originais da CME97 97 Ibid. (p. 27). ) fundaram o primeiro banco em Minas Gerais, o Banco Territorial e Mercantil de Minas98 98 Ibid. (p. 22). . Portanto, os fundos investidos na CME vieram do comércio, da indústria, de atividades bancárias e da agricultura. É razoável acreditar que o capital cafeeiro poderia ter participado no estabelecimento da companhia também, uma vez que a CME foi estabelecida em um dos maiores municípios cafeeiros de Minas Gerais (Juiz de Fora).

A CFLCL foi estabelecida em 1905 por Norberto Custódio Ferreira, José Monteiro Ribeiro Junqueira e João Duarte Ferreira. Antes de fundar a CFLCL, Norberto Custódio Ferreira estabeleceu um escritório de advocacia em Cataguazes e fundou a primeira agência do Banco de Crédito Real de Minas Gerais na Zona da Mata em Cataguazes99 99 “O falecimento do dr. Norberto Custódio Ferreira”, in op. cit. (p.1). José Monteiro Ribeiro Junqueira era também advogado e fundou com o seu sócio no escritório de advocacia o jornal local, Gazeta de Leopoldina100 100 “Dr. José Monteiro Ribeiro Junqueira”, in op. cit. . João Duarte Ferreira iniciou como funcionário da Estrada de Ferro Leopoldina e mais tarde se tornou sócio na firma de Joaquim Estolano da Silveira. Em 1891, ele fundou a primeira usina beneficiadora de café de Cataguazes (um dos maiores centros de produção de café da época), o que alavancou decisivamente a sua riqueza. Em 1893, estabeleceu o Banco de Cataguazes e em 1905 foi um dos fundadores e o maior acionista da CFLCL e da Companhia de Fiação e Tecelagem de Cataguazes. João Duarte Ferreira tornou-se um dos homens mais ricos de Minas Gerais e sua fortuna incluía, entre outras coisas, fazendas de café, usinas de açúcar e arroz, uma serraria, o Banco Construtor e o Grande Hotel Villas101 101 Costa, op. cit. (p. 541). .

Portanto, o estabelecimento da CFLCL foi financiado pelo capital acumulado em atividades diferentes - indústria, banco e advocacia. Além disso, pelo menos parte do capital investido na CFLCL originou-se na agricultura, na medida em que o pai de um dos fundadores da CFLCL, José Monteiro Ribeiro Junqueira, era fazendeiro em Leopoldina102 102 “Dr. José Monteiro Ribeiro Junqueira”, in op. cit. Porém, agricultura neste caso significava provavelmente cafeicultura, uma vez que Leopoldina estava situada em um dos maiores centros de produção de café de Minas Gerais103 103 Em 1905, por exemplo, Leopoldina era o oitavo maior produtor de café da Zona da Mata. Ver Lima, op. cit., p.36. É também importante ressaltar a importância da economia cafeeira no estabelecimento da CFLCL. À parte a contribuição indireta (a formação de um mercado consumidor local, os fundos investidos em infraestrutura etc.) que a atividade cafeeira pode ter tido no estabelecimento da CFLCL, uma das principais fontes de riqueza de um dos fundadores antes do estabelecimento da companhia foi o beneficiamento de café.

Uma comparação do processo de financiamento das companhias de geração de eletricidade nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, por um lado, e em Minas Gerais, por outro, revela importantes diferenças. A SPTLPC e a RJTLPC foram financiadas por capital canadense104 104 D.McDowall, The Light: Brazilian Traction, Light and Power Company Limited, 1899-1945, Toronto, 1988 (pp. 48-79). uma vez que a escala do mercado consumidor nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro era tal que o capital necessário não podia ser facilmente obtido localmente sem a intervenção do Estado. No caso das companhias mineiras de geração de eletricidade, os respectivos mercados consumidores eram menores e as fontes locais de capital eram disponíveis e suficientes. No fim, a restrita dimensão dos mercados ao invés de funcionar como uma limitação imposta pelo ambiente de negócios mineiro, funcionou como uma condição necessária para o investimento local nesta indústria particular. Além disso, dos dados apresentados acima é possível observar que os acionistas da CME e da CFLCL eram ou amigos ou membros de uma mesma família (ou profissão), mais uma evidência da natureza local e pessoal dos negócios em Minas Gerais até pelo menos o começo do século XX. Em contraste, as companhias paulista e carioca de geração de eletricidade tinham uma estrutura acionária mais despersonalizada.

3. CONCLUSÃO

A análise das origens sociais e étnicas do empresário mineiro mostrou que uma grande e importante proporção da classe empresarial mineira não se adequa à descrição contida na literatura brasileira: Existem importantes contrastes com os empresários de São Paulo e do Rio de Janeiro. O mais óbvio é a menor importância dos imigrantes e cafeicultores na formação da classe empresarial como um todo. Como Cammack ressalta: “Algumas das famílias mais bem sucedidas em Minas no século XIX, em termos econômicos, não deviam nada [...] ao café”105 105 P. Cammack, op. cit. (p. 57). .

Portanto, à parte uns poucos casos proeminentes na indústria siderúrgica e à parte a Zona da Mata, onde os imigrantes constituíam a maior parte da classe industrial local, os brasileiros nascidos em famílias tradicionais e influentes, normalmente não conectadas com a atividade cafeeira, parecem ter sido a principal fonte de empresários em Minas Gerais no século XIX.

Porém, as peculiaridades da classe empresarial mineira não se restringiam aos aspectos étnicos e sociais. A análise das principais influências econômicas da classe empresarial mineira revelou também importantes diferenças com relação às classes empresariais paulista e carioca. A participação dos cafeicultores, dos chamados “burgueses imigrantes” e dos importadores foi muito menor em Minas Gerais do que em São Paulo e no Rio de Janeiro. Na Zona da Mata - uma grande região cafeeira-, os cafeicultores tiveram uma pequena participação no estabelecimento da indústria local. Foram imigrantes, com recursos muito limitados e que, portanto, não podem ser classificados como “burgueses imigrantes”, e brasileiros não conectados com a cafeicultura que foram os responsáveis pelo estabelecimento de mais de 90% das indústrias fundadas em Juiz de Fora durante o período. Além disso, o capital investido nas siderúrgicas e nas indústrias têxteis, concentradas na parte central de Minas Gerais, originou-se, principalmente, na agricultura (mais uma vez não relacionada com a cafeicultura), no comércio local generalista e no negócio de diamantes. A análise da indústria mineira de geração de eletricidade revelou que os fundos vieram de uma variedade de fontes - agricultura (inclusive a cafeicultura), indústria, bancos e a prática da advocacia. Entretanto, uma comparação com os fundos investidos nas companhias paulistas e cariocas de geração de energia elétrica mostrou que, enquanto os fundos investidos nas companhias mineiras originaram-se de fontes locais, aqueles investidos nas companhias paulistas e cariocas originaram-se de fontes estrangeiras.

Dessa forma, a análise da formação do empresariado mineiro no século passado nos permite afirmar que a história econômica brasileira do período era muito mais rica e diversa do que podem sugerir as experiências paulista e carioca. Havia vida econômica de relevante magnitude e dinamismo, cuja lógica guarda pouca semelhança com aquela observada em São Paulo e no Rio de Janeiro.

  • 1
    L.C.T.D. Prado, Commercial capital, domestic market and manufacturing in imperial Brazil: the failure of Brazilian economic development in the XIXth century. Universidade de Londres, Tese de Doutorado, 1991 (pp. 174-83).
  • 2
    C. Furtado, The economic growth of Brazil: a survey from colonial to modem times. Los Angeles, 1965 (pp. 124-5).
  • 3
    Ibid. p. 125.
  • 4
    Ibid., p. 124-6.
  • 5
    Representada principalmente por W. Dean, A industrialização de São Paulo. São Paulo, 1971; e J. Gorender, A burguesia brasileira. São Paulo, 6ª ed. 1986.
  • 6
    Representada principalmente por J.M. Cardoso de Mello, O capitalismo tardio: contribuição à revisão crítica da formação e desenvolvimento da economia brasileira. São Paulo, 1982; e W. Cano, Raízes da concentração industrial em São Paulo. São Paulo, 3ª ed. 1977.
  • 7
    Ver Dean, op. cit.
  • 8
    F.A.M. Gomes, História da siderurgia no Brasil. Belo Horizonte/São Paulo, 1983 (pp. 79-85).
  • 9
    D.C. Libby, Transformação e trabalho em uma economia escravista: Minas Gerais no século XIX. São Paulo, 1988 (p. 149).
  • 10
    lbid. (pp. 163-9).
  • 11
    W. Suzigan, Indústria brasileira: origem e desenvolvimento. São Paulo, 1986 (pp. 258-9).
  • 12
    Libby, op.cit. (p. 154).
  • 13
    Para uma discussão mais ampla sobre a participação de imigrantes na industrialização de Juiz de Fora ver A. Esteves, Álbum do município de Juiz de Fora. Belo Horizonte, 1914; D. A. Giroletti, A industrialização de Juiz de Fora: 1850-1930. Juiz de Fora, 1988; P. Oliveira, História de Juiz de Fora. Juiz de Fora, 1966; L. J. Stehling, “Trajetória da indústria em Juiz de Fora”, in Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Juiz de Fora. Juiz de Fora, 1966, vol. 2, nº 2 (pp. 30-7); e L. A. V. Arantes, As origens da burguesia industrial em Juiz de Fora, 1858-1912, Universidade Federal Fluminense, Dissertação de Mestrado, Niterói, 1991.
  • 14
    Arantes, op. cit. (pp. 87-121).
  • 15
    Ver Dean, op. cit. e Gorender, op.cit.
  • 16
    Arantes, op. cit. (p. 98).
  • 17
    Ibid. (p. 160).
  • 18
    Ver Companhia União e Indústria, “Relatório da Assembleia Geral dos Acionistas”, Rio de Janeiro, 1857 (pp. 38-9).
  • 19
    C.M. Lewis, Public policy and private initiative: railway building in São Paulo, 1860-1889. Londres, 1991 (pp. 35-55). Para uma discussão mais ampla sobre a construção e o financiamento das ferrovias paulistas ver também F.A.M. Saes, As ferrovias de São Paulo, 1870-1940. São Paulo, 1981.
  • 20
    Ver Ministério da Agricultura, Indústria e Commércio, Recenseamento do Brazil realizado em 1 de setembro de 1920, Rio de Janeiro, 1924, IV, 2ª parte (p. 48) e Diretoria Geral de Estatística, Relatório annexo ao do Ministério dos Negócios do Império de 1876, Rio de Janeiro, 1877 (p. 15).
  • 21
    Prado, op. cit. (pp. 180-3).
  • 22
    Ver Dean, op. cit. (pp. 25-40).
  • 23
    P Oliveira, Companhia mineira de eletricidade: pioneira da iluminação hidroelétrica na América do Sul, Juiz de Fora, 1969 (p. 27).
  • 24
    Companhia Mineira de Eletricidade, Ata da primeira reunião dos acionistas da Companhia Mineira de Eletricidade, instalação da Assembléia Geral e Constituição da Sociedade, reproduzido em ibid. (pp. 25-6).
  • 25
    “O falecimento do Dr. Norberto Custódio Ferreira”, Jornal Cataguases, Cataguases, 17 de fevereiro de 1935 (p.1).
  • 26
    “Dr. José Monteiro Ribeiro Junqueira”, Gazeta de Leopoldina, Leopoldina, 19 de maio de 1946.
  • 27
    L.S. Costa, Cataguases centenária: dados para a sua história, Cataguases, 1977 (p. 541).
  • 28
    R.F. Dias, L.M.M. Cabral, P.B.B. Cachapuz e S.T.N. Lamarrão (orgs.), Panorama do setor de energia elétrica no Brasil, Rio de Janeiro, 1988 (pp. 34-5).
  • 29
    Ibid. (pp. 34-9).
  • 30
    W.L. Bastos, Mariano Procópio Ferreira Lage: sua vida, sua obra, descendência, genealogia. Juiz de Fora, 2ª ed., 1991.
  • 31
    R.F. Burton, Viagens aos planaltos do Brasil (1868). São Paulo, 1941, vol. I (p. 147).
  • 32
    A.M. Vaz, Cia. Cedro e Cachoeira: história de uma empresa familiar, 1883-1987. Belo Horizonte, 1990 (pp. 34-40).
  • 33
    Antônio Gonçalves da Silva Mascarenhas, pai de Bernardo, teve treze filhos: Antônio Cândido, Antonino, José, Custódia, Escolástica, Francisca, Victor, Pacífico, Caetano, Bernardo, Maria Teodora, Sebastião e Francisco. Ibid. (pp. 48-51 e 71).
  • 34
    D.A. Giroletti, Formação do empresário industrial, Universidade Federal de Minas Gerais (Mimeo.). Belo Horizonte, 1991 (p. 4).
  • 35
    P. Tamm, Uma dinastia de tecelões. Belo Horizonte, 2ª ed. 1960 (pp. 87-151).
  • 36
    Ibid. (pp. 87-151).
  • 37
    W.L. Bastos, Francisco Baptista de Oliveira, um pioneiro; sua vida, sua obra, sua descendência, genealogia. Juiz de Fora, 1967 (pp. 144-69).
  • 38
    Companhia Cachoeira dos Macacos, “Ata da Assembléia Geral dos Subscritores de Ações da SociedadeAnonyma Cachoeira dos Macacos para Constituição da Mesma”, in N.A.M. Freitas, Cia. Têxtil Cachoeira dos Macacos: empresa que deu origem a uma cidade, Fundação Mineira de Arte Aleijadinho/Escola Superior de Artes Plásticas (mimeo.), Belo Horizonte, 1990 (p. 23).
  • 39
    Gazeta de Leopoldina, Leopoldina, 19 de maio de 1946.
  • 40
    “O falecimento do dr. Norberto Custódio Ferreira”, Jornal Cataguases, Cataguases, 17 de fevereiro de 1935 (p. l).
  • 41
    G. Guimarães, Francisco José de Andrade Botelho, Belo Horizonte, 1950 (p. 14).
  • 42
    lbid. (pp. 11-31).
  • 43
    M.T. R.O. Versiani, The cotton textile industry of Minas Gerais, Brazil: beginnings and early development, 1868-1906, Universidade de Londres, Tese de Doutorado, 1991 (pp. 50-1).
  • 44
    Monteiro, op. cit. (p. 122).
  • 45
    Dean, op. cit.
  • 46
    Ver Cano, op. cit.; Cardoso de Mello, op. cit.; e Z.M.C. Mello, Metamorfoses da riqueza: São Paulo, 1845-1895, São Paulo, 1985.
  • 47
    P. Cammack, State and federal politics in Minas Gerais, Brazil, Universidade de Oxford, Tese de Doutorado, Oxford, l 980 (pp. 43-50).
  • 48
    Arantes, op.cit. (pp. 41-5).
  • 49
    Bastos, Mariano Procópio Ferreira Lage (pp. 15-270).
  • 50
    Companhia União e Indústria, Relatório da Assembléia Geral dos Acionistas, 1861 (pp. 7 e 17-8).
  • 51
    Ver D.A. Giroletti, A industrialização de Juiz de Fora, 1850-1930, Juiz de Fora, 1988 (pp. 27-31).
  • 52
    Ibid. (p. 47).
  • 53
    Ibid. (p. 50).
  • 54
    J.H. Lima, Café e indústria em Minas Gerais (1870-1920), Petrópolis, 1981 (pp. 101-2).
  • 55
    Arantes, op. cit. (p. 159).
  • 56
    Giroletti, A industrialização de Juiz de Fora, p. 92.
  • 57
    Arantes, op. cit. (pp. 87-102).
  • 58
    De acordo com Libby, a maioria das siderúrgicas estavam situadas dentro da Zona Metalúrgica. Libby, op. cit. (pp. 152-60).
  • 59
    W.L. von Eschwege, Pluto brasiliensis, Berlim, 1833; reedição Belo Horizonte/São Paulo, 1979, vol. II (p. 203).
  • 60
    Ibid. (p. 247).
  • 61
    Libby, op. cit. (p. 183).
  • 62
    Ibid. (p. 151).
  • 63
    Ibid. (p. 152).
  • 64
    W. Suzigan, Indústria brasileira: origem e desenvolvimento, São Paulo, 1986 (pp. 258-9).
  • 65
    Ibid. (p. 259).
  • 66
    Companhia Cedro e Cachoeira, “Caixa de correspondências recebidas nº 2”, Carta de Antônio Cândido Mascarenhas para Joaquim Pereira Lopes, 3 de agosto de 1870.
  • 67
    Vaz, op. cit. (pp. 42-3).
  • 68
    Tamm, op. cit. (p. 86).
  • 69
    lbid. (pp. 87, 100-2 e 109-110).
  • 70
    lbid. (pp. 87-208).
  • 71
    Vaz, op. cit. (p. 93).
  • 72
    Guimarães, op. cit.
  • 73
    B.S. Veiga, Almanach Sul Mineiro, Campanha, 1874 (p. 148).
  • 74
    lbid, (pp. 146-51)
  • 75
    Versiani, op. cit. (pp. 50-2).
  • 76
    Ibid. (pp. 81-2).
  • 77
    Ibid. (pp. 34-40).
  • 78
    Companhia Cachoeira dos Macacos, “Ata da Assembléia Geral dos Subscritores de Ações da Sociedade Anonyma Cachoeira dos Macacos para a Constituição da mesma”, reproduzido in Freitas, op. cit. (p. 23).
  • 79
    Versiani, op. cit., p. 88.
  • 80
    Ibid., pp. 86-8.
  • 81
    Ibid. (p. 91).
  • 82
    Vaz, op. cit. (pp. 42-3).
  • 83
    Mascarenhas, Bernardo Mascarenhas (pp. 79-86 e 123-9).
  • 84
    Versiani, op. cit. (p. 82).
  • 85
    M.A.G. Souza, História de Itaúna, Belo Horizonte, 1986, vol. I (pp. 101-15, 123-7 e 194-8).
  • 86
    Ibid. (pp. 170-3).
  • 87
    Companhia Industrial Pitanguense, “Lista nominativa dos srs. subscritores”, in Minas Gerais, janeiro de 1894 (p. 7).
  • 88
    Versiani, op. cit. (p. 165).
  • 89
    Companhia Progresso Fabril, “Estatutos”, Minas Gerais, 21 de fevereiro de 1894 (p. 7).
  • 90
    Versiani, op. cit., pp. 174-5.
  • 91
    Companhia Industrial São Domingos, “Ata da Assembléia de Instalação”, Minas Gerais, 21 de fevereiro de 1894, p.7.
  • 92
    Suzigan em seu trabalho sobre as origens da indústria brasileira chegou às mesmas conclusões acerca da origem dos fundos investidos nas indústrias têxteis mineira e carioca. Para uma breve discussão acerca das origens do capital investido na indústria têxtil em diferentes partes do Brasil até o começo do século XX ver Suzigan, op. cit. (pp. 122-45) e S.J. Stein, Origens e evolução da indústria têxtil no Brasil, 1850- 1950, Rio de Janeiro, 1950 (pp. 41-3).
  • 93
    Vaz, op. cit. (pp. 42-3).
  • 94
    Oliveira, Companhia Mineira de Eletricidade (p. 27).
  • 95
    Ibid, (p. 27).
  • 96
    Bastos, Mariano Procópio Ferreira Lage (p. 21).
  • 97
    Ibid. (p. 27).
  • 98
    Ibid. (p. 22).
  • 99
    “O falecimento do dr. Norberto Custódio Ferreira”, in op. cit. (p.1).
  • 100
    “Dr. José Monteiro Ribeiro Junqueira”, in op. cit.
  • 101
    Costa, op. cit. (p. 541).
  • 102
    “Dr. José Monteiro Ribeiro Junqueira”, in op. cit.
  • 103
    Em 1905, por exemplo, Leopoldina era o oitavo maior produtor de café da Zona da Mata. Ver Lima, op. cit., p.36.
  • 104
    D.McDowall, The Light: Brazilian Traction, Light and Power Company Limited, 1899-1945, Toronto, 1988 (pp. 48-79).
  • 105
    P. Cammack, op. cit. (p. 57).
  • 106
    JEL Classification: N86; N96.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 1998
Centro de Economia Política Rua Araripina, 106, CEP 05603-030 São Paulo - SP, Tel. (55 11) 3816-6053 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: cecilia.heise@bjpe.org.br